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Documento 61994CJ0334

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 7 de Março de 1996.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa.
Incumprimento pelo Estado - Matrícula dos navios - Direito de arvorar o pavilhão francês - Condições de nacionalidade do proprietário e da tripulação - Incumprimento do acórdão 167/73.
Processo C-334/94.

Colectânea de Jurisprudência 1996 I-01307

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1996:90

61994J0334

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 7 de Março de 1996. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa. - Incumprimento pelo Estado - Matrícula dos navios - Direito de arvorar o pavilhão francês - Condições de nacionalidade do proprietário e da tripulação - Incumprimento do acórdão 167/73. - Processo C-334/94.

Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-01307


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Livre circulação de pessoas ° Liberdade de estabelecimento ° Matrícula de um navio num Estado-Membro ° Condições relativas à nacionalidade ou à localização da sede social dos proprietários ° Inadmissibilidade

(Tratado CE, artigos 6. , 48. , 52. , 58. e 221. ; Regulamento n. 1251/70 da Comissão, artigo 7. ; Directiva 75/34 do Conselho, artigo 7. )

2. Estados-Membros ° Obrigações ° Incumprimento ° Manutenção de uma disposição nacional incompatível com o direito comunitário ° Justificação assente na existência de práticas administrativas que garantem a aplicação do Tratado ° Inadmissibilidade

3. Acção por incumprimento ° Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento ° Prazo de execução

(Tratado CE, artigo 171. )

Sumário


1. Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário um Estado-Membro que mantém em vigor disposições legislativas, regulamentares ou administrativas que limitam o direito de matricular um navio no registo nacional e de arvorar o pavilhão nacional aos navios que pertençam:

° em mais de metade a pessoas singulares com a nacionalidade do Estado-Membro em causa,

° a pessoas colectivas com sede nesse Estado-membro,

° a pessoas colectivas cujos dirigentes, administradores ou gerentes sejam, em determinada proporção, nacionais,

° ou a pessoas colectivas cujo capital social, tratando-se de uma sociedade por quotas, de uma sociedade em comandita simples, de uma sociedade em nome colectivo ou de uma sociedade civil, seja possuído em mais de metade por nacionais ou na totalidade por nacionais que preencham determinadas condições.

Mais em especial, tratando-se de navios utilizados no exercício de uma actividade económica, são contrárias aos artigos 6. e 52. do Tratado, por um lado, a reserva do referido direito aos navios pertencentes em mais de metade a pessoas singulares com a nacionalidade do Estado-Membro cujo pavilhão arvoram, por outro, a condição que exige que o controlo ou a gestão das pessoas colectivas proprietárias seja exercido de modo efectivo por nacionais, e a de que o capital de determinadas pessoas colectivas proprietárias de navios seja controlado em dada proporção por nacionais. Esta última condição é também contrária ao artigo 221. do Tratado, dado que limita a participação dos cidadãos de outros Estados-Membros no capital dessas pessoas colectivas. Por último, na medida em que exige que as pessoas colectivas proprietárias de navios tenham sede no território nacional e, por isso, impede a matrícula ou a gestão de um navio no caso de um estabelecimento secundário, como uma agência, sucursal ou filial, a legislação em causa é contrária aos artigos 52. e 58. do Tratado.

Tratando-se de navios que não são utilizados no exercício de uma actividade económica, a respectiva matrícula no Estado-Membro de acolhimento por um nacional de um outro Estado-Membro é abrangida pelas disposições do direito comunitário relativas à livre circulação de pessoas e a legislação em causa, na medida em que reserva apenas aos nacionais o direito de matricular um navio de recreio de que sejam proprietários em mais de metade, é contrária aos artigos 6. , 48. e 52. do Tratado, bem como ao artigo 7. do Regulamento n. 1251/70, relativo ao direito dos trabalhadores permanecerem no território de um Estado-Membro depois de nele terem exercido uma actividade laboral, e ao artigo 7. da Directiva 75/34, relativa ao direito de os nacionais de um Estado-Membro permanecerem no território de um outro Estado-Membro depois de nele terem exercido uma actividade não assalariada.

2. A incompatibilidade da legislação nacional com as disposições do Tratado, mesmo directamente aplicáveis, não pode ser definitivamente eliminada senão através de normas internas de carácter coercivo com o mesmo valor jurídico que as que devem ser modificadas. As simples práticas administrativas, por natureza modificáveis ao critério da administração e desprovidas de publicidade adequada, não podem ser consideradas como constituindo execução válida das obrigações impostas pelo Tratado.

3. Embora o artigo 171. do Tratado não especifique o prazo no qual deve ser dada execução a um acórdão que declare o incumprimento de um Estado-Membro, o interesse da aplicação imediata e uniforme do direito comunitário impõe que essa execução seja iniciada imediatamente e concluída no mais breve prazo.

Partes


No processo C-334/94,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Gérard Rozet, consultor jurídico, e Xavier Lewis, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

República Francesa, representada por Edwige Belliard, director adjunto na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Hubert Renié, secretário dos Negócios Estrangeiros na mesma direcção, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de França, 9, boulevard du Prince-Henri,

demandada,

que tem por objecto obter a declaração de que:

° ao manter em vigor disposições legislativas, regulamentares ou administrativas que limitam o direito de matricular um navio no registo nacional e de arvorar o pavilhão nacional aos navios que pertençam em mais de metade a pessoas singulares de nacionalidade francesa, a pessoas colectivas com sede em França, a pessoas colectivas cujos dirigentes, administradores ou gerentes devem ser, numa determinada proporção, nacionais franceses ou cujo capital social tratando-se de uma sociedade por quotas, de uma sociedade em comandita simples, de uma sociedade em nome colectivo ou de uma sociedade civil, deve ser possuído em mais de metade por franceses ou na totalidade por nacionais franceses que preencham determinadas condições, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 6. , 48. , 52. , 58. e 221. do Tratado CE, bem como do artigo 7. do Regulamento (CEE) n. 1251/70 da Comissão, de 29 de Junho de 1970, relativo ao direito dos trabalhadores permanecerem no território de um Estado-Membro depois de nele terem exercido uma actividade laboral (JO L 142, p. 24; EE 05 F1 p. 93), e do artigo 7. da Directiva 75/34/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1974, relativa ao direito de os nacionais de um Estado-Membro permanecerem no território de um outro Estado-Membro depois de nele terem exercido uma actividade não assalariada (JO 1975, L 14, p. 10; EE 06 F1 p. 183),

° e, ao não adoptar as medidas adequadas para dar cumprimento ao acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 1974, Comissão/República Francesa (167/73, Colect., p. 187), a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 171. do Tratado CE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: C. N. Kakouris (relator), presidente de secção, G. F. Mancini, F. A. Schockweiler, J. L. Murray e H. Ragnemalm, juízes,

advogado-geral: N. Fennelly,

secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 16 de Novembro de 1995,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Dezembro de 1994, a Comissão das Comunidades Europeias propôs, nos termos do artigo 169. do Tratado CE, uma acção na qual pede seja declarado que:

° ao manter em vigor disposições legislativas, regulamentares ou administrativas que limitam o direito de matricular um navio no registo nacional e de arvorar o pavilhão nacional aos navios que pertençam em mais de metade a pessoas singulares de nacionalidade francesa, a pessoas colectivas com sede em França, a pessoas colectivas cujos dirigentes, administradores ou gerentes devem ser, numa determinada proporção, nacionais franceses ou cujo capital social, tratando-se de uma sociedade por quotas, de uma sociedade em comandita simples, de uma sociedade em nome colectivo ou de uma sociedade civil, deve ser possuído em mais de metade por franceses ou na totalidade por nacionais franceses que preencham determinadas condições, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 6. , 48. , 52. , 58. e 221. do Tratado CE, bem como do artigo 7. do Regulamento (CEE) n. 1251/70 da Comissão, de 29 de Junho de 1970, relativo ao direito dos trabalhadores permanecerem no território de um Estado-Membro depois de nele terem exercido uma actividade laboral (JO L 142, p. 24; EE 05 F1 p. 93), e do artigo 7. da Directiva 75/34/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1974, relativa ao direito de os nacionais de um Estado-Membro permanecerem no território de um outro Estado-Membro depois de nele terem exercido uma actividade não assalariada (JO 1975, L 14, p. 10; EE 06 F1 p. 183),

° e, ao não adoptar as medidas adequadas para dar cumprimento ao acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 1974, Comissão/República Francesa (167/73, Colect., p. 187), a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 171. do Tratado CE.

