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Documento 61990CJ0179
Judgment of the Court of 10 December 1991. # Merci convenzionali porto di Genova SpA v Siderurgica Gabrielli SpA. # Reference for a preliminary ruling: Tribunale di Genova - Italy. # Dock-work undertakings - Statutory monopoly - Competition rules - Prohibition of discrimination ongrounds of nationality - Free movement of goods. # Case C-179/90.
Acórdão do Tribunal de 10 de Dezembro de 1991.
Merci convenzionali porto di Genova SpA contra Siderurgica Gabrielli SpA.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunale di Genova - Itália.
Empresas portuárias - Monopólio legal - Normas de concorrência - Não discriminação em razão da nacionalidade - Livre circulação de mercadorias.
Processo C-179/90.
Acórdão do Tribunal de 10 de Dezembro de 1991.
Merci convenzionali porto di Genova SpA contra Siderurgica Gabrielli SpA.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunale di Genova - Itália.
Empresas portuárias - Monopólio legal - Normas de concorrência - Não discriminação em razão da nacionalidade - Livre circulação de mercadorias.
Processo C-179/90.
Colectânea de Jurisprudência 1991 I-05889
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1991:464
apresentado no processo C-179/90 ( *1 )
I — Matéria de facto e tramitação processual
1. |
O porto de Génova, como todos os portos marítimos italianos, é gerido por um organismo público, concretamente, o Consorzio autonomo del porto (a seguir «CAP»), que constitui, nos termos do artigo 202.° do Regulamento da Navegação Marítima (Decreto do presidente da República n.° 328, de 15 de Fevereiro de 1952, a seguir «regulamento»), a autoridade encarregada da regulamentação do trabalho portuário. |
2. |
Por força do artigo 110.° do Código da Navegação (Decreto real n.° 327, de 30 de Março de 1942, a seguir «código»), o pessoal utilizado nas operações portuárias é associado em companhias ou grupos, dotados de personalidade jurídica própria e sujeitos à fiscalização da autoridade encarregada da regulamentação do trabalho portuário. |
3. |
A execução das operações de embarque, desembarque, transbordo, armazenagem e do movimento em geral das mercadorias e de qualquer material no porto é reservada, pelo mesmo artigo 110.°, às companhias ou aos grupos anteriormente referidos. O exclusivo da realização das operações portuárias é assegurado pelo artigo 1172.° do código, que prevê sanções penais para todo o utilizador que infrinja as normas sobre a utilização do pessoal. |
4. |
Os trabalhadores portuários são inscritos, nos termos do artigo 150.° do regulamento, em registos. Essa inscrição e a sua manutenção estão sujeitas, por força dos artigos 152.° e 156.° do regulamento, a um certo número de condições, entre as quais a da nacionalidade italiana. As mesmas condições valem, em aplicação dos artigos 194.° e 194.°-B, para a inscrição no registo dos trabalhadores temporários. |
5. |
A actividade operacional no porto é concedida, por força do artigo 111.°, primeiro parágrafo, do código, pela autoridade portuária a empresas que constituem, regra geral, pessoas jurídicas de direito privado. Essas empresas devem, nos termos do último parágrafo desse texto, em todos os casos, recorrer exclusivamente, para a execução das operações portuárias, ao pessoal das companhias. No porto de Génova, essas actividades empresariais foram concedidas, no que se refere às mercadorias convencionais, à Merci convenzionali porto di Genova SpA (a seguir «Merci») e, no que se refere aos contentores, à Terminal contenitori porto di Genova SpA, sendo o CAP o único accionista de ambas as sociedades. |
6. |
As tarifas e putras normas referentes às prestações dos serviços das companhias e dos grupos portuarios, tal como ocorre com as empresas, são estabelecidas, por força dos artigos 112.° do código e 203.° do regulamento, pela autoridade portuária. |
7. |
A Siderurgica Gabrielli SpA (a seguir «Siderurgica»), com sede em Pádua (Italia), importou, em proveniência da República Federal da Alemanha, uma partida de aço pelo porto de Génova. Embora o navio fretado pela Siderurgica estivesse dotado da maquinaria necessária para o desembarque dos materiais, o desembarque directo não foi autorizado, quer devido à proibição de utilizar mão-de-obra estrangeira, quer devido ao direito exclusivo de realizar as operações portuárias de que dispõe a companhia. |
8. |
Para efeitos do desembarque, a Siderurgica dirigiu-se então à Merci, que, por sua vez, recorreu à companhia. |
9. |
Na sequência de um atraso na entrega das mercadorias, devido, especificamente, a uma série de greves levadas a cabo pelos trabalhadores da companhia, a Siderurgica pediu e obteve do presidente do Tribunale di Genova uma decisão que ordenou à Merci a entrega imediata da mercadoria. |
10. |
No âmbito do processo contraditório instaurado ná sequência da impugnação pela Merci dessa decisão, a Siderurgica pediu a condenação da Merci na reparação do dano sofrido pelo atraso na entrega e o reembolso das quantias cobradas pelas prestações de mão-de-obra impostas e não solicitadas, alegando a Siderurgica que poderia ter procedido directamente ao desembarque. |
11. |
Considerando que o litígio suscitava uma questão referente à compatibilidade do regime italiano com o direito comunitário, o tribunal de Génova, por despacho de 6 de Abril de 1990, suspendeu a instância até que o Tribunal de Justiça tenha decidido sobre a questão relativa à interpretação das disposições dos artigos 7.°, 30.°, 37.°, 52.°, 59.°, 85.°, 86.°, e 90.° do Tratado CEE, para efeitos de clarificar o seguinte ponto:
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12. |
O despacho do Tribunale di Genova foi registado na Secretaria do Tribunal em 7 de Junho de 1990. |
13. |
Em conformidade com o disposto no artigo 5.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas, em 26 de Setembro de 1990, pela Merci, representada por Sergio Medina e Giuseppe Ferraris, advogados no foro de Génova, pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Enrico Traversa, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Renzo Maria Morresi, advogado no foro de Bolonha (Itália), e pela Siderurgica, representada por Giuseppe Conte e Giuseppe Michele Giacomini, advogados no foro de Génova. |
14. |
O Tribunal, com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, decidiu dar início à fase oral do processo sem instrução. |
II — Observações escritas apresentadas ao Tribunal
1. |
A Merci, recorrente na causa principal, precisa que é uma empresa que procede às operações portuárias em regime de concessão, mas não é visada pelo artigo 110.°, que se aplica apenas às companhias. A este propósito, é vítima do monopólio que a leicriou a favor das companhias. Como resultará, aliás, do acórdão de reenvio, a problemática nos presentes autos versa sobre o monopólio da companhia e não sobre um hipotético monopólio, aliás inexistente, da empresa. Quanto aos efeitos de uma decisão do Tribunal de Justiça que viesse a consistir na não aplicação dos artigos 110.° e seguintes do código nos autos da causa principal, a Merci refere que o pedido de indemnização do dano causado pela entrega tardia poderá, em abstracto, ser acolhido. Pelo contrário, no que respeita ao pedido de reembolso das quantias pagas, os encargos resultantes das operações inúteis não podem ser imputados à empresa Merci que não beneficiou de, qualquer enriquecimento, mas, quando muito, à companhia. A Merci precisa que, mesmo que a eventual decisão do Tribunal de Justiça não lhe permita obter umà vantagem imediata nos autos da causa principal, ainda assim partilharia das dúvidas do tribunal de reenvio quanto à compatibilidade da legislação italiana com õ direito comunitário, e isso também em virtude do seu interesse de ordem mais geral.
