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Documento 62001CJ0100

Acórdão do Tribunal de 26 de Novembro de 2002.
Ministre de l'Intérieur contra Aitor Oteiza Olazabal.
Pedido de decisão prejudicial: Conseil d'Etat - França.
Livre circulação de pessoas - Restrições - Ordem pública - Medidas de polícia que limitam a uma parte do território nacional o direito de residência de um cidadão de outro Estado-Membro.
Processo C-100/01.

Colectânea de Jurisprudência 2002 I-10981

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2002:712

62001J0100

Acórdão do Tribunal de 26 de Novembro de 2002. - Ministre de l'Intérieur contra Aitor Oteiza Olazabal. - Pedido de decisão prejudicial: Conseil d'Etat - França. - Livre circulação de pessoas - Restrições - Ordem pública - Medidas de polícia que limitam a uma parte do território nacional o direito de residência de um cidadão de outro Estado-Membro. - Processo C-100/01.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-10981


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Livre circulação de pessoas - Derrogações - Razões de ordem pública e de segurança pública - Trabalhador migrante nacional de um Estado-Membro - Medidas de polícia administrativa que limitam o direito de residência a uma parte do território nacional - Admissibilidade - Condições

[Tratado CE, artigo 48.° (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE)]

Sumário


$$Nem o artigo 48.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE) nem as disposições de direito derivado que aplicam a liberdade de circulação dos trabalhadores se opõem a que um Estado-Membro decrete, relativamente a um trabalhador migrante cidadão de outro Estado-Membro, medidas de polícia administrativa que limitem o direito de residência deste trabalhador a uma parte do território nacional desde que

- razões de ordem pública ou de segurança pública baseadas no seu comportamento individual o justifiquem,

- sem essa possibilidade, estas razões só possam conduzir, devido à sua gravidade, a uma medida de proibição de permanência ou de expulsão da totalidade do território nacional, e

- o comportamento que o Estado-Membro em causa pretende evitar dê lugar, quando seja um comportamento dos seus próprios nacionais, a medidas repressivas ou a outras medidas reais e efectivas destinadas a combatê-lo.

( cf. n.° 45, disp. )

Partes


No processo C-100/01,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Conseil d'État (França), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Ministre de l'Intérieur

e

Aitor Oteiza Olazabal,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 6.° , 8.° -A e 48.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.° CE, 18.° CE e 39.° CE), bem como da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 1964, 56, p. 850; EE 05 F1 p. 36),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J.-P. Puissochet, M. Wathelet e R. Schintgen, presidentes de secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, A. La Pergola, P. Jann (relator), V. Skouris, F. Macken, N. Colneric, S. von Bahr e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: A. Tizzano,

secretário: M.-F. Contet, administradora,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação de A. Oteiza Olazabal, por D. Rouget, avocat,

- em representação do Governo francês, por R. Abraham, G. de Bergues e C. Chevallier, na qualidade de agentes,

- em representação do Governo espanhol, pela Abogacía del Estado,

- em representação do Governo italiano, por U. Leanza, na qualidade de agente, assistido por F. Quadri, avvocato dello Stato,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Martin e C. O'Reilly, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de A. Oteiza Olazabal, representado por D. Rouget, do Governo francês, representado por R. Abraham e C. Bergeot, na qualidade de agente, do Governo belga, representado por A. Snoecx, na qualidade de agente, do Governo espanhol, representado pela Abogacía del Estado, e da Comissão, representada por D. Martin e C. O'Reilly, na audiência de 15 de Janeiro de 2002,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 25 de Abril de 2002,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 29 de Dezembro de 2000, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de Fevereiro de 2001, o Conseil d'État submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial relativa à interpretação dos artigos 6.° , 8.° -A e 48.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.° CE, 18.° CE e 39.° CE), bem como da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 1964, 56, p. 850; EE 05 F1 p. 36).

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio entre o Ministro do Interior francês e A. Oteiza Olazabal, cidadão espanhol, tendo por objecto a legalidade de medidas que limitam o direito de residência deste último a uma parte do território francês.

Enquadramento jurídico

Direito comunitário

3 O artigo 6.° , primeiro parágrafo, do Tratado estabelece:

«No âmbito de aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.»

