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Documento 61992CC0291(01)

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 6 de Abril de 1995.
Finanzamt Uelzen contra Dieter Armbrecht.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesfinanzhof - Alemanha.
IVA - Operações tributáveis.
Processo C-291/92.

Colectânea de Jurisprudência 1995 I-02775

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1995:99

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

F. G. JACOBS

apresentadas em 6 de Abril de 1995 ( *1 )

1. 

Quando um sujeito passivo vende uma pensão que utilizou para uso empresarial e privado, renunciando, no momento da venda, à isenção do imposto de que a venda beneficiaria na ausência dessa renúncia, ao abrigo no disposto no artigo 13.o, ponto B, alínea g), da Sexta Directiva IVA ( 1 ), deverá pagar imposto sobre a parte do produto da venda atribuível às partes da pensão destinadas a uso privado? Esta é, essencialmente, a questão que levou o Bundesfinanzhof a submeter ao Tribunal de Justiça três questões relativas à interpretação da Sexta Directiva.

2. 

Após uma audiência realizada em 17 de Junho de 1993 perante a Segunda Secção, o advogado-geral Van Gerven apresentou as suas conclusões em 15 de Setembro de 1993. Por despacho de 13 de Dezembro de 1994, o Tribunal de Justiça ordenou a reabertura da fase oral do processo e realizou-se mais uma audiência no Tribunal de Justiça, em sessão plenária, em 14 de Março de 1995.

Os factos e as questões

3.

O caso levanta problemas de alguma complexidade. Os factos essenciais são, todavia, simples. Dieter Armbrecht, um hoteleiro, possuía um prédio compreendendo uma pensão, um restaurante e partes usadas como habitação privada. Em 1981, acordou a venda do prédio pelo preço de 1150000 DM, «mais 13% de IVA». Alega que a referência ao IVA no documento notarial tinha a intenção de se referir somente às partes do prédio utilizadas para uso comercial e que não facturou nem recebeu IVA em relação às partes usadas como habitação privada. Na sua declaração de IVA para o ano de 1981, considerou como tributável a venda das partes usadas para a actividade empresarial, mas registou como isento de imposto um montante de 157705 DM relativo à habitação privada. Na sequência de uma inspecção, o Finanzamt foi de opinião de que D. Armbrecht deveria também ter pago imposto em relação à venda da habitação. D. Armbrecht interpôs recurso, com sucesso, para o Finanzgericht, que decidiu que, contrariamente ao que sucede à luz do Código Civil alemão, havia, para efeitos da regulamentação do IVA, dois bens autónomos quando um edifício fosse usado parcialmente para fins empresariais e parcialmente para habitação. Uma vez que D. Armbrecht não facturou o IVA ao comprador relativamente à habitação privada, não era devedor do IVA em relação a essa parte. O Bundesfinanzhof, ao qual o litígio subiu em recurso, solicita uma decisão a título prejudicial sobre as seguintes questões:

«1)

Na alienação de um imóvel, a parte do mesmo afecta à actividade empresarial deve ser considerada objecto autónomo de ‘entrega de um bem’, na acepção do n.o 1 do artigo 5.o da Sexta Directiva (77/388/CEE)?

2)

Um imóvel que é utilizado em parte para fins privados e em parte afecto à actividade empresarial, em áreas separadas, deve ser considerado, para efeitos do n.o2 do artigo 17.o da Sexta Directiva, utilizado no seu conjunto para os fins das operações tributáveis da empresa, ou só deve ser considerada para este efeito a parte do imóvel afecta à actividade empresarial?

3)

O ajustamento da dedução previsto no n.o 2 do artigo 20.o da Sexta Directiva pode ser limitado à parte do imóvel afecta à actividade empresarial?»

4.

O problema essencial subjacente a estas questões é saber se um sujeito passivo pode optar por excluir as partes de um imóvel deixadas para ocupação privada dos activos da sua empresa, para efeitos da Sexta Directiva, apesar de o imóvel constituir um único bem, segundo o direito nacional que rege a titularidade da propriedade. Nas suas conclusões de 15 de Setembro de 1993, o advogado-geral Van Gerven concluiu que um sujeito passivo estava no direito de o fazer. Sou da mesma opinião, ainda que por fundamentos diferentes.

A legislação comunitária

5.

Antes de voltar às questões em particular, pode ser útil expor as disposições da Sexta Directiva com especial relevância no presente caso.

6.

O artigo 2.o, n.o 1, sujeita ao imposto:

«As entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.»

7.

O artigo 5.o, n.o 1, prevê:

«Por ‘entrega de um bem’ entende-se a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário.»

8.

Os artigos 5.o, n.o 6, e 6.o, n.o 2, alínea a), consagram disposições relativas ao uso privado de bens ou serviços por um sujeito passivo. O artigo 5.o, n.o 6, prevê:

«É equiparada a entrega efectuada a título oneroso a afectação, por um sujeito passivo, de bens da própria empresa a seu uso privado ou do seu pessoal, ou a disposição de bens a título gratuito, ou, em geral, a sua afectação a fins estranhos à empresa, sempre que, relativamente a esses bens ou aos elementos que os compõem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado. Todavia, não será assim considerada a afectação a ofertas de pequeno valor e a amostras, para os fins da própria empresa.»