A noção de interesse económico geral caracteriza serviços para os quais convém ou é necessário que os preços sejam fixados pelos poderes públicos, não com base na lei da oferta e da procura mas em função de outros critérios. O interesse económico visado no artigo 90.° deve ser de ordem geral ou pública e opõe-se à noção de interesse especial de um particular, de um indivíduo ou de um grupo. Ora, o monopólio das companhias explica-se pela salvaguarda do interesse exclusivo dos trabalhadores que nela estão associados. A análise histórica da legislação italiana põe, ainda, em evidência que o legislador dessa época não teve em vista o exercício de actividades de interesse geral, mas a defesa de um interesse coorporativo. A título de conclusão, a Merci observa que as companhias portuárias não exercem uma actividade de interesse económico geral, não cumprem qualquer missão específica e estão plenamente obrigadas ao respeito do disposto nos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado. |
2. |
A Siderurgica, recorrida na causa principal, observa, a título preliminar, que incumbe ao Tribunal de Justiça tirar das questões formuladas pelo órgão jurisdicional nacional os elementos referentes à interpretação do Tratado úteis para a solução do litígio. Analisando o processo pendente no órgão jurisdicional nacional, a situação de facto no porto de Génova e a legislação italiana, a Siderurgica observa, especificamente, que a Merci, cujo capital é inteiramente controlado pelo CAP, é titular do direito exclusivo de efectuar as operações portuárias referentes às mercadorias convencionais. Para realizar essas operações, a Merci deve obrigatoriamente recorrer ao pessoal da companhia e as tarifas correspondentes a essas prestações são impostas e homologadas por meio de actos administrativos do CAP. Portanto, a Merci pode ser considerada como um instrumento criado pela administração pública para a salvaguarda dos privilégios de uma minoria coorporativa.
Ainda que eventualmente se viesse a considerar que a empresa e/ou a companhia prestam um serviço de interesse económico geral, não se demonstrou que as práticas vedadas pelo artigo 86.° sejam necessárias ao exercício das respectivas missões. Portanto, a Siderurgica propõe que se responda da seguinte forma às questões submetidas: ;
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3. |
A Comissão considera que ás duas questões do tribunal de Génova devem ser interpretadas da seguinte forma:
Apenas se poderá verificar a violação do artigo 85.° do Tratado, em conjugação com o artigo 90.°, quando a empresa ou a companhia tenham celebrado um acordo no que se refere, especificamente, aos critérios de cálculo dos preços aplicáveis aos utilizadores do porto. Verificar-se-á uma violação do artigo 59.°, em conjugação com o artigo 90.°, quando, como no presente caso, a empresa ou as empresas titulares de direitos especiais ou exclusivos impeçam a livre prestação dos serviços, concretamente, as operações de carga e de descarga de mercadorias, aos prestadores de serviços que estejam estabelecidos noutros Estados-membros. Verificar-se-á ainda uma violação do artigo 86.°, em conjugação com o artigo 90.°, quando a empresa ou a companhia portuária abusem da sua posição dominante para obterem vantagens que não poderiam obter em condições normais de concorrência. Aplicando estes princípios ao caso concreto, a Comissão sublinha que o produto em causa é constituído pelos serviços referentes às operações portuárias, que o porto de Génova, dada a sua importância, pode ser considerado como o mercado geográfico em causa e que a empresa, concretamente a Merci, que é a concessionária exclusiva das operações portuárias referentes a uma certa categoria de mercadorias, ocupa uma posição dominante. O juiz nacional pode considerar que a empresa Merci viola o artigo 86.° caso julgue provado impor essa empresa ao utilizador prestações que este não solicitou e que não estão abrangidas na reserva legal, ou prestações que não sejam necessárias, ou que lhe aplica tarifas que excedem os limites legais, ou ainda que lhe impõe tarifas não equitativas em relação aos serviços efectivamente prestados. Verificar--se-á ainda um abuso caso as tarifas praticadas incluam despesas com pessoal que não se relacionem com as necessidades reais em mão-de-obra ou o custo real das operações. No que se refere à aplicabilidade do artigo 90.