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Documento 61995CJ0343

Acórdão do Tribunal de 18 de Março de 1997.
Diego Calì & Figli Srl contra Servizi ecologici porto di Genova SpA (SEPG).
Pedido de decisão prejudicial: Tribunale di Genova - Itália.
Empresa portuária - Prevenção da poluição - Monopólio legal - Abuso de posição dominante.
Processo C-343/95.

Colectânea de Jurisprudência 1997 I-01547

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1997:160

61995J0343

Acórdão do Tribunal de 18 de Março de 1997. - Diego Calì & Figli Srl contra Servizi ecologici porto di Genova SpA (SEPG). - Pedido de decisão prejudicial: Tribunale di Genova - Itália. - Empresa portuária - Prevenção da poluição - Monopólio legal - Abuso de posição dominante. - Processo C-343/95.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-01547


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Concorrência - Regras comunitárias - Empresa - Conceito - Entidade de direito privado incumbida pelos poderes públicos do exercício de uma actividade de vigilância antipoluição num porto petrolífero - Exclusão

(Tratado CE, artigo 86._)

Sumário


O artigo 86._ do Tratado deve ser interpretado no sentido de que uma actividade de vigilância antipoluição, cujo exercício, num porto petrolífero de um Estado-Membro, foi confiado pelos poderes públicos a uma entidade de direito privado, não cabe no âmbito de aplicação deste artigo, mesmo no caso de os utentes do porto estarem obrigados a pagar uma taxa destinada a financiar essa actividade.

Com efeito, essa actividade, pela sua natureza, pelo seu objecto e pelo regime a que está sujeita, liga-se ao exercício de prerrogativas de protecção do ambiente, que são tipicamente prerrogativas do poder público, e não tem natureza económica que justifique a aplicação das regras de concorrência do Tratado.

Partes


No processo C-343/95,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, pelo Tribunale di Genova (Itália), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Diego Calì & Figli Srl

e

Servizi ecologici porto di Genova SpA (SEPG),

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 86._ do Tratado CE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, G. F. Mancini, J. L. Murray e L. Sevón, presidentes de secção, C. N. Kakouris, P. J. G. Kapteyn (relator), C. Gulmann, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet, H. Ragnemalm e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: G. Cosmas,

secretário: L. Hewlett, administradora,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Diego Calì & Figli Srl, por F. Bruno, advogado no foro de Génova,

- em representação do Servizi ecologici porto di Genova SpA (SEPG), por V. Afferni, M. Bucello, E. Cavallari e G. Schiano di Pepe, advogados no foro de Génova,

- em representação do Governo italiano, pelo professor U. Leanza, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por P. G. Ferri, avvocato dello Stato,

- em representação do Governo alemão, por E. Roeder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente,

- em representação do Governo francês, por C. de Salins, subdirectora na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e R. Loosli-Surrans, encarregada de missão no mesmo ministério, na qualidade de agentes,

- em representação do Governo do Reino Unido, por S. Braviner, do Treasury Solicitors' Department, na qualidade de agente, assistido por N. Paines, barrister,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Marenco, consultor jurídico, e F. Mascardi, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Diego Calì & Figli Srl, representada por F. Bruno, do Servizi ecologici porto di Genova SpA (SEPG), representado por G. Schiano di Pepe, do Governo italiano, representado por P. G. Ferri, do Governo francês, representado por C. de Salins e R. Loosli-Surrans, do Governo do Reino Unido, representado por J. E. Collins, Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistido por N. Paines, e da Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Marenco, na audiência de 15 de Outubro de 1996,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 10 de Dezembro de 1996,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 12 de Outubro de 1995, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 30 do mesmo mês, o Tribunale di Genova submeteu, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, três questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 86._ do mesmo Tratado.

2 Essas questões foram suscitadas no quadro de um litígio entre a Diego Calì & Figli Srl (a seguir «Calì») e o Servizi ecologici porto di Genova SpA (a seguir «SEPG»), a propósito da remuneração, pela Calì, de serviços preventivos antipoluição efectuados pelo SEPG no porto petrolífero de Génova.

3 Na altura dos factos em causa no processo principal, o porto de Génova era gerido pelo Consorzio autonomo del porto (a seguir «CAP»), que foi substituído, em 1994, pela Autorità portuale. O CAP era um organismo público a que a lei tinha confiado funções tanto administrativas como económicas relativas à gestão do porto.

4 Pela decisão n._ 14, de 1 de Julho de 1986, o presidente do CAP, na qualidade de delegado do Governo, aprovou o regulamento de polícia portuária e de segurança do porto petrolífero de Génova-Multedo.

5 Pela decisão n._ 32, de 23 de Agosto de 1991, o presidente do CAP modificou este regulamento, criando um serviço obrigatório de vigilância e de intervenção rápida destinado a proteger o domínio marítimo contra eventuais poluições devidas a descargas acidentais de hidrocarbonetos no mar.