Quanto à primeira parte da acção

2 O artigo 217. do Code des douanes francês dispõe:

"A francisation (cumprimento das formalidades necessárias para a atribuição da 'nacionalidade' francesa a um navio) confere ao navio o direito de arvorar o pavilhão da República Francesa, com os inerentes privilégios. Esta operação administrativa é comprovada pelo título de francisation."

3 O artigo 219. do mesmo código, que contém disposições idênticas aos artigos 3. e 3. .1 da Lei n. 67-5, de 3 de Janeiro de 1967, relativa ao estatuto dos navios e outras embarcações, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n. 75-300, de 29 de Abril de 1975, dispõe:

"I. Para ser objecto de francisation, o navio deve obedecer às seguintes condições:

1. ...

2. A. Pertencer pelo menos em metade a franceses, os quais, caso residam no território da República Francesa menos de seis meses por ano, devem ali escolher o seu domicílio para todos os assuntos administrativos ou judiciais relativos à propriedade e ao estado do navio.

B. Ou pertencer na totalidade a sociedades com sede no território da República Francesa.

Contudo, a sede pode ser situada num Estado estrangeiro quando, nos termos de uma convenção celebrada entre a França e esse Estado, uma sociedade constituída de acordo com a lei francesa possa regularmente exercer a sua actividade no território do Estado estrangeiro e ter aí a sua sede, escolhendo o seu domicílio em França para todos os assuntos administrativos ou judiciais relativos à propriedade e ao estado do navio.

Além disso, qualquer que seja o local da sede, devem ser cidadãos franceses:

a) nas sociedades anónimas: o presidente do conselho de administração, os directores-gerais e a maioria dos membros do conselho de administração, ou os membros da direcção e a maioria dos membros do conselho geral, consoante o caso;

b) nas sociedades em comandita por acções: os gerentes e a maioria dos membros do conselho fiscal;

c) nas sociedades em comandita simples, nas sociedades por quotas, nas sociedades em nome colectivo e nas sociedades civis: os gerentes e os sócios que sejam titulares, pelo menos, de metade do capital social.

C. Ou pertencer na totalidade, sem condição de proporção na repartição da propriedade, a franceses que preencham as condições previstas no ponto A, supra, e a sociedades que preencham as condições previstas no ponto B.

D. Deve destinar-se a pertencer, após levantamento da opção de aquisição da propriedade concedida por operação de locação financeira:

a) pelo menos em metade, quaisquer que sejam os titulares da propriedade do remanescente, a franceses que preencham as condições previstas no ponto A, supra;

b) ou na totalidade a sociedades que preencham as condições previstas no ponto B, supra;

c) ou na totalidade, sem condição de proporção na repartição da propriedade, a franceses que preencham as condições previstas no ponto A e a sociedades que preencham as condições previstas no ponto B.

3. Independentemente dos casos previstos no n. 2, supra, a francisation de um navio pode ser concedida por aprovação especial do ministro da Marinha Mercante e do ministro do Orçamento nos dois casos seguintes:

1. Se, numa das hipóteses previstas nos pontos 2-B, 2-C, 2-D alíneas b) ou c), os direitos das pessoas singulares ou colectivas que preenchem as condições de nacionalidade, de residência ou de sede definidas nas referidas disposições não abrangem a totalidade, mas apenas a metade, pelo menos, do navio e, além disso, na condição de a gestão do navio ser assegurada pelas próprias pessoas ou, na sua falta, confiada a outras pessoas que preencham as condições previstas nos pontos 2-A ou 2-B, supra;

2. Se o navio tiver sido fretado em casco nu por um armador francês que garanta os respectivos controlo, armação, exploração e gestão náutica, e se a lei do Estado do pavilhão o permitir, em semelhante caso, o abandono do pavilhão estrangeiro.

II. Os navios estrangeiros podem também ser objecto de francisation se, em consequência de um naufrágio nas costas do território onde a francisation deve ter lugar, se tornarem na totalidade propriedade francesa e se forem reequipados por nacionais franceses após reparações que atinjam pelo menos o quádruplo do respectivo preço de aquisição."

4 A Comissão critica estas disposições fazendo uma distinção entre a hipótese em que os navios constituem um instrumento para o exercício de uma actividade económica e aquela em que os navios não constituem um instrumento desse tipo.

5 No que respeita à primeira hipótese, a Comissão alega que, ao reservar o direito de matricular um navio no registo francês e de arvorar o pavilhão francês aos navios que pertençam em mais de metade a pessoas singulares que tenham a nacionalidade francesa, a República Francesa mantém em vigor uma legislação que contém uma discriminação em razão da nacionalidade contrária ao artigo 6. , e que constitui um entrave à liberdade de estabelecimento, contrário ao artigo 52. do Tratado CE. A este respeito, refere-se ao acórdão de 25 de Julho de 1991, Factortame e o. (C-221/89, Colect., p. I-3905, n. 30), bem como aos acórdãos de 4 de Outubro de 1991, Comissão/Reino Unido (C-246/89, Colect., p. I-4585), e Comissão/Irlanda (C-93/89, Colect., p. I-4569).

6 Sustenta igualmente que o facto de exigir que as pessoas colectivas proprietárias de navios tenham sede no território francês e que o respectivo capital seja controlado em determinada proporção por nacionais é contrário ao artigo 52. do Tratado (v. acórdão Factortame e o., já referido, n.os 33 e 35). O mesmo se verifica quando a lei exige que o controlo ou a gestão seja exercido de forma efectiva por cidadãos franceses.

7 Além disso, a obrigação de as pessoas colectivas terem sede em França constitui um entrave ao exercício do direito de criar e gerir uma sociedade cujo objecto social seja a gestão de um navio através de uma agência, sucursal ou filial, entrave esse que contraria o artigo 58. do Tratado.

8 Por último, a limitação da participação dos cidadãos de outros Estados-Membros no capital das sociedades a que se refere a legislação francesa, é contrária ao artigo 221. do Tratado, que impõe a obrigação de conceder o mesmo tratamento que aos seus próprios nacionais no que diz respeito à participação financeira daqueles no capital das sociedades (acórdão Factortame e o., já referido, n. 31).

9 Quanto à hipótese de os navios não constituírem um instrumento para exercício de uma actividade económica, a Comissão considera que as limitações previstas nas disposições nacionais em causa são contrárias aos artigos 6. , 48. e 52. do Tratado. São também contrárias ao artigo 7. do Regulamento n. 1251/70 e ao artigo 7. da Directiva 75/34, que, nos respectivos âmbitos de aplicação, consagram o direito dos cidadãos de um Estado-Membro a tratamento igual ao que é aplicado aos cidadãos do Estado-Membro de acolhimento.

10 Segundo a Comissão, embora a matrícula de um navio para finalidades de recreio não diga respeito ao exercício de uma actividade económica em sentido estrito, a possibilidade oferecida pelos Estados-Membros para a prática de actividades de recreio constituiria o corolário da liberdade de circulação. A Comissão refere-se, a este respeito, aos acórdãos de 2 de Fevereiro de 1989, Cowan (186/87, Colect., p. 195, n. 20), e de 15 de Março de 1994, Comissão/Espanha (C-45/93, Colect., p. I-911).

11 O Governo francês não contesta o incumprimento que lhe é imputado pela Comissão.

12 Há que analisar, em primeiro lugar, o caso dos navios utilizados no âmbito do exercício de uma actividade económica.

13 A este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que o princípio geral da não discriminação em razão da nacionalidade, enunciado no artigo 7. do Tratado, foi desenvolvido no artigo 52. do mesmo Tratado no domínio específico regido por este artigo e que, consequentemente, quaisquer normas incompatíveis com esta última disposição são também incompatíveis com o artigo 7. do Tratado (acórdão Comissão/Reino Unido, já referido, n. 18). O artigo 7. do Tratado CEE é actualmente o artigo 6. do Tratado CE.

14 No acórdão Factortame e o., já referido, o Tribunal de Justiça salientou que cada Estado-Membro, no exercício dos seus poderes para efeitos de definição das condições exigidas para concessão da sua "nacionalidade" a um navio, deve respeitar a proibição de discriminação contra nacionais de Estados-Membros em razão da sua nacionalidade (n. 29) e que o artigo 52. do Tratado se opõe a uma condição que exige que as pessoas singulares, proprietárias ou fretadoras de um barco e, no caso das sociedades, os detentores do capital social e os seus administradores tenham uma determinada nacionalidade (n. 30).

