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Documento 62004CJ0392

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 19 de Septembro de 2006.
i-21 Germany GmbH (C-392/04) e Arcor AG & Co. KG (C-422/04) contra Bundesrepublik Deutschland.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesverwaltungsgericht - Alemanha.
Serviços de telecomunicações - Directiva 97/13/CE - Artigo 11.º, n.º 1 - Taxas e encargos aplicáveis às licenças individuais - Artigo 10.º CE - Primado do direito comunitário - Segurança jurídica - Acto administrativo definitivo.
Processos apensos C-392/04 e C-422/04.

Colectânea de Jurisprudência 2006 I-08559

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2006:586

Processos apensos C‑392/04 e C‑422/04

i-21 Germany GmbH

e

Arcor AG & Co. KG, anteriormente ISIS Multimedia Net GmbH & Co. KG

contra

Bundesrepublik Deutschland

(pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Bundesverwaltungsgericht)

«Serviços de telecomunicações – Directiva 97/13/CE – Artigo 11.°, n.° 1 – Taxas e encargos aplicáveis às licenças individuais – Artigo 10.° CE – Primado do direito comunitário – Segurança jurídica – Acto administrativo definitivo»

Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer apresentadas em 16 de Março de 2006 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 19 de Setembro de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Aproximação das legislações – Sector das telecomunicações

(Directiva 97/13 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 11.°, n.° 1)

2.     Estados-Membros – Obrigações – Obrigação de cooperação

(Artigo 10.° CE; Directiva 97/13 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 11.°, n.° 1)

1.     O artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13, relativa a um quadro comum para autorizações gerais e licenças individuais no domínio dos serviços de telecomunicações, opõe‑se à imposição, a título das licenças individuais, de uma taxa calculada tendo em conta os custos administrativos gerais do organismo regulador relacionados com a aplicação destas licenças ao longo de um período de 30 anos.

Efectivamente, resulta dos termos desta disposição que as taxas cobradas pelos Estados‑Membros às empresas titulares de licenças individuais se destinam apenas a cobrir os custos administrativos ligados ao trabalho decorrente da aplicação das referidas licenças. Embora seja verdade que o conceito de custos administrativos é suficientemente amplo para abranger os chamados custos administrativos «gerais», estes devem ser apenas os relativos às quatro actividades expressamente mencionadas no artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13. Além disso, a taxa deve ser proporcionada ao volume de trabalho necessário e ser objecto de publicação adequada e suficientemente pormenorizada para que as informações estejam facilmente acessíveis. Ora, o cálculo destes custos para um período de 30 anos implica uma extrapolação das despesas em que futuramente se pode incorrer, que, por definição, não representa as despesas realmente efectuadas. Na falta de um mecanismo de revisão do montante da taxa imposta, este montante não pode ser estritamente proporcionado ao trabalho exigido, como expressamente impõe o artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13.

(cf. n.os 28, 29, 32, 33, 39, 42, disp. 1)

2.     O direito comunitário não exige que um órgão administrativo seja, em princípio, obrigado a revogar uma decisão administrativa que já adquiriu carácter definitivo no termo de prazos de recurso razoáveis ou por esgotamento das vias de recurso. O respeito por este princípio permite evitar que sejam indefinidamente postos em causa actos administrativos que produzam efeitos jurídicos. Contudo, em determinados casos, pode haver um limite a este princípio. Efectivamente, um órgão administrativo responsável pela adopção de uma decisão administrativa está obrigado, em aplicação do princípio da cooperação que decorre do artigo 10.° CE, a reexaminar esta decisão, e, eventualmente, a revogá‑la, se estiverem preenchidas quatro condições. Em primeiro lugar, que o órgão administrativo disponha, de acordo com o direito nacional, do poder de revogar esta decisão. Em segundo lugar, que a decisão em causa se tenha tornado definitiva em consequência de um acórdão de um órgão jurisdicional nacional que decidiu em última instância. Em terceiro lugar, que o referido acórdão, face à jurisprudência do Tribunal de Justiça posterior a esse acórdão, se baseie numa interpretação errada do direito comunitário aplicada sem que tenha sido submetida ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial nas condições previstas no artigo 234.°, n.° 3, CE. Em quarto lugar, que o interessado se tenha dirigido ao órgão administrativo imediatamente após ter tido conhecimento da referida jurisprudência. Importa assim que a empresa tenha esgotado todas as vias de recurso à sua disposição.