4 O artigo 8.° -A, n.° 1, do Tratado dispõe:

«Qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas no presente Tratado e nas disposições adoptadas em sua aplicação.»

5 De acordo com o artigo 48.° do Tratado:

«1. A livre circulação dos trabalhadores deve ficar assegurada, na Comunidade, o mais tardar no termo do período de transição.

2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

3. A livre circulação dos trabalhadores compreende, sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, o direito de:

a) Responder a ofertas de emprego efectivamente feitas;

b) Deslocar-se livremente, para o efeito, no território dos Estados-Membros;

c) Residir num dos Estados-Membros a fim de nele exercer uma actividade laboral, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais;

[...]»

6 O artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 64/221 estabelece:

«A presente directiva refere-se às disposições relativas à entrada no território, à emissão ou renovação da autorização de residência ou à expulsão do território, adoptadas pelos Estados-Membros por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública.»

7 O artigo 3.° , n.os 1 e 2, da Directiva 64/221 dispõe:

«1. As medidas de ordem pública ou de segurança pública devem fundamentar-se, exclusivamente, no comportamento pessoal do indivíduo em causa.

2. A mera existência de condenações penais não pode, por si só, servir de fundamento à aplicação de tais medidas.»

8 Nos termos do artigo 6.° , n.° 1, alínea a), da Directiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-Membros e suas famílias na Comunidade (JO L 257, p. 13; EE 05 F1 p. 88), o título de residência de um trabalhador migrante «[d]eve ser válido para a totalidade do território do Estado-Membro que o emitiu».

9 Segundo o artigo 10.° da Directiva 68/360:

«Os Estados-Membros só podem derrogar disposições da presente directiva por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública.»

Direito nacional

10 O artigo 2.° do Decreto n.° 46-448, de 18 de Março de 1946, relativo à aplicação dos artigos 8.° e 36.° do Decreto-Lei de 2 de Novembro de 1945 relativo às condições de entrada e de permanência dos estrangeiros no território francês, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto n.° 93-1285, de 6 de Dezembro de 1993 (JORF de 8 de Dezembro de 1993, p. 17045, a seguir «Decreto n.° 46-448»), dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 1.° , os estrangeiros permanecem e circulam livremente no território metropolitano.

O Ministro do Interior pode, contudo, determinar por decreto os departamentos nos quais os estrangeiros não podem, a partir da data da publicação do referido decreto, estabelecer a sua residência sem ter obtido uma autorização prévia do prefeito da localidade para a qual o estrangeiro se pretende transferir.

No título de residência dos estrangeiros residentes nestes departamentos é aposta uma indicação especial que a tornará válida para os departamentos em questão.

Sempre que um estrangeiro não titular de uma autorização de residência deva, em razão do seu comportamento ou dos seus antecedentes, ser sujeito a uma vigilância especial, o Ministro do Interior pode proibir-lhe a residência num ou em vários departamentos. O prefeito da República pode, na mesma hipótese, limitar ao departamento, ou, no interior deste, a uma ou várias circunscrições, a validade territorial da autorização de residência ou do título que a substitui de que o interessado seja titular. A decisão do Ministro do Interior e da Descentralização ou do prefeito da República é inscrita no título de residência do interessado.

Os estrangeiros a que se refere o parágrafo anterior não podem circular fora da zona de validade do seu título de residência sem estarem munidos de uma autorização emitida pelo comissário de polícia ou, na falta deste, pela guarda nacional do seu local de residência.

O estrangeiro que tenha estabelecido a sua residência ou que permaneça numa circunscrição territorial em violação das disposições do presente artigo será punido com as penas previstas para as contravenções de quinto grau.»

Processo principal

11 Resulta da decisão de reenvio bem como dos autos que A. Oteiza Olazabal, cidadão espanhol de origem basca, deixou a Espanha em Julho de 1986 para entrar em França, onde pediu que lhe fosse reconhecida a qualidade de refugiado, a qual lhe foi porém recusada.