°, n.° 2, a Comissão observa que a empresa ou a companhia portuária exercem, é certo, um serviço de interesse público, mas que não pode, ipso facto, ser qualificado de serviço de interesse econémico geral. De resto, os direitos exclusivos de que são beneficiárias as empresas têm por objecto o interesse do pessoal portuário. Mesmo que se aceitasse que a empresa e a companhia prestam um serviço de interesse econémico geral, o seu comportamento estaria sujeito à censura do artigo 86.°, a menos que se demonstrasse que as proibições que essa norma enuncia são incompatíveis com o exercício da sua missão. Portanto, a Comissão propõe que se responda da seguinte forma às questões prejudiciais submetidas:
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F. A. Schockweiler
Juiz-relator
( *1 ) Lingua do processo: italiano.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
10 de Dezembro de 1991 ( *1 )
No processo C-179/90,
que tem por objecto um pedido apresentado ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Tribunale di Genova (Itália), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Merci convenzionali porto dì Genova SpA
e
Siderurgica Gabrielli SpA,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 7.°, 30.°, 85.°, 86.° e 90.° do Tratado CEE,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: O. Due, presidente, Sir Gordon Slynn, R. Joliét, F. A. Schockweiler, F. Grévisse e P. J. G. Kapteyn, presidentes de secção, G. F. Mancini, C. N. Kakouris, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Diez de Velasco, juízes,
advogado-geral: W. Van Gerven
secretario: H. A. Rühl, administrador principal
vistas as alegações escritas apresentadas:
— |
em representação da Merci convenzionali porto di Genova SpA, por Sergio Medina e Giuseppe Ferraris, advogados no foro de Genova, |
— |
em representação da Siderurgica Gabrielli SpA, por Giuseppe Conte e Giuseppe Michele Giacomini, advogados no foro de Genova, |
— |
em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Enrico Traversa, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Renzo Maria Morresi, advogado no foro de Bolonha, |
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações da Merci convenzionali porto di Genova SpA, da Siderurgica Gabrielli SpA e da Comissão, na audiencia de 30 de Maio de 1991,
ouvidas as conclusões do advogado-geŕal apresentadas na audiência de 19 de Setembro de 1991,
profere o presente
Acórdão
1 |
Por despacho de 6 de Abril de 1990, entrado no Tribunal de Justiça em 7 de Junho seguinte, o Tribunale di Genova submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 7.°, 30.°, 85.°, 86.° e 90.° desse Tratado. |
2 |
Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Merci convenzionali porto de Genova SpA (a seguir «Merci») à sociedade Siderurgica Gabrielli SpA (a seguir «Siderurgica») a propòsito da execução das operações de descarga de mercadorias no porto de Genova. |
3 |
Resulta dos documentos apresentados ao Tribunal que em Itália as operações de carga, descarga, transbordo, armazenagem e movimento em geral das mercadorias ou de qualquer material no porto são reservadas, por. força do artigo 110.° do Código da Navegação, a companhias portuárias cujos trabalhadores, que têm igualmente a qualidade de membros dessas companhias, devem, por força dos artigos 152.° e 156.° do Regulamento da Navegação Marítima, ser de nacionalidade italiana. O não respeito dos direitos exclusivos de que estão revestidas as companhias portuárias é objecto das sanções penais previstas no artigo 1172.° do Código , da Navegação. |
4 |
A organização das operações portuárias por conta de terceiros foi atribuída, em aplicação do artigo 111.° do Código da Navegação, a empresas portuárias. Para a execução das operações portuárias, essas empresas, constituídas, regra geral, sob a forma de sociedades de direito privado, devem recorrer exclusivamente às companhias portuárias. |
5 |
