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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62001CJ0465

Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 16 de Septembro de 2004.
Comissão das Comunidades Europeias contra República da Áustria.
Incumprimento de Estado - Livre circulação de trabalhadores - Nacionais da União ou do EEE - Nacionais de países terceiros ligados à Comunidade por um acordo - Elegibilidade para as câmaras do trabalho e para os conselhos de empresa - Princípio da não discriminação no que respeita às condições de trabalho.
Processo C-465/01.

Colectânea de Jurisprudência 2004 I-08291

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2004:530

Arrêt de la Cour

Processo C-465/01

Comissão das Comunidades Europeias

contra

República da Áustria

«Incumprimento de Estado – Livre circulação de trabalhadores – Nacionais da União ou do EEE – Nacionais de países terceiros ligados à Comunidade por um acordo – Elegibilidade para as câmaras do trabalho e para os conselhos de empresa – Princípio da não discriminação no que respeita às condições de trabalho»

Sumário do acórdão

1.        Livre circulação de pessoas – Trabalhadores – Igualdade de tratamento – Exercício dos direitos sindicais – Legislação nacional que exclui os trabalhadores nacionais de outro Estado‑Membro da União ou do Espaço Económico Europeu da elegibilidade para as câmaras profissionais – Inadmissibilidade – Justificação assente numa eventual participação no exercício do poder público – Inexistência

(Artigo 39.° CE; Acordo EEE, artigo 28.°; Regulamento n.° 1612/68 do Conselho, artigo 8.°)

2.        Acordos internacionais – Acordos de associação ou de cooperação da Comunidade – Livre circulação de pessoas – Trabalhadores – Igualdade de tratamento – Exercício dos direitos sindicais – Legislação nacional que exclui os trabalhadores nacionais de um país terceiro que celebrou um acordo com a Comunidade da elegibilidade para as câmaras profissionais e para os conselhos de empresa – Inadmissibilidade

1.        Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 39.° CE e 8.° do Regulamento n.° 1612/68, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 2434/92, bem como do artigo 28.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, um Estado‑Membro que recusa o direito de elegibilidade para organismos de representação e de defesa dos interesses dos trabalhadores como as câmaras profissionais aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

Tal regulamentação é, com efeito, contrária ao princípio fundamental da proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade em que assentam as referidas disposições.

Nem a natureza jurídica dos organismos em causa como definida pelo direito nacional, nem a circunstância de certas funções deste organismo poderem consubstanciar uma participação no exercício do poder público podem justificar esta regulamentação.

(cf. n.os 30, 33, 40, 56, disp.)

2.        Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força das disposições dos acordos celebrados entre a Comunidade e países terceiros, prevendo o princípio da não discriminação no que respeita às condições de trabalho em benefício dos trabalhadores que exercem uma profissão em condições regulares num Estado‑Membro, um Estado‑Membro que recusa aos referidos trabalhadores o direito de elegibilidade para organismos de representação e de defesa dos interesses dos trabalhadores como as câmaras profissionais e os conselhos de empresa.

Com efeito, do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade enunciado nos acordos em questão resulta que todos os trabalhadores, quer sejam nacionais ou cidadãos de um dos países terceiros em questão, beneficiam de condições de trabalho idênticas, e, designadamente, podem participar, de forma igual, nas eleições organizadas por estes organismos. Uma diferença de tratamento em razão da nacionalidade é contrária a este princípio fundamental.