12 Em 23 de Abril de 1988, A. Oteiza Olazabal foi detido no território francês no quadro de um processo instaurado na sequência do rapto de um industrial de Bilbau (Espanha) reivindicado pela ETA. Em 8 de Julho de 1991, foi condenado pelo tribunal de grande instance de Paris (França), pronunciando-se em matéria correccional, a dezoito meses de prisão, oito dos quais de pena suspensa, e a quatro anos de proibição de residência por associação de malfeitores destinada a perturbar a ordem pública pela intimidação ou pelo terror.

13 Invocando a sua qualidade de cidadão comunitário, A. Oteiza Olazabal solicitou um título de residência. As autoridades administrativas francesas indeferiram o pedido, concedendo-lhe, porém, autorizações provisórias de estadia. Por outro lado, submeteram-no a uma medida de vigilância especial, nos termos do artigo 2.° do Decreto n.° 46-448, proibindo a sua residência em nove departamentos. Esta medida extinguiu-se em Julho de 1995.

14 Em 1996, A. Oteiza Olazabal, que até esse momento tinha vivido no departamento de Hauts-de-Seine (região da Ile-de-France), decidiu estabelecer-se no departamento dos Pyrénées-Atlantiques (região da Aquitaine), confinante com a Espanha, e mais precisamente com a comunidade autónoma do País Basco.

15 Perante o relatório de polícia que sublinhava a manutenção das relações de A. Oteiza Olazabal com a ETA, o Ministro do Interior decidiu, por despacho de 21 de Março de 1996, adoptado ao abrigo do artigo 2.° do Decreto n.° 46-448, proibi-lo de residir em 31 departamentos, a fim de o afastar da fronteira espanhola. Por despacho de 25 de Junho de 1996, o prefeito de Hauts-de-Seine proibiu-o de se afastar deste departamento, sem autorização.

16 Estes dois despachos foram impugnados por A. Oteiza Olazabal no tribunal administrative de Paris (França), que os anulou por sentença de 7 de Julho de 1997. Esta decisão foi confirmada pela cour administrative d'appel de Paris (França), por acórdão de 18 de Fevereiro de 1999.

17 Estes órgãos jurisdicionais consideraram que as disposições dos artigos 6.° , 8.° -A e 48.° do Tratado, bem como as da Directiva 64/221, na interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 28 de Outubro de 1975, Rutili (36/75, Colect., p. 415), impediam que tais medidas fossem aplicadas a A. Oteiza Olazabal.

18 O Ministro do Interior interpôs recurso, para o Conseil d'État, da decisão da cour administrative d'appel.

19 O Conseil d'État considerou, antes de mais, que embora o artigo 8.° -A do Tratado reconheça a qualquer cidadão da União o direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, fá-lo sem prejuízo das limitações e condições previstas pelo Tratado e pelas disposições adoptadas em sua aplicação. Do mesmo modo, a proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade só era prevista, no artigo 6.° do Tratado, no âmbito de aplicação do Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais. Além disso, o artigo 48.° do Tratado, embora enunciando, no seu n.° 1, que a livre circulação dos trabalhadores fica assegurada na Comunidade e precisando, no seu n.° 3, que esta liberdade compreende o direito de responder a ofertas de emprego efectivamente feitas e de se deslocar livremente, para o efeito, no território dos Estados-Membros, salvaguarda expressamente a hipótese de limitações justificadas por razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública.

20 O Conseil d'État salientou, depois, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a reserva inserida no artigo 48.° , n.° 3, do Tratado permite aos Estados-Membros adoptarem, em relação aos nacionais de outros Estados-Membros, por motivos de ordem pública, medidas de proibição de entrada no seu território nacional ou de expulsão deste, que não podem aplicar aos seus próprios nacionais.

21 Por fim, declarou que o princípio da proporcionalidade exige que as medidas adoptadas a fim de preservar a ordem pública sejam aptas a realizar o objectivo prosseguido e que não ultrapassem os limites do que é necessário para esse efeito.

Sublinhou, a este propósito, que uma medida que restringe a validade territorial de um título de residência é menos rigorosa que uma decisão de expulsão.

22 Tendo dúvidas, por estes motivos, sobre a validade, à luz do direito comunitário, de uma medida que limita o direito de residência de um cidadão de outro Estado-Membro a uma parte do território nacional, o Conseil d'État decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«[A]s disposições dos artigos 6.° , 8.° -A e 48.° do Tratado [de Roma], actuais artigos 12.° [CE], 18.° [CE] e 39.° [CE], respectivamente, o princípio da proporcionalidade aplicável em direito comunitário, bem como as disposições de direito derivado adoptadas para garantir a aplicação do Tratado e, em especial, a Directiva 64/221/CEE, de 25 de Fevereiro de 1964, opõem-se a que um Estado-Membro possa pronunciar, contra um nacional de outro Estado-Membro abrangido pelas disposições do Tratado, uma medida de polícia administrativa que limite, sob o controlo do juiz da legalidade, a residência desse estrangeiro a uma parte do território nacional, quando razões de ordem pública obstem à sua residência no resto do território, ou, em tal hipótese, a única medida restritiva da residência que pode ser legalmente pronunciada contra esse estrangeiro consiste numa medida de proibição total do território adoptada de acordo com o direito nacional?»

Quanto à questão prejudicial

23 Antes de mais, há que determinar as disposições do Tratado aplicáveis a um caso como o do processo principal. Resulta das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que A. Oteiza Olazabal exerceu, durante todo o período pertinente para o processo principal, uma actividade de trabalhador assalariado em França.

24 Nestas circunstâncias, verifica-se que o processo cabe no âmbito de aplicação do artigo 48.° do Tratado.

25 Assim, não é necessário interpretar o artigo 6.° do Tratado. Com efeito, esta disposição, que consagra o princípio geral da não discriminação em razão da nacionalidade, apenas tem vocação para se aplicar de modo autónomo às situações regidas pelo direito comunitário para as quais o Tratado não preveja normas específicas de não discriminação (v., designadamente, acórdão de 25 de Junho de 1997, Mora Romero, C-131/96, Colect., p. I-3659, n.° 10).

26 Do mesmo modo, deve observar-se que o artigo 8.° -A do Tratado, que enuncia de modo genérico o direito, de qualquer cidadão da União, de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, tem expressão específica no artigo 48.° do Tratado no que diz respeito à livre circulação de trabalhadores. Ora, como o processo principal é abrangido por esta última disposição, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre a interpretação do artigo 8.° -A do Tratado (v., no que diz respeito à liberdade de estabelecimento, acórdão de 29 de Fevereiro de 1996, Skanavi e Chryssanthakopoulos, C-193/94, Colect., p. I-929, n.° 22).

27 O artigo 48.° do Tratado garante, designadamente, ao cidadão de um Estado-Membro o direito de permanecer noutro Estado-Membro a fim de aí exercer uma actividade laboral. Contudo, ao abrigo do seu n.° 3, este direito pode ser limitado na medida em que se justifique por razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública.

28 No processo Rutili, já referido, a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça foi questionado sobre a interpretação da noção de «limitações justificadas por razões de ordem pública» e forneceu um certo número de esclarecimentos.

29 O Tribunal respondeu às questões prejudiciais, em primeiro lugar, que a expressão «sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública» no artigo 48.° do Tratado respeita não apenas às disposições legais e regulamentares que cada Estado-Membro adopte para limitar, no seu território, a livre circulação e residência de nacionais de outros Estado-Membros, mas também às decisões individuais proferidas em aplicação daquelas disposições legais ou regulamentares.

30 Em segundo lugar, considerou que a justificação de medidas destinadas a proteger a ordem pública deve ser apreciada em face de todas as regras de direito comunitário que têm por objecto, por um lado, limitar a apreciação discricionária dos Estados-Membros na matéria e, por outro, garantir a defesa dos direitos das pessoas submetidas, por essa razão, a medidas restritivas.

31 O Tribunal de Justiça acrescentou que esses limites e garantias resultam designadamente da obrigação, imposta aos Estados-Membros, de fundamentar as medidas adoptadas exclusivamente no comportamento individual das pessoas que delas são objecto, de se abster de qualquer medida nesse campo que seja utilizada para fins alheios às necessidades de ordem pública ou que acarrete ofensa ao exercício dos direitos sindicais, de comunicar sem demora, a qualquer pessoa sujeita a medidas restritivas - sem prejuízo do caso em que a isso se oponham razões de segurança ao Estado -, as razões que se encontram na origem da decisão adoptada e, finalmente, de assegurar o exercício efectivo do direito de recurso.