6 Esse serviço era definido no artigo 1._ da decisão n._ 32 nos seguintes termos:

«Este serviço deverá assegurar... as seguintes funções e procedimentos de intervenção:

a. exercício de uma vigilância constante das águas, em função da presença de navios-cisterna acostados ou atracados nos cais, a fim de detectar imediatamente eventuais riscos de derrames de hidrocarbonetos ou de outras substâncias poluentes resultantes de delitos ou de contravenções;

b. em caso de poluição, tanto por ocasião da partida de um navio como em terra, ocorrida aquando das operações de carga ou descarga, ou em qualquer outro caso:

1) comunicação imediata do facto às autoridades competentes, acompanhada de todas as informações úteis para avaliação da ocorrência;

2) execução, em tempo oportuno, sem prejuízo da imputação das despesas daí decorrentes aos responsáveis pela poluição, de todas as intervenções necessárias ou oportunas para conter a descarga e os riscos a esta ligados e para proceder à retirada e/ou à neutralização das substâncias descarregadas, bem como ao saneamento completo das águas afectadas.»

7 Pelo decreto n._ 1186, de 30 de Agosto de 1991, o presidente do CAP confiou este serviço, sob a forma de uma concessão exclusiva, ao SEPG.

8 Pelo decreto n._ 1191, de 30 de Agosto de 1991, o presidente do CAP aprovou a tabela de preços que o SEPG estava autorizado a aplicar, pela prestação desse serviço, aos navios que utilizassem as instalações do terminal petrolífero. As taxas foram estabelecidas em função da arqueação dos navios e das quantidades transportadas, bem como da duração das intervenções.

9 A Calì, que efectua transportes marítimos de produtos petroquímicos por conta de terceiros, em navios-cisterna, utilizou, por várias vezes, entre 1992 e 1994, o porto petrolífero de Génova-Multedo para operações de carga e descarga de produtos, nomeadamente produtos de acetona.

10 As operações materiais foram levadas a cabo não pela Calì mas pela empresa portuária Porto petroli di Genova SpA, mediante remuneração. Os navios utilizados estavam equipados com instrumentos e sistemas antipoluição.

11 O SEPG enviou à Calì facturas num montante total de 8 708 928 LIT, pelos serviços de vigilância antipoluição realizados em proveito da Calì. Esta recusou pagá-las, alegando que nunca tinha feito apelo nem recorrido a esse tipo de serviços aquando das operações efectuadas no porto petrolífero de Génova.

12 Em 22 de Dezembro de 1994, o SEPG obteve no Tribunale di Genova a condenação da Calì no pagamento das facturas contestadas.

13 No quadro do processo de oposição a esta injunção, o Tribunale di Genova suspendeu a instância até decisão pelo Tribunal de Justiça das seguintes questões prejudiciais:

«1) Existe uma `posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste', no caso de uma sociedade por acções, constituída por iniciativa de uma autoridade portuária nacional, ser encarregada de exercer, e de exercer efectivamente, com base numa concessão administrativa da referida autoridade, a gestão em exclusividade, no âmbito de um sector operativo portuário especializado na carga e descarga de produtos petrolíferos, de um serviço de `vigilância antipoluição', cobrando aos utentes desse serviço, isto é, aos navios que acostam aos cais para as referidas operações, a correspondente taxa, fixada unilateralmente pela autoridade portuária com base na arqueação do navio e na quantidade de produtos desembarcados ou embarcados?

2) Tendo em conta a situação descrita em 1), e perante uma situação de posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste, a imposição, por uma empresa concessionária exclusiva do serviço (ainda que com base numa decisão da entidade concedente), de tarifas

- obrigatórias e independentes da prestação de um serviço efectivo de vigilância e/ou intervenção e que são aplicadas, segundo o regime do contrato de adesão, pelo simples facto de haver acostagem num cais do porto petrolífero e de aí serem realizadas operações de carga e descarga de produtos, quer petrolíferos quer químicos e petroquímicos;

- cujo valor é calculado, exclusivamente, com base na arqueação dos navios e nas quantidades transportadas, bem como, em caso de intervenção efectiva, em função da duração desta, mas não da natureza, da qualidade e da capacidade poluente do produto;

- que, pelo facto de incidirem exclusivamente sobre o navio (sujeito passivo da carga e descarga), penalizam um sujeito diferente daquele ao qual incumbe a execução das operações técnicas necessárias (no caso concreto, a SpA Porto petroli di Genova e os carregadores-destinatários dos produtos), com a consequente e inevitável separação entre a pessoa responsável pela eventual poluição e a assunção dos custos do serviço antipoluição;

- que correspondem a um serviço inútil para o navio, devido à natureza do produto transportado e/ou ao facto de o navio estar dotado de equipamento próprio e de sistemas antipoluição adequados ao tipo de produto a carregar ou descarregar;

- que fazem recair sobre o navio uma prestação patrimonial e o respectivo custo, adicional ao previsto no contrato celebrado entre o transportador e a sociedade que gere o porto e que não tem qualquer nexo funcional com o objecto do próprio contrato,

constitui uma exploração abusiva dessa `posição dominante' e das respectivas `práticas', na acepção do artigo 86._ do Tratado e, em especial, das hipóteses previstas nas alíneas a), c) e d)?