Por outro lado, o princípio da equivalência exige que o conjunto das regras aplicáveis aos recursos, incluindo os prazos fixados para a respectiva interposição, se aplique indiferentemente aos recursos assentes na violação do direito comunitário e aos assentes na violação do direito interno. Daqui decorre que, uma vez que as disposições nacionais aplicáveis aos recursos impõem a obrigação de revogação de um acto administrativo ilegal à luz do direito interno, apesar de este acto se ter tornado definitivo, quando a manutenção desse acto for «simplesmente insuportável», deve haver a mesma obrigação de revogação em condições equivalentes a respeito de um acto administrativo não conforme ao direito comunitário.

Assim, quando, em aplicação de normas de direito nacional, a administração seja obrigada a revogar uma decisão administrativa que se tornou definitiva se for manifestamente incompatível com o direito interno, idêntica obrigação deve existir se esta decisão for manifestamente incompatível com o direito comunitário. A este respeito, compete ao órgão jurisdicional nacional, em aplicação do artigo 10.° CE, em conjugação com o artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13, apreciar se uma regulamentação claramente incompatível com o direito comunitário, como a imposição de uma taxa de montante muito elevado que cubra uma estimativa dos custos gerais para um período de 30 anos, constitui uma ilegalidade manifesta na acepção do direito interno em questão. Se assim for, incumbe a este tribunal extrair todas as consequências que daí decorrem, nos termos do seu direito nacional, no que respeita à revogação destes avisos.

(cf. n.os 51‑53, 62, 63, 69‑72, disp. 2)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

19 de Setembro de 2006 (*)

«Serviços de telecomunicações – Directiva 97/13/CE – Artigo 11.°, n.° 1 – Taxas e encargos aplicáveis às licenças individuais – Artigo 10.° CE – Primado do direito comunitário – Segurança jurídica – Acto administrativo definitivo»

Nos processos apensos C‑392/04 e C‑422/04,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pelo Bundesverwaltungsgericht (Alemanha), por decisões de 7 de Julho de 2004, entrados no Tribunal de Justiça, respectivamente, em 16 de Setembro e 4 de Outubro de 2004, nos processos

i‑21 Germany GmbH (C‑392/04),

Arcor AG & Co. KG (C‑422/04), anteriormente ISIS Multimedia Net GmbH & Co. KG,

contra

Bundesrepublik Deutschland,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas e J. Malenovský, presidentes de secção, S. von Bahr (relator), J. N. Cunha Rodrigues, R. Silva de Lapuerta, K. Lenaerts, E. Juhász, G. Arestis, A. Borg Barthet e M. Ilešič, juízes,

advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 1 de Fevereiro de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da i‑21 Germany GmbH, por M. Geppert, M. Schütze e B. Kemper, Rechtsanwälte,

–       em representação da Arcor AG & Co. KG, por N. Nolte e J. Tiedemann, Rechtsanwälte,

–       em representação da Bundesrepublik Deutschland, por S. Prömper, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster e C. ten Dam, na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Shotter e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de Março de 2006,

profere o presente

Acórdão

1       Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Abril de 1997, relativa a um quadro comum para autorizações gerais e licenças individuais no domínio dos serviços de telecomunicações (JO L 117, p. 15), bem como do artigo 10.° CE.

2       Estes pedidos foram apresentados no quadro de dois litígios que opõem, por um lado, a i‑21 Germany GmbH (a seguir «i‑21») e, por outro lado, a Arcor AG & Co. KG, anteriormente ISIS Multimedia Net GmbH & Co. KG (a seguir «Arcor»), à Bundesrepublik Deutschland, a respeito das taxas pagas por estas sociedades para a obtenção de uma licença de telecomunicações.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       O artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 prevê:

«Os Estados‑Membros devem zelar por que quaisquer taxas cobradas a empresas no quadro dos processos de autorização se destinem apenas a cobrir os custos administrativos decorrentes da emissão, gestão, controlo e aplicação das licenças individuais. As taxas relativas a uma licença individual devem ser proporcionais ao trabalho envolvido e devem ser publicadas de modo adequado e suficientemente pormenorizado, por forma a facilitar o acesso a essas informações.»

4       A Directiva 97/13 foi revogada pela Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva‑quadro) (JO L 108, p. 33).

 Legislação nacional

5       O artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 foi transposto para direito alemão pela Lei relativa às telecomunicações (Telekommunikationsgesetz), de 25 de Julho de 1996 (BGBl. 1996 I, p. 1120, a seguir «TKG»), que constitui uma lei de habilitação, e pelo Regulamento relativo às taxas sobre as licenças de telecomunicações (Telekommunikations‑Lizenzgebührenverordnung), de 28 de Julho de 1997 (BGBl. 1997 I, p. 1936, a seguir «TKLGebV»), adoptado pelo Ministro Federal dos Correios e Telecomunicações, com base na TKG.

6       O § 48, n.° 1, do Código de Procedimento Administrativo (Verwaltungsverfahrensgesetz), de 25 de Maio de 1976 (BGBl. 1976 I, p. 1253), na versão publicada em 21 de Setembro de 1998 (BGBl. 1998 I, p. 3050), dispõe:

«Revogação de actos administrativos inválidos

Um acto administrativo inválido pode ser revogado, no todo ou em parte, com produção de efeitos para o futuro ou com efeitos retroactivos, mesmo quando tenha adquirido carácter definitivo. Um acto administrativo constitutivo ou confirmativo de direitos ou de interesses legalmente protegidos (acto administrativo gerador de direitos) só pode ser revogado com ressalva do disposto nos n.os 2 a 4.

[...]»

7       No que diz respeito a um aviso de liquidação a título de licenças de telecomunicações, o Bundesverwaltungsgericht refere que, em caso de revogação do aviso, as empresas interessadas têm direito ao reembolso dos montantes indevidamente pagos por força do § 21 da Lei sobre as despesas administrativas (Verwaltungskostengesetz), de 23 de Junho de 1970 (BGBl. 1970 I, p. 821).

8       Resulta das decisões de reenvio que, segundo a jurisprudência alemã, a autoridade administrativa dispõe, por força do § 48 do Código de Procedimento Administrativo, do poder, em princípio discricionário, de revogar um acto administrativo inválido, mesmo quando este se tenha tornado definitivo. Este poder discricionário pode, porém, desaparecer se a manutenção do acto em questão for «simplesmente insuportável» à luz dos conceitos de ordem pública, de boa fé, de equidade, de igualdade de tratamento ou de ilegalidade manifesta.

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

9       A i‑21 e a Arcor são duas empresas de telecomunicações. Por avisos de 14 de Junho de 2000 e de 18 de Maio de 2001, foram‑lhes impostas taxas de, aproximadamente, 5 420 000 euros, à primeira, e de 67 000 euros, à segunda, a título da licença individual de telecomunicações. Pagaram estas taxas sem as contestar e não recorreram no prazo de um mês a contar da notificação dos respectivos avisos de liquidação.

10     Por força da TKLGebV, o montante da taxa baseia‑se na liquidação antecipada dos custos administrativos gerais da autoridade reguladora por um período de 30 anos.

11     No quadro de um recurso de anulação de um aviso de liquidação impugnado dentro dos prazos previstos, o Bundesverwaltungsgericht declarou, por acórdão de 19 de Setembro de 2001, que a TKLGebV não era compatível com normas jurídicas hierarquicamente superiores, a saber, a TKG e a Lei Fundamental alemã, e confirmou a anulação do referido aviso que tinha sido pronunciada por um órgão jurisdicional de recurso.

12     Na sequência deste acórdão, a i‑21 e a Arcor requereram o reembolso das taxas que tinham pago. Porém, as respectivas reclamações foram indeferidas. Recorreram ambas para o Verwaltungsgericht, que negou provimento a estes recursos, uma vez que os avisos de liquidação se tinham tornado definitivos e que não havia razões para pôr em causa, no caso vertente, a recusa de revogação destes avisos pelo órgão administrativo.

13     A i‑21 e a Arcor consideraram que o Verwaltungsgericht cometeu um erro de direito, à luz não apenas do direito nacional mas ainda do direito comunitário, e apresentaram um pedido de «Revision» ao Bundesverwaltungsgericht. A i‑21 sustenta que se viu obrigada a pagar uma taxa de um montante mais de mil vezes superior ao imposto às empresas de telecomunicações, após ter sido proferido o acórdão de 19 de Setembro de 2001, já referido.

14     Nas suas decisões de reenvio, o Bundesverwaltungsgericht indica que os pedidos de «Revision» não poderão proceder se for unicamente aplicado o direito interno. Segundo este órgão jurisdicional, não se trata de casos em que a manutenção dos avisos de liquidação seja «simplesmente insuportável» e em que o poder discricionário da Administração esteja reduzido a tal ponto que não tivesse outra alternativa senão revogar estes avisos. Com efeito, o Bundesverwaltungsgericht considera que a manutenção dos avisos de liquidação não viola os conceitos de boa fé ou de igualdade de tratamento nem os de ordem pública ou de equidade, e que os avisos em causa também não assentam numa regulamentação manifestamente ilegal.

15     Em contrapartida, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se quanto ao alcance do direito comunitário. Em seu entender, o artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 parece opor‑se a uma regulamentação como a que está em causa no processo principal. Admitindo que a sua interpretação desta disposição esteja correcta, o Bundesverwaltungsgericht pretende seguidamente saber se esta mesma disposição, conjugada com o artigo 10.° CE, que consagra o dever de cooperação leal, não limitará o poder discricionário da autoridade reguladora, à luz, designadamente, do acórdão de 13 de Janeiro de 2004, Kühne & Heitz (C‑453/00, Colect., p. I‑837).