O artigo 6.o, n.o 2, alínea a), trata como prestações de serviços:

«A utilização de bens afectos à empresa para uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa, sempre que, relativamente a esses bens, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado.»

9.

O artigo 13.o, ponto B, consagra uma série de isenções para operações relativas à propriedade imobiliária. O artigo 13.o, ponto B, alínea b), isenta, com reserva de certas excepções que não são relevantes neste caso:

«A locação de bens imóveis...»

O artigo 13.o, ponto B, alíneas g) e h), isenta de imposto:

«g)

As entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, com excepção dos indicados no n.o 3, alínea a), do artigo 4);

h)

As entregas de bens imóveis não construídos, com excepção das entregas de terrenos para construção previstas no n.o 3, alínea b), do artigo 4.o»

10.

O artigo 4.o, n.o 3, alíneas a) e b), a que se referem estas últimas disposições, definem as entregas excluídas da isenção da forma seguinte:

«a)

A entrega de um edifício ou de parte de um edifício e do terreno da sua implantação, efectuada anteriormente à primeira ocupação; os Estados-Membros podem definir as modalidades de aplicação deste critério às transformações de imóveis e, bem assim, a noção do terreno da sua implantação.

Os Estados-Membros podem aplicar critérios diferentes do da primeira ocupação, tais como o do prazo decorrido entre a data de conclusão do imóvel e a da primeira entrega, ou o do prazo decorrido entre a data da primeira ocupação e a da entrega posterior, desde que tais prazos não ultrapassem, respectivamente, cinco e dois anos.

Por edifício entende-se qualquer construção incorporada no terreno;

b)

A entrega de um terreno para construção.

Por terrenos para construção entendem-se os terrenos, urbanizados ou não, tal como são definidos pelos Estados-Membros.»

11.

O artigo 13.o, ponto C, acrescenta a seguinte importante reserva às isenções precedentes:

«Os Estados-Membros podem conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação:

a)

da locação de bens imóveis;

b)

das operações referidas em B... g) e h).

Os Estados-Membros podem restringir o âmbito do direito de opção e fixarão as regras do seu exercício.»

12.

O artigo 17.o, n.o 2, prevê:

«Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)

O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo.»

13.

O artigo 20.o, n.os 2 e 3, consagra regras para o ajustamento das deduções em relação a bens de investimento, quando a medida em que tais bens são usados para fins das operações tributáveis varia no tempo:

«2.

No que diz respeito aos bens de investimento, o ajustamento deve repartir-se por um período de cinco anos, incluindo o ano em que os bens tenham sido adquiridos ou produzidos. Anualmente, esse ajustamento é efectuado apenas sobre a quinta parte do imposto que incidiu sobre os bens em questão. Tal ajustamento é realizado em função das alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos ou produzidos.

Em derrogação do disposto no parágrafo anterior, os Estados-Membros podem tomar como base, no momento do ajustamento, um período de cinco anos completos a contar do início da utilização dos bens em questão.

No que diz respeito aos bens de investimento imobiliários, o período que serve de base ao cálculo dos ajustamentos pode ser alargado até dez anos.

3.

No caso de entrega durante o período de ajustamento, os bens de investimento são considerados afectados a uma actividade económica do sujeito passivo até ao termo do período de ajustamento. Presume-se que esta actividade económica é inteiramente tributada nos casos em que a entrega dos referidos bens é tributada; presume-se que está totalmente isenta nos casos em que a entrega se encontra isenta. O ajustamento efectua-se uma única vez relativamente a todo o restante período de ajustamento»

A primeira questão

14.

A questão do Bundesfinanzhof enquadra-se nos termos do artigo 5.o, n.o 1, da directiva. Pergunta se a parte de uma propriedade imobiliária destinada a uso empresarial constitui o objecto autónomo de uma entrega na acepção dessa disposição. A este propósito, o Governo alemão colocou grande ênfase no facto de a pensão de D. Armbrecht ser um bem unitario segundo o direito civil alemão e estar registada como um predio único no registo predial. Grande parte da discussão incidiu sobre este problema. Parece-me, todavia, que essa discussão está deslocada.

15.

Pode haver poucas dúvidas, penso eu, de que o artigo 5.o, n.o 1, remete para o direito nacional para efeitos de determinar a extensão dos direitos de propriedade transferidos e de que, neste caso, D. Armbrecht transferiu o direito de dispor da pensão na sua totalidade na acepção dessa disposição. Isto é assim, não obstante os acórdãos do Tribunal de Justiça referidos neste processo. É verdade que, no acórdão De Jong ( 2 ), o Tribunal de Justiça afirmou que, quando um construtor adquiriu terreno na sua qualidade de pessoa privada e subsequentemente edificou nele uma casa para seu uso privado, o imposto a liquidar pela afectação a uso privado é aplicado somente ao valor do edifício e não ao valor do terreno; o terreno nunca fez parte dos bens da empresa do construtor e, consequentemente, não podia ser transferido para uso privado para efeitos do artigo 5.o, n.o 6. Todavia, este caso foi muito especial. Deve recordar-se que o poder dos Estados-Membros de tratar como entrega de bens (mais que de serviços) o fornecimento, por um construtor, de trabalhos de construção no terreno do qual ele não detém título de propriedade decorre de uma disposição especial contida no artigo 5.o, n.o 5, alínea b). Essa disposição não autoriza, todavia, um Estado-Membro a tratar uma empresa de construção que constrói uma habitação no terreno do seu cliente como efectuando uma entrega de bens que abrange não somente a habitação mas também o terreno. Não pode claramente ser tratado como se entregasse ao seu cliente um terreno que já é propriedade deste. Consequentemente, do mesmo modo, não podia considerar-se que P. de Jong fornecera a si mesmo um terreno de que já era proprietário na sua qualidade de pessoa privada. Se a necessidade de incluir uma disposição específica no artigo 5.o tem algum significado, é o de que a regra geral é que um edifício se considera transferido juntamente com o terreno no qual ele está implantado como um bem unitário, para efeitos do artigo 5.o, n.o 1.

