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Documento 61998CC0197

Conclusões do advogado-geral Fennelly apresentadas em 9 de Dezembro de 1999.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Helénica.
Arquivamento.
Processo C-197/98.

Colectânea de Jurisprudência 2000 I-08609

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1999:597

61998C0197

Conclusões do advogado-geral Fennelly apresentadas em 9 de Dezembro de 1999. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Helénica. - Arquivamento. - Processo C-197/98.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-08609


Conclusões do Advogado-Geral


1 No presente processo, a Comissão pretende que o Tribunal de Justiça declare que a República Helénica não se conformou com o acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Março de 1995 no processo C-365/93 que opôs as mesmas partes (1) e propõe que o Estado-Membro demandado seja condenado no pagamento de uma sanção pecuniária de 41 000 euros por dia até execução do acórdão.

I - O processo anterior

2 No quadro da acção por incumprimento inicial, a Comissão tinha pedido que o Tribunal de Justiça declarasse que, ao não adoptar nem lhe comunicar, no prazo prescrito, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para se conformar plenamente com a Directiva 89/48/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um sistema geral de reconhecimento dos diplomas de ensino superior que sancionam formações profissionais com uma duração mínima de três anos (2), a República Helénica tinha faltado às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE. A título de defesa nesse processo, a República Helénica sustentou que um projecto de decreto presidencial visando a transposição plena da directiva tinha sido submetido ao Presidente da República, para assinatura, que a directiva já tinha sido transposta relativamente às profissões da saúde e da previdência, dos advogados e dos revisores oficiais de contas, e que os serviços e processos existentes permitiam o tratamento eficaz de todas as candidaturas de cidadãos comunitários não gregos.

3 O Tribunal de Justiça rejeitou expressamente esta defesa, julgando que «uma vez que a transposição completa da directiva não foi efectuada no prazo fixado pelo seu artigo 12._, há que declarar verificado o incumprimento invocado a esse respeito pela Comissão» (3), e acolheu as conclusões desta última.

4 Não tendo recebido, após a prolação deste acórdão, nenhuma comunicação do Governo helénico relativa à adopção das medidas que comportava a execução do mesmo, a Comissão enviou à República Helénica uma carta de interpelação para cumprimento em 2 de Maio de 1996. Não tendo obtido resposta, a Comissão transmitiu às autoridades helénicas um parecer fundamentado, em 7 de Julho de 1997, que fixou em dois meses o prazo para cumprimento. Nesse parecer fundamentado, a Comissão chamou expressamente a atenção das autoridades helénicas para a eventualidade de uma sanção pecuniária por incumprimento. A Comissão intentou o presente processo em aplicação do artigo 171._ do Tratado CE, na versão alterada em pontos essenciais pelo Tratado da União Europeia (actual artigo 228._ CE).

5 A Comissão, tal como exige o segundo parágrafo do n._ 2 do artigo 171._ do Tratado, propôs uma sanção pecuniária; o montante sugerido foi de 41 000 euros por dia, soma que corresponde ao montante de base uniforme (500 euros), multiplicado pelos coeficientes de gravidade e de duração (10 e 2, respectivamente), ajustado de modo a ter em conta a capacidade de pagamento da República Helénica (4.1). Segundo a Comissão, conviria impor esta sanção pecuniária a partir da data da prolação do acórdão no presente processo e até à adopção das medidas exigidas para o Estado-Membro demandado se lhe conformar.

II - Análise

a) Admissibilidade

6 Antes de nos debruçarmos sobre as questões de fundo que se põem no presente processo, há que fazer uma observação relativa à admissibilidade. A República Helénica sustenta que a falta de qualquer menção à sanção pecuniária nas conclusões torna o pedido vago quanto a esse ponto e, portanto, inadmissível. Como exige o n._ 2 do artigo 171._ do Tratado, a Comissão precisou de modo claro e inequívoco, no seu pedido, «o montante da... quantia... progressiva correspondente à sanção pecuniária a pagar pelo Estado-Membro que considerar adequada às circunstâncias». No essencial, a petição é consagrada à explicação do método que utilizou no caso em apreço para obter a soma de 41 000 euros por dia. O alcance do pedido deve ser interpretado à luz das conclusões apresentadas pela parte em causa (4). A Comissão indicou a sua posição quanto ao montante da sanção pecuniária com suficiente precisão para permitir à República Helénica defender a sua própria posição e ao Tribunal de Justiça decidir sobre a questão. Somos de opinião que o argumento relativo à inadmissibilidade deve ser rejeitado.

b) Posição da demandada

7 Quanto ao fundo, a República Helénica reconhece que a directiva não foi plenamente transposta. No entanto, sustenta que uma larga gama de actividades profissionais importantes já está abrangida por um sistema de reconhecimento de diplomas obtidos no estrangeiro, e que isso demonstra o seu respeito pelos princípios fundamentais da livre circulação de pessoas e pelas regras comunitárias pertinentes. Segundo as autoridades helénicas, o atraso que afecta a execução do sistema geral é devido a dificuldades objectivas resultantes de diferenças entre os Estados-Membros na organização de certas profissões. Um projecto de decreto presidencial estaria pendente de assinatura pelos ministros competentes.

8 Quanto ao montante da sanção pecuniária, a República Helénica sustenta simplesmente que a Comissão não teve em conta a transposição parcial da directiva nem o facto de já existirem sistemas, regras e mecanismos que permitem o reconhecimento de certos diplomas e o acesso a profissões juridicamente protegidas, embora isso não se inscreva no quadro formal da directiva. De resto, não se refere nem aos princípios que serviram de base ao cálculo da sanção pecuniária nem à validade da sua aplicação às circunstâncias do caso.

c) Algumas observações relativas ao artigo 171._ do Tratado CE na sua versão actual

9 Já comentámos o processo estabelecido pelo artigo 171._ do Tratado em conclusões anteriores. Em razão da natureza transitória dos factos, o Tribunal de Justiça não teve de se pronunciar sobre o assunto (5). Mais próximo da questão que nos diz respeito, um acórdão do Tribunal de Justiça é aguardado num outro processo, o qual nos interessará com proveito pelas conclusões do nosso eminente colega, D. Ruiz-Jarabo Colomer, apresentadas em 28 de Setembro de 1999 (6).

10 Algumas observações preliminares podem ser úteis antes de analisar a aplicação desta disposição tal como é proposta pela Comissão no presente caso.