16     O Bundesverwaltungsgericht pergunta, em especial, se o artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 deve ser interpretado no sentido de que impõe aos Estados‑Membros, aquando do cálculo da imposição, o dever de respeitar os objectivos da directiva e de garantir o seu cumprimento. Estes objectivos comportam o de facilitar de forma significativa a entrada de novos concorrentes no mercado. Ora, a manutenção dos avisos de liquidação em causa constitui uma restrição da concorrência para as empresas interessadas, que ficarão em desvantagem, designadamente, em relação às empresas que contestaram os avisos de que eram destinatárias nos prazos fixados e que obtiveram a sua anulação. No entender do Bundesverwaltungsgericht, devendo este artigo ser interpretado no sentido de que proíbe esta restrição em matéria de concorrência, o princípio da cooperação que figura no artigo 10.° CE pode implicar a obrigação de revogar os avisos de liquidação em causa, em aplicação do direito interno, retirando à autoridade administrativa a respectiva margem de apreciação.

17     Nestas condições, o Bundesverwaltungsgericht decidiu suspender as instâncias e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 […] deve ser interpretado no sentido de que se opõe à cobrança de uma taxa cujo cálculo se baseia numa determinação antecipada dos custos administrativos gerais de uma autoridade reguladora nacional durante um período de 30 anos?

Em caso de resposta afirmativa à questão1:

2)      O artigo 10.° CE e o artigo 11.° da Directiva [97/13] devem ser interpretados no sentido de que impõem a anulação de uma decisão através da qual foram fixadas taxas, na acepção da questão 1, e que não foi impugnada, embora pudesse tê‑lo sido nos termos do direito nacional, quando tal anulação é permitida mas não imposta pelo direito nacional?»

18     Por despacho de 6 de Dezembro de 2005, os processos C‑392/04 e C‑422/04 foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão.

 Quanto à primeira questão

 Observações das partes

19     A i‑21, a Arcor e a Comissão das Comunidades Europeias sustentam que o artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 se opõe a uma taxa como a prevista pela regulamentação alemã em causa nos processos principais.

20     Pelo contrário, o Governo alemão alega que este artigo não é aplicável aos presentes processos, uma vez que a Directiva 97/13 foi revogada pela Directiva 2002/21 e que esta directiva não contém nenhuma medida transitória a respeito da aplicação do referido artigo.

21     O Governo alemão sustenta que, em todo o caso, o artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 não se opõe à imposição de uma taxa como a prevista pela regulamentação alemã. Por um lado, os custos administrativos mencionados no referido artigo compreendem os custos administrativos gerais. Por outro lado, o referido artigo não especifica que são apenas os custos administrativos efectivamente incorridos que podem ser incluídos na taxa, com exclusão dos custos administrativos futuros. A tomada em consideração destes últimos constitui uma garantia de segurança para as empresas, uma vez que têm a certeza de que, no futuro, não lhes voltará a ser cobrada uma taxa a título da licença.

 Resposta do Tribunal

22     Há que começar por examinar o argumento do Governo alemão, nos termos do qual o artigo 11.° da Directiva 97/13 é inaplicável aos litígios nos processos principais em razão da revogação desta directiva por uma directiva posterior.

23     A este respeito, há que referir que a Directiva 97/13 foi revogada pelo artigo 26.° da Directiva 2002/21, com efeitos a partir de 25 de Julho de 2003, em conformidade com o disposto no artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, desta última directiva.

24     Resulta, contudo, da leitura destes artigos 26.° e 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, que o legislador não pretendeu prejudicar os direitos e obrigações nascidos no âmbito da aplicação da Directiva 97/13, e que a Directiva 2002/21 só se aplica às situações jurídicas criadas a partir de 25 de Julho de 2003.

25     Por conseguinte e não obstante a revogação da Directiva 97/13 pela Directiva 2002/21, há que considerar que a validade de uma taxa como a imposta à i‑21 e à Arcor através de avisos de liquidação datados, respectivamente, de 14 de Junho de 2000 e de 18 de Maio de 2001, num período em que a Directiva 2002/21 ainda não se encontrava em vigor, deve ser apreciada à luz do artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13.

26     Há ainda que determinar se o conceito de «custos administrativos», previsto no referido artigo, compreende os custos administrativos gerais ligados aos regimes das licenças individuais e calculados para um período de 30 anos.

27     O Tribunal de Justiça teve já oportunidade de apreciar o alcance do artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13.

28     No acórdão de 18 de Setembro de 2003, Albacom e Infostrada (C‑292/01 e C‑293/01, Colect., p. I‑9449, n.° 25), o Tribunal de Justiça recordou que o artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 dispõe que as taxas cobradas pelos Estados‑Membros às empresas titulares de licenças individuais se destinam apenas a cobrir os custos administrativos ligados ao trabalho decorrente da aplicação das referidas licenças.

29     Resulta da redacção desta disposição, como interpretada pelo Tribunal de Justiça no n.° 25 do acórdão Albacom e Infostrada, já referido, que o dito trabalho apenas deve abranger quatro actividades, a saber, a emissão, a gestão, o controlo e a aplicação das licenças individuais. Além disso, a taxa deve ser proporcionada ao volume de trabalho necessário e ser objecto de publicação adequada e suficientemente pormenorizada para que as informações estejam facilmente acessíveis.

30     Estes requisitos respondem aos objectivos de proporcionalidade, de transparência e de não discriminação dos regimes de licenças individuais enunciados no segundo considerando da Directiva 97/13.

31     Importa, por conseguinte, verificar se o modo de cálculo da taxa em causa nos processos principais, que consiste em ter em conta os custos gerais, ao longo de um período de 30 anos, provocados pela implementação das licenças individuais, respeita o disposto no artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13, interpretado à luz destes objectivos.

32     A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que o conceito de custos administrativos é suficientemente amplo para abranger os chamados custos administrativos «gerais».

33     Estes custos administrativos gerais devem ser apenas os relativos às quatro actividades expressamente mencionadas no artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 e recordadas no n.° 29 do presente acórdão.

34     Ora, de acordo com as indicações apresentadas ao Tribunal, o cálculo da taxa em causa nos processos principais inclui as despesas relativas a outras tarefas, como a actividade geral de fiscalização da autoridade reguladora e, designadamente, o controlo dos eventuais abusos de posição dominante.

35     Dado que este tipo de controlo excede o trabalho estritamente decorrente da aplicação das licenças individuais, conclui‑se que a tomada em conta das despesas com ele relacionadas é contrária às disposições do artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13.

36     Em segundo lugar, importa certificar‑se de que os custos administrativos gerais relacionados com as quatro actividades mencionadas no referido artigo 11.°, n.° 1, podem ser estimados para um período de 30 anos e incluídos no cálculo da taxa.

37     Resulta das observações apresentadas ao Tribunal pela i‑21, a Arcor e a Comissão que uma estimativa que abrange um período tão longo suscita um problema de fiabilidade, tendo em conta as características do sector das telecomunicações. Estando este sector em plena evolução, verifica‑se, com efeito, que é difícil prever a situação do mercado e o número de empresas de telecomunicações, com vários anos de antecedência e, a fortiori, para um horizonte de 30 anos. Assim, não se sabe ao certo qual será o número de licenças individuais a gerir futuramente e, portanto, o montante dos custos gerais ligados a esta gestão. Além disso, a regulamentação aplicável pode sofrer alterações importantes, como demonstram as novas directivas adoptadas em 2002, entre as quais a Directiva 2002/21 que revogou a Directiva 97/13. Ora, estas alterações normativas poderão também afectar a dimensão dos custos administrativos decorrentes da aplicação do regime de licenças individuais.

38     A falta de fiabilidade da estimativa e os seus efeitos no cálculo da taxa têm consequências quanto à sua compatibilidade com as exigências de proporcionalidade, de transparência e de não discriminação.

39     Em primeiro lugar, o cálculo dos custos gerais para um período de 30 anos implica uma extrapolação das despesas em que futuramente se pode incorrer, que, por definição, não representa as despesas realmente efectuadas. Na falta de um mecanismo de revisão do montante da taxa imposta, este montante não pode ser estritamente proporcionado ao trabalho exigido, como expressamente impõe o artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13.

40     Seguidamente, não assentando este sistema de cálculo nas despesas realmente efectuadas, existe o risco de não satisfazer a exigência de publicação pormenorizada das informações relativas à taxa, prevista no artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13, e, com isso, o objectivo de transparência.

41     Por último, a obrigação imposta a todas as empresas de telecomunicações, de pagar um montante que representa os custos gerais ao longo de um período de 30 anos, não toma em consideração o facto de determinadas empresas só poderem operar no mercado durante alguns anos e pode, por conseguinte, conduzir a um tratamento discriminatório.

42     Resulta das considerações precedentes que o artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 se opõe à imposição, a título das licenças individuais, de uma taxa calculada tendo em conta os custos administrativos gerais do organismo regulador relacionados com a aplicação destas licenças ao longo de um período de 30 anos.