(cf. n.os 48, 49, 56, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
16 de Setembro de 2004(1)

«Incumprimento de Estado – Livre circulação de trabalhadores – Nacionais da União ou do EEE – Nacionais de países terceiros ligados à Comunidade por um acordo – Elegibilidade para as câmaras do trabalho e para os conselhos de empresa – Princípio da não discriminação no que respeita às condições de trabalho»

No processo C-465/01,que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE,entrada em 4 de Dezembro de 2001,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Sack, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

República da Áustria, representada por H. Dossi, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),,



composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, R. Schintgen (relator), R. Silva de Lapuerta, P. Kuris e G. Arestis, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,
secretário: R. Grass,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem audiência e sem conclusões,

profere o presente



Acórdão



1
Com a sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede que o Tribunal de Justiça declare que a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força

a)
dos artigos 39.° CE e 8.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n.° 2434/92 do Conselho, de 27 de Julho de 1992 (JO L 245, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1612/68»), bem como do artigo 28.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (JO 1994, L 1, p. 3 e p. 572, a seguir «Acordo sobre o EEE»), ao recusar aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (a seguir «EEE») o direito de elegibilidade para as câmaras do trabalho;

b)
das disposições dos acordos celebrados pela Comunidade com determinados países terceiros que prevêem o princípio da não discriminação no que respeita às condições de trabalho em benefício dos trabalhadores originários destes países que exerçam, em condições regulares, uma profissão num Estado‑Membro, ao recusar a estes trabalhadores o direito de serem eleitos para os conselhos de empresa e para a assembleia plenária das câmaras do trabalho.


O quadro jurídico

As disposições relevantes do direito comunitário

2
Nos termos do artigo 39.° CE:

«1. A livre circulação dos trabalhadores fica assegurada na Comunidade.

2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados‑Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

[…]

4. O disposto no presente artigo não é aplicável aos empregos na administração pública.»

3
O primeiro considerando do Regulamento n.° 1612/68 tem a seguinte redacção:

«Considerando que a livre circulação dos trabalhadores deve ficar assegurada, na Comunidade, o mais tardar no termo do período de transição; que a realização deste objectivo implica a abolição entre os trabalhadores dos Estados‑Membros de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho, bem como o direito daqueles trabalhadores se deslocarem livremente na Comunidade para exercerem uma actividade assalariada, sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública.»

4
Os artigos 7.° e 8.° do Regulamento n.° 1612/68 figuram na primeira parte deste, que trata «[d]e emprego e da família dos trabalhadores», no título II, intitulado «Do exercício do emprego e da igualdade de tratamento».

5
O referido artigo 7.° prevê:

«1. O trabalhador nacional de um Estado‑Membro não pode, no território de outros Estados‑Membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2. Aquele trabalhador beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.

[...]

4. São nulas todas e quaisquer cláusulas de convenção colectiva ou individual ou de qualquer outra regulamentação colectiva respeitantes ao acesso ao emprego, ao emprego, à remuneração e às outras condições de trabalho e de despedimento, na medida em que prevejam ou autorizem condições discriminatórias relativamente aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros.»

6
Nos termos do artigo 8.° do Regulamento n.° 1612/68:

«O trabalhador nacional de um Estado‑Membro empregado no território de outro Estado‑Membro beneficia da igualdade de tratamento em matéria de filiação em organizações sindicais e de exercício dos direitos sindicais, incluindo o direito de voto e o acesso aos postos de administração ou de direcção de uma organização sindical; pode ser excluído da participação na gestão de organismos de direito público e do exercício de uma função de direito público. Beneficia, além disso, do direito de elegibilidade para os órgãos de representação dos trabalhadores na empresa.

Estas disposições não prejudicam as disposições legislativas ou a regulamentação que, nalguns Estados‑Membros, concedem direitos mais amplos aos trabalhadores provenientes de outros Estados‑Membros.»

7
O artigo 28.° do Acordo sobre o EEE dispõe:

«1. A livre circulação dos trabalhadores é assegurada entre os Estados‑Membros das Comunidades Europeias e os Estados da EFTA.

2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados‑Membros das Comunidades Europeias e dos Estados da EFTA, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

[…]

4. O disposto no presente artigo não é aplicável aos empregos na administração pública.

[…].»