32 Em especial, o Tribunal de Justiça decidiu que as medidas restritivas do direito de residência limitadas a uma parcela do território nacional só podem ser determinadas por um Estado-Membro, em relação a nacionais de outros Estados-Membros a que sejam aplicáveis as disposições do Tratado, nos mesmos casos e condições em que as mesmas medidas podem ser aplicadas aos nacionais do Estado em causa.

33 A fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, há que contextualizar esta última resposta, no cerne do processo principal.

34 A este respeito, há que recordar que o processo Rutili, já referido, dizia respeito à situação de um cidadão italiano desde sempre residente em França que tinha sido alvo, também neste Estado-Membro, de medidas restritivas do seu direito de residência devido às suas actividades políticas e sindicais. Fora acusado de certas actividades que consistiam, essencialmente, em acções de carácter político, nas eleições legislativas em Março de 1967 e nos acontecimentos de Maio-Junho de 1968, bem como em participação numa manifestação de comemoração do dia 14 de Julho de 1968.

35 O recorrido no processo principal, em contrapartida, foi condenado, em França, a dezoito meses de prisão e a quatro anos de proibição de estadia por associação de malfeitores destinada a perturbar a ordem pública pela intimidação ou pelo terror. Resulta dos autos que as medidas de polícia administrativa adoptadas a seu respeito e cuja legalidade é discutida no processo principal se baseavam no facto de o recorrido pertencer a um grupo armado e organizado cuja actividade constitui uma ofensa à ordem pública no território francês. A prevenção de tal actividade pode, além disso, considerar-se manutenção da segurança pública.

36 Por outro lado, há que notar que no processo Rutili, já referido, o órgão jurisdicional de reenvio tinha dúvidas quanto a saber se uma situação concreta como a de R. Rutili, que tinha exercido direitos sindicais, permitia a adopção de uma medida destinada a preservar a ordem pública. No presente processo, em contrapartida, o órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que razões de ordem pública impedem a permanência do trabalhador migrante em causa no processo principal numa parte do território e que, na impossibilidade de se adoptar uma medida de proibição de residência nesta parte do território, essas razões poderiam justificar uma medida de proibição de residência na totalidade do mesmo.

37 Nestas condições, é necessário analisar se o artigo 48.° do Tratado se opõe a que um Estado-Membro decrete, relativamente a um trabalhador migrante cidadão de outro Estado-Membro, medidas de polícia administrativa que limitem o direito de permanência deste trabalhador migrante a uma parte do território nacional.

38 Como correctamente sublinha o advogado-geral no n.° 29 das suas conclusões, não resulta do teor do artigo 48.° , n.° 3, do Tratado que as limitações à livre circulação dos trabalhadores justificadas por razões de ordem pública devem ter necessariamente o mesmo alcance dos direitos conferidos por esta disposição. Além disso, o direito derivado não se opõe a esta interpretação. Com efeito, se o artigo 6.° , n.° 1, alínea a), da Directiva 68/360 exige que o título de residência seja válido para a totalidade do território do Estado-Membro que o emitiu, o artigo 10.° da mesma directiva permite derrogar esta disposição, designadamente por razões de ordem pública.

39 Há que recordar que a reserva prevista pelo artigo 48.° , n.° 3, do Tratado abre aos Estados-Membros a possibilidade de decidirem, perante uma ameaça real e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade, restrições à livre circulação dos trabalhadores (v., neste sentido, acórdãos de 27 de Outubro de 1977, Bouchereau, 30/77, Colect., p. 715, n.° 35, e de 5 de Fevereiro de 1991, Roux, C-363/89, Colect., p. I-273, n.° 30).