 Quanto à segunda questão

 Observações das partes

43     Tanto a i‑21 como a Arcor e a Comissão sustentam, mas por razões diferentes, que as disposições do artigo 10.° CE, interpretadas em conjugação com as do artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13, se opõem à manutenção de um acto administrativo ilegal, como os avisos de liquidação em causa nos processos principais, e exigem ao Estado‑Membro que reembolse os montantes ilegalmente cobrados.

44     A i‑21 sustenta que a manutenção deste acto administrativo é contrária ao princípio do primado do direito comunitário e à necessidade de preservar o seu efeito útil. De acordo com esta sociedade, embora o Tribunal de Justiça reconheça a importância do princípio da segurança jurídica, este não prevalece em todos os casos sobre o princípio da legalidade. A i‑21 realça que no acórdão Kühne & Heitz, já referido, o Tribunal considerou que um acto administrativo que adquiriu força de caso julgado na sequência de uma decisão irrecorrível pode ser objecto de anulação, em determinadas condições, se for contrário ao direito comunitário. A i‑21 considera que esta possibilidade se impõe a fortiori quando se trata de um acto administrativo que não foi objecto de uma decisão judicial e que, simplesmente, adquiriu carácter definitivo no termo dos prazos fixados para a interposição de um recurso.

45     A Arcor entende, por seu turno, que a jurisprudência Kühne & Heitz, já referida, não é pertinente, na medida em que diz respeito a um conflito indirecto entre uma regra processual nacional e uma norma de direito comunitário substancial, impedindo a primeira que esta última se aplique. Segundo a Arcor, o litígio nos processos principais deve ser considerado um conflito directo entre duas normas de direito substancial. O artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13, interpretado à luz do artigo 10.° CE, exige o reembolso das taxas cobradas em violação do referido artigo 11.°, ao passo que a regulamentação nacional proíbe este reembolso. A Arcor entende que o direito comunitário deve, neste caso, prevalecer sobre o direito nacional contrário.

46     Em contrapartida, a Comissão defende que o acórdão Kühne & Heitz, já referido, constitui um ponto de partida adequado e lembra que, em princípio, um acto administrativo não impugnado dentro dos prazos fixados não deve ser revogado. A Comissão refere seguidamente que, no caso em apreço, importa verificar se a manutenção dos avisos de liquidação controvertidos não deve, porém, ser considerada «simplesmente insuportável» à luz do artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13, realizando este exame à luz dos princípios da equivalência e da efectividade.

47     No que toca ao princípio da equivalência, a Comissão alega que, nos termos do direito alemão, não pode ser mantido um acto administrativo manifestamente ilegal à luz do direito nacional. Se este exame fosse também efectuado à luz do direito comunitário, daí resultaria, segundo a Comissão, que os avisos de liquidação em causa nos processos principais e a regulamentação em que assentam deviam ser considerados manifestamente ilegais à luz do referido artigo 11.°, n.° 1 da Directiva 97/13.

48     A Comissão chega à mesma conclusão no que se refere à aplicação do princípio da efectividade. Considera que a manutenção dos avisos de liquidação torna impossível, na prática, o exercício dos direitos decorrentes do referido artigo 11.°, n.° 1, permitindo uma compensação excessiva que conduz à restrição da concorrência ao longo de um período de 30 anos.

 Resposta do Tribunal de Justiça

49     Há que delimitar o quadro em que se insere a questão colocada. Contrariamente ao que sustenta a Arcor, a segunda questão não tem por objecto o conflito entre duas normas de direito substancial relativo ao reembolso de taxas cobradas ilegalmente. Na verdade, nem as disposições do artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 nem as da TKG e do TKLGebV, tal como esta lei e este regulamento foram apresentados nos processos submetidos ao Tribunal de Justiça, se referem a este reembolso.

50     Pelo contrário, a questão respeita à relação entre o artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 e o § 48 do Código de Procedimento Administrativo, como interpretado pelo Bundesverwaltungsgericht. Por força desta última disposição, findo um certo prazo, os avisos de liquidação adquirem carácter definitivo e os seus destinatários já não podem interpor recurso que lhes permita invocar um direito decorrente do artigo 11.°, n.° 1, sem prejuízo da obrigação, que incumbe à autoridade administrativa competente, de revogar um acto administrativo ilegal cuja manutenção seja «simplesmente insuportável».

51     De acordo com o princípio da segurança jurídica, o direito comunitário não exige que um órgão administrativo seja, em princípio, obrigado a revogar uma decisão administrativa que já adquiriu carácter definitivo no termo de prazos de recurso razoáveis ou por esgotamento das vias de recurso (v. acórdão Kühne & Heitz, já referido, n.° 24). O respeito por este princípio permite evitar que sejam indefinidamente postos em causa actos administrativos que produzam efeitos jurídicos (v., por analogia, acórdão de 14 de Setembro de 1999, Comissão/AssiDomän Kraft Products e o., C‑310/97 P, Colect., p. I‑5363, n.° 61).