16.

Também, em minha opinião, nada adianta a referência ao acórdão Shipping and Forwarding Enterprise Safe ( 3 ). Aí, o Tribunal de Justiça declarou que a expressão «entrega de um bem» não se referia à transferência de propriedade de acordo com os processos consagrados pelo direito nacional, mas cobria qualquer transferência de bens corpóreos por uma parte que autorize a outra parte a dispor realmente deles como um proprietário; consequentemente, poderia haver entrega de um bem, mesmo se a titularidade jurídica não fosse transferida. Esta decisão não afasta todavia a necessidade de referência ao direito nacional para determinar a extensão dos direitos que foram transferidos para efeitos do artigo 5.o, n.o 1, tal como resulta do facto de o Tribunal de Justiça ter deixado ao tribunal nacional o cuidado de determinar se se verificara urna transferencia do direito de disposição.

17.

Finalmente, não tem qualquer importancia o facto de, segundo o direito civil alemão, ser possível a propriedade parcial de um bem imóvel em certas circunstâncias, dado que tal questão não se levanta no caso vertente.

18.

Todavia, com isto não está resolvida ainda a questão. O artigo 5.o, n.o 1, da directiva deve ler-se em conjugação com o disposto no artigo 2.o, n.o 1, que sujeita a imposto as entregas de bens e serviços somente quando são efectuadas ‘por um sujeito passivo agindo nessa qualidade’. Em minha opinião, a verdadeira questão neste caso é saber se um comerciante que dispõe de partes de um bem imóvel destinadas a uso privado age totalmente na sua qualidade de sujeito passivo ou em parte como indivíduo privado. Por outras palavras, é necessário considerar se os direitos de propriedade, tal como definidos pelo direito nacional, são detidos pelo sujeito passivo em parte na sua qualidade de pessoa privada. Uma vez que pouco se pode concluir do próprio texto do artigo 2.o, n.o 1, é necessário resolver essa questão por referência aos objectivos e à sistemática da directiva.

19.

Antes de voltar à questão, devo examinar um ponto levantado pelo Governo alemão na audiência. Este governo argumenta que, uma vez que o artigo 13.o, ponto C, permite aos Estados-Membros restringir o âmbito do direito de opção pelo imposto e fixar as regras do seu exercício, o legislador alemão está autorizado a exigir que um sujeito passivo opte pelo imposto sobre a totalidade de um bem imóvel. Consequentemente, a primeira questão do tribunal nacional não se põe.

20.

Esta opinião é, todavia, incompatível com a estrutura básica da Sexta Directiva. Como já se notou, o artigo 2.o, n.o 1, define o alcance do imposto. Esta disposição sujeita a imposto as entregas de bens e as prestações de serviços efectuadas por um sujeito passivo agindo nessa qualidade. O artigo 13.o prevê uma série de isenções do imposto em relação a certas entregas de bens e prestações de serviços. Tais entregas não dão origem à liquidação do imposto, mas ainda assim caem no âmbito de aplicação do imposto para efeitos do artigo 2.o, n.o 1. Estas operações devem distinguir-se das entregas que caem fora do âmbito de aplicação do imposto, tal como é definido pelo artigo 2.o, n.o 1, como as vendas efectuadas por indivíduos a título privado.

21.

A opinião do Governo alemão ignora esta estrutura básica. O artigo 13.o, ponto C, permite aos Estados-Membros restringir o alcance da opção pela tributação. O exercício de uma opção pela tributação converte uma entrega isenta numa entrega tributável e confere ao sujeito passivo o direito à dedução. Não pode todavia transformar uma entrega que cai fora do âmbito do imposto numa entrega tributável. Por outras palavras, a opção pela tributação só pode realizar-se dentro do campo de incidência definido pelo artigo 2.o, n.o 1. Consequentemente, o tribunal nacional considerou muito correctamente que a primeira questão que surge neste caso é saber se a alienação da parte da pensão utilizada para fins privados cai dentro do campo de incidência do imposto. Se isso não acontecer, não pode ser trazido para esse campo de incidência pelo exercício de uma opção pela tributação. Além disso, como explicarei mais adiante, o problema que surge neste caso reflecte um problema mais geral relacionado com as normas alemãs sobre o uso para fins privados.

22.

