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Documento 62003CJ0409

Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 26 de Maio de 2005.
Société d'exportation de produits agricoles SA (SEPA) contra Hauptzollamt Hamburg-Jonas.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesfinanzhof - Alemanha.
Restituições à exportação - Carne de bovino - Abate especial de emergência - Regulamento (CEE) n.º 3665/87 - Artigo 13.º - Qualidade sã, leal e comerciável - Carácter comerciável em condições normais.
Processo C-409/03.

Colectânea de Jurisprudência 2005 I-04321

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2005:319

Processo C‑409/03

Société d'exportation de produits agricoles SA (SEPA)

contra

Hauptzollamt Hamburg‑Jonas

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof)

«Restituições à exportação – Carne de bovino – Abate especial de emergência – Regulamento (CEE) n.° 3665/87 – Artigo 13.° – Qualidade sã, leal e comerciável – Carácter comerciável em condições normais»

Conclusões do advogado‑geral P. Léger apresentadas em 3 de Fevereiro de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 26 de Maio de 2005 

Sumário do acórdão

Agricultura – Organização comum de mercado – Restituições à exportação – Condições de concessão – Produtos de qualidade sã, leal e comerciável – Conceito – Carne que não pode ser comercializada em condições normais – Exclusão

(Regulamento n.° 3665/87 da Comissão, artigo 13.°)

O artigo 13.° do Regulamento n.° 3665/87, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas, deve ser interpretado no sentido de que a carne que satisfaz os critérios de sanidade e cuja comercialização para consumo humano na Comunidade Europeia é limitada pela regulamentação comunitária ao mercado local, em virtude de provir de animais que foram objecto de abate especial de emergência, não pode ser considerada de «qualidade sã, leal e comerciável», condição necessária para a concessão de restituições à exportação. Com efeito, essa carne não podendo ser comercializada em condições normais, mesmo que satisfaça os critérios de sanidade e seja objecto de uma transacção comercial, não preenche a referida condição para a concessão da restituição.

(cf. n.os 22, 30, 32, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

26 de Maio de 2005 (*)

«Restituições à exportação – Carne de bovino – Abate especial de emergência – Regulamento (CEE) n.° 3665/87 – Artigo 13.° – Qualidade sã, leal e comerciável – Carácter comerciável em condições normais»

No processo C‑409/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), por decisão de 15 de Julho de 2003, entrado no Tribunal em 1 de Outubro de 2003, no processo

Société d’exportation de produits agricoles SA (SEPA)

contra

Hauptzollamt Hamburg‑Jonas,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Lenaerts, N. Colneric, K. Schiemann e E. Juhász (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Léger,

secretário: M.‑F. Contet, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Novembro de 2004,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da SEPA, por D. Ehle, Rechtsanwalt,

–       em representação do Hauptzollamt Hamburg‑Jonas, por M. Blaesing, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo helénico, por G. Kanellopoulos, V. Kontolaimos e E. Svolopoulou, na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Paasivirta e G. Braun, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de Fevereiro de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial visa a interpretação do artigo 13.° do Regulamento (CEE) n.° 3665/87 da Comissão, de 27 de Novembro de 1987, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas (JO L 351, p. 1).

2       As questões prejudiciais foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a Société d’exportation de produits agricoles SA (a seguir «SEPA») ao Hauptzollamt Hamburg‑Jonas (estância aduaneira alemã, a seguir «Hauptzollamt») acerca da recusa de concessão de restituições à exportação para carnes bovinas provenientes de animais que tinham sido objecto de um abate especial de emergência e exportadas pela SEPA para países terceiros.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       O Regulamento n.° 3665/87 refere no nono considerando:

«[é] conveniente que os produtos sejam de qualidade tal que possam ser comercializados em condições normais».

4       O artigo 13.° deste mesmo regulamento dispõe:

«Não será concedida qualquer restituição quando os produtos não são de qualidade sã, leal e comerciável, e, caso esses produtos se destinem à alimentação humana, quando a sua utilização para esse fim ficar excluída ou consideravelmente diminuída devido às suas características ou ao seu estado.»

5       O Regulamento n.° 3665/87 foi substituído, a partir de 1 de Julho de 1999, pelo Regulamento (CE) n.° 800/1999 da Comissão, de 15 de Abril de 1999, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas (JO L 102, p. 11), que dispõe, no seu artigo 11.°, n.° 1:

«Só será concedida uma restituição para os produtos que […] se encontrem em livre prática na Comunidade […]»

6       O artigo 21.°, n.° 1, primeiro, segundo e terceiro parágrafos, deste mesmo regulamento está redigido da seguinte forma:

«1.      Sempre que os produtos não sejam de qualidade sã, leal e comercial na data de deferimento da declaração de exportação, não será concedida qualquer restituição.

Os produtos satisfazem a exigência do primeiro parágrafo sempre que possam ser comercializados no território da Comunidade em condições normais e sob a designação constante do pedido de concessão da restituição e sempre que, quando sejam destinados ao consumo humano, a sua utilização para esse fim não fique excluída ou consideravelmente diminuída devido às suas características ou ao seu estado.

A questão de saber se os produtos satisfazem as exigências referidas no primeiro parágrafo deve ser examinada em conformidade com as normas ou usos em vigor na Comunidade.»

7       O artigo 2.°, alínea n), da Directiva 64/433/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1964, relativa a problemas sanitários em matéria de comércio intracomunitário de carne fresca (JO 1964, 121, p. 2012), tal como alterada e codificada pela Directiva 91/497/CEE do Conselho, de 29 de Julho de 1991 (JO L 268, p. 69, a seguir «Directiva 64/433»), dá a seguinte definição:

«‘Abate especial de emergência’: qualquer abate ordenado por um veterinário na sequência de um acidente ou de perturbações fisiológicas e funcionais graves. O abate especial de emergência decorrerá fora do matadouro sempre que o veterinário considerar que o transporte do animal se revela impossível ou lhe imporia sofrimento inútil.»

8       O artigo 6.°, n.° 1, desta directiva está assim redigido:

«Os Estados‑Membros velarão por que:

[…]

e)      As carnes provenientes de animais que tiverem sido objecto de um abate especial de emergência só possam ser admitidas para consumo humano no mercado local e unicamente se forem respeitadas as seguintes condições […]».

 Regulamentação nacional

9       O § 13 da Fleischhygienegesetz (lei alemã sobre o controlo sanitário das carnes), de 19 de Janeiro de 1996 ( BGBl. 1996 I, p. 59), está redigido da seguinte forma:

«§ 13 – Abates em caso de doença

(1) Os animais que

1. devam ser objecto de um abate especial de emergência ou que

2. propaguem agentes patogénicos,

apenas podem ser abatidos em matadouros especiais (chamados matadouros isolados). Após cada abate num matadouro isolado, as instalações e as máquinas utilizadas devem ser limpas e desinfectadas.

(2) A carne proveniente de animais doentes abatidos deste modo apenas pode ser comercializada como género alimentício através de postos de venda dos referidos matadouros, especialmente aprovados e supervisionados para esse efeito pela autoridade competente e deve ser especificamente identificável.

[…]

(4) O Ministério Federal é autorizado a adoptar disposições, através de decreto aprovado pelo Bundesrat, na medida necessária à protecção dos consumidores ou para fazer aplicar os actos jurídicos das instituições das Comunidades Europeias, relativamente aos pontos seguintes:

1.      regras mínimas em matéria de higiene aplicáveis aos matadouros isolados para prevenir todo e qualquer risco de disseminação de agentes patogénicos,

2.      etiquetagem da carne em causa,

3.      regras mínimas em matéria de higiene aplicáveis aos postos de venda e à sua aprovação e controlo, bem como as condições e o processo a seguir para os aprovar ou retirar a aprovação,

4.      regras mínimas em matéria de higiene aplicáveis à armazenagem, ao transporte e à venda, pelos postos de venda, da carne proveniente de animais doentes abatidos nas condições anteriormente descritas,

5.      regras mínimas em matéria de higiene aplicáveis à realização de abates de emergência e à venda da carne proveniente desse tipo de abates.»

10     As disposições da referida lei foram postas em prática através do Fleischhygieneverordnung (regulamento sobre o controlo sanitário da carnes) (BGBl. 1997 I, p. 1138), cujo § 10 prevê que a carne proveniente de matadouros isolados «[...] só pode ser vendida em postos de venda aprovados [...], e unicamente a consumidores finais [...]».

 Factos do processo principal e questões prejudiciais

11     A SEPA, empresa francesa, exportou para países terceiros carne proveniente de matadouros isolados alemães onde são abatidos os animais doentes e os que devem ser abatidos de emergência por razões especiais (por exemplo, na sequência de um acidente). Até Outubro de 1997, foram concedidas restituições para essas exportações.

12     Em de Novembro de 1997, a SEPA apresentou uma declaração de exportação relativa a uma remessa de carne bovina congelada proveniente de animais abatidos nos referidos matadouros, para a qual foi pedida ao Hauptzollamt a concessão de restituições. Esta concessão foi recusada devido ao facto de este produto não ser de «qualidade leal e comerciável» na acepção do artigo 13.° do Regulamento n.° 3665/87, pois o circuito de distribuição das carnes abatidas nessas condições estava estritamente limitado pela regulamentação nacional.

13     Foi negado provimento ao recurso interposto pela SEPA para o Finanzgericht Hamburg da decisão de recusa, fundado no facto de não estarem preenchidas as condições de concessão de uma restituição à exportação. Este órgão jurisdicional considerou que a carne não era de «qualidade leal e comerciável», devido ao facto de a comercialização de carne proveniente de matadouros isolados estar sujeita a restrições especiais em direito alemão.

14     Uma vez que os matadouros isolados dispunham de atestados veterinários de acordo com os quais a carne era própria para consumo humano e satisfazia as exigências da regulamentação alemã sobre o estado sanitário das carnes e que, para efeitos das formalidades aduaneiras, outros certificados de sanidade tinham igualmente sido passados, a SEPA interpôs recurso para o Bundesfinanzhof da decisão do Finanzgericht Hamburg.

15     Considerando que a solução do litígio necessita de uma interpretação do direito comunitário, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)      O conceito ‘qualidade leal e comerciável’, previsto no artigo 13.° do Regulamento n.° 3665/87 […], exige que a produção e a comercialização dos bens em causa apenas estejam sujeitas ao regime geral aplicável a todos os produtos da respectiva categoria e exclui, por conseguinte, do regime das restituições à exportação os produtos cuja produção, tratamento ou comercialização se encontrem subordinados a restrições específicas como, por exemplo, a imposição de um exame especial de sanidade ou a uma limitação a determinados circuitos de distribuição?

2)      O conceito de ‘qualidade leal e comerciável’, previsto no artigo 13.° do Regulamento n.° 3665/87, exige que o produto a exportar seja de qualidade média e exclui, desta forma, da concessão das restituições à exportação produtos de menor qualidade que podem, apesar disso, ser comercializados sob a designação utilizada no pedido de concessão da restituição? Este também é o caso quando a qualidade inferior não tenha tido qualquer influência sobre a conclusão da transacção comercial?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

 Observações apresentadas ao Tribunal

16     A SEPA observa que a única condição para a concessão de uma restituição à exportação é a emissão de um certificado de sanidade para a mercadoria. Na sua opinião, a «qualidade leal e comercializável» deve ser apreciada em função das características objectivas da própria mercadoria, que são inerentes a esta e que existem independentemente da questão da «distribuição ilimitada» ou de uma «canalização da distribuição». Por conseguinte, a limitação a certos circuitos de distribuição não deve restringir o carácter comerciável de uma mercadoria. Sublinha que, na acepção do artigo 13.° do Regulamento n.° 3665/87, a possibilidade de comercializar o produto no mercado local é suficiente para admitir a «qualidade comercial». A SEPA precisa, além disso, que os princípios da igualdade de tratamento e da segurança jurídica, que revestem particular importância no âmbito do regime comunitário das restituições, exigem que as regulamentações que impõem encargos sejam claras e precisas, a fim de que as pessoas com direito à restituição possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e as suas obrigações e tomar as disposições adequadas.

17     O Hauptzollamt, que não apresentou observações escritas, alegou na audiência que, mesmo que a carne proveniente de animais que foram objecto de abate especial de emergência não seja de qualidade inferior em si mesma, mas seja considerada própria para consumo após controlo veterinário, de um ponto de vista jurídico, só pode ser posta à venda no mercado local e em certos pontos de venda específicos. Em virtude das regulamentações comunitária e alemã pertinentes, as possibilidades de comercialização dessa carne são muito limitadas; a mesma não é, por isso, nem comercial nem comerciável, na acepção do artigo 13.° do Regulamento n.° 3667/87. No que respeita ao mercado significativo, aos possíveis canais de distribuição, à concorrência e ao regime relativo à carne, as diferenças entre esta carne e a que entra nas redes de comercialização sem restrições são tão numerosas que a única semelhança é o facto de se tratar de carne. O Hauptzollamt sustenta, por outro lado, que o referido artigo 13.° não visa apenas a protecção da saúde, mas também a limitação das restituições à exportação apenas aos produtos que, de algum modo, as merecem.

18     A República Helénica considera que as «condições normais» de comercialização dos produtos agrícolas podem constituir o quadro das situações que são regulamentadas tanto pelas regras de aplicação geral relativas à produção e à distribuição destes produtos e que são válidas para todos os produtos de uma mesma categoria como por restrições especiais, que afectam nomeadamente a produção, o tratamento e a distribuição de certos produtos. As regulamentações de aplicação geral, por um lado, e as restrições especiais, por outro, constituem em conjunto critérios de conformidade dos produtos agrícolas com a «qualidade leal e comercializável» exigida, de forma que a questão da diferenciação em relação às «condições normais» de comercialização não se coloca.

19     Segundo a Comissão das Comunidades Europeias, o conceito de «qualidade sã, leal e comercializável» significa que o produto deve poder ser comercializado em condições normais. Considera que um tipo de carne como a que está em causa no processo principal, que provém de centros de abate isolados, não corresponde a este critério, porque o seu comércio é limitado. A Comissão sustenta, portanto, que um produto dessa natureza, ainda que a sua sanidade não seja contestada, não preenche o requisito de «qualidade sã, leal e comercializável», porque não pode ser comercializado em condições normais.

 Apreciação do Tribunal

20     Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, tendo em conta o contexto factual do processo principal, o artigo 13.° do Regulamento n.° 3665/87 deve ser interpretado no sentido de que uma carne que cumpre os critérios de sanidade e cuja comercialização para consumo humano na Comunidade Europeia está limitada pela regulamentação comunitária ao mercado local, em virtude de provir de animais que foram objecto de abate especial de emergência, pode ou não ser considerada de «qualidade sã, leal e comerciável», sendo esta condição necessária para a concessão de restituições à exportação.

21     O Regulamento n.° 3665/87 prevê, no seu artigo 13.°, que nenhuma restituição será concedida quando os produtos não são de «qualidade sã, leal e comerciável» e, se os produtos forem destinados à alimentação humana, quando a sua utilização para esse fim estiver excluída ou consideravelmente diminuída em virtude das suas características ou do seu estado.

22     A este propósito, o Tribunal de Justiça já decidiu, no contexto do Regulamento n.° 1041/67/CEE da Comissão, de 21 de Dezembro de 1967, que estabelece modalidades de aplicação das restituições à exportação no sector dos produtos sujeitos a um regime de preço único (JO 1967, 314, p. 9), que a exigência de «qualidade sã, leal e comerciável» é uma condição geral e objectiva para a concessão de uma restituição, quaisquer que sejam as exigências de tipo e de qualidade previstas pelos regulamentos que fixam os montantes das restituições para cada produto. Um produto que não pode ser comercializado no território comunitário em condições normais e sob a designação que consta no pedido de concessão de uma restituição não preenche essas exigências de qualidade (v. acórdão de 9 de Outubro de 1973, Muras, 12/73, Recueil, p. 963, n.° 12; Colect. 1973, p. 359).

23     Esta interpretação é retomada no nono considerando do Regulamento n.° 3665/87, que enuncia a conveniência de que os produtos sejam de qualidade tal que possam ser comercializados em condições normais (v. acórdão de 19 de Novembro de 1998, França/Comissão, C‑235/97, Colect., p. I‑7555, n.° 77).

24     Além disso, o Tribunal de Justiça já decidiu que, embora seja da competência dos Estados‑Membros, na ausência de uma norma comunitária que defina o conceito de «qualidade sã, leal e comerciável», adoptar as disposições pertinentes mais precisas, estas disposições nacionais não podem ser contrárias à economia geral da regulamentação comunitária aplicável, que exige uma qualidade que permita a comercialização em condições normais (v., nomeadamente, acórdãos de 8 de Junho de 1994, Ellinika Dimitriaka, C‑371/92, Colect., p. I‑2391, n.° 23, e França/Comissão, já referido, n.os 76 e 77).

25     Por conseguinte, os Estados‑Membros têm a faculdade de adoptar disposições nacionais mais precisas respeitantes ao conceito de «qualidade sã, leal e comerciável» do direito comunitário, mas o seu poder normativo é limitado pela regulamentação comunitária, nomeadamente pelos critérios estabelecidos no artigo 13.° do Regulamento n.° 3665/87, interpretado à luz do nono considerando do mesmo regulamento.

26     O facto de o carácter comerciável do produto «em condições normais» ser um elemento inerente ao conceito de «qualidade sã, leal e comerciável» resulta aliás claramente da regulamentação relativa às restituições à exportação para os produtos agrícolas, na medida em que, desde o Regulamento n.° 1041/67, todos os regulamentos pertinentes reproduziram tanto o conceito de «qualidade sã, leal e comerciável» como o critério do carácter comercializável do produto «em condições normais» como exigências para que um produto possa dar direito a uma restituição à exportação.

27     No que respeita ao Regulamento n.° 800/1999, há que observar que o seu artigo 21.°, n.° 1, primeiro e segundo parágrafos, prevê que nenhuma restituição seja concedida quando os produtos não têm «qualidade sã, leal e comerciável» no dia da aceitação da declaração de exportação e que os produtos satisfazem esta exigência «quando podem ser comercializados no território da Comunidade em condições normais». Deve reconhecer‑se que esta disposição, entrada em vigor posteriormente aos factos do processo principal, reproduzindo os conceitos acima mencionados, não alterou mas, pelo contrário, confirmou uma situação jurídica existente.

28     No que respeita aos termos «comercializar em condições normais», a tese de que as restrições particulares que afectam a produção, o tratamento e a distribuição dos produtos constituem o quadro das situações regulamentadas e contribuem assim para as «condições normais» não pode ser aceite, porque esvazia este último conceito do seu conteúdo. Este raciocínio, se fosse seguido, equivaleria a aceitar que qualquer produto que possa ser objecto de uma transacção comercial legal deve poder ser qualificado como «comerciável em condições normais».

29     A este propósito, há que citar a Directiva 64/433, que, no seu artigo 6.°, n.° 1, alínea e), dispõe que os Estados‑Membros velarão por que as carnes provenientes de animais que tiverem sido objecto de um abate especial de emergência só possam ser admitidas para consumo humano no mercado local e unicamente se forem respeitadas diversas condições adicionais.

30     Ora, não pode considerar‑se que uma carne como a que está em causa no processo principal, cuja produção, tratamento e distribuição são considerados restritos, mesmo que satisfaça os critérios de sanidade e seja objecto de uma transacção comercial, tem carácter comerciável «em condições normais».

31     Além disso, parece de qualquer modo incoerente apoiar as exportações destes produtos para países terceiros quando no seio da Comunidade só podem ser comercializados em mercados locais.

32     Resulta do que precede que se deve responder à primeira questão que o artigo 13.° do Regulamento n.° 3665/87 deve ser interpretado no sentido de que uma carne que satisfaz os critérios de sanidade e cuja comercialização com vista ao consumo humano na Comunidade é limitada pela regulamentação comunitária ao mercado local, em virtude de provir de animais que foram objecto de abate especial de emergência, não pode ser considerada de «qualidade sã, leal e comerciável», condição necessária para a concessão de restituições à exportação.

 Quanto à segunda questão

33     Pela segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o artigo 13.° do Regulamento n.° 3665/87 deve ser interpretado no sentido de que uma mercadoria exportada, que habitualmente é objecto de comercialização, pode ou não ser considerada de «qualidade sã, leal e comerciável», condição necessária para a concessão de restituições à exportação, quando a sua qualidade é inferior à qualidade média deste tipo de mercadoria.

34     Tendo em atenção a resposta dada à primeira questão, não há necessidade de responder à segunda.

 Quanto às despesas

35     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 13.° do Regulamento (CEE) n.° 3665/87 da Comissão, de 27 de Novembro de 1987, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas, deve ser interpretado no sentido de que uma carne que satisfaz os critérios de sanidade e cuja comercialização para consumo humano na Comunidade Europeia é limitada pela regulamentação comunitária ao mercado local, em virtude de provir de animais que foram objecto de abate especial de emergência, não pode ser considerada de «qualidade sã, leal e comerciável», condição necessária para a concessão de restituições à exportação.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.

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