11 Um documento de trabalho dos serviços da Comissão relativo à observância dos acórdãos do Tribunal de Justiça, publicado no quadro das contribuições da Comissão para a conferência intergovernamental que elaborou o Tratado da União Europeia, informa-nos sobre o contexto em que esta disposição foi introduzida no Tratado CE. Retomando um parecer anterior da Comissão, os autores do documento em questão salientam que «determinados acórdãos do Tribunal de Justiça fica[m] por executar, dada a inexistência de sanções...» e que «a correcta aplicação do direito comunitário padece das reticências com que, demasiado frequentemente, os Estados-Membros executam os acórdãos do Tribunal de Justiça que declaram um incumprimento das obrigações que incumbem a esses Estados-Membros, apesar de o artigo 171._ do Tratado CEE os obrigar a respeitar tais acórdãos» (7). São analisadas várias soluções, entre as quais a possibilidade de conferir ao Tribunal de Justiça o poder de aplicar sanções financeiras, retirando fundos comunitários ou impondo multas, embora os autores assinalem que «os Estados-Membros responsáveis pelo maior número de infracções [são] frequentemente os que se encontram numa situação económica e financeira mais difícil e que têm maior necessidade de assistência da Comunidade». É igualmente analisada a possibilidade de atribuir ao Tribunal de Justiça «poderes para aplicar ao Estado-Membro em falta uma sanção pecuniária compulsória para o obrigar a pôr termo ao incumprimento»; e embora os autores observem que isso poderia implicar dificuldades práticas da mesma ordem que as sanções financeiras, entendem que isso poderia ter «um efeito psicológico salutar nas autoridades do Estado-Membro recalcitrante».

12 Apesar de o Tratado da União Europeia ter feito alterações importantes ao artigo 171._, a sua função e o seu conteúdo permaneceram inalterados no essencial. Os artigos 169._, 170._ e 171._ do Tratado CE (actuais artigos 226._ CE, 227._ CE e 228._ CE) fornecem um certo número de mecanismos que permitem assegurar que os Estados-Membros cumpram as obrigações que lhes incumbem por força do Tratado. O artigo 169._ é a disposição chave. Confia à Comissão, no quadro do exercício das suas funções de controlo em aplicação do artigo 155._ do Tratado CE (actual artigo 211._ CE), a missão de garantir que os Estados-Membros respeitem essas obrigações.

13 Antes de estas disposições terem sido alteradas, o facto de um Estado-Membro não tomar as medidas necessárias para dar cumprimento a um acórdão do Tribunal de Justiça era da mesma natureza que qualquer outro incumprimento de um Estado-Membro. Tratava-se de uma violação do Tratado, e, em especial, do seu artigo 171._, n._ 1, susceptível de ser submetida ao Tribunal de Justiça, apenas por iniciativa da Comissão, ao abrigo do artigo 169._, ou de um Estado-Membro, ao abrigo do artigo 170._ Tanto num caso como noutro, a emissão de um parecer fundamentado pela Comissão constituía - e constitui ainda - uma condição prévia dessa submissão.

14 A alteração introduzida pelo Tratado da União Europeia tem dois aspectos. Uma competência jurisdicional independente ao abrigo do artigo 171._ para assuntos que anteriormente só eram susceptíveis de ser impugnados judicialmente no quadro do artigo 169._ foi instaurada. Esta acção, no entanto, foi complementada com a nova competência do Tribunal de Justiça de aplicar sanções. Por força do primeiro parágrafo do n._ 2 do artigo 171._, a Comissão pode intentar uma segunda acção por incumprimento, sob reserva de uma condição de fundo - que entenda que o Estado-Membro não tomou as medidas que comporta a execução do acórdão inicial - e de duas condições processuais, a saber, que esse Estado tenha a possibilidade de apresentar as suas observações e que a Comissão emita «um parecer fundamentado especificando os pontos em que o Estado-Membro não executou o acórdão do Tribunal de Justiça».

15 Como acontece nas acções por incumprimento normais, a Comissão, no seu parecer fundamentado, fixa um prazo para a execução do acórdão e pode, sem ser obrigada a fazê-lo, apresentar a questão ao Tribunal de Justiça. Todavia, se o fizer, a Comissão (8), além disso, «indicará o montante da quantia fixa ou progressiva correspondente à sanção pecuniária a pagar pelo Estado-Membro, que considerar adequada às circunstâncias» (segundo parágrafo do n._ 2 do artigo 171._). O terceiro parágrafo do n._ 2 deste mesmo artigo tem a seguinte redacção:

«Se o Tribunal de Justiça declarar verificado que o Estado-Membro em causa não deu cumprimento ao seu acórdão, pode condená-lo ao pagamento de uma quantia fixa ou progressiva correspondente a uma sanção pecuniária.»

16 O novo processo previsto pelo artigo 171._ do Tratado retoma, portanto, as características essenciais do artigo 169._ A iniciativa da acção é reservada apenas à Comissão. O respeito da condição suplementar que exige que a Comissão precise «os pontos em que o Estado-Membro não executou o acórdão do Tribunal de Justiça» antes de o Tribunal de Justiça fazer uso dos poderes que lhe confere o n._ 2 do artigo 171._, poderá ser um elemento particularmente importante no contexto de uma acção intentada ao abrigo do artigo 171._, quando o Estado-Membro tiver tentado cumprir o acórdão no todo ou em parte, mas sem ter satisfeito inteiramente a Comissão.

17 A fim de executar estas disposições, a Comissão adoptou a comunicação n._ 96/C 242/07, bem como a comunicação n._ 97/C 63/02, publicadas respectivamente em 21 de Agosto de 1996 e em 28 de Fevereiro de 1997 (9). Na comunicação de 1996, a Comissão sustentou que «o objectivo global fundamental do processo por infracção... consiste em obter o cumprimento o mais rapidamente possível, [e a] quantia progressiva é o instrumento mais adequado para alcançar esse objectivo» (10). Para determinar o montante da sanção, a Comissão serve-se de três critérios: a gravidade da infracção que esteve na origem do acórdão inicial, a duração da falta de execução desse acórdão e a necessidade de assegurar o efeito dissuasivo da própria sanção para evitar reincidências. A gravidade é, além disso, definida tendo em conta a importância das disposições comunitárias que não foram cumpridas (por exemplo, «as violações dos direitos fundamentais e das quatro liberdades fundamentais consagradas no Tratado deverão ser consideradas graves»), bem como os efeitos das infracções sobre os interesses de ordem geral ou particular (tais como a diminuição dos recursos próprios, os efeitos nocivos de uma poluição, ou o impacto sobre o funcionamento da Comunidade). A duração é calculada a partir da data do acórdão inicial e tem em conta qualquer acção ou omissão do Estado-Membro que contribua para o prolongamento do processo, tal como a falta de resposta às comunicações da Comissão.

18 A comunicação n._ 97/C 63/02 identifica as variáveis matemáticas utilizadas para calcular o montante de uma sanção pecuniária: o montante fixo de base (500 euros), o coeficiente de gravidade (de 1 a 20), o coeficiente de duração (de 1 a 3), bem como um factor «n» destinado a reflectir a capacidade de pagamento do Estado-Membro, garantindo, no entanto, a natureza dissuasiva da sanção pecuniária. O factor «n» é igual a «uma média geométrica baseada, por um lado, no produto interno bruto (PIB) do Estado-Membro em causa e, por outro lado, na ponderação dos votos no Conselho» (11); varia entre 26,4 (para a Alemanha) e 1 (para o Luxemburgo), sendo o da Grécia de 4,1.

19 Estas disposições permitem tirar um certo número de conclusões. Em primeiro lugar, a infracção em questão no quadro do processo ao abrigo do n._ 2 do artigo 171._ do Tratado já não é simplesmente a infracção inicial ao Tratado verificada pelo Tribunal de Justiça no quadro do processo do artigo 169._ ou do artigo 170._ (a seguir «infracção de origem»), mas é tratada como uma infracção complexa que integra a infracção de origem na violação da obrigação específica decorrente do n._ 1 do artigo 171._ de se conformar com o acórdão do Tribunal de Justiça. Em segundo lugar, na opinião da Comissão, a condenação em sanções pecuniárias visa tanto incitar o Estado-Membro a conformar-se com o acórdão inicial o mais rapidamente possível e, portanto, igualmente pôr termo à infracção de origem, como reduzir a possibilidade de essas infracções serem de novo cometidas. Em terceiro lugar, embora a Comissão seja obrigada a iniciar o processo do n._ 2 do artigo 171._, dispõe de uma larga margem de discricionariedade quanto a dois pontos essenciais: a decisão de recorrer ao Tribunal de Justiça e a determinação do «montante da quantia fixa ou progressiva correspondente à sanção pecuniária... que considerar adequada às circunstâncias».

20 Parece-nos que o artigo 171._, mesmo na sua versão actual, tem a mesma natureza e as mesmas funções que o artigo 169._ e deve, portanto, ser interpretado nos mesmos termos, o que, como explicaremos, influi no valor jurídico a atribuir a qualquer proposta de sanção pecuniária sob a forma de quantia fixa ou progressiva feita pela Comissão no seu pedido ao abrigo do segundo parágrafo do n._ 2 do artigo 171._ Passamos agora a debruçar-nos sobre esta questão.

d) A competência do Tribunal de Justiça na fixação de uma sanção pecuniária

21 Na audiência, o agente da Comissão sustentou que a competência do Tribunal de Justiça se limitava à análise da apreciação da Comissão quanto à oportunidade de uma sanção pecuniária e à natureza e ao montante dessa sanção, invocando em apoio desta tese o acórdão National Farmers' Union e o. (12), bem como as conclusões do advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer no processo C-387/97 (13).

22 Em nossa opinião, a natureza jurídica da sanção pecuniária sob a forma de quantia fixa ou progressiva proposta pela Comissão deverá ser deduzida do lugar que ocupa no sistema geral dos artigos 169._ a 171._ do Tratado que já tentámos descrever (nos n.os 10 a 16, supra).

23 É incontroverso que a Comissão tem o ónus da prova da infracção de que acusa um Estado-Membro no quadro do artigo 169._ A Comissão deve demonstrar todos os factos que invoca. Não há nenhuma presunção contra o Estado-Membro demandado (14).

24 Esse ónus da prova recai sobre a Comissão tanto em caso de incumprimento de um acórdão do Tribunal de Justiça, na acção ao abrigo do artigo 171._, n._ 1, do Tratado, como em qualquer outra acção por incumprimento do Tratado. A criação de um novo tipo de acção por intermédio da alteração do n._ 2 do artigo 171._ não muda este princípio; quando muito, reforça-o, obrigando a Comissão a precisar, no seu parecer fundamentado, os pontos em que alega que o acórdão não foi executado. Não há nenhuma razão manifesta para afastar esse princípio no que respeita à quantia fixa ou progressiva que a Comissão indicar e que «considerar adequada às circunstâncias».

25 Portanto, o Tribunal de Justiça, ao decidir da oportunidade de uma sanção pecuniária, ao escolher a sanção, e ao fixar o respectivo montante, não está vinculado, em nossa opinião, pelo ponto de vista da Comissão. A redacção do n._ 2 do artigo 171._ do Tratado não contém qualquer elemento que justifique a interpretação restritiva que propõe a Comissão. O segundo parágrafo deste artigo obriga a Comissão a indicar «o montante da quantia... que considerar adequada», mas o terceiro parágrafo não menciona de todo o montante assim indicado. O Tribunal de Justiça pode, se declarar verificado o incumprimento, «condená-lo ao pagamento de uma quantia fixa ou progressiva correspondente a uma sanção pecuniária». Estes termos não restringem o poder de decisão do Tribunal de Justiça e, em especial, não o vinculam ao montante proposto pela Comissão. Ao contrário, por exemplo, do título IV do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, que submete a sua competência em matéria de recursos dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância a um certo número de limites substanciais, o n._ 2 do artigo 171._ do Tratado não impõe esses limites materiais à competência do Tribunal de Justiça.

26 A interpretação da Comissão também não nos parece conforme à estrutura ou ao objectivo desta disposição. Pelo contrário, uma vez que é principalmente o incumprimento de um acórdão do Tribunal de Justiça - e não a simples infracção de origem ao Tratado que tinha dado lugar à acção por incumprimento inicial - que implica a obrigação de pagar uma sanção pecuniária, convém que o Tribunal de Justiça, mais do que a Comissão, disponha de uma importante margem de apreciação para decidir sobre a imposição de uma sanção pecuniária. O facto de a Comissão ter o dever de propor um montante, reflecte designadamente a necessidade, que não é contestada por nenhuma das partes e nós admitimos em princípio, de o Tribunal de Justiça ter em conta a capacidade de pagamento do Estado-Membro, apreciação essa que requer a avaliação de dados a que a Comissão, presumivelmente, tem acesso.

27 A referência da Comissão ao acórdão National Farmers' Union e o. não nos parece pertinente. É verdade que o Tribunal de Justiça reconheceu nesse acórdão que, nos domínios em que a Comissão dispõe de uma larga margem de discricionariedade, a sua competência de controlo das decisões da Comissão é limitada (15). No entanto, a Comissão não tem poder decisório no caso das sanções pecuniárias aplicadas a título do artigo 171._ O seu papel inscreve-se no quadro contencioso do artigo 171._ do Tratado. A Comissão faz uma proposta que o Tribunal de Justiça analisa. Além do mais, no acórdão National Farmers' Union e o., já referido, a decisão contestada da Comissão era uma medida de salvaguarda adoptada em aplicação de disposições legislativas redigidas em termos gerais, e não a fixação de uma sanção contra um Estado-Membro, como é pedido no caso em apreço.

28 Não ignoramos que, segundo o nosso colega, o advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer, o papel do Tribunal de Justiça é de facto análogo ao que assume no quadro do controlo jurisdicional de uma decisão adoptada por uma instituição comunitária e que exige a avaliação de uma situação complexa (16). No entanto, em nossa opinião, a proposta da Comissão representa uma etapa processual, e até um requisito essencial do processo estabelecido no artigo 171._ Não se trata, contudo, de uma questão à qual as regras do controlo jurisdicional dos actos jurídicos vinculativos devam aplicar-se mais do que se aplicam ao parecer fundamentado da Comissão em matéria de acções por incumprimento, para citar apenas um exemplo.

29 Não nos parece que a interpretação que propusemos limite a Comissão ao simples papel de amicus curiae. A Comissão conserva o seu poder discricionário quanto à oportunidade de iniciar o processo do artigo 171._ do Tratado e, por meio do seu parecer fundamentado, fixa os parâmetros materiais do incumprimento a analisar pelo Tribunal de Justiça. Assim, a Comissão assume de facto a responsabilidade pela investigação de eventuais incumprimentos da obrigação de execução dos acórdãos do Tribunal de Justiça e da sua submissão ao Tribunal. No entanto, as disposições pertinentes não contêm nenhum elemento que justifique que, no que respeita à fixação de uma sanção pecuniária, a Comissão passe do estatuto de parte no processo para um estatuto que se assemelharia ao de um órgão jurisdicional de primeira instância.

30 Contestamos igualmente que as decisões que consistem em aplicar uma sanção e em determinar o respectivo montante sejam ou devam necessariamente ser marcadas por apreciações de oportunidade política ou ainda que a atribuição ao Tribunal de Justiça do poder de adoptar em última instância essa decisão tenha como consequência transferir para o ramo judiciário do governo comunitário o encargo de proceder a essas apreciações políticas. As opiniões divergentes do advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer sobre este ponto merecem ser analisadas com cuidado. No entanto, em nossa opinião, essas apreciações podem ser feitas legitimamente por uma instituição política agindo «no interesse geral da Comunidade» num estádio anterior do processo. Uma vez que a Comissão exerceu o seu poder discricionário quanto à instauração da acção, a questão do alegado incumprimento, por um Estado-Membro, de um acórdão anterior do Tribunal de Justiça é sujeita a um processo essencialmente jurisdicional para o qual as considerações políticas são irrelevantes. No quadro desse processo, o Tribunal de Justiça exerce uma parte integrante da função jurisdicional ao decidir sobre a imposição de uma sanção por violação de uma obrigação jurídica. O facto de a Comissão só ser obrigada a apresentar o seu ponto de vista sobre a questão da sanção se recorrer ao Tribunal de Justiça e, em semelhante caso, não poder deixar de propor uma sanção pecuniária, parece, manifestamente, em nossa opinião, retirar essa questão especial da esfera política. Foi, portanto, a justo título que a Comissão mencionou simplesmente, no presente caso, a possibilidade de uma sanção pecuniária sem precisar o respectivo montante, na fase do parecer fundamentado.

31 A adopção, pelos autores do Tratado, de um novo mecanismo destinado a pressionar os Estados-Membros a cumprirem as obrigações que lhes incumbem em virtude do Tratado parece-nos ter como objectivo escapar às formas existentes das sanções cuja imposição é efectivamente subordinada a considerações de ordem política. Em especial, os autores do Tratado não seguiram o exemplo, já estabelecido há meio século pelo artigo 88._ do Tratado CECA (actual artigo 88._ CA), que permite à própria Comissão penalizar os incumprimentos desse Tratado seja suspendendo o pagamento das somas devidas ao Estado-Membro responsável, seja impondo ou autorizando outras sanções em derrogação do artigo 4._ do Tratado CECA (actual artigo 4._ CA). Esta disposição só pode ser aplicada com o consentimento do Conselho, por maioria de dois terços; nunca foi aplicada. Embora seja claro que a Comissão é independente dos Estados-Membros neste como noutros aspectos, o facto de se admitir que o exercício do seu poder de propor uma sanção deveria ser apenas objecto de um controlo jurisdicional marginal parece-nos correr o risco inverso do invocado pelo nosso eminente colega, ou seja, a transferência do poder jurisdicional para o executivo. Além disso, o ponto de vista defendido pela Comissão no presente caso vai muito mais longe do que aquele que exprimiu nas suas comunicações relativas à aplicação do artigo 171._, em que reivindica simplesmente o poder de «[requerer] a apreciação de uma sanção pecuniária de quantia fixa ou progressiva» (17). Tal equivaleria igualmente a admitir que a própria Comissão decide do montante da quantia fixa ou progressiva, solução esta rejeitada pelos autores do Tratado da União Europeia.

32 Foi a justo título que o advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer salientou, em diferentes passagens das suas conclusões, a importância dos direitos da defesa do Estado-Membro em causa (18). Parece-nos, todavia, que o processo estabelecido pelo n._ 2 do artigo 171._ do Tratado já oferece as garantias necessárias. O Estado-Membro deve ter a possibilidade de ser ouvido sobre a questão de fundo relativa ao incumprimento do acórdão, antes de a Comissão emitir o seu parecer fundamentado, e pode de novo contestar, na fase contenciosa, a posição da Comissão tanto sobre esta questão principal como sobre a adequação da sanção pecuniária proposta. O Estado-Membro seria privado de uma parte fundamental destes direitos na qualidade de demandado num processo por incumprimento se não tivesse o mesmo grau de liberdade de contestar as consequências financeiras de um eventual acórdão em seu desfavor do que aquele de que beneficia em matéria de incumprimento. Ao decidir impor ou não uma sanção e, se for caso disso, o respectivo montante, o Tribunal de Justiça deve poder conhecer a posição da Comissão e os argumentos eventuais que lhe sejam opostos pelo Estado-Membro demandado. Conferir à Comissão um direito inatacável de determinar a natureza e o montante da sanção pecuniária não nos parece que respeite de modo adequado os direitos da defesa do Estado-Membro em questão.