15 O Tribunal de Justiça salientou seguidamente que tal condição é também contrária ao disposto no artigo 221. do Tratado que impõe aos Estados-Membros a obrigação de concederem aos nacionais de outros Estados-Membros o mesmo tratamento que aos seus próprios nacionais, no que diz respeito à participação financeira daqueles no capital das sociedades, na acepção do artigo 58. (n. 31).

16 Por último, no mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que uma condição para a matrícula de um navio no sentido de este dever ser explorado e as suas actividades dirigidas e controladas a partir do território do Estado-Membro em que está matriculado coincide essencialmente com o próprio conceito de estabelecimento na acepção dos artigos 52. e seguintes do Tratado, que implica uma instalação estável (n. 34). Contudo, esclareceu que essa exigência não seria compatível com as referidas disposições se devesse ser interpretada como constituindo obstáculo à matrícula no caso de um estabelecimento secundário, em que o centro de direcção das operações do navio no Estado-Membro em que o navio está matriculado actua sob instruções provenientes de um centro de decisões localizado no Estado-Membro do estabelecimento principal (n. 35).

17 Daqui decorre que a legislação francesa que reserva o direito de matricular um navio no registo francês e de arvorar o pavilhão francês apenas aos navios que pertencem em mais de metade a pessoas singulares da nacionalidade francesa é contrária aos artigos 6. e 52. do Tratado CE. O mesmo se passa relativamente à condição de o capital de determinadas pessoas colectivas titulares dos navios dever ser controlado em determinada proporção por nacionais franceses, bem como relativamente à condição que exige que o controlo ou a gestão sejam exercidos de modo efectivo por nacionais franceses.

18 Além disso, tal condição relativa ao controlo do capital de determinadas pessoas colectivas titulares de navios é também contrária ao artigo 221. do Tratado, dado que limita a participação dos cidadãos de outros Estados-Membros no capital dessas pessoas colectivas.

19 Por último, na medida em que a legislação francesa impõe que as pessoas colectivas proprietárias de navios tenham sede no território francês e, por isso, impede a matrícula ou a gestão de um navio no caso de um estabelecimento secundário, como uma agência, sucursal ou filial, ela é contrária aos artigos 52. e 58. do Tratado.

20 Há que analisar seguidamente o caso dos navios que não são utilizados no âmbito do exercício de uma actividade económica.

21 A este respeito, deve recordar-se que o direito comunitário assegura a qualquer cidadão de um Estado-Membro não só a liberdade de se dirigir a outro Estado-Membro para ali exercer uma actividade assalariada ou não assalariada como a de ali residir após ter exercido essa actividade. Ora, o acesso às actividades de recreio oferecidas nesse Estado-Membro constitui o corolário da liberdade de circulação.

22 Daqui resulta que o registo, por esse cidadão, de um navio para fins de recreio no Estado-Membro de acolhimento é abrangido pelas disposições do direito comunitário relativas à liberdade de circulação.

23 Assim, a legislação francesa que reserva apenas aos nacionais o direito de matricular em França um navio de recreio de que sejam proprietários em mais de metade, é contrária aos artigos 6. , 48. e 52. do Tratado, bem como ao artigo 7. do Regulamento n. 1251/70 e ao artigo 7. da Directiva 75/34.

24 Tendo em conta o que antecede, há que declarar, quanto à primeira parte da acção, que, ao manter em vigor disposições legislativas, regulamentares ou administrativas que limitam o direito de matricular um navio no registo nacional e de arvorar o pavilhão nacional aos navios que pertençam em mais de metade a pessoas singulares de nacionalidade francesa, a pessoas colectivas com sede em França, a pessoas colectivas cujos dirigentes, administradores ou gerentes devem ser, em determinada proporção, nacionais franceses ou cujo capital social, tratando-se de uma sociedade por quotas, de uma sociedade em comandita simples, de uma sociedade em nome colectivo ou de uma sociedade civil, deve ser possuído em mais de metade por franceses ou na totalidade por nacionais franceses que preencham determinadas condições, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 6. , 48. , 52. , 58. e 221. do Tratado, bem como do artigo 7. do Regulamento n. 1251/70 e do artigo 7. da Directiva 75/34.

Quanto à segunda parte da acção

25 Esta parte da acção refere-se à não execução pela República Francesa do acórdão de 4 de Abril de 1974, Comissão/República Francesa (167/73, Colect., p. 187).