Em aplicação da regulamentação italiana, a Siderurgica dirigiu-se à Merci, empresa a que foi atribuído o direito exclusivo referente à actividade operacional no porto de Génova para as mercadorias convencionais, para a descarga de uma partida de aço importada da República Federal da Alemanha, apesar de ter podido proceder à descarga directa através da equipagem do navio. Para efeitos das operações de descarga a Merci, por sua vez, fez apelo à companhia portuária de Génova. |
6 |
Na sequência de um atraso na descarga das mercadorias devido, em especial, a greves dos trabalhadores da companhia portuária, nasceu um litígio entre a Siderurgica e a Merci no âmbito do qual a Siderurgica pediu a reparação do dano sofrido em virtude do atraso verificado e a repetição das quantias pagas, por ela consideradas como não equitativas face às prestações fornecidas. Devendo decidir o litígio, o Tribunale di Genova suspendeu a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre as seguintes questões prejudiciais:
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7 |
Para mais ampla exposição da matéria de facto do litígio na causa principal, da tramitação processual, bem como das alegações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos dos autos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal. |
Quanto à primeira questão
8 |
Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional nacional procura, em substância, saber se o artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, em conjugação com os artigos 7.°, 30.° e 86.° desse Tratado, se opõe a uma regulamentação de um Estado-membro que atribui a uma empresa estabelecida nesse Estado o direito exclusivo de organizar as operações portuárias e a obriga a recorrer, para a execução dessas operações, a uma companhia portuária composta exclusivamente de trabalhadores nacionais, e se essas disposições conferem aos particulares direitos que os órgãos jurisdicionais nacionais devam salvaguardar. |
9 |
Para responder a esta questão, nos termos em que foi reformulada, deve referir-se, a título preliminar, que tanto uma empresa portuaria que beneficia do exclusivo da organização das operações portuárias por conta de terceiros como uma companhia portuaria que beneficia do exclusivo da execução das operações portuárias devem ser consideradas como empresas às quais o Estado concedeu direitos exclusivos, na acepção do n.° 1 do artigo 90.° do Tratado. |
10 |
Essa disposição prevê, para essas empresas, que os Estados-membros não tomarão nem manterão qualquer medida contrária às normas do Tratado, designadamente as previstas no artigo 7.° e as referentes às normas em matéria de concorrência. |
11 |
No que se refere, em primeiro lugar, à condição de nacionalidade imposta ao pessoal da companhia portuária, deve recordar-se desde logo que, em conformidade com a jurisprudência, o artigo 7.° do Tratado, que consagra o princípio geral da não discriminação em razão da nacionalidade, apenas tem vocação para se aplicar de modo autônomo às situações regidas pelo direito comunitário para as quais o Tratado não preveja normas específicas de não discriminação (ver, por exemplo, o acórdão de 30 de Maio de 1989, Comissão/Grécia, n.os 12 e 13, 305/87, Colect., p. 1461; acórdão de 7 de Março de 1991, Masgio, n.° 12, C-10/90, Colect., p. I-1119). |
12 |
Ora, no que se refere.aos trabalhadores assalariados, esse princípio foi aplicado e concretizado pelo artigo 48.° do Tratado. |
13 |
A este respeito, deve recordar-se que o artigo 48.° do Tratado se opõe, a título principal, a uma regulamentação de um Estado-membro que reserve para os seus nacionais o direito de trabalhar no seio de uma empresa desse Estado, tal como ocorre com a companhia do porto de Génova, em causa perante o órgão jurisdicional de reenvio. Como o Tribunal de Justiça já decidiu (ver, por exemplo, o acórdão de 3 de Julho de 1986, Lawrie-Blum, n.° 17, 66/85, Colect., p. 2121), o conceito de trabalhador, na acepção do artigo 48.° do Tratado, pressupõe que uma pessoa cumpra, durante um certo período de tempo, a favor de outra e sob a sua direcção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração. Ora, essa qualificação não é afectada pelo facto de o trabalhador, continuando abrangido pelo nexo de subordinação em relação à empresa, estar ligado aos outros trabalhadores da empresa por relações de associação. |