É o quarto caso reenviado pelos tribunais alemães em que o Tribunal de Justiça teve a ocasião de examinar as disposições da directiva relativas ao uso para fins privados ( 4 ). Resulta desses processos que o princípio subjacente às normas de execução alemãs é que, para assegurar a neutralidade fiscal entre sujeitos passivos e indivíduos enquanto pessoas privadas, um sujeito passivo que afecta bens ou serviços a uso privado deve ser colocado na mesma situação, para efeitos de IVA, que um dos seus clientes. As normas alemãs exigem, consequentemente, que um sujeito passivo impute à empresa os bens adquiridos em parte para uso empresarial e em parte para uso privado. Considera-se que o sujeito passivo tem o direito a deduzir, na totalidade, o imposto que recaiu sobre os bens, em conformidade com o disposto no artigo 17, n.o 2, da directiva, mas deve então, pelo uso privado que deles faz, pagar um montante anual de imposto baseado na depreciação dos bens, segundo o artigo 6.o, n.o 2, alínea a). Se vender subsequentemente os bens, o IVA é liquidado sobre a totalidade do preço de venda, em conformidade com o disposto no artigo 2.o, n.o 1.

23.

A lógica das disposições alemãs exige que o sujeito passivo deva ser obrigado a suportar o imposto pelo uso privado, mesmo que não possa deduzir o IVA pago na aquisição dos bens, por exemplo, porque foram adquiridos a um indivíduo a título privado (v. o acórdão Kühne, já referido no n.o 29, infra). Exige também que deva pagar o imposto pelo uso privado de serviços em conexão com o uso dos bens, mesmo que o IVA não seja susceptível de dedução em relação aos serviços porque não estavam sujeitos ou não foram tributados (v. o acórdão Mohsche, referido no n.o 30, infra). Em ambos os casos, o cliente da empresa do sujeito passivo suportaria o imposto na totalidade sobre os bens ou serviços, mesmo que o sujeito passivo não pudesse deduzir o IVA que incidiu sobre eles.

24.

Das explicações dadas pelo Finanzamt na audiencia resulta que a aplicação das normas alemãs aos bens imóveis, ainda que mais complexa, é baseada nos mesmos princípios. Pode notar-se que, segundo a Sexta Directiva, o arrendamento de bens imóveis e a entrega de tais bens (com excepção dos terrenos para construção e dos edifícios novos) estão em princípio isentos [v. o artigo 13.o, ponto B, alíneas b), g) e h), supra], O artigo 13.o, ponto C, não obstante, permite aos Estados-Membros conceder aos sujeitos passivos o direito de optar pela tributação de tais operações, sem prejuízo das restrições que eles adoptam. As normas alemãs restringem o uso da opção a casos em que o cliente use os bens para os fins da sua empresa. A restrição é lógica, uma vez que a finalidade da opção é permitir ao imposto funcionar normalmente em operações entre sujeitos passivos.

25.

Em harmonia com a lógica das disposições alemãs, o uso pessoal de um bem imóvel é equiparado a um arrendamento para habitação isento feito pela empresa. Noutros termos, o uso privado é considerado como uma entrega por um sujeito passivo, de acordo com o disposto no artigo 6.o, n.o 2, alínea a), mas é isento em conformidade com o disposto no artigo 13.o, ponto B, alínea b). O efeito disto é que, em contraste com a situação de outros bens, na aquisição de um bem imóvel, um sujeito passivo não pode deduzir o IVA da parte do bem destinado a uso privado, uma vez que se trata de uma entrega isenta. Nem é obrigado, porém, a pagar o imposto por uso privado, segundo o disposto no artigo 6.o, n.o 2, alínea a).

26.

Um outro aspecto das normas de execução alemãs merece referência. No caso de bens que não bens imóveis, as variações anuais na medida do uso privado são reflectidas na medida do imposto sobre o uso privado. No caso de bens imóveis, isto não é possível, uma vez que não há imposto anual. Todavia, é feito um ajustamento segundo as normas nacionais que dão execução ao disposto no artigo 20.o, n.o 2, da directiva, relativo aos ajustamentos de deduções feitas em relação a bens de investimento. Segundo estas regras, as variações nas proporções relativas do uso tributável e do uso privado isento, dentro de um período de dez anos a partir da aquisição do bem, são reflectidas no ajustamento da dedução inicial, que é baseada nas proporções aplicáveis no ano de aquisição. Assim, por exemplo, suponhamos que um sujeito passivo compra um bem imóvel que ele afecta, no ano I, em 80%, a uso empresarial tributável, e em 20% a uso privado. Se, no ano II, o seu uso privado diminuir para 10%, terá direito a uma dedução adicional, em relação a esse ano, de 1/10 x (20%-10%) do imposto. Se o sujeito passivo vender o bem a outro sujeito passivo dentro do período de ajustamento de dez anos e optar pela tributação do bem, considera-se que afectou o bem a uso tributável para o resto do período de dez anos e recebe um reembolso parcial. Todavia, após o período de ajustamento de dez anos, nenhum outro ajustamento é efectuado. Consequentemente, se um sujeito passivo optar pela tributação da venda de um bem após o período de dez anos, deve liquidar o imposto sobre a totalidade do preço de venda, não obstante o facto de ter suportado definitivamente o imposto sobre a parte do bem afecta a uso privado; Assim, com efeito, as normas alemãs depreciam o bem numa base linear durante dez anos.