40 O Tribunal de Justiça decidiu várias vezes que as reservas inseridas no artigo 48.° do Tratado e no artigo 56.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 46.° CE) permitem que os Estados-Membros tomem, em relação aos nacionais de outros Estados-Membros, designadamente por razões de ordem pública, medidas que não podem aplicar aos seus próprios nacionais, visto que não podem expulsar estes últimos do território nacional nem proibir-lhes o acesso ao mesmo (v. acórdãos de 4 de Dezembro de 1974, Van Duyn, 41/74, Colect., p. 567, n.os 22 e 23; de 18 de Maio de 1982, Adoui e Cornuaille, 115/81 e 116/81, Recueil, p. 1665, n.° 7; de 17 de Junho de 1997, Shingara e Radiom, C-65/95 e C-111/95, Colect., p. I-3343, n.° 28, e de 19 de Janeiro de 1999, Calfa, C-348/96, Colect., p. I-11, n.° 20).

41 Nas situações em que podem aplicar-se medidas de expulsão ou de proibição de residência aos cidadãos dos outros Estados-Membros também se podem aplicar medidas menos severas que constituem restrições parciais do seu direito de residência, justificadas por razões de ordem pública, sem ser necessário que medidas idênticas possam ser aplicadas pelo Estado-Membro em questão aos seus próprios cidadãos.

42 Há contudo que recordar que um Estado-Membro não pode, ao abrigo da reserva relativa à ordem pública inscrita nos artigos 48.° e 56.° do Tratado, adoptar medidas relativamente a um nacional de outro Estado-Membro devido a um comportamento que, quando praticado pelos nacionais do primeiro Estado-Membro, não dá lugar a medidas repressivas ou a outras medidas reais e efectivas destinadas a combatê-lo (v., neste sentido, acórdão Adoui e Cornuaille, já referido, n.° 9).

43 Há também que recordar que uma medida restritiva de uma das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado só pode justificar-se se respeitar o princípio da proporcionalidade. A este respeito, é necessário que tal medida seja adequada para garantir a realização do objectivo que prossegue e não ultrapasse o que é necessário para atingir esse objectivo (v. acórdão de 30 de Novembro de 1995, Gebhard, C-55/94, Colect., p. I-4165, n.° 37).

44 Resta acrescentar que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais fiscalizar se as medidas adoptadas no caso em apreço dizem efectivamente respeito a um comportamento individual que constitui uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública e, além disso, se respeitam o princípio da proporcionalidade.

45 Deve, consequentemente, responder-se à questão prejudicial que nem o artigo 48.° do Tratado nem as disposições de direito derivado que aplicam a liberdade de circulação dos trabalhadores se opõem a que um Estado-Membro decrete, relativamente a um trabalhador migrante cidadão de outro Estado-Membro, medidas de polícia administrativa que limitem o direito de residência deste trabalhador a uma parte do território nacional desde que

- razões de ordem pública ou de segurança pública baseadas no seu comportamento individual o justifiquem,

- sem essa possibilidade, estas razões só possam conduzir, devido à sua gravidade, a uma medida de proibição de residência ou de expulsão da totalidade do território nacional, e

- o comportamento que o Estado-Membro em causa pretende evitar dê lugar, quando seja um comportamento dos seus próprios nacionais, a medidas repressivas ou a outras medidas reais e efectivas destinadas a combatê-lo.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

46 As despesas efectuadas pelo Governo francês, belga, espanhol e italiano, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Conseil d_État, por decisão de 29 de Dezembro de 2000, declara:

Nem o artigo 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE) nem as disposições de direito derivado que aplicam a liberdade de circulação dos trabalhadores se opõem a que um Estado-Membro decrete, relativamente a um trabalhador migrante cidadão de outro Estado-Membro, medidas de polícia administrativa que limitem o direito de residência deste trabalhador a uma parte do território nacional desde que

- razões de ordem pública ou de segurança pública baseadas no seu comportamento individual o justifiquem,

- sem essa possibilidade, estas razões só possam conduzir, devido à sua gravidade, a uma medida de proibição de permanência ou de expulsão da totalidade do território nacional, e

- o comportamento que o Estado-Membro em causa pretende evitar dê lugar, quando seja um comportamento dos seus próprios nacionais, a medidas repressivas ou a outras medidas reais e efectivas destinadas a combatê-lo.

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