8
A Comunidade celebrou um certo número de acordos com países terceiros − que incluem, designadamente, o acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, os acordos europeus que instituem uma associação com os países da Europa Central ou Oriental ou ainda os acordos de cooperação, e seguidamente de associação celebrados com os países do Magreb −, nos termos dos quais os trabalhadores nacionais dos países terceiros em causa e que estejam legalmente ocupados no território de um Estado‑Membro beneficiam do princípio da ausência de qualquer discriminação em razão da nacionalidade no que respeita às condições de trabalho e de remuneração.

A regulamentação nacional

9
Na Áustria, a Arbeiterkammergesetz (lei sobre as câmaras do trabalho, BGBl. 1991/626, na sua versão publicada no BGBl. I, 1998/166, a seguir «AKG») prevê, no seu § 1, que as câmaras do trabalho e dos empregados, bem como a câmara federal do trabalho e dos empregados (a seguir «câmaras do trabalho») têm por finalidade representar e promover os interesses sociais, económicos e culturais dos trabalhadores de ambos os sexos.

10
As referidas câmaras, que são organismos de direito público nos quais estão, em princípio, filiados todos os trabalhadores através do pagamento de uma cotização, também exercem uma função consultiva no domínio legislativo.

11
Entre os órgãos das câmaras do trabalho figura, designadamente, a assembleia plenária (§ 46 da AKG). É eleita – por um período de cinco anos (§ 18, n.° 1, da AKG) – pelos trabalhadores com direito de voto, com base num escrutínio igualitário, directo e secreto, segundo os princípios do voto proporcional (§ 19 da AKG). Em conformidade com o disposto no § 20, n.° 1, da AKG, todos os trabalhadores filiados na câmara do trabalho em causa na data escolhida para as eleições gozam do direito de voto.

12
No que toca às condições de elegibilidade, o § 21 da AKG dispõe:

«Pode ser eleito para uma câmara do trabalho qualquer trabalhador filiado nesta câmara que, no dia escolhido para as eleições,

1.       tenha completado 19 anos de idade e

2.       que, nos últimos cinco anos, tenha estado empregado na Áustria durante pelo menos dois anos, no total, no quadro de um contrato de trabalho ou de emprego que justifique a filiação na referida câmara e

3.       independentemente do requisito da idade para ser eleito, não tenha sido declarado inelegível pelo conselho nacional.»

13
Nos termos do § 26, n.° 4, da Bundesverfassungsgesetz (lei constitucional federal):

«Podem ser eleitos todos os homens e todas as mulheres que tenham nacionalidade austríaca no dia determinante e que tenham completado 19 anos de idade antes do dia 1 de Janeiro do ano em que se realiza a eleição.»

14
Os conselhos de empresa, cuja instituição é obrigatória nas empresas austríacas de certa dimensão, estão encarregados de defender os interesses dos trabalhadores e da empresa em causa e, designadamente, de zelar pelo respeito das disposições legais adoptadas em seu favor.

15
O § 53, n.° 1, da Arbeitsverfassungsgesetz (lei orgânica sobre o trabalho, BGBl. 1974/22, na sua versão publicada no BGBl. 1993/460), que fixa as condições de elegibilidade para um conselho de empresa, tem a seguinte redacção:

«Pode ser eleito qualquer assalariado que

1.       a) possua a nacionalidade austríaca, ou

          b) seja nacional de um Estado signatário do Acordo sobre o EEE, e

2.
tenha completado 19 anos de idade na data da convocação dos eleitores, e

3.
possua pelo menos seis meses de antiguidade no estabelecimento ou na empresa de que depende o estabelecimento, e

4.
independentemente da condição da nacionalidade austríaca, a quem não tenha sido retirado o direito de participar na eleição para o conselho nacional […].»


A fase pré‑contenciosa

16
Por entender que a regulamentação austríaca é incompatível com os requisitos do direito comunitário, pois, por um lado, só permite a eleição para as câmaras do trabalho aos nacionais austríacos e, por outro, exclui da eleição para as câmaras do trabalho e para os conselhos de empresa os trabalhadores regularmente empregados num Estado‑Membro e cujo país de origem tenha celebrado com a Comunidade um acordo nos termos do qual beneficiem da igualdade de tratamento em matéria de condições de trabalho, a Comissão notificou a República da Áustria, por ofício de 9 de Julho de 1999, para apresentar as suas observações a esse respeito num prazo de dois meses.

17
Em 6 de Setembro de 1999, o Governo austríaco reconheceu a não conformidade da sua regulamentação com as suas obrigações por força do direito comunitário no que toca aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros da União ou do EEE, observando, no entanto, que a regulamentação interna em questão estava privada de efeitos devido à aplicabilidade directa do direito comunitário. Contudo, estavam em curso as alterações necessárias, a fim de alargar a elegibilidade para as câmaras do trabalho ao conjunto dos trabalhadores, independentemente da sua nacionalidade. Em contrapartida, este governo contestou a tese da Comissão no que respeita aos trabalhadores aos quais um acordo celebrado com o país terceiro de que são originários garante o benefício da igualdade de tratamento em matéria de condições de trabalho, a partir do momento em que exerçam legalmente uma actividade assalariada num Estado‑Membro.

18
Não tendo sido introduzida qualquer alteraçᆪo à regulamentação austríaca, a Comissão enviou, em 29 de Dezembro de 2000, um parecer fundamentado à República da Áustria, convidando‑a a adoptar, num prazo de dois meses a contar da sua notificação, as medidas necessárias para o cumprimento das obrigações decorrentes dos artigos 39.° CE, 8.° do Regulamento n.° 1612/68 e 28.° do Acordo sobre o EEE, bem como das disposições dos acordos bilaterais, anteriormente referidos, celebrados pela Comunidade.

19
Não contendo a resposta do Governo austríaco a esse parecer fundamentado, que figura em dois ofícios de 27 de Fevereiro e 12 de Abril de 2001, qualquer elemento novo, a Comissão decidiu intentar a presente acção.


Quanto à acção

20
A Comissão invoca dois fundamentos para a sua acção. O primeiro assenta na recusa aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros da União ou do EEE do direito de elegibilidade a serem eleitos para as câmaras do trabalho. O segundo diz respeito à exclusão da elegibilidade para a assembleia plenária das câmaras do trabalho e para o conselho de empresa dos trabalhadores originários de um país terceiro regularmente empregados na Áustria e que beneficiam de um acordo, celebrado entre a Comunidade e o respectivo país, prevendo o princípio da não discriminação no que respeita às condições de trabalho.

21
Há que examinar sucessivamente o mérito destes dois fundamentos.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

22
Segundo a Comissão, a condição prevista pela regulamentação austríaca, nos termos da qual a elegibilidade para as câmaras do trabalho está subordinada à posse da nacionalidade austríaca, é manifestamente incompatível com os artigos 39.° CE e 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1612/68, tal como são interpretados pelo Tribunal de Justiça, bem como com o artigo 28.° do Acordo sobre o EEE, que contém disposições análogas.

23
Com efeito, resulta dos acórdãos de 4 de Julho de 1991, ASTI (C‑213/90, Colect., p. I‑3507, a seguir «acórdão ASTI I»), e de 18 de Maio de 1994, Comissão/Luxemburgo (C‑118/92, Colect., p. I‑1891, a seguir «acórdão ASTI II»), que é contrária ao princípio fundamental da não discriminação em razão da nacionalidade, consagrado nos artigos 39.° CE e 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1612/68, uma regulamentação nacional que recuse aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros o direito de elegibilidade para organismos como as câmaras profissionais, nos quais os interessados estão obrigatoriamente filiados e para os quais devem pagar as cotizações e que estão encarregados da defesa e da representação dos interesses dos trabalhadores, exercendo simultaneamente uma função consultiva no domínio legislativo. A mesma conclusão deve prevalecer no que toca ao artigo 28.° do Acordo sobre o EEE, cujas disposições relevantes estão redigidas de forma idêntica ao artigo 39.° CE.