52     Contudo, o Tribunal de Justiça reconheceu que, em determinados casos, pode haver um limite a este princípio. Assim, no n.° 28 do acórdão Kühne & Heitz, já referido, considerou que o órgão administrativo responsável pela adopção de uma decisão administrativa está obrigado, em aplicação do princípio da cooperação que decorre do artigo 10.° CE, a reexaminar esta decisão, e, eventualmente, a revogá‑la, se estiverem preenchidas quatro condições. Em primeiro lugar, que o órgão administrativo disponha, de acordo com o direito nacional, do poder de revogar esta decisão. Em segundo lugar, que a decisão em causa se tenha tornado definitiva em consequência de um acórdão de um órgão jurisdicional nacional que decidiu em última instância. Em terceiro lugar, que o referido acórdão, face à jurisprudência do Tribunal de Justiça posterior a esse acórdão, se baseie numa interpretação errada do direito comunitário aplicada sem que tenha sido submetida ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial nas condições previstas no artigo 234.°, n.° 3, CE. Em quarto lugar, que o interessado se tenha dirigido ao órgão administrativo imediatamente após ter tido conhecimento da referida jurisprudência.

53     O processo na origem do acórdão Kühne & Heitz, já referido, é, porém, totalmente diferente dos processos principais. Com efeito, a empresa Kühne & Heitz NV tinha esgotado todas as vias de recurso à sua disposição, ao passo que, no caso dos processos principais, a i‑21 e a Arcor não recorreram dos avisos de liquidação de que eram destinatárias.

54     Por conseguinte, contrariamente à posição defendida pela i‑21, o acórdão Kühne & Heitz, já referido, não é pertinente para efeitos de determinar se, numa situação como a que está em causa nos processos principais, um órgão administrativo está obrigado a reexaminar decisões que se tornaram definitivas.

55     Os recursos pendentes no órgão jurisdicional de reenvio visam o reembolso de taxas pagas por força de avisos de liquidação que se tornaram definitivos, com o fundamento de que, nos termos do § 48 do Código de Procedimento Administrativo, como interpretado pelo Bundesverwaltungsgericht, a autoridade administrativa competente está obrigada a revogar estes avisos.

56     A questão que se coloca é, portanto, a de saber se, a fim de salvaguardar os direitos que para os particulares decorrem do direito comunitário, o tribunal nacional, ao qual foram submetidos estes recursos, pode ser levado a reconhecer a existência desta obrigação da autoridade administrativa.

57     A este respeito, há que recordar que, de acordo com jurisprudência assente, não havendo regulamentação comunitária na matéria, as vias processuais destinadas a salvaguardar os direitos que para os particulares decorrem do direito comunitário dependem da ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, por força do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, na condição, porém, de não serem menos favoráveis do que as que regulam situações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e de não tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (v., designadamente, acórdãos de 16 de Maio de 2000, Preston e o., C‑78/98, Colect., p. I‑3201, n.° 31, e de 7 de Janeiro de 2004, Wells, C‑201/02, Colect., p. I‑723, n.° 67).

58     No que respeita, em primeiro lugar, ao princípio da efectividade, este requer que as regras aplicáveis ao tratamento dos avisos de liquidação que assentam numa regulamentação incompatível com o artigo 11.°, n.° 1 da Directiva 97/13 não tornem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos por esta directiva.

59     Assim, importa que as empresas interessadas possam interpor recurso destes avisos num prazo razoável a contar da notificação dos mesmos e invocar os direitos que retiram do direito comunitário, designadamente do artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13.

60     Nos processos principais, não foi sustentado que as regras respeitantes à interposição de recursos, designadamente o prazo de um mês fixado para o efeito, eram desrazoáveis.

61     Há também que recordar que, nos termos do § 48, n.° 1, do Código de Procedimento Administrativo, um acto administrativo ilegal pode ser revogado mesmo quando se tenha tornado definitivo.

62     Seguidamente, o princípio da equivalência exige que o conjunto das regras aplicáveis aos recursos, incluindo os prazos fixados para a respectiva interposição, se aplique indiferentemente aos recursos assentes na violação do direito comunitário e aos assentes na violação do direito interno.

63     Daqui decorre que, uma vez que as disposições nacionais aplicáveis aos recursos impõem a obrigação de revogação de um acto administrativo ilegal à luz do direito interno, apesar de este acto se ter tornado definitivo, quando a manutenção desse acto for «simplesmente insuportável», deve haver a mesma obrigação de revogação em condições equivalentes a respeito de um acto administrativo não conforme ao direito comunitário.