33 Isto não quer dizer que, ao decidir sobre a imposição e o montante de uma sanção pecuniária, o Tribunal de Justiça não terá em conta a opinião da Comissão ou ainda a do Estado-Membro demandado. É à Comissão que compete verificar se os Estados-Membros se conformam com os acórdãos do Tribunal de Justiça em matéria de incumprimento, e estabelecer a existência e a gravidade da falta de execução desses acórdãos; a Comissão pode igualmente ajudar o Tribunal de Justiça, como deixou entender o advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer (19), a zelar pelo respeito do princípio da igualdade de tratamento nas suas decisões relativas à imposição de sanções pecuniárias.

e) Momento em que se considera verificada uma violação do n._ 1 do artigo 171._ do Tratado e período de tempo relativamente ao qual pode ser imposta uma sanção pecuniária

34 Duas outras questões preliminares devem ser analisadas no presente processo: a determinação do momento em que se considera verificada a violação do n._ 1 do artigo 171._, e do período de tempo relativamente ao qual a sanção pecuniária deve ser paga. A obrigação de se conformar com um acórdão que declare verificado um incumprimento produz efeitos desde a data da prolação desse acórdão (20) e a duração da infracção, nos termos do n._ 2 do artigo 171._, conta-se a partir dessa data. No entanto, esta disposição concede aos Estados-Membros um prazo de tolerância até expirar a data-limite para o cumprimento fixada no parecer fundamentado, antes de a Comissão poder estabelecer que o Estado-Membro não cumpriu efectivamente a sua obrigação de se conformar com o acórdão. Esta data marca igualmente o início do período relativamente ao qual pode ser imposta a sanção pecuniária; embora a infracção ao n._ 1 do artigo 171._ se constitua desde a data do acórdão inicial, parece-nos que o n._ 2 desse mesmo artigo deve ser interpretado no sentido de que só pode ser imposta uma sanção pecuniária a partir do momento em que a Comissão verificou a infracção. É evidente que, para determinar o montante de uma sanção pecuniária, o Tribunal de Justiça pode ter em conta qualquer acontecimento posterior à data-limite fixada no parecer fundamentado que lhe foi notificado em tempo útil.

35 Poderia sustentar-se que a sanção pecuniária só pode abranger o período que medeia entre a data da expiração do prazo de cumprimento fixada no parecer fundamentado e a data da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça no processo ao abrigo do n._ 2 do artigo 171._ do Tratado, com base no argumento de que o Tribunal de Justiça não pode julgar se o incumprimento se mantém para o futuro. Não podemos aderir a este ponto de vista. Em primeiro lugar, a imposição dessa sanção pecuniária, que seria de facto (embora não necessariamente de direito) uma quantia fixa porque o seu montante poderia ser calculado com precisão na data do segundo acórdão, não serviria para convencer o Estado-Membro a conformar-se com o acórdão inicial por incumprimento, sendo a ameaça da sanção pecuniária limitada ao período anterior ao segundo acórdão do Tribunal de Justiça. Ao conferir ao Tribunal de Justiça o poder de impor uma quantia progressiva, como alternativa a uma quantia fixa, o n._ 2 do artigo 171._ habilita o Tribunal de Justiça a impor uma sanção pecuniária para o futuro, salvo se o Estado-Membro demonstrar ao Tribunal de Justiça, em tempo útil, que se conformou com o acórdão inicial.

36 No presente processo, a Comissão propôs ao Tribunal de Justiça que impusesse uma quantia apenas para o futuro, isto é, a contar da data de notificação do acórdão que será proferido no processo e até à cessação da infracção, sem precisar como nem por quem deve ser tomada a decisão que determinará esta última data. Na falta de qualquer indicação expressa no artigo 171._, parece-nos que compete à Comissão determinar a data de cessação do incumprimento do acórdão que verifica o primeiro incumprimento, como corolário do seu poder de verificar em primeiro lugar a existência do incumprimento. No despacho Comissão/França, o Tribunal de Justiça fundou-se no artigo 155._ do Tratado (actual artigo 211._ CE) para declarar que «incumbe... à Comissão zelar... pela execução, pelos Estados-Membros, dos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça» (21) e entendemos que esta mesma disposição pode fundar a competência da Comissão para decidir que um acórdão foi executado.

37 Uma vez que uma decisão que rejeitasse reconhecer que o Estado-Membro se conformou com um acórdão teria efeitos jurídicos sobre a situação desse Estado-Membro, essa decisão seria, em princípio, susceptível de recurso jurisdicional no quadro de um recurso directo. Ao reconhecer que a Comissão tem esse poder, que o Tratado não lhe confere expressamente, não se pode pensar que esta instituição poderia de certa maneira modificar um acórdão do Tribunal de Justiça; uma vez que a condenação no pagamento de uma quantia progressiva decidida pelo Tribunal de Justiça depende da continuação de uma situação de facto e jurídica concreta, uma decisão da Comissão que reconhecesse a cessação do incumprimento do acórdão verificaria simplesmente que a situação de facto mudou. Tal decisão poderia ser tomada com base nos mesmos critérios que os aplicáveis quando a Comissão decide emitir ou não um parecer fundamentado no quadro do primeiro parágrafo do n._ 2 do artigo 171._ Como o objectivo da condenação numa quantia progressiva é assegurar o respeito integral do acórdão inicial, não nos parece que a Comissão possa, por exemplo, reduzir o montante de uma quantia progressiva imposta pelo Tribunal de Justiça para ter em conta um qualquer cumprimento parcial de que o Estado-Membro se venha a prevalecer.

f) Os critérios de escolha de uma sanção pecuniária e de avaliação do respectivo montante