24
O Governo austríaco conclui pela improcedência deste fundamento, alegando que as câmaras do trabalho constituem organismos de direito público que participam de forma significativa no exercício do poder público, razão esta justificativa da exclusão de todos os trabalhadores estrangeiros do direito de serem eleitos para tais organismos.

Apreciação do Tribunal

25
Para decidir do mérito deste fundamento, há que recordar a título liminar que, no domínio da livre circulação dos trabalhadores no interior da União Europeia, o artigo 39.°, n.° 2, CE, que, aliás, não constitui mais do que a expressão específica da regra fundamental da não discriminação em razão da nacionalidade consagrada no artigo 12.°, primeiro parágrafo, CE, enuncia a proibição de qualquer discriminação, em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados‑Membros no que respeita ao emprego, à remuneração e às demais condições de trabalho.

26
Este princípio é recordado em várias disposições específicas do Regulamento n.° 1612/68, entre as quais, designadamente, os artigos 7.° e 8.°

27
Mais especificamente, o artigo 8.°, n.° 1, do referido regulamento dispõe que o trabalhador nacional de um Estado‑Membro empregado no território de outro Estado‑Membro deve beneficiar da igualdade de tratamento em matéria de filiação nas organizações sindicais e de exercício dos direitos sindicais, bem como do direito de elegibilidade para os órgãos de representação dos trabalhadores na empresa.

28
A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou, nos seus acórdãos ASTI I e ASTI II, que esta disposição se aplica ao direito de voto e ao direito de elegibilidade nas eleições organizadas por organismos como as câmaras profissionais, nos quais os trabalhadores estão obrigatoriamente filiados e para os quais devem pagar cotização e que estão encarregados da defesa e da representação dos interesses destes últimos.

29
Quanto ao Acordo sobre o EEE, o seu artigo 28.°, n.° 2, está redigido em termos quase idênticos aos do artigo 39.°, n.° 2, CE.

30
Neste contexto, resulta dos artigos 39.°, n.° 2, CE, 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1612/68 e 28.°, n.° 2, do Acordo sobre o EEE que os trabalhadores nacionais de um Estado‑Membro ou de um Estado da Associação Europeia de Comércio Livre (a seguir «EFTA») que estejam empregados noutro Estado‑Membro devem ser tratados do mesmo modo que os nacionais do Estado‑Membro de acolhimento no que respeita, designadamente, às condições de trabalho e, mais especificamente, aos direitos sindicais, incluindo o direito de elegibilidade para organismos de representação e de defesa dos interesses dos trabalhadores como as câmaras do trabalho na Áustria.

31
Ora, está assente que a regulamentação nacional a que respeita a presente acção subordina a elegibilidade para as referidas câmaras do trabalho à posse da nacionalidade austríaca, o que não é contestado pelo governo deste Estado‑Membro.

32
Semelhante condição, que só é preenchida pelos trabalhadores austríacos, constitui, portanto, uma discriminação directa em detrimento dos trabalhadores estrangeiros.

33
Donde se conclui que a regulamentação da República da Áustria, que recusa aos trabalhadores nacionais de outro Estado‑Membro da União Europeia ou de um Estado da EFTA o direito de elegibilidade para as câmaras do trabalho, pela simples razão de os interessados não possuírem a nacionalidade austríaca, é contrária ao princípio fundamental da proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade em que assentam as já referidas disposições do direito comunitário.

34
Esta conclusão não é de forma alguma posta em causa pela argumentação do Governo austríaco, nos termos da qual as câmaras do trabalho constituem, na Áustria, organismos públicos que participam no exercício do poder público.

35
Com efeito, decorre dos acórdãos ASTI I e ASTI II que uma regulamentação nacional que recuse aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros o direito de voto e/ou o direito de elegibilidade nas eleições organizadas por organismos como as câmaras profissionais, nos quais os interessados estão obrigatoriamente filiados e para os quais devem pagar cotizações e que estão encarregados da defesa e da representação dos interesses dos trabalhadores, é contrária ao princípio fundamental da não discriminação em razão da nacionalidade, apesar da circunstância de as referidas câmaras terem a natureza de organismos de direito público nos termos do direito interno e exercerem uma função consultiva no domínio legislativo.