64     Resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio que, para efeitos da análise do conceito de natureza «simplesmente insuportável», o tribunal nacional apreciou se a manutenção dos avisos de liquidação em causa nos processos principais violava os princípios de direito nacional da igualdade de tratamento, da equidade, da ordem pública ou da boa fé, ou ainda se a incompatibilidade dos avisos de liquidação com normas de direito superior era manifesta.

65     No que toca ao princípio da igualdade de tratamento, segundo o Bundesverwaltungsgericht, este princípio não foi violado uma vez que as empresas, como a i‑21 e a Arcor, cujo aviso de liquidação foi mantido, não tinham exercido o direito que lhes assistia de contestar estes avisos. Não se encontram, portanto, numa situação comparável à das empresas que, tendo exercido esse direito, obtiveram a revogação dos avisos de liquidação de que foram destinatárias.

66     Esta aplicação do princípio da igualdade de tratamento previsto na regulamentação em causa nos processos principais não difere consoante o litígio verse sobre uma situação regulada no direito interno ou sobre uma situação regulada pelo direito comunitário e, por conseguinte, não se afigura que viole o princípio da equivalência.

67     Por outro lado, não foi alegado que os princípios do respeito da ordem pública, da boa fé ou da equidade tenham sido aplicados diferentemente consoante a natureza do litígio.

68     Em contrapartida, foi suscitada a questão de saber se o conceito de ilegalidade manifesta foi aplicado de modo equivalente. No entender da Comissão, o tribunal nacional procurou determinar se os avisos de liquidação assentavam numa regulamentação manifestamente ilegal à luz das normas de nível superior, a saber, a TKG e a Lei Fundamental alemã, mas não efectuou este exame, ou não o efectuou correctamente, à luz do direito comunitário. A Comissão sustenta que a regulamentação é manifestamente ilegal à luz das disposições do artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 e que o princípio da equivalência não foi, portanto, respeitado.

69     Quando, em aplicação de normas de direito nacional, a administração seja obrigada a revogar uma decisão administrativa que se tornou definitiva se for manifestamente incompatível com o direito interno, idêntica obrigação deve existir se esta decisão for manifestamente incompatível com o direito comunitário.

70     A fim de avaliar o grau de clareza do artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13 e de apreciar o carácter manifesto ou não da incompatibilidade do direito nacional com este artigo, há que tomar em consideração os objectivos da referida directiva, que faz parte das medidas adoptadas para a liberalização total dos serviços e das infra‑estruturas de telecomunicações e se destina a facilitar a entrada de novos operadores no mercado (v., neste sentido, acórdão Albacom e Infostrada, já referido, n.° 35). A este respeito, a imposição de uma taxa de montante muito elevado que cubra uma estimativa dos custos gerais para um período de 30 anos é de natureza a entravar seriamente a concorrência, como salientou o órgão jurisdicional de reenvio nos seus pedidos prejudiciais, e constitui um factor relevante no quadro desta apreciação.

71     Cabe ao órgão jurisdicional nacional, à luz das precedentes considerações, apreciar se uma regulamentação claramente incompatível com o direito comunitário, como aquela em que assentam os avisos de liquidação em causa nos processos principais, constitui uma ilegalidade manifesta na acepção do direito interno em questão.

72     Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 10.° CE, interpretado em conjugação com o artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13, obriga o tribunal nacional a apreciar se uma regulamentação claramente incompatível com o direito comunitário, como aquela em que assentam os avisos de liquidação em causa nos processos principais, constitui uma ilegalidade manifesta na acepção do direito nacional em questão. Se assim for, incumbe a este tribunal extrair todas as consequências que daí decorrem, nos termos do seu direito nacional, no que respeita à revogação destes avisos.

 Quanto às despesas

73     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Abril de 1997, relativa a um quadro comum para autorizações gerais e licenças individuais no domínio dos serviços de telecomunicações, opõe‑se à imposição, a título das licenças individuais, de uma taxa calculada tendo em conta os custos administrativos gerais do organismo regulador relacionados com a aplicação destas licenças ao longo de um período de 30 anos.

2)      O artigo 10.° CE, interpretado em conjugação com o artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13, obriga o tribunal nacional a apreciar se uma regulamentação claramente incompatível com o direito comunitário, como aquela em que assentam os avisos de liquidação em causa nos processos principais, constitui uma ilegalidade manifesta na acepção do direito nacional em questão. Se assim for, incumbe a este tribunal extrair todas as consequências que daí decorrem, nos termos do seu direito nacional, no que respeita à revogação destes avisos.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.

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