26 Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, ao não ter alterado, no que diz respeito aos nacionais dos outros Estados-Membros, o disposto no artigo 3. , segundo parágrafo, do Code du travail maritime, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 48. do Tratado CEE e no artigo 4. do Regulamento (CEE) n. 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores no interior da Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77).

27 Nos termos do artigo 3. , segundo parágrafo, do code du travail maritime francês, o pessoal do navio deve ser de nacionalidade francesa, na proporção estabelecida por despacho do ministro da Marinha Mercante.

28 A Comissão refere que uma circular administrativa emitida após o referido acórdão contém instruções para a não aplicação da lei nacional em causa. Ora, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, as circulares ministeriais não constituem medidas adequadas para execução das obrigações decorrentes do direito comunitário. Assim, o facto de ainda não ter alterado a legislação nacional em obediência ao acórdão de 4 de Abril de 1974, Comissão/República Francesa, já referido, constitui incumprimento da obrigação, prevista no artigo 171. do Tratado, de adoptar as medidas necessárias para o cumprimento de um acórdão.

29 O Governo francês, sem contestar o incumprimento que lhe é imputado, salienta que, após a referida circular, a condição da nacionalidade para o exercício da profissão de marinheiro já não se aplica aos cidadãos comunitários. Refere, também, que está a ser elaborado, e deve em breve ser adoptado, um projecto de lei que altera esta legislação a fim de dar cumprimento ao acórdão do Tribunal de Justiça.

30 Deve, desde logo recordar-se que, segundo jurisprudência constante, a incompatibilidade da legislação nacional com as disposições do Tratado, mesmo directamente aplicáveis, não pode ser definitivamente eliminada senão através de normas internas de carácter coercivo com o mesmo valor jurídico que as que devem ser modificadas. As simples práticas administrativas, por natureza modificáveis ao critério da administração e desprovidas de publicidade adequada, não podem ser consideradas como constituindo execução válida das obrigações impostas pelo Tratado (v. acórdão de 15 de Outubro de 1986, Comissão/Itália, 168/85, Colect., p. 2945, n. 13).

31 Deve ainda salientar-se que, embora o artigo 171. do Tratado não especifique o prazo no qual deve ser dada execução a um acórdão, o interesse da aplicação imediata e uniforme do direito comunitário impõe que essa execução seja iniciada imediatamente e concluída no mais breve prazo (v. acórdão de 13 de Julho de 1988, Comissão/República Francesa, 169/87, Colect., p. 4093, n. 14). Ora, no caso presente, a República Francesa não deu cumprimento a um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça há mais de vinte anos.

32 Assim, deve declarar-se, no que respeita à segunda parte da acção, que, ao não adoptar as medidas adequadas para dar cumprimento ao acórdão de 4 de Abril de 1974, Comissão/República Francesa, já referido, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 171. do Tratado CE.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

33 Por força do disposto no artigo 69. , n. 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a República Francesa sido vencida, há que condená-la nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

decide:

1) Ao manter em vigor disposições legislativas, regulamentares ou administrativas que limitam o direito de matricular um navio no registo nacional e de arvorar o pavilhão nacional aos navios que pertençam em mais de metade a pessoas singulares de nacionalidade francesa, a pessoas colectivas com sede em França, a pessoas colectivas cujos dirigentes, administradores ou gerentes devem ser, numa determinada proporção, nacionais franceses ou cujo capital social, tratando-se de uma sociedade por quotas, de uma sociedade em comandita simples, de uma sociedade em nome colectivo ou de uma sociedade civil, deve ser possuído em mais de metade por franceses ou na totalidade por nacionais franceses que preencham determinadas condições, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 6. , 48. , 52. , 58. e 221. do Tratado CE, bem como do artigo 7. do Regulamento n. 1251/70 da Comissão, de 29 de Junho de 1970, relativo ao direito dos trabalhadores permanecerem no território de um Estado-Membro depois de nele terem exercido uma actividade laboral, e do artigo 7. da Directiva 75/34/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1974, relativa ao direito de os nacionais de um Estado-Membro permanecerem no território de outro Estado-Membro depois de nele terem exercido uma actividade não assalariada.

2) Ao não adoptar as medidas adequadas para dar cumprimento ao acórdão de 4 de Abril de 1974, Comissão/República Francesa (167/73, Colect., p. 187), a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 171. do Tratado CE.

3) A República Francesa é condenada nas despesas.

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