36
Ora, o Governo austríaco não avança qualquer elemento que permita concluir que as câmaras do trabalho na Áustria se revestem de características diferentes das inerentes às câmaras profissionais luxemburguesas em causa nos processos que conduziram aos referidos acórdãos.

37
Acresce que, no que respeita mais precisamente às câmaras do trabalho na Áustria, o Tribunal de Justiça já declarou que a condição da nacionalidade, a que a regulamentação austríaca subordina o direito de elegibilidade para as referidas câmaras, é incompatível com o princípio – enunciado no artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação (a seguir «Decisão n.° 1/80»), adoptada pelo Conselho de Associação instituído pelo Acordo de Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em 12 de Setembro de 1963, em Ancara, pela República da Turquia, por um lado, e os Estados‑Membros da CEE e a Comunidade, por outro, e concluído, aprovado e confirmado em nome desta última pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18, a seguir «Acordo de Associação CEE‑Turquia») – da inexistência de qualquer discriminação em razão da nacionalidade no domínio das condições do trabalho (acórdão de 8 de Maio de 2003, Wählergruppe Gemeinsam, C‑171/01, Colect., p. I‑4301).

38
Ora, o artigo 10.° da Decisão n.° 1/80 está redigido em termos quase idênticos aos dos artigos 39.°, n.° 2, CE e 28.°, n.° 2, do Acordo EEE.

39
Há que acrescentar que, em todo o caso, segundo jurisprudência assente, a não aplicação das regras previstas no artigo 39.° CE às actividades que consubstanciam uma participação no exercício do poder público é uma excepção a uma liberdade fundamental e deve, por esta razão, ter uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que os Estados‑Membros podem proteger. Daí resulta que esta excepção não pode justificar que um Estado‑Membro submeta a uma condição de nacionalidade, de forma geral, toda a participação num organismo de direito público como as câmaras de trabalho na Áustria. Esta excepção permite unicamente excluir, sendo caso disso, os trabalhadores estrangeiros de certas actividades específicas do organismo em causa que, consideradas em si mesmas, impliquem efectivamente uma participação directa no poder público (v., designadamente, acórdão ASTI I, já referido, n.° 19, e acórdão Wählergruppe Gemeinsam, já referido, n.° 92).

40
Daí o Tribunal de Justiça concluiu, no n.° 93 do acórdão Wählergruppe Gemeinsam, já referido, no qual remeteu para o n.° 20 do acórdão ASTI I, já referido, que, tratando‑se de trabalhadores estrangeiros beneficiários da igualdade de tratamento no que respeita à remuneração e demais condições de trabalho, a exclusão do direito de elegibilidade para um organismo de representação e defesa dos interesses dos trabalhadores, como as câmaras de trabalho na Áustria, não pode justificar‑se nem pela natureza jurídica do organismo em causa como definido pelo direito nacional, nem pela circunstância de certas funções deste organismo poderem consubstanciar uma participação no exercício do poder público.

41
Vistas as considerações anteriores, o primeiro fundamento da Comissão é procedente.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

42
No que respeita à recusa do direito de elegibilidade para os conselhos de empresa e para as câmaras do trabalho aos trabalhadores nacionais de países terceiros com os quais a Comunidade celebrou um acordo que garante a estes trabalhadores o benefício da igualdade de tratamento em matéria das condições de trabalho, a Comissão entende que não existe qualquer razão para interpretar o conceito de «condições de trabalho» de forma mais restritiva do que no quadro do Tratado CE. Assim, mesmo que os trabalhadores dos países terceiros em causa não beneficiem da liberdade de circulação tal como está garantida pelo Tratado, aqueles que exercem um emprego regular num Estado‑Membro não devem ser colocados numa situação jurídica mais desfavorável do que os seus homólogos nacionais comunitários. É precisamente esse o objectivo da cláusula de não discriminação em razão da nacionalidade inscrita nos acordos a que se refere a presente acção.

43
O Governo austríaco contrapõe que o conceito de «condições de trabalho» na acepção dos acordos referidos pela Comissão não engloba o direito de os trabalhadores originários dos países terceiros em causa participarem nas eleições para os órgãos legais de representação dos interesses dos assalariados como as câmaras do trabalho e os conselhos de empresa. Com efeito, o referido conceito reveste‑se de um alcance menos amplo do que o mesmo conceito utilizado no artigo 39.° CE, pois, por um lado, esta última disposição foi explicitada através do Regulamento n.° 1612/68, cujo artigo 8.°, n.° 1, visa expressamente os direitos sindicais e equiparados, ao passo que essa explicitação não existe, precisamente, no quadro dos acordos internacionais em questão e, por outro, estes últimos prosseguem objectivos menos ambiciosos do que o Tratado, na medida em que não prevêem a livre circulação de trabalhadores. Nestas condições, o segundo fundamento da Comissão não deve proceder.

Apreciação do Tribunal

44
A este respeito, decorre já da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do Acordo europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Polónia, por outro, celebrado e aprovado em nome da Comunidade pela Decisão 93/743/CE/CECA/Euratom do Conselho e da Comissão, de 13 de Dezembro de 1993 (JO L 348, p. 1), institui a favor dos trabalhadores de nacionalidade polaca, quando se encontrem legalmente empregados no território de um Estado‑Membro, um direito de igualdade de tratamento quanto às condições de trabalho com o mesmo alcance que aquele que é reconhecido, em termos similares, aos nacionais comunitários pelo artigo 48.°, n.° 2, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.°, n.° 2, CE) (acórdão de 29 de Janeiro de 2002, Pokrzeptowicz‑Meyer, C‑162/00, Colect., p. I‑1049, n.° 41).

45
De igual modo, no âmbito do Acordo de Associação CEE‑Turquia, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, cuja redacção é quase idêntica à do artigo 39.°, n.° 2, CE, impõe a cada Estado‑Membro, no que respeita às condições de trabalho dos trabalhadores turcos pertencentes ao mercado regular de emprego deste Estado, obrigações análogas às que se aplicam aos cidadãos dos outros Estados Membros (acórdão Wählergruppe Gemeinsam, já referido, n.° 77).

46
Como já foi salientado no n.° 37 do presente acórdão, o acórdão Wählergruppe Gemeinsam, já referido, diz, aliás, precisamente respeito à condição de nacionalidade da qual a regulamentação austríaca faz depender a elegibilidade para as câmaras do trabalho na Áustria.

47
Ora, como a Comissão alegou acertadamente, não existe qualquer razão para dar uma interpretação diversa da consagrada no quadro do Tratado − e que, de resto, já foi aplicada por analogia no âmbito dos acordos celebrados com a Polónia e a Turquia (v. n.os 44 a 46 do presente acórdão) − ao princípio, enunciado nas cláusulas de outros acordos celebrados entre a Comunidade e países terceiros, da inexistência de qualquer discriminação em razão da nacionalidade no domínio das condições de trabalho.

48
À semelhança do que acaba de ser constatado, no âmbito do primeiro fundamento, no que respeita à União Europeia e ao EEE e por identidade de razões, há, pois, que considerar que o referido princípio se opõe à aplicação, a nacionais beneficiários de um acordo que comporta uma cláusula do mesmo tipo e que exercem uma profissão em condições regulares num Estado‑Membro, de uma regulamentação como a que está em vigor na Áustria que lhes recusa o direito de elegibilidade para organismos de representação e de defesa dos interesses dos trabalhadores, como as câmaras do trabalho e os conselhos de empresa, pela simples razão de os interessados terem nacionalidade estrangeira.

49
Com efeito, do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade enunciado nos acordos em questão resulta que todos os trabalhadores, quer sejam nacionais ou cidadãos de um dos países terceiros em questão, beneficiam de condições de trabalho idênticas, e, designadamente, podem participar, de forma igual, nas eleições organizadas pelos organismos de defesa e de representação dos interesses dos assalariados. Uma diferença de tratamento em razão da nacionalidade é contrária a este princípio fundamental.

50
Os argumentos que o Governo austríaco invoca em apoio da tese contrária não podem ser acolhidos.

51
Por um lado e pelas razões mais amplamente desenvolvidas nos n.os 81 a 86 do acórdão Wählergruppe Gemeinsam, já referido, a circunstância de o conceito de «outras condições de trabalho», utilizado no artigo 48.°, n.° 2, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.°, n.° 2, CE), ter sido explicitado pelo Regulamento n.° 1612/68, designadamente no seu artigo 8.°, n.° 1, que visa especificamente os direitos sindicais e equiparados, ao passo que não existe essa explicitação no âmbito dos acordos bilaterais em questão, não significa de forma alguma que o referido conceito se reveste de um alcance menos amplo do que o enunciado no artigo 39.°, n.° 2, CE e que não engloba, portanto, o direito de os trabalhadores originários dos países terceiros em questão participarem, nas mesmas condições que os nacionais, nas eleições para os organismos de representação e de defesa dos interesses dos assalariados.

52
Por outro lado, decorre não apenas do teor da norma da não discriminação no domínio das condições de trabalho, inserida nos diferentes acordos celebrados entre a Comunidade e países terceiros e que está redigida em termos substancialmente idênticos aos do artigo 39.°, n.° 2, CE, mas também da comparação do contexto e dos objectivos desses acordos com os do Tratado, que não existe qualquer razão para dar a essa norma alcance diferente do atribuído pelo Tribunal de Justiça ao artigo 48.°, n.° 2, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.°, n.° 2, CE) nos acórdãos ASTI I e ASTI II (v., por analogia, acórdão Wählergruppe Gemeinsam, já referido, n.os 88 e 89).

53
De resto, esta interpretação é a única conforme ao objectivo e à economia dos acordos em questão, pois o facto de se conceder aos trabalhadores nacionais dos países terceiros partes nesses acordos e regularmente empregados no território de um Estado‑Membro o benefício das mesmas condições de trabalho que aos trabalhadores nacionais dos Estados‑Membros constitui um elemento importante, destinado a criar um quadro apropriado para a integração gradual dos referidos trabalhadores migrantes no Estado‑Membro de acolhimento (v., por analogia, acórdãos já referidos Pokrzeptowicz‑Meyer, n.° 42, e Wählergruppe Gemeinsam, n.° 79).

54
À luz destas considerações, há também que acolher o segundo fundamento da Comissão.

55
Por conseguinte, a acção da Comissão deve ser julgada procedente na íntegra.

56
Há, portanto, que declarar que

ao recusar o direito de elegibilidade para as câmaras do trabalho aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros da União Europeia ou do EEE, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 39.° CE e 8.° do Regulamento n.° 1612/68, bem como do artigo 28.° de Acordo sobre o EEE;

ao recusar o direito de elegibilidade para os conselhos de empresa e para a assembleia plenária das câmaras do trabalho e dos empregados aos trabalhadores nacionais de um país terceiro com o qual a Comunidade tenha celebrado um acordo prevendo o princípio da não discriminação no que respeita às condições de trabalho em benefício dos referidos trabalhadores que exerçam uma profissão em condições regulares num Estado‑Membro, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições desses acordos.


Quanto às despesas

57
Por força artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República da Áustria e tendo esta sido vencida nos seus fundamentos, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1) a)
Ao recusar o direito de elegibilidade para as câmaras do trabalho aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 39.° CE e 8.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n.° 2434/92 do Conselho, de 27 de Julho de 1992, bem como do artigo 28.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.

2)       A República da Áustria é condenada nas despesas.

Assinaturas.


1
Língua do processo: alemão.

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