38 O artigo 171._ do Tratado distingue duas categorias de sanção pecuniária, a quantia fixa e a progressiva, sem indicar critérios que permitam escolher entre as duas. Esta distinção é conhecida em direito comunitário e, em especial, no domínio do direito da concorrência; os artigos 15._ e 16._ do Regulamento n._ 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962 (22), habilitam a Comissão a aplicar multas e adstrições às empresas em caso de infracção aos artigos 85._ e 86._ do Tratado CE (actuais artigos 81._ CE e 82._ CE), assim como em caso de infracções processuais nesta área. Embora as circunstâncias que justificam a aplicação destas disposições não tenham nada a ver com as que caracterizam as acções ao abrigo do n._ 2 do artigo 171._, pode razoavelmente supor-se que os autores do Tratado da União Europeia foram buscar a distinção a este ramo do direito. Seja como for, a imposição de uma quantia progressiva constitui para o Tribunal de Justiça o método mais adequado para sancionar o incumprimento continuado por um Estado-Membro de um acórdão que declare que esse Estado-Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem em virtude do Tratado. Pensamos, tal como a Comissão, na posição adoptada na sua comunicação n._ 96/C 242/07 (23), que essa sanção permitiria obter o cumprimento o mais rapidamente possível. Por outro lado, a imposição de uma quantia fixa poderia ser mais adequada no caso de o Estado-Membro executar o acórdão inicial depois de instaurada a acção no Tribunal de Justiça nos termos do artigo 171._, mas antes deste ter decidido, e quando o Tribunal de Justiça entende que esse pagamento teria um efeito útil, por exemplo, para compensar uma perda de recursos próprios da Comunidade devido a uma acção ou omissão ilícita do Estado-Membro ou como um meio de dissuadir qualquer outra falta de cumprimento.

39 A Comissão funda a sua apreciação do montante da quantia progressiva na gravidade do incumprimento de origem, na sua duração e no efeito dissuasivo da sanção. Tanto a iniciativa de fornecer estes critérios gerais acessíveis ao público para o cálculo do montante de uma sanção pecuniária, como esses mesmos critérios gerais, tais como resultam da comunicação n._ 97/C 63/02 (24), parecem-nos à primeira vista, na falta de qualquer crítica convincente no presente caso, inquestionáveis. Todavia, o critério específico utilizado pela Comissão para avaliar a capacidade de pagamento de um Estado-Membro não nos convenceu. O factor «n» é calculado como sendo igual à raiz quadrada do PIB do Estado-Membro em causa, dividido pelo PIB menos elevado de um Estado-Membro, multiplicado pelo número de votos de que dispõe cada Estado-Membro para uma votação por maioria qualificada no Conselho, dividido pelo número de votos de que dispõe o mais pequeno de entre eles (25). Com efeito, um número que representa o PIB comparativo do Estado-Membro em causa é multiplicado por outro número que representa o seu peso comparativo em número de votos no Conselho para obter o factor «n», com o objectivo de chegar a uma média geométrica dos dois elementos.

40 Se o PIB comparativo de um Estado-Membro é incontestavelmente um elemento relevante para determinar a sua capacidade de pagamento, a Comissão não conseguiu demonstrar a relevância do peso comparativo em número de votos no Conselho do Estado-Membro faltoso. Este número é, com efeito, fruto de um acordo político renegociado na prática sempre que novos Estados-Membros aderem à Comunidade e, agora, à União (26). Sejam quais forem os factores tidos em conta para determinar o número de votos de que dispõe um Estado-Membro no Conselho, nada no Tratado e, em especial, nada nos números constantes do n._ 2 do artigo 148._ do Tratado CE (actual artigo 205._, n._ 2, CE), indica que esta determinação tenha uma qualquer ligação com a capacidade dos Estados-Membros de pagar os montantes das sanções pecuniárias que lhes sejam impostas (27). Isto é demonstrado pelo facto de que, para efeitos de repartição dos votos, todos os Estados-Membros, à excepção de dois de entre eles (o Reino de Espanha e o Grão-Ducado do Luxemburgo), estão repartidos em grupos, independentemente de quaisquer eventuais diferenças, que podem ser consideráveis dentro de cada grupo, no que respeita à sua capacidade de suportar sanções pecuniárias. Se o factor ligado ao peso comparativo em termos de votos não é relevante para apreciar a capacidade de pagamento de um Estado-Membro, daí resulta que o factor «n» não constitui uma base adequada para determinar o montante de uma sanção pecuniária.

41 Interrogado a este respeito na audiência, o agente da Comissão sustentou que o peso comparativo de um Estado-Membro em termos de votos no Conselho era um critério objectivo que reflectia a importância de cada Estado-Membro no processo decisório. Esta argumentação negligencia um pouco o facto de as obrigações impostas aos Estados-Membros não serem todas adoptadas pelo Conselho por maioria qualificada; levado ao extremo da sua lógica, este factor deveria ser fixado em 1 para cada Estado-Membro quando o incumprimento de origem diz respeito a disposições do Tratado ou a disposições adoptadas pelo Conselho decidindo por unanimidade e a 0 quando a obrigação que está na origem do incumprimento está prevista em textos normativos adoptados pela Comissão, e deveria ser dividido por dois para cada Estado-Membro quando o texto que está na origem da obrigação foi adoptado pelo Conselho e pelo Parlamento no quadro do processo de co-decisão.

42 A exclusão do elemento ligado ao peso comparativo em número de votos faria do PIB comparativo o único quadro de referência para ter em conta a capacidade de pagamento de um Estado-Membro. Tal não implica que devam ser excluídas quaisquer outras considerações. A Comissão poderá rever o seu método de cálculo para situações futuras. Neste contexto, parece-nos útil evocar as disposições do Regulamento (CE) n._ 1467/97 do Conselho, de 7 de Julho de 1997, relativo à aceleração e clarificação da aplicação do procedimento relativo aos défices excessivos (28). Este regulamento contém, nomeadamente, as disposições de execução do artigo 104._-C, n._ 11, do Tratado CE (actual artigo 104._, n._ 11, CE), que habilita o Conselho, em circunstâncias muito precisas, a aplicar uma multa a um Estado-Membro que não se tenha conformado com uma decisão do Conselho que estabeleça medidas destinadas a reduzir o seu défice orçamental excessivo. O artigo 12._ desse regulamento exige que o Estado-Membro faltoso proceda a um depósito que compreenda «uma componente fixa, correspondente a 0,2% do PIB, e uma componente variável correspondente a um décimo da diferença entre o défice expresso em percentagem do PIB no ano anterior e os 3% do valor de referência do PIB», sendo o limite máximo desse depósito fixado em 0,5% do PIB. O depósito pode ser convertido em multa se o Estado-Membro não corrigir o seu défice no prazo de dois anos.

43 Quer o Tribunal de Justiça partilhe ou não do nosso cepticismo em relação ao factor «n», estamos absolutamente de acordo com a Comissão quando afirma que o montante de qualquer sanção pecuniária imposta a um Estado-Membro deve ter em conta tanto a gravidade da infracção de origem (cuja duração é, em nossa opinião, apenas um aspecto) e a necessidade de a sanção ter um efeito dissuasivo suficiente. O primeiro elemento reflecte o princípio da igualdade de tratamento, fundamental para a ordem jurídica comunitária, e que exige que situações idênticas sejam tratadas da mesma maneira e que as situações diferentes sejam tratadas de maneira diferente (29). Seria, portanto, inadequado tratar com a mesma severidade, por exemplo, um incumprimento resultante de uma má aplicação, de boa fé, de uma regra de direito comunitário eventualmente ambígua, e um incumprimento constituído pela violação deliberada e manifesta de uma regra bem estabelecida (30). O mesmo princípio justifica que o Tribunal de Justiça seja normalmente (31) obrigado a ter em consideração a capacidade do Estado-Membro de pagar uma sanção pecuniária para avaliar o respectivo montante. A exigência de um efeito dissuasivo suficiente é inerente à competência do Tribunal de Justiça para impor sanções financeiras e à necessidade de dar ao n._ 2 do artigo 171._ do Tratado o seu efeito útil. Confrontada com uma falta de precisão da mesma ordem na definição das sanções exigidas para a execução da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais, e às condições de trabalho (32), o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão Von Colson e Kamann, que os Estados-Membros devem assegurar a «eficácia e efeito dissuasivo» dessa sanção (33). Em nossa opinião, as mesmas exigências podem ser aplicadas às sanções decididas pelo Tribunal de Justiça no quadro do n._ 2 do artigo 171._ O montante de qualquer sanção pecuniária deve igualmente, em nossa opinião, respeitar o princípio da proporcionalidade, tal como resulta do terceiro parágrafo do artigo 3._-B do Tratado CE (actual artigo 5._, terceiro parágrafo, CE), no sentido de que «[a] acção da Comunidade não deve exceder o necessário para atingir os objectivos do presente Tratado».

g) Aplicação ao caso presente

44 As dúvidas que exprimimos na secção precedente no que se refere aos critérios utilizados pela Comissão para determinar o montante da sanção pecuniária que propõe que seja imposta à República Helénica não têm incidência sobre a questão de saber se o Tribunal de Justiça deve impor essa sanção pecuniária no presente caso. Antes de mais, como já explicámos acima, entendemos que o Tribunal de Justiça não está vinculado pela proposta da Comissão e que, portanto, nenhum erro de direito ou de apreciação cometido pela Comissão pode afectar a decisão do Tribunal de Justiça. Em segundo lugar, embora a República Helénica tenha contestado a apreciação, feita pela Comissão, da gravidade e da duração da falta de cumprimento, não tentou sustentar que a sanção pecuniária proposta não tem em conta a sua capacidade de a pagar.

45 Sustentámos que a proposta da Comissão relativa às sanções pecuniárias deveria ser tratada como a proposta de uma parte num processo judicial, sujeita ao ónus da prova normal mas igualmente ao direito do Estado-Membro demandado de a contestar e, finalmente, à apreciação jurisdicional do Tribunal de Justiça. Na maioria dos casos, isto significaria que, quando uma parte - a Comissão - avança um argumento convincente e credível que não é contestado pela outra parte - o Estado-Membro -, esse argumento seria aceite pelo Tribunal de Justiça. No entanto, há três elementos que caracterizam o presente processo que nos conduzem a propor uma abordagem diferente para a questão do factor ligado ao direito de voto. Em primeiro lugar, esta é apenas a segunda acção submetida ao Tribunal de Justiça no quadro deste novo processo. Até ao momento, não foi ainda proferido acórdão no primeiro processo. É importante que sejam estabelecidas linhas directrizes claras para processos futuros, na medida em que tal seja possível no contexto do presente processo. Em segundo lugar, a integração do elemento retirado do peso comparativo em número de votos suscita uma importante questão de princípio que não deveria, em nossa opinião, ser posta de lado. Em terceiro lugar, parece à primeira vista que nenhum Estado-Membro teria interesse em contestar a utilização deste elemento. Para o conjunto dos Estados-Membros, à excepção do Grão-Ducado do Luxemburgo, que serve de referência, a utilização deste elemento terá o efeito de reduzir o montante da sanção pecuniária proposto (34). Para o Grão-Ducado do Luxemburgo, este elemento é neutro. Neste aspecto, parece pôr-se um problema quanto à igualdade de tratamento dos Estados-Membros.

46 A República Helénica não contestou a sua não execução do acórdão proferido na acção por incumprimento inicial. À excepção da questão da admissibilidade, que já tratámos acima, o seu único argumento de defesa consiste em sustentar que certas profissões já estão abrangidas e que a assinatura de um projecto de decreto presidencial está iminente, argumentos estes que são idênticos aos que invocou, sem êxito, no quadro da acção por incumprimento inicial. Na audiência, a República Helénica sustentou que dispunha de um sistema muito avançado de reconhecimento dos diplomas concedidos por estabelecimentos estrangeiros; simultaneamente, informou o Tribunal de Justiça de que, nos 22 meses que precederam o final do mês de Outubro de 1999, a autoridade administrativa competente rejeitou um terço dos 12 000 pedidos que lhe foram submetidos. Nenhum destes factos, mesmo que fossem provados, bastaria para demonstrar que a República Helénica se conformou com o acórdão proferido na acção por incumprimento inicial e, além disso, a República Helénica reconhece expressamente que a transposição da directiva na ordem jurídica grega está incompleta.

47 Subscrevemos o ponto de vista da Comissão segundo o qual uma quantia progressiva é a sanção pecuniária adequada no presente caso, que o incumprimento de origem que deu lugar ao acórdão proferido no quadro do recurso inicial é um incumprimento grave, e que a duração da falta de cumprimento é suficientemente longa para ser tida em conta na determinação do montante da quantia progressiva. Todavia, ficamos um pouco perplexos com a afirmação da Comissão de que teve em conta o conjunto das medidas adoptadas pelas autoridades helénicas para tratar o problema, porque nenhuma das partes demonstrou, para retomar os termos do agente da Comissão na audiência do processo C-387/97, já referido, «a sombra de um esboço de uma ideia de um início» de cumprimento do acórdão inicial. O facto de um Estado-Membro não ter tomado qualquer medida concreta para se conformar com um acórdão que declarou verificado o seu incumprimento deve ser considerado uma circunstância agravante.