27.

O Governo francês partilha a opinião do Governo alemão de que um bem imóvel afectado a uso misto deve, em princípio, ser considerado como um bem unitário da empresa. A sua resposta às questões escritas formuladas pelo Tribunal de Justiça indica que, ainda que funcionando algo diferentemente, as normas francesas são baseadas em princípios similares aos alemães. O problema surge em menor medida porque, diversamente das normas alemãs, as normas francesas não prevêem uma opção pela tributação da venda de edifícios usados. Todavia, um edifício usado é automaticamente sujeito a IVA se for vendido, pela primeira vez, dentro de um período de cinco anos a partir da sua conclusão. Como no caso das normas alemãs, a venda tributável dá origem a uma dedução adicional em relação às partes destinadas a uso privado.

28.

A resposta do Governo português às questões do Tribunal de Justiça indica que, segundo a lei portuguesa, uma opção pela tributação deve ser exercida em relação à totalidade do bem imóvel. Finalmente, o Reino Unido observa que, segundo o seu direito, um sujeito passivo pode exercer a opção pela tributação somente em relação às partes de um bem imóvel destinadas à actividade empresarial. A venda das partes do bem afectadas a fins privados é tratada como uma entrega isenta.

Jurisprudência relevante

29.

Nas suas decisões precedentes, o Tribunal de Justiça deu apenas aprovação limitada às normas alemãs. No acórdão Kühne declarou que nenhuma sujeição a imposto emergia do artigo 6.o, n.o 2, alínea a), em relação ao uso privado de um veículo automóvel adquirido em segunda mão, sem dedução do imposto, a um indivíduo a título privado. O Tribunal declarou que essa disposição

«pretende evitar a não tributação de um bem afecto à empresa e utilizado para fins privados, apenas exigindo, em consequência, a tributação da utilização privada desse bem no caso de ter dado direito à dedução do imposto sobre a sua aquisição.»

30.

De modo semelhante, no acórdão Mohsche, declarou que a expressão «utilização de bens», contida no artigo 6.o, n.o 2, alínea a), não abrangia as prestações acessórias a tal uso. O efeito da decisão prejudicial foi excluir da base da tributação por utilização privada o valor dos serviços acessórios relativamente aos quais não foi deduzido o IVA.

31.

Assim, nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça, se bem que não pondo em questão o método utilizado pelas normas alemãs para tributar o uso privado, rejeitou a noção subjacente de que um sujeito passivo deve ser equiparado a um dos seus clientes. É suficiente que esteja sujeito ao encargo fiscal, ao qual teria estado sujeito se ele próprio tivesse comprado, a título privado, os bens ou serviços em questão. Ê, portanto, claro que a noção de neutralidade fiscal subjacente às normas alemãs sobre o uso privado, incluindo a ocupação a título privado de bens imóveis, difere da interpretação feita pelo Tribunal de Justiça das disposições relevantes da directiva. Aqui reside a origem do problema neste processo.

32.

De importância particular para o presente caso é o terceiro processo submetido pelos tribunais alemães, o processo Lennartz ( 5 ). O Tribunal de Justiça foi chamado a apreciar a legalidade de uma norma que negava aos sujeitos passivos o direito à dedução do IVA sobre a aquisição de bens de investimento destinados a uso da empresa e a uso privado, a menos que o uso para fins da empresa ascendesse a uma determinada proporção mínima. Com vista a decidir sobre essa questão, foi necessário ao Tribunal de Justiça, antes de mais, apreciar a sistemática da Sexta Directiva em relação ao uso privado de bens de investimento. No n.o 26 do seu acórdão, o Tribunal de Justiça declarou:

«Para responder à questão levantada pelo tribunal nacional, há que salientar, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 6.o da Sexta Directiva, a utilização de um bem afecto à empresa para o uso privado do sujeito passivo ou para fins estranhos à sua empresa, sempre que esse bem deu direito a uma dedução completa ou parcial do IVA, é equiparada às prestações de serviços efectuadas a título oneroso. Resulta do artigo 6.o, n.o 2, alínea a), conjugado com o artigo 11.o, letra A, n.o 1, alínea c), que deve considerar-se que um sujeito passivo que adquire um bem por ele parcialmente utilizado para fins privados efectua a título oneroso uma prestação de serviços tributada com base no montante das despesas efectuadas para a execução da prestação de serviços. Em consequência, deve considerar-se que um particular que utiliza um bem em parte para os fins de operações profissionais tributáveis e em parte para seu uso privado, e que, no momento da aquisição do bem, beneficiou total ou parcialmente da dedução do IVA pago a montante, utiliza o bem exclusivamente para os fins das próprias operações tributáveis, na acepção do artigo 17.o, n.o2. Em consequência, tal particular dispõe em princípio de um direito à dedução total e imediata do imposto devido a montante pela aquisição dos bens.»

33.