14 |
Em segundo lugar, no que se refere à existência dos direitos exclusivos, deve referir-se, antes de mais, que, no que se refere à interpretação do artigo 86.° do Tratado, é de jurisprudência constante que uma empresa que beneficie de um monopólio legal numa parte substancial do mercado comum pode ser considerada como ocupando uma posição dominante, na acepção do artigo 86.° do Tratado (ver o acórdão de 23 de Abril de 1991, Höfner, n.° 28, C-41/90, Colect:, p. I-1979; acórdão de 18 de Junho de 1991, ERT, n.° 31, C-260/89, Colect., p. I-2925). |
15 |
Quanto à delimitação do mercado em causa, resulta da decisão de reenvio que esse mercado é o da organização, por conta de terceiros, das operações portuárias referentes ao frete comum no porto de Genova e à execução dessas operações. Tendo designadamente em conta o volume de tráfego no porto em questão e a importância que reveste este último em relação ao conjunto das actividades de importação e exportação por via marítima no Estado-membro em questão, esse mercado pode ser considerado como constituindo uma parte substancial do mercado comum. |
16 |
Há seguidamente que precisar que o simples facto de se criar uma posição dominante por via da concessão de direitos exclusivos, na acepção do n.° 1 do artigo 90.° do Tratado, não é, enquanto tal, incompatível com o artigo 86.° |
17 |
Todavia, o Tribunal já teve oportunidade de afirmar, a este respeito, que o Estado-membro viola as proibições contidas nessas duas disposições quando a empresa em causa seja levada, pelo simples exercício dos direitos exclusivos que lhe foram atribuídos, a explorar a sua posição dominante de modo abusivo (ver o acórdão de 23 de Abril de 1991, Höfner, já citado, n.° 29), ou quando esses direitos possam criar uma situação perante a qual essa empresa seja levada a cometer esses abusos (ver o acórdão de 18 de Junho de 1991, ERT, já citado, n.° 37). |
18 |
Nos termos das alíneas a), b) e c) do segundo parágrafo do artigo 86.° do Tratado, essas práticas podem consistir, designadamente, no facto de se impor a quem procure os serviços em causa preços de compra ou outras condições de transacção não equitativas, na limitação do desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores e na aplicação, aos parceiros comerciais, de condições desiguais para prestações equivalentes. |
19 |
A este respeito, resulta das circunstâncias descritas pelo órgão jurisdicional nacional e discutidas perante o Tribunal de Justiça que as empresas a quem foi concedido, segundo as modalidades definidas na regulamentação nacional em causa, o direito exclusivo são, por esse facto, levadas tanto a exigir o pagamento de serviços não solicitados, como a facturar preços desproporcionados, ou a evitar o recurso à tecnologia moderna, o que implica um aumento dos custos das operações e a dilação dos seus prazos de execução, ou a conceder descontos a determinados utilizadores com uma correspondente compensação através do aumento dos preços facturados aos outros utilizadores. |
20 |
Nestas condições, há que dar por assente que um Estado-membro cria uma situação contrária ao artigo 86.° do Tratado quando adopta uma regulamentação do tipo da em questão no órgão jurisdicional de reenvio, regulamentação que pode afectar o comércio entre os Estados-membros, como ocorre no litígio na causa principal vistos os elementos mencionados no n.° 15 do presente acórdão, referentes à importância do tráfego no porto de Génova. |
21 |
No que diz respeito à interpretação do artigo 30.° do Tratado solicitada pelo órgão jurisdicional nacional, basta recordar que uma regulamentação nacional que tenha por efeito facilitar a exploração abusiva de uma posição dominante e que seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros é normalmente incompatível com este artigo, que proíbe as restrições quantitativas à importação, bem como qualquer medida de efeito equivalente (ver o acórdão de 16 de Novembro de 1977, Inno, n.° 35, 13/77, Recueil, p. 2115), na medida em que essa regulamentação tenha por efeito tornar mais onerosas e, por conseguinte, entravar as importações das mercadorias provenientes de outros Estados-membros. |
22 |
Nos autos na causa principal, resulta da matéria dada por assente pelo órgão jurisdicional nacional que a descarga das mercadorias teria podido ser efectuada a menores custos pela equipagem do navio, de modo que o recurso obrigatório aos serviços das duas empresas às quais foram concedidos os direitos exclusivos originou custos suplementares e pôde, portanto, pelo seu efeito no preço das mercadorias, ter influído no nível das importações. |
23 |
Em terceiro lugar, há que sublinhar que, mesmo no âmbito do artigo 90.°, as disposições dos artigos 30.°, 48.° e 86.° do Tratado têm efeito directo e conferem aos particulares direitos que os órgãos jurisdicionais nacionais devem salvaguardar (ver, designadamente, para o artigo 86.° do Tratado, o acórdão de 30 de Abril de 1974, Sacchi, n.° 18, 155/73, Recueil, p. 409). |
24 |
Portanto, há que responder à primeira questão, tal como foi reformulada, que: — o artigo 90.°, n.° 1, do Tratado CEE, conjugado com os artigos 30.°, 48.° e 86.° do mesmo Tratado, opõe-se a uma regulamentação de um Estado-membro que confere a uma empresa estabelecida nesse Estado o direito exclusivo de organizar as operações portuárias e a obriga a recorrer, para a realização dessas operações, a uma companhia portuária que utiliza exclusivamente trabalhadores nacionais; — os artigos 30.°, 48.° e 86.° do Tratado, conjugados com o artigo 90.°, conferem aos particulares direitos que os órgãos jurisdicionais nacionais devem salvaguardar. |
Quanto à segunda questão
25 |
Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional nacional visa, em substância, saber se o artigo 90.°, n.° 2, do Tratado deve ser interpretado no sentido de que uma empresa e/ou uma companhia portuária que se encontrem na situação descrita na primeira questão devem ser consideradas como estando- encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral, na acepção dessa disposição. |
26 |
Para se responder a esta questão deve recordar-se que, para que a derrogação à aplicação das normas do Tratado prevista no seu artigo 90.°, n.° 2, possa ser aplicada, não basta apenas que a empresa em causa tenha sido encarregada pelos poderes públicos da gestão de um serviço económico de interesse geral, mas que é ainda necessário que a aplicação das normas do Tratado ponham em causa o cumprimento da missão específica confiada a essa empresa e o interesse da Comunidade não seja afectado (ver o acórdão de 3 de Outubro de 1985, CBEM, n.° 17, 311/84, Colect., p. 3261; e o acórdão de 23 de Abril de 1991, Höfner, já citado, n.° 24). |
27 |
A este respeito, há que dar por assente que nem dos documentos trazidos ao processo pelo tribunal nacional nem das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça resulta que as operações portuárias têm um interesse económico geral com características específicas face a outras actividades da vida económica e que também não resulta dos mesmos dados que, mesmo que aquelas operações tenham características específicas, a aplicação das normas do Tratado, em especial em matéria de concorrência e livre circulação, é de molde a pôr em causa aquela missão específica. |
28 |
Portanto, há que responder à segunda questão que o artigo 90.°, n.° 2, do Tratado deve ser interpretado no sentido de que uma empresa e/ou uma companhia portuária que se encontrem na situação descrita na primeira questão não podem ser consideradas, com base apenas nos elementos constantes dessa descrição, como empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral, na acepção dessa disposição. |
Quanto às despesas
29 |
As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. |
Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Tribunale di Genova, por decisão de 6 de Abril de 1990, declara: |
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Due Slynn Joliet Schockweiler Grévisse Kapteyn Mancini Kakouris Moitinho de Almeida Rodríguez Iglesias Díez de Velasco Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de Dezembro de 1991. O secretário J.-G. Giraud O presidente O. Due |
( *1 ) Língua do processo: italiano.