48 Na falta de qualquer indicação no Tratado ou de uma prática estabelecida a este respeito, proponho que o Tribunal de Justiça retome os números apresentados pela Comissão no caso em apreço relativos ao montante de base uniforme e aos coeficientes de gravidade e de duração. No entanto, pelas razões que já expusemos acima, consideramos que o peso de um Estado-Membro em termos de número de votos no Conselho não é um factor relevante para determinar a sua capacidade de pagamento e propomos, portanto, que se adopte em seu lugar o simples montante do seu PIB comparativo. Para a República Helénica, se for rectificado o factor «n» proposto pela Comissão, a capacidade de pagamento seria de 6,724 e a quantia progressiva diária de 67 240 euros. Não ignoramos que esta soma é um pouco mais elevada do que a soma proposta pela Comissão, mas pensamos que a soma mais elevada que propomos não ultrapassa a da Comissão ao ponto de afectar os direitos de defesa da República Helénica ou de violar o princípio da proporcionalidade evocado acima. No domínio da imposição de sanções pecuniárias no quadro do artigo 171._ do Tratado, o Tribunal de Justiça dispõe, em nossa opinião, de uma competência de plena jurisdição na acepção do artigo 172._ do Tratado CE (actual artigo 229._ CE). Mesmo que este elemento não seja decisivo enquanto tal, seríamos tentados a acrescentar que não existe nenhuma prova que demonstre que a República Helénica foi suficientemente dissuadida pelo montante de 41 000 euros por dia, proposto pela Comissão quando intentou a presente acção em Maio de 1998, ao ponto de tomar medidas úteis para se conformar com o acórdão proferido no quadro da acção por incumprimento inicial, ainda que parcialmente, nos 17 meses que precederam a audiência.

h) Quanto às despesas

49 Tendo a República Helénica sido vencida na totalidade dos fundamentos das suas conclusões, e tendo a Comissão concluído pela condenação nas despesas do Estado demandado, propomos ao Tribunal de Justiça que decida neste sentido.

III - Conclusão

50 À luz das considerações precedentes, propomos ao Tribunal de Justiça que:

- declare que, ao não adoptar as medidas que comporta a execução do acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Março de 1995, Comissão/Grécia (C-365/93), a República Helénica faltou às obrigações que lhe incumbem por força do n._ 1 do artigo 171._ do Tratado CE (actual artigo 228._, n._ 1, CE);

- condene a República Helénica a pagar à Comissão uma quantia progressiva diária de 67 240 euros até que as medidas de execução necessárias sejam tomadas;

- condene a República Helénica nas despesas.

(1) - Colect., p. I-499, a seguir «acção por incumprimento inicial».

(2) - JO 1989, L 19, p. 16, a seguir «directiva».

(3) - Acórdão já referido na nota 1, n._ 11.

(4) - Acórdão de 14 de Dezembro de 1962, Meroni/Alta Autoridade (46/59 e 47/59, Recueil, pp. 783, 801 e 802, Colect. 1962-1964, p. 143).

(5) - Acórdão de 7 de Março de 1996, Comissão/França (C-334/94, Colect., p. I-1307).

(6) - Comissão/Grécia, C-387/97.

(7) - Boletim das Comunidades Europeias, suplemento 2/91, p. 151.

(8) - A Comissão considera que não é necessário pedir sempre uma sanção pecuniária, mas que deve expor as razões pelas quais não o faz (Comunicação n._ 96/C 242/07, referida na nota 9, a seguir, n._ 3).

(9) - Respectivamente, JO C 242, p. 6 e JO C 63, p. 2.

(10) - Comunicação n._ 96/C 242/07, já referida na nota 9, ponto 4 (sublinhado nosso).

(11) - Comunicação já referida na nota 9, ponto 4.

(12) - Acórdão de 5 de Maio de 1998 (C-157/96, Colect., p. I-2211).

(13) - Já referidas na nota 6.

(14) - V., por exemplo, o acórdão de 25 de Maio de 1982, Comissão/Países Baixos (96/81, Recueil, p. 1791, n._ 6).

(15) - Acórdão já referido na nota 12.

(16) - Processo já referido na nota 6, n._ 86 a 98.

(17) - Comunicação n._ 96/C 242/07, já referida na nota 9, n._ 1.

(18) - Processo já referido na nota 6, n.os 31, 42 e 91.

(19) - Processo já referido na nota 6, n._ 97.

(20) - Acórdão de 13 de Julho de 1988, Comissão/França (169/87, Colect., p. 4093, n._ 14).

(21) - Despacho de 28 de Março de 1980 (24/80 R e 97/80 R, Recueil, p. 1319, n._ 11).

(22) - Primeiro Regulamento de execução dos artigo 85._ e 86._ do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).

(23) - Já referida na nota 9, n._ 4.

(24) - Já referida na nota 9.

(25) - V. a nota 12 da comunicação n._ 97/C 63/02, já referida na nota 9.

(26) - V. o Protocolo relativo às Instituições na perspectiva do alargamento da União Europeia, anexo ao Tratado da União Europeia e aos três Tratados comunitários, adoptado no quadro do Tratado de Amesterdão, JO 1997, C 340, p. 111.

(27) - O nosso colega, advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer, também tem dúvidas quanto a este ponto: v. as conclusões já referidas na nota 6, supra, n._ 112, nota n._ 40.

(28) - JO L 209, p. 6.

(29) - V., por exemplo, a fórmula utilizada no acórdão de 13 de Dezembro de 1984, Sermide (106/83, Recueil, p. 4209, n._ 28).

(30) - V. a comunicação n._ 97/C 63/02, já referida na nota 9, n._ 3.1.1.

(31) - Quando é imposta uma quantia progressiva para compensar uma perda de recursos próprios da Comunidade, o montante dessa quantia progressiva deverá reflectir o montante dessa perda.

(32) - JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70.

(33) - Acórdão de 10 de Abril de 1984 (14/83, Recueil, p. 1891, n._ 28); v. igualmente as conclusões da advogada-geral S. Rozès, Recueil, pp. 1917 a 1919, n.os 3 e 4.

(34) - Assim, por exemplo, a aplicação do factor «n» reduz o coeficiente relativo à capacidade de pagamento da República Federal da Alemanha de 140 para 26,4.

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