O princípio de que os bens de investimento afectos a uso da empresa e a uso privado devem ser tratados como bens afectos à empresa em relação aos quais o IVA pode ser, em princípio, objecto de dedução na sua totalidade estava em conformidade com as opiniões expressas pelos Governos francês e alemão nas suas observações neste processo. Todavia, uma vez que quer a França quer a Alemanha notaram que era inadequado conceder a sujeitos passivos o direito a uma dedução total quando o uso para fins da empresa era mínimo, ambos os Estados-Membros tinham adoptado normas que recusam a dedução em tais circunstâncias. Diferentemente da França, todavia, a Alemanha não procurou obter do Conselho autorização para a derrogação adoptada, em conformidade com o disposto no artigo 27.o da Sexta Directiva. O Tribunal declarou que, na falta de tal autorização, a norma derrogatória não podia ser invocada contra sujeitos passivos.

34.

À primeira vista, pode parecer estranho que um carro que é usado parcialmente para fins privados possa ser tratado como destinado completamente à empresa. Todavia, tal análise pode, em certas circunstâncias, promover a neutralidade do imposto, ao permitir que sejam tomadas em conta mudanças na medida do uso privado, durante a vida útil do carro, por um sujeito passivo, ou mudanças nessa medida entre um vendedor sujeito passivo e um comprador sujeito passivo. Isto pode ser ilustrado por um exemplo simples.

35.

Um advogado que trabalha em Munique compra um carro novo que, no ano I, afecta a uso da empresa, na proporção de 30%. No ano II, consegue um novo cliente importante em Hamburgo e viaja regularmente de carro às instalações do seu cliente. Assim, o seu uso a título profissional, no ano II, aumenta para 80%. No ano III, alguns dos problemas do seu novo cliente foram resolvidos, e o uso a título profissional desceu para 50%. No fim do ano, vende o carro a outro sujeito passivo cujo uso profissional, no ano I, é de 25%.

36.

De acordo com a interpretação do Tribunal de Justiça no acórdão Lennartz, o advogado teria o direito de imputar o carro totalmente à sua actividade profissional e a deduzir todo o IVA sobre a aquisição do carro, uma vez que se consideraria que o usava totalmente para efeitos de operações tributáveis. Nos anos I a III, devia estar sujeito a tributação por uso privado, de acordo com o disposto no artigo 6.o, n.o 2, alínea a), que variaria em conformidade com a medida de uso privado no ano em questão. O imposto seria baseado no custo que a empresa suportava para disponibilizar o carro, que incluiria um montante para amortização do custo de investimento no carro. Aquando da venda do carro, no fim do ano III, deveria pagar imposto sobre o preço de venda do carro em segunda mão. O processo começaria então de novo com o comprador, que teria direito a deduzir o imposto facturado pelo vendedor, mas seria passível de imposto por uso privado.

37.

O tratamento referido está em conformidade com os princípios básicos do imposto, na medida em que um sujeito passivo é passível de IVA somente em relação ao seu consumo privado de bens e serviços e não em relação às suas actividades profissionais tributáveis. Consequentemente, ainda que, nos acórdãos Kühne e Mohsche, o Tribunal de Justiça tenha considerado certos aspectos da regulamentação alemã incompatíveis com a directiva, no acórdão Lennartz, aceitou o mecanismo básico para a tomada em conta do uso privado defendido pelos Governos francês e alemão.

O alcance do acórdão Lennartz

38.

D. Armbrecht e a Comissão procuram distinguir o processo Lennartz do presente processo, pela razão de que, diferentemente de um bem imóvel, um veículo automóvel não pode ser dividido, na prática, em duas partes separadas, uma opinião partilhada pelo advogado-geral Van Gerven. Não considero que tal distinção seja necessária ou adequada. Primeiro, no acórdão Lennartz, o Tribunal de Justiça teve de apreciar a questão de saber se um sujeito passivo tinha o direito à dedução do imposto sobre a aquisição de um veículo automóvel. O litígio surgiu precisamente porque ao Sr. Lennartz não era lícito tratar o automóvel como um bem afecto à actividade profissional, por causa da exigência alemã de um uso mínimo, mas pretendeu tratá-lo dessa forma. O presente processo levanta o problema inverso, ou seja, o de saber se um sujeito passivo pode ser obrigado por um Estado-Membro a imputar as partes de um bem imóvel ocupadas a título privado à sua empresa.

39.

Em segundo lugar, é difícil ver a relevância de uma distinção baseada no facto de, diferentemente de um bem imóvel, um veículo automóvel não poder ser geograficamente dividido, ou na noção — algo questionável — de que não pode ser usado simultaneamente para uso privado e para uso profissional. A razão para autorizar um sujeito passivo a deduzir totalmente o imposto suportado na aquisição de bens e a pagar imposto pelo uso privado através de uma liquidação periódica é permitir que sejam tomadas em conta as variações nas proporções do uso para fins empresariais e privados, razão que pode aplicar-se igualmente a bens imóveis.

40.

Finalmente, como explicarei mais adiante, uma divisão geográfica fixa de um bem imóvel em partes afectas à empresa e em partes ocupadas a título privado é incompatível com a sistemática da directiva e pode conduzir a dupla tributação.

41.

Há, todavia, uma diferença importante entre os bens em causa no processo Lennartz e aqueles que estão em causa no presente processo, que é importante para a solução neste caso. O processo Lennartz dizia respeito a bens que, no decurso normal de acontecimentos, se depreciam em valor durante a sua vida útil que pode ser avaliada com razoável segurança. Que o método funciona menos bem quando os bens não se depreciam ou quando se valorizam pode ser ilustrado por uma ligeira adaptação do exemplo supra-referido.

42.

Um advogado que trabalha em Munique compra um carro novo de desporto, de série limitada, por 100000 DM, mais IVA. Ele imputa o carro a uso profissional na proporção de 50%. Passados cinco anos, vende-o pelo preço acrescido de 150000 DM, mais IVA, a outro sujeito passivo cujo uso profissional é de 50%.

43.

De acordo com o método Lennartz, o advogado afecta o veículo à sua empresa, deduz o imposto pago sobre a compra e paga pelo seu uso privado durante os seus cinco anos de propriedade através de uma liquidação anual. Vende então o carro e cobra ao comprador o IVA sobre o preço total de venda. Deve notar-se, em primeiro lugar, que o advogado paga imposto duas vezes em relação à parte do elemento privado: uma vez, pela via da liquidação anual por uso privado, e outra — dado que o carro não se depreciou em valor — sobre a revenda do carro. Em segundo lugar, o encargo por uso privado imposto ao comprador é baseado no seu preço de compra de 150000 DM, quando, se ele tivesse comprado o carro a um indivíduo a título privado, o seu encargo com IVA (indirecto) deveria limitar-se ao IVA pago pelo vendedor sobre o preço de compra original de 100000 DM.

44.

Tal resultado é incompatível com o princípio subjacente aos acórdãos do Tribunal de Justiça nos processos Kühne e Mohsche, de acordo com o qual um sujeito passivo deve ser colocado na situação em que se encontraria se os bens ou serviços em questão tivessem continuado no domínio privado.

45.

As deficiências do método quando aplicado a bens que não se depreciam em valor de uma forma previsível são agravadas pelas disposições alemãs relativas ao uso privado de bens imóveis. Como já foi explicado, ao tratar o uso privado de um bem imóvel como uma entrega isenta e ao aplicar as disposições relativas ao ajustamento de deduções previstas no artigo 20.o, n.o 2, da Sexta Directiva, a legislação alemã deprecia, efectivamente, um bem imóvel durante dez anos. O efeito da legislação alemã é, assim, tributar na totalidade a venda do bem imóvel cada vez que o bem é vendido após dez anos de titularidade, sem qualquer reembolso do imposto suportado pelo vendedor sobre as partes afectas a uso privado. Além disso, o encargo do imposto por uso privado suportado pelo comprador é baseado no preço de venda facturado pelo último vendedor, em vez do preço de compra do vendedor original.

46.

Por conseguinte, é claro que, a não ser que um sujeito passivo compre um bem imóvel com uma vida anormalmente curta, ele próprio incorrerá em mais imposto ou obrigará o comprador subsequente a pagar mais imposto do que pagaria se ocupasse locais de habitação separados cuja venda não estivesse sujeita a IVA.

47.

Este é, normalmente, o resultado obtido seguindo-se a lógica das disposições alemãs, que equiparam um sujeito passivo que ocupa a título privado bens imóveis pertencentes à empresa a um locatário num contrato de arrendamento isento. Todavia, como já foi notado, a legislação alemã baseia-se numa compreensão da noção de neutralidade fiscal que é contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça.

A solução do presente caso

48.

É, portanto, necessário procurar uma solução que seja compatível com o objectivo de neutralidade fiscal, tal como compreendido pelo Tribunal de Justiça. É claro que, em certos casos, o método do acórdão Lennartz pode permitir que o uso privado seja calculado com mais segurança. Todavia, não acontece assim em todas as circunstâncias, particularmente na forma como esse método é aplicado aos bens imóveis pela normas alemãs.

49.

Por conseguinte, partilho a opinião do advogado-geral Van Gerven de que um sujeito passivo deve poder ter o direito de escolher se imputa ou não a parte de um bem usada para fins privados à sua empresa. Se optar por imputar o bem totalmente à empresa, deve pagar pelo seu uso privado segundo as disposições do artigo 6.o, n.o 2, alínea a). A vantagem para o sujeito passivo de optar por este método consiste em que tomará em conta qualquer redução da proporção de uso privado nos anos posteriores. Se, por outro lado, o sujeito passivo optar pela manutenção da parte do bem fora da empresa, suporta definitivamente imposto sobre o elemento privado do preço tal como determinado no ano de aquisição. Pode notar-se, todavia, que, se, num ano posterior, a proporção do uso privado exceder a proporção do ano de aquisição, se considerará que fez uma entrega, nesse ano, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 2, alínea a), em relação ao uso adicional, na medida em que afecta a uso privado bens que integram a empresa. Esta opção pode ser preferida por um sujeito passivo que considere que a sua medida de uso privado de bens tem pouca probabilidade de variar significativamente e que prefere a simplicidade administrativa, ou por aquele que adquire um bem que não se deprecia durante uma vida útil que pode ser avaliada com precisão. Pode notar-se que o facto de dar a possibilidade de escolha ao sujeito passivo não conduzirá à evasão fiscal. Pelo contrário, permitirá que o uso privado seja avaliado de acordo com o princípio de que o encargo fiscal deve aproximar-se tão exactamente quanto possível daquele que teria sido suportado se os bens tivessem permanecido no domínio privado do sujeito passivo.

50.

Como já foi notado (no ponto 39), não considero necessário ou adequado fazer uma distinção entre bens imóveis e outras categorias de bens, ou entre diferentes bens, consoante eles se prestem a uma separação geográfica do uso empresarial e do uso privado. Os bens imóveis não são a única categoria de bens que podem adaptar-se mal ao método Lennartz. Além disso, não parece haver uma razão para que o sujeito passivo não deva ter direito a aplicar a qualquer categoria de bens o método mais simples de excluir parcialmente bens da empresa. Cabe-lhe pesar as vantagens e desvantagens, tomando em conta a natureza dos bens e o uso que pretende dar-lhes. Uma repartição em partes afectas a uso privado e partes afectas à empresa pode ser feita facilmente com base nas proporções de uso para fins da empresa e de uso para fins privados no ano de aquisição. A afectação a uso privado com base numa separação geográfica fixa do bem pode, além disso, conduzir a dupla tributação. Suponhamos, por exemplo, que um hoteleiro comprava um hotel compreendendo um edifício principal e um anexo. Inicialmente, o hoteleiro ocupa, a título privado, três quartos no edifício principal. Posteriormente, foram levadas a cabo alterações no edifício principal e ele mudou a sua residência privada, por um ano, para o anexo. Volta então a outra parte do edifício principal, após realização das alterações. Segundo uma separação geográfica, os três quartos inicialmente ocupados entraram definitivamente no uso privado, e surgiriam encargos adicionais pelo uso privado (ou, segundo o sistema alemão, ajustamento de deduções) em relação às novas instalações. Por outras palavras, teria suportado definitivamente imposto sobre os quartos que ele já não ocupa. É claro, pois, que só um fraccionamento baseado na percentagem de uso privado pode redundar num resultado racional. Um tal fraccionamento podia ser aplicado igualmente a outras categorias de bens, tais como veículos automóveis ou computadores, dado que é baseado na utilização à qual o bem é afectado.

51.

Concluo, por conseguinte, que a resposta a dar à primeira questão é que um sujeito passivo que, na aquisição de um bem, opta por excluir uma parte do bem da sua actividade empresarial, não age como sujeito passivo para efeitos do artigo 2.o, n.o 1, da Sexta Directiva quando alienar a parte privada.

As segunda e terceira questões

52.

As respostas às segunda e terceira questões resultam da resposta à primeira. A segunda questão procura saber se um bem imóvel afectado a uso misto deve considerar-se como sendo usado na sua totalidade para os fins das operações da empresa, para efeitos do artigo 17.o, n.o 2, da directiva. A resposta a esta questão depende de saber se o sujeito passivo opta por manter parte do bem fora da empresa. Se assim fizer, então, as partes afectas a uso privado nunca pertencerão aos bens da empresa, com a consequência de que não pode considerar-se que afectou bens da empresa a uso privado, para efeitos do artigo 6.o, n.o 2, alínea a). Não se considera, por conseguinte, que efectuou uma prestação de serviços em relação às partes usadas a título privado, segundo essa disposição. Tais partes não são, consequentemente, utilizadas para fazer entregas tributáveis da empresa. Caem fora do sistema do IVA e devem, por isso, ser ignoradas.

53.

Considerações semelhantes aplicam-se à terceira questão. A finalidade das disposições do artigo 20.o, n.o 2, relativas ao ajustamento de deduções, é permitir que a dedução inicial seja ajustada para tomar em conta as variações na medida do uso tributável de bens de investimento. Se o sujeito passivo optar por manter as partes de um bem imóvel ocupadas a título privado fora do sistema do IVA, ele suporta definitivamente o imposto relativo a essas partes. Estas não podem ser objecto de ajustamento de acordo com o artigo 20.o, n.o 2. Em tal caso, o artigo 20.o, n.o 2, aplica-se somente à parte dos bens afecta à empresa.

Conclusão

54.

Pelo exposto, sou de opinião de que o Tribunal de Justiça deve responder às questões submetidas da seguinte forma:

«1)

Quando um sujeito passivo aliena um bem e, na aquisição do bem, optou por excluir uma parte dele da sua actividade empresarial, não age na qualidade de sujeito passivo, para efeitos do artigo 2.o, n.o 1, da Sexta Directiva IVA (77/388/CEE), em relação à alienação da parte afecta a uso privado.

2)

Em tais circunstâncias, só a parte do bem afecta à empresa é utilizada para os fins das operações da empresa, na acepção do artigo 17.o, n.o 2, da directiva.

3)

Em tais circunstâncias, qualquer ajustamento da dedução do imposto pago a montante, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 2, da directiva, é limitado à parte do bem afecta à empresa.»


( *1 ) Língua original: inglés.

( 1 ) Sarta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1).

( 2 ) Acórdão de 6 de Maio de 1992 (C-20/91, Colect, p. I-2847).

( 3 ) Acórdão de 8 de Fevereiro de 1990 (C-320/88, Colect., p. I-285).

( 4 ) V. os acórdãos de 27 de Junho de 1989, Kühne (50/88, Colect, p. 1925); de 11 de Julho de 1991, Lennartz (C-97/90, Colect., p. I-3795); e de 25 de Maio de 1993, Mohsche (C-193/91, Colect, p. I-2615).

( 5 ) Já referido na nota 4.

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