3) Caso se considere que nas hipóteses referidas nas alíneas 1) e 2) antecedentes se verificam uma ou mais práticas que constituem exploração abusiva de uma posição dominante, por uma empresa, na acepção do artigo 86._ do Tratado, decorre dessa situação um possível prejuízo para o comércio entre os Estados-Membros da União?»

14 Para responder à primeira questão relativa à existência de uma posição dominante, dever-se-á apurar se uma actividade como a exercida pelo SEPG, em causa no processo principal, se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 86._ do Tratado.

15 Quanto a este aspecto, recorde-se que estas actividades são exercidas com base numa concessão exclusiva conferida ao SEPG por um organismo público.

16 Ora, no que diz respeito à eventual aplicação das regras de concorrência do Tratado, ter-se-á que distinguir entre o caso de o Estado actuar no exercício da autoridade pública e o de exercer actividades económicas de natureza industrial ou comercial consistentes na oferta de bens ou de serviços no mercado (v., neste sentido, o acórdão de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália, 118/85, Colect., p. 2599, n._ 7).

17 Para esse efeito, não interessa saber se o Estado actua directamente através de um organismo que faz parte da administração pública ou através de uma entidade que investiu de direitos especiais ou exclusivos (v., neste sentido, o acórdão Comissão/Itália, já referido, n._ 8).

18 Para efectuar a distinção entre os dois casos referidos no n._ 16 do presente acórdão, é necessário examinar a natureza das actividades exercidas pela empresa pública ou pela autoridade investida pelo Estado de direitos pessoais ou exclusivos (v., neste sentido, o acórdão Comissão/Itália, já referido, n._ 7).

19 Quanto a este aspecto, resulta do despacho de reenvio e dos termos da primeira questão que o litígio no processo principal incide sobre o pagamento pela Calì de actividades de vigilância antipoluição exercidas pelo SEPG em relação com operações de carga e descarga de produtos de acetona transportados pela Calì no porto petrolífero de Génova.

20 É, além disso, pacífico que o litígio no processo principal não incide sobre a facturação de intervenções do SEPG tornadas necessárias por uma poluição que se tenha efectivamente verificado aquando das operações de carga ou de descarga.

21 O artigo 1._ da decisão n._ 32 do presidente do CAP, já referida, distingue aliás expressamente a actividade de vigilância destinada a evitar a poluição da de intervenção no caso de essa poluição se ter verificado e prevê, na alínea b), n._ 2, a imputação ao responsável pela poluição das despesas decorrentes de todas as intervenções necessárias ou oportunas.

22 Ora, a vigilância antipoluição que o SEPG tem por missão garantir no porto petrolífero de Génova constitui uma missão de interesse geral que se enquadra em funções essenciais do Estado em matéria de protecção do ambiente no domínio marítimo.

23 Ora, esta actividade de vigilância, pela sua natureza, pelo seu objecto e pelo regime a que está sujeita, liga-se ao exercício de prerrogativas de protecção do ambiente, que são tipicamente prerrogativas do poder público. Não tem natureza económica que justifique a aplicação das regras de concorrência do Tratado (v. acórdão de 19 de Janeiro de 1994, SAT Fluggesellschaft, C-364/92, Colect., p. I-43, n._ 30).

24 A cobrança pelo SEPG da taxa devida pela vigilância preventiva antipoluição faz parte integrante da sua actividade de vigilância do domínio marítimo do porto e não é susceptível de alterar a qualificação jurídica dessa actividade de vigilância (v., neste sentido, o acórdão SAT Fluggesellschaft, já referido, n._ 28). Aliás, como resulta do n._ 8 deste acórdão, as tarifas aplicadas pelo SEPG são aprovadas pela autoridade pública.

25 Tendo em conta as considerações acima expostas, dever-se-á responder à primeira questão que o artigo 86._ do Tratado deve ser interpretado no sentido de que uma actividade de vigilância antipoluição, cujo exercício, num porto petrolífero de um Estado-Membro, foi confiado pelos poderes públicos a uma entidade de direito privado, não cabe no âmbito de aplicação deste artigo, mesmo no caso de os utentes do porto estarem obrigados a pagar uma taxa destinada a financiar essa actividade.

26 Tendo em conta a resposta à primeira questão, não há que responder às segunda e terceira questões.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

27 As despesas efectuadas pelos Governos italiano, alemão, francês e do Reino Unido, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Tribunale di Genova, por decisão de 12 de Outubro de 1995, declara:

O artigo 86._ do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que uma actividade de vigilância antipoluição, cujo exercício, num porto petrolífero de um Estado-Membro, foi confiado pelos poderes públicos a uma entidade de direito privado, não cabe no âmbito de aplicação deste artigo, mesmo no caso de os utentes do porto estarem obrigados a pagar uma taxa destinada a financiar essa actividade.

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