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Documento 61990CJ0076

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 25 de Julho de 1991.
Manfred Säger contra Dennemeyer & Co. Ltd.
Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht München - Alemanha.
Livre prestação de serviços - Actividades relativas à manutenção em vigor de direitos de propriedade indústrial.
Processo C-76/90.

Colectânea de Jurisprudência 1991 I-04221

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1991:331

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-76/90 ( *1 )

I — Matéria de facto e tramitação processual

1. Enquadramento jurídico europeu

Um pedido de patente nacional deve ser apresentado, em princípio, no instituto de patentes do país em causa. As condições de concessão e de manutenção em vigor da patente são regidas pelo direito nacional. Por força da convenção sobre a patente europeia, também é possível apresentar um pedido de patente europeia no Instituto Europeu de Patentes, em Munique. Uma patente europeia concedida por esse instituto representa um conjunto de patentes nacionais dos Estados signatários que o requerente da patente tenha indicado no seu pedido. Pelos seus efeitos e valor, essa patente europeia equivale, num Estado signatário, a uma patente concedida pelo instituto de patentes desse Estado. Para que o direito a uma patente ou o pedido de patente se mantenha em vigor, é preciso pagar anualmente uma taxa ao instituto de patentes em causa. Este publica anualmente a tabela das taxas de manutenção em vigor devidas.

A manutenção em vigor e a renovação das patentes são uma actividade em grande parte mecânica e rotineira, cuja gestão pode ser perfeitamente assegurada pela utilização de computadores. Por essa razão, peritos em patentes da CEE e dos Estados Unidos criaram várias empresas que se especializaram no pagamento conjunto e informatizado das taxas anuais.

2. Enquadramento jurídico nacional

Nos termos do artigo 1.°, § 1, da Rechtsberatungsgesetz (lei relativa à consultadoria jurídica, a seguir «RBerG»), a gestão de questões jurídicas por conta de terceiros ou de créditos cedidos para efeitos de cobrança só pode ser efectuada a título profissional por pessoas a quem tenha sido concedida a necessária autorização. Nos termos da mesma disposição, a autorização é atribuída para os domínios específicos aí enumerados. A actividade de manutenção em vigor dos direitos de propriedade industrial por conta de terceiros não figura entre os domínios citados. Esta actividade pode ser exercida por «Patentanwälte» [agentes de propriedade industrial, ver § 3, n.° 2, do Patentanwaltsordnung (estatuto dos agentes de propriedade industrial)]. Também pode ser exercida por advogados [ver § 3, n.° 5, do Patentanwaltsordnung e o artigo 3.° do Bundesrechtsanwaltsordnung (estatuto dos advogados)].

O artigo 1.°, § 3, n.° 2, da RBerG prevê que a lei não abrange a actividade dos notários e outras pessoas que exerçam uma função pública, bem como dos advogados e dos Patentanwälte.

Por acórdão de 12 de Março de 1987, o Bundesgerichtshof decidiu que é contrário ao artigo 1.°, § 1, da RBerG o exercício a título profissional do controlo do vencimento de taxas relativas a direitos de propriedade industrial e do pagamento dessas taxas por conta de terceiros sem a necessária autorização nos termos desse artigo.

3. Antecedentes do litígio no processo principal

A sociedade Dennemeyer & Co. Ltd foi fundada em 1973 por dois agentes de propriedade industrial europeus. Um deles possui também o título de Chartered Patent Agent britânico. A sociedade tem sede na Grã-Bretanha e especializou-se no controlo e manutenção em vigor de direitos de propriedade industrial por conta dos seus titulares. Exerce essa actividade a partir da Grã-Bretanha em diversos países, entre os quais a República Federal da Alemanha, por conseguinte, por conta de titulares de direitos de propriedade industrial com sede nesse país. A sua actividade é exercida com a ajuda de um sistema informático. Os titulares dos direitos recebem periodicamente «avisos de pagamento de taxas» onde figuram, entre outras indicações, as datas de vencimento e o montante devido para a manutenção em vigor. O titular em causa devolve o documento à sociedade Dennemeyer indicando a esta se deve efectuar os pagamentos aí recebidos. Neste âmbito, a Dennemeyer não dá qualquer conselho aos clientes nem quanto à escolha a fazer nem quanto às consequências de ser feito ou não o pagamento. Além disso, o cliente assume sozinho a responsabilidade de avisar a sociedade de qualquer modificação da situação da patente susceptível de influir sobre o pagamento da taxa de renovação. Por fim, a Dennemeyer cobra pela sua actividade comissões inferiores às tarifas aplicadas pelos Patentanwälte alemães neste sector.

Manfred Säger é Patentanwalt em Munique. Entende que a actividade da Dennemeyer, na medida em que consiste na gestão a título profissional de questões jurídicas por conta de terceiros, é contrária à RBerG uma vez que esta não possui a necessária autorização nos termos dessa lei. Além disso, em seu entender, o comportamento da Dennemeyer constitui também uma violação do artigo 1.° da Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb (lei contra a concorrência desleal).

A pedido de M. Säger, o Landgericht München I proferiu, em 1 de Setembro de 1987, um despacho de medidas provisórias proibindo à Dennemeyer «propor e/ou prestar com fins concorrenciais, no território da República Federal da Alemanha, serviços de controlo e/ou de manutenção em vigor de direitos de propriedade industrial alemães por conta de terceiros que não sejam Patentanwälte ou advogados».

Contudo, em 1 de Dezembro de 1988, o Landgericht julgou improcedente a acção de M. Säger contra a Dennemeyer. Segundo o Landgericht, as disposições da RBerG não são aplicáveis uma vez que a Dennemeyer exerce a sua actividade na Grã-Bretanha.

Entretanto, em Maio de 1988, a Dennemeyer apresentou uma queixa na Comissão das Comunidades Europeias. Em seu entender, a aplicação do artigo 1.°, § 1, da RBerG à sua actividade constitui uma violação dos artigos 59.° e seguintes do Tratado CEE.

A Comissão dirigiu-se ao Governo alemão. Este respondeu-lhe, em Março de 1989, que as actividades da Dennemeyer não violavam o artigo 1.°, § 1, da RBerG, uma vez que a sede da sociedade não era abrangida pelo âmbito de aplicação da lei.

M. Säger interpôs recurso da sentença do Landgericht para o Oberlandesgericht München. Neste órgão jurisdicional, a Dennemeyer contestou a competência internacional dos órgãos jurisdicionais alemães, a aplicabilidade do direito alemão e a existência de uma violação da RBerG. Além disso, em seu entender, o artigo 59.° do Tratado obsta à sua condenação.

4. Questão prejudicial

Por acórdão de 25 de Janeiro de 1990, entendendo que o litígio suscita questões de interpretação de direito comunitário, o Oberlandesgericht München decidiu suspender a instância e, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão a título prejudicial:

«É compatível com o artigo 59.° do Tratado CEE que uma sociedade de direito inglês com sede na Grã-Bretanha necessite de uma autorização, nos termos da Rechtsberatungsgesetz (lei alemã relativa à consultadoria jurídica), quando, a partir da sua sede e por conta de terceiros, controla, com vista à manutenção em vigor de direitos de propriedade industrial alemães, cujos titulares têm sede no território da República Federal da Alemanha, o vencimento das respectivas taxas, informa terceiros das datas dos vencimentos e procede ao pagamento das taxas por conta daqueles no território da República Federal da Alemanha, sabendo-se que esta actividade pode ser pacificamente exercida num número considerável de Estados-membros sem qualquer autorização?»

O Oberlandesgericht indica que parte do princípio de que os tribunais alemães são internacionalmente competentes e de que a legislação alemã é aplicável. A este respeito, reporta-se ao referido acórdão do Bundesgerichtshof de 12 de Março de 1987. Segundo o Oberlandesgericht, a Dennemeyer também exerce a sua actividade no território alemão, ao liquidar as taxas para manutenção em vigor dos direitos de propriedade industrial na República Federal da Alemanha, pelo que a RBerG alemã é aplicável.

5. Tramitação processual

A decisão de reenvio deu entrada na Secretaria do Tribunal em 21 de Março de 1990.

Em conformidade com o artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas por Manfred Säger, demandante no processo principal, representado por P. B. Schäuble, advogado no foro de Munique; pela sociedade Dennemeyer & Co. Ltd, demandada no processo principal, representada por L. Donle, advogado no foro de Munique, e por C. Vajda, barrister em Londres; pelo Governo alemão, representado por H. Teske e J. Karl, na qualidade de agentes; pelo Governo do Reino Unido, representado por R. Plender, QC, barrister em Londres, mandatado por J. Collins, solicitor, na qualidade de agentes; bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Lasnet e B. Langeheine, membros do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes.

Com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem

instrução. Contudo, solicitou algumas informações à Comissão. Por decisão de 7 de Novembro de 1990, o Tribunal atribuiu o processo à Sexta Secção.

II — Resumo das observações escritas apresentadas ao Tribunal

M. Säger alega que, em princípio, o artigo 59.° apenas exige o respeito da proibição de discriminação. Isto significa que o prestador de serviços deve respeitar as regras profissionais em vigor no Estado em que presta os serviços. Por conseguinte, em princípio, os processos de autorização também são admissíveis, mesmo que possam ser especialmente difíceis de aplicar a estrangeiros.

Em seguida, M. Säger observa que, quando exista uma restrição à livre prestação de serviços, se deve verificar se esta é necessária por razões imperativas. No presente caso, a RBerG destina-se a proteger o interesse geral. Em especial, a lei tem por objectivo proteger os particulares, que confiam os seus interesses jurídicos a um consultor jurídico, contra pessoas indignas de confiança e sem os conhecimentos necessários. Além disso, a lei assegura o bom funcionamento da justiça. Neste contexto, M. Säger recorda o acórdão do Tribunal de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha (427/85, Colect., p. 1123), no qual o Tribunal considerou que a livre prestação de serviços só pode ser limitada por regulamentações justificadas pelo interesse geral e que vinculem qualquer pessoa que exerça uma actividade no território do Estado-membro de acolhimento, na medida em que aquele interesse não esteja salvaguardado pelas regras a que o prestador está sujeito no Estado-membro em que se encontra estabelecido. Ora, segundo M. Säger, no Reino Unido, não existe no domínio em causa uma legislação do tipo da RBerG.

Por todas estas razões, M. Säger entende que a questão prejudicial deve ser respondida afirmativamente.

O Governo alemão alega que a actividade de prestação de serviços além-fronteiras, exercida pela sociedade Dennemeyer, não é abrangida pela obrigação de autorização prevista na RBerG, não sendo esta aplicável. Esta lei constitui uma regulamentação profissional nacional. Não é aplicável às prestações de serviços além-fronteiras quando estas sejam efectