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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62001CJ0117

Acórdão do Tribunal de 7 de Janeiro de 2004.
K.B. contra National Health Service Pensions Agency e Secretary of State for Health.
Pedido de decisão prejudicial: Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) - Reino Unido.
Artigo 141.ºCE - Directiva 75/117/CEE - Igualdade de tratamento entre homens e mulheres - Exclusão de um parceiro transexual do benefício de uma pensão de sobrevivência cuja concessão é limitada ao cônjuge sobrevivo - Discriminação em razão do sexo.
Processo C-117/01.

Colectânea de Jurisprudência 2004 I-00541

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2004:7

Arrêt de la Cour

Processo C-117/01


K. B.
contra
National Health Service Pensions Agency eSecretary of State for Health



[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal(England & Wales) (Civil Division)]

«Artigo 141.° CE – Directiva 75/117/CEE – Igualdade de tratamento entre homens e mulheres – Exclusão de um parceiro transexual do benefício de uma pensão de sobrevivência cuja concessão é limitada ao cônjuge sobrevivo – Discriminação em razão do sexo»

Conclusões do advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 10 de Junho de 2003
    
Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004
    

Sumário do acórdão

Política social – Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos – Igualdade de remuneração – Legislação nacional que exclui do acesso ao casamento os transexuais operados – Inadmissibilidade – Direito de os seus parceiros os fazerem beneficiar de uma pensão de sobrevivência – Apreciação pelo órgão jurisdicional nacional

(Artigo 141.° CE)

O artigo 141.° CE opõe‑se, em princípio, a uma legislação que, em violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, impede um casal heterossexual, em que a identidade sexual de um dos parceiros é o resultado de uma operação médica de mudança de sexo, de preencher a condição de casamento necessária para que um deles possa beneficiar de um elemento da remuneração do outro. Dado que incumbe aos Estados‑Membros determinar as condições do reconhecimento jurídico da mudança de sexo de uma pessoa que mudou de sexo na sequência de uma operação médica, compete ao juiz nacional verificar se o parceiro dessa pessoa transexual pode invocar o artigo 141.° CE, a fim de ver reconhecido o seu direito de fazer beneficiar o seu parceiro transexual de uma pensão de sobrevivência.

(cf. n.os  33‑36, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
7 de Janeiro de 2004(1)

«Artigo 141.° CE – Directiva 75/117/CEE – Igualdade de tratamento entre homens e mulheres – Exclusão de um parceiro transexual do benefício de uma pensão de sobrevivência cuja concessão é limitada ao cônjuge sobrevivo – Discriminação em razão do sexo»

No processo C-117/01,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE , pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

K. B.

e

National Health Service Pensions Agency,Secretary of State for Health,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 141.° CE e da Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (JO L 45, p. 19),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,,



composto por: V. Skouris, presidente, C. W. A. Timmermans, J. N. Cunha Rodrigues (relator) e A. Rosas, presidentes de secção, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet, F. Macken, N. Colneric, e S. von Bahr, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,
secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação de K. B., por C. Hockney e L. Cox, QC, e por T. Eicke, barrister,

em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, na qualidade de agente, assistido por N. Paines, QC,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por N. Yerrel, na qualidade de agente,

ouvidas as alegações de K. B., representada por L. Cox e T. Eicke, do Governo do Reino Unido, representado por J. E. Collins, assistido por N. Paines, e da Comissão, representada por J. Sack e L. Flynn, na qualidade de agentes, na audiência de 23 de Abril de 2002,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 10 de Junho de 2003,

profere o presente



Acórdão



1
Por despacho de 14 de Dezembro de 2000, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de Março de 2001, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) submeteu, em aplicação do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 141.° CE e da Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (JO L 45, p. 19; EE 05 F2 p. 52).

2
Essa questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe K. B., inscrita no regime de reforma do National Health Service (serviço nacional de saúde, a seguir «NHS»), à NHS Pensions Agency (serviço do regime de reforma do NHS) e ao Secretary of State for Health, a propósito da recusa de atribuição de uma pensão de viuvez ao seu parceiro transexual.


Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

3
O artigo 141.° CE dispõe:

«Os Estados‑Membros assegurarão a aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos, por trabalho igual ou de valor igual.

2. Para efeitos do presente artigo, entende-se por ‘remuneração’ o salário ou vencimento ordinário, de base ou mínimo, e quaisquer outras regalias pagas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do emprego deste último.

[…]»

4
O artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Directiva 75/117 prevê:

«O princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e os trabalhadores femininos, que consta do artigo 119.° do Tratado e a seguir denominado por ‘princípio da igualdade de remuneração’, implica, para um mesmo trabalho ou para um trabalho a que for atribuído um valor igual, a eliminação, no conjunto dos elementos e condições de remuneração, de qualquer discriminação em razão do sexo.»

5
Nos termos do artigo 3.° da mesma directiva:

«Os Estados‑membros devem suprimir as discriminações entre homens e mulheres que decorram de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas e que sejam contrárias ao princípio da igualdade de remuneração.»

Regulamentação nacional

6
Resulta das Sections 1 e 2 do Sex Discrimination Act 1975 (Lei de 1975 relativa à discriminação em razão do sexo, a seguir «Lei de 1975») que é proibido cometer actos discriminatórios directamente contra uma pessoa de um determinado sexo, tratando-a de um modo menos favorável do que se trata ou trataria um membro do sexo oposto. Estas disposições proíbem igualmente a discriminação indirecta que definem, em substância, como a aplicação de uma condição ou exigência uniforme que tenha um efeito negativo desproporcionado e injustificado em relação às pessoas de um dos sexos.

7
Na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 1996, P./S. (C‑13/94, Colect., p. I‑2143), o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte adoptou as Sex Discrimination (Gender Reassignment) Regulations 1999 (Regulamento de 1999 relativo à discriminação sexual em caso de mudança de sexo), que alteraram a Lei de 1975, a fim de esta passar a abranger as situações de discriminação directa baseada na mudança de sexo de um trabalhador.

8
A Section 11, alínea c), do Matrimonial Causes Act de 1973 (Lei de 1973 reguladora do casamento) estabelece a nulidade do casamento se os cônjuges não forem um homem e uma mulher.

9
A Section 29, n.os 1 e 3, do Birth and Deaths Registration Act 1953 (Lei de 1953 relativa ao registo dos nascimentos e dos óbitos) proíbe qualquer alteração do registo de nascimento, salvo no caso de um erro de escrita ou material.

10
As NHS Pension Scheme Regulations 1995 (Regulamento de 1995 relativo ao regime de reforma do NHS) prevêem, na sua Section G7, n.° 1, que, se um inscrito do sexo masculino falecer em circunstâncias definidas por este regulamento e deixar um «viúvo» sobrevivo, este terá, em princípio, direito a uma pensão de sobrevivência. O termo «viúvo» não é definido. No entanto, é ponto assente que, em direito inglês, este termo se refere a uma pessoa casada com a pessoa inscrita.


Litígio no processo principal e questão prejudicial

11
K. B., recorrente no processo principal, é uma mulher que trabalhou durante cerca de 20 anos para o NHS, nomeadamente como enfermeira, e está inscrita no NHS Pension Scheme.

12
K. B. vive há vários anos uma relação afectiva e doméstica com R., uma pessoa que nasceu do sexo feminino e inscrita como tal no Registo Civil e que, na sequência de uma intervenção cirúrgica de mudança de sexo, se tornou um homem, sem, no entanto, ter obtido a alteração do seu registo de nascimento para oficializar a mudança de sexo. Por essa razão, e contra a vontade de ambos, K. B. e R. não puderam casar. K.B. afirmou nos seus articulados e recordou na audiência que a sua união tinha sido consagrada por uma «cerimónia na igreja aprovada por um membro do colégio episcopal de Inglaterra» e que se tinham comprometido mutuamente «do mesmo modo que um casal tradicional».

13
Uma vez que não se casaram, a NHS Pensions Agency informou K. B. de que, no caso de esta última falecer em primeiro lugar, R. não poderia receber uma pensão de viuvez dado que a possibilidade de beneficiar dessa prestação é reservada ao cônjuge sobrevivo e que nenhuma disposição legal do Reino Unido reconhece a qualidade de cônjuge na falta de um casamento legal.

14
K. B. recorreu para o Employment Tribunal (Reino Unido) alegando que as disposições nacionais que limitam as prestações aos viúvos de inscritos constituem uma discriminação em razão do sexo, contrária ao artigo 141.° CE e à Directiva 75/117. Segundo K. B., estas últimas disposições exigem que, neste contexto, o conceito de «viuvez» seja interpretado no sentido de abranger também o membro sobrevivo de um casal que teria obtido esse estado se a circunstância de pertencer a um determinado sexo não tivesse sido o resultado de uma intervenção cirúrgica de mudança de sexo.

15
Tanto o Employment Tribunal, por decisão de 16 de Março de 1998, como o Employment Appeal Tribunal, London (Reino Unido), por acórdão de 19 de Agosto de 1999, proferido em instância de recurso, consideraram que o regime de reforma em questão não é discriminatório.

16
K. B. submeteu o litígio à Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division), que decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A exclusão de um parceiro transexual (de mulher para homem) de uma mulher filiada no regime de pensões do National Health Service, que limita as prestações a favor dos dependentes a cargo ao seu viúvo, constitui uma discriminação em razão do sexo, na acepção do artigo 141.° CE e da Directiva 75/117?»


Quanto à questão prejudicial

Observações submetidas ao Tribunal de Justiça

17
Segundo K. B., a decisão que lhe recusa o direito de designar R. como beneficiário da pensão de viuvez foi adoptada unicamente por um motivo ligado à mudança de sexo deste último. Com efeito, se R. não tivesse mudado de sexo e se isso não o impedisse de casar, R. teria direito à pensão de sobrevivência na qualidade de cônjuge sobrevivo.

18
Defende que o acórdão P./S., já referido, segundo o qual o direito comunitário proíbe as discriminações que têm origem na mudança de sexo de uma pessoa, é de aplicar ao processo principal, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio considerou que K. B. e R. formavam um casal heterossexual cujo único traço característico é que o sexo de um dos parceiros resulta de uma intervenção cirúrgica. Consequentemente, considera que o tratamento desfavorável de que são objecto decorre unicamente do facto de R. ter mudado de sexo, o que, em sua opinião, constitui uma discriminação directa em razão do sexo, proibida pelo artigo141.° CE e pela Directiva 75/117.

19
A título subsidiário, K. B. defende que a exigência de casamento constitui uma discriminação indirecta contra os transexuais, uma vez que, contrariamente ao que acontece com um casal heterossexual em que nenhum dos parceiros é transexual, no caso de um casal heterossexual de que um dos membros se submeteu a uma intervenção cirúrgica para mudar de sexo, o critério do casamento não pode nunca ser preenchido.

20
O Governo do Reino Unido alega que nem os empregados masculinos nem os empregados femininos do NHS não casados com o respectivo parceiro podem beneficiar das prestações de sobrevivência previstas pelo NHS Pension Sheme, seja qual for aliás a razão pela qual não estão casados. Pouco importa que a razão pela qual um empregado não pode satisfazer a obrigação de casamento resida no facto de ter um parceiro homossexual, como no processo que deu lugar ao acórdão de 17 de Fevereiro de 1998, Grant (C‑249/96, Colect., p. I‑621), ou que tenha um parceiro transexual, como no processo principal, ou resulte de qualquer outra circunstância.

21
O Governo do Reino Unido afirma, além disso, que o acórdão de 31 de Maio de 2001, D e Suécia/Conselho (C‑122/99 P e C‑125/99 P, Colect., p. I‑4319), é transponível para a situação do processo principal, uma vez que a disposição contestada do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias contém, como no referido processo, uma condição de casamento e não exige simplesmente uma relação estável de uma certa natureza para a atribuição do abono de lar.

22
A Comissão considera que o elemento determinante no processo que deu lugar ao acórdão P./S., já referido, era o facto de o tratamento desfavorável de que P. era objecto ser directamente provocado pela sua mudança de sexo e ter origem nessa mudança, uma vez que este último não teria sido despedido se não tivesse mudado de sexo.

23
Todavia, no processo principal o tratamento desfavorável criticado só muito remotamente está relacionado com a mudança de sexo de R., resultando antes, na opinião da Comissão, da impossibilidade de o casal contrair matrimónio. Nestas condições, a Comissão considera que o acórdão P./S., já referido, não é transponível para o referido processo.

Apreciação do Tribunal de Justiça

24
A Comissão defende igualmente que K. B. não pode invocar o direito comunitário alegando que o nexo indirecto entre a mudança de sexo de R. e a recusa em lhe ser paga a pensão de sobrevivência bastaria para qualificar essa recusa como uma discriminação em razão do sexo. Com efeito, por um lado, o acórdão Grant, já referido, reconheceu implicitamente que a definição de casamento é uma questão de direito da família, que é da competência dos Estados–Membros. Por outro lado, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem reiteradamente declarado que o obstáculo ao casamento resultante do facto de o direito do Reino Unido não permitir a um transexual alterar o seu registo de nascimento não constitui uma violação dos artigos 8.°, 12.° ou 14.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

25
As prestações concedidas em virtude de um regime de pensões, que depende essencialmente do emprego que ocupava o interessado, prendem-se com a remuneração de que este último beneficiava e enquadram‑se no âmbito de aplicação do artigo 141.° CE (v., nomeadamente, acórdãos de 17 de Maio de 1990, Barber, C‑262/88, Colect., p. 1889, n.° 28, e de 12 de Setembro de 2002, Niemi, C-351/00, Colect., p. I-7007, n.° 40).

26
O Tribunal de Justiça reconheceu igualmente que uma pensão de sobrevivência prevista por um regime deste tipo é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 141.° CE. A este respeito, o Tribunal esclareceu que a circunstância de essa pensão, por definição, não ser paga ao trabalhador, mas ao seu sobrevivente, não é susceptível de alterar esta interpretação, uma vez que tal prestação é uma regalia que tem a sua origem na inscrição no regime do cônjuge do sobrevivente, de modo que a pensão é atribuída a este último no âmbito da relação de emprego entre a entidade patronal e o referido cônjuge e lhe é paga em razão do emprego deste último (v. acórdãos de 6 de Outubro de 1993, Ten Oever, C-109/91, Colect., p. I-4879, n.os 12 e 13, e de 9 de Outubro de 2001, Menauer, C‑379/99, Colect., p. I‑7275, n.° 18).

27
A pensão de sobrevivência paga no quadro de um regime profissional de segurança social como o instituído pelo NHS Pension Scheme constitui igualmente uma remuneração na acepção do artigo 141.° CE e da Directiva 75/117.

28
A decisão de reservar certas vantagens aos casais compostos por pessoas casadas entre si, excluindo todos os que coabitam sem serem casados, é uma questão que depende da opção do legislador ou da interpretação das normas jurídicas de direito interno efectuada pelos órgãos jurisdicionais nacionais, não podendo os particulares invocar nenhuma discriminação em razão do sexo proibida pelo direito comunitário (v., no que respeita aos poderes do legislador comunitário, acórdão D e Suécia/Conselho, já referido, n.os 37 e 38).

29
No caso vertente, tal exigência não pode, por si só, ser considerada discriminatória em razão do sexo e, portanto, contrária ao artigo 141.° CE ou à Directiva 75/117, uma vez que o facto de o requerente ser um homem ou uma mulher é indiferente para efeitos da concessão da pensão de sobrevivência.

30
Numa situação como a do processo principal, existe, porém, uma desigualdade de tratamento que, embora não ponha em causa directamente o benefício de um direito protegido pelo direito comunitário, afecta uma das suas condições de concessão. Como acertadamente sublinhou o advogado‑geral no n.° 74 das suas conclusões, essa desigualdade de tratamento não incide sobre o reconhecimento de uma pensão de viuvez, mas apenas sobre uma condição prévia indispensável para a sua concessão, isto é, a capacidade para se casar.

31
Com efeito, no Reino Unido, em relação aos casais heterossexuais em que a identidade de nenhum dos parceiros é o resultado de uma operação de mudança de sexo e que podem, portanto, casar‑se e, eventualmente, beneficiar de uma pensão de sobrevivência que constitui um elemento da remuneração de um deles, um casal como o formado por K. B. e R. de nenhum modo está em condições de preencher a condição de casamento, tal como prevista pelo NHS Pension Scheme com vista à concessão de uma pensão de sobrevivência.

32
A origem desta impossibilidade objectiva reside no facto de que, em primeiro lugar, a Lei de 1973 reguladora do casamento estabelece a nulidade do casamento se os cônjuges não forem um homem e uma mulher, em seguida, que se presume que o sexo de uma pessoa é o que figura no registo de nascimento e, finalmente, que a lei relativa ao registo dos nascimentos e dos óbitos proíbe qualquer alteração do registo de nascimento, salvo no caso de um erro de escrita ou material.

33
Cabe recordar que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que a impossibilidade de um transexual se casar com uma pessoa do sexo ao qual pertencia antes da operação de mudança de sexo, e que resulta do facto de, tendo em conta o registo civil, serem pessoas do mesmo sexo atendendo a que a legislação do Reino Unido não permite o reconhecimento jurídico da sua nova identidade sexual, constitui uma violação do seu direito de se casar, previsto no artigo 12.° da CEDH (v. TEDH, acórdãos Christine Goodwin c. Reino Unido e I. c. Reino Unido de 11 de Julho de 2002, ainda não publicados no Recueil des arrêts et décisions, respectivamente §§ 97 a 104 e §§ 77 a 84).

34
Uma legislação como a que está em causa no processo principal, que, em violação da CEDH, impede um casal, como K. B. e R., de preencher a condição de casamento necessária para que um deles possa beneficiar de um elemento da remuneração do outro deve ser considerada, em princípio, incompatível com as exigências do artigo 141.° CE.

35
Dado que incumbe aos Estados–Membros determinar as condições do reconhecimento jurídico da mudança de sexo de uma pessoa na situação de R., como de resto foi admitida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (acórdão Goodwin c. Reino Unido, já referido, § 103), compete ao juiz nacional verificar se, num caso como o do processo principal, uma pessoa na situação de K. B. pode invocar o artigo 141.° CE, a fim de ver reconhecido o seu direito de fazer beneficiar o seu parceiro de uma pensão de sobrevivência.

36
Resulta de quanto precede que o artigo 141.° CE se opõe, em princípio, a uma legislação que, em violação da CEDH, impede um casal, como K. B. e R., de preencher a condição de casamento necessária para que um deles possa beneficiar de um elemento da remuneração do outro. Compete ao juiz nacional verificar se, num caso como o do processo principal, uma pessoa na situação de K. B. pode invocar o artigo 141.° CE, a fim de ver reconhecido o seu direito de fazer beneficiar o seu parceiro de uma pensão de sobrevivência.


Quanto às despesas

37
As despesas efectuadas pelo Governo do Reino Unido e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão submetida pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division), por despacho de 14 de Dezembro de 2000, declara:

Skouris

Timmermans

Cunha Rodrigues

Rosas

Edward

Puissochet

Macken

Colneric

von Bahr

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Janeiro de 2004.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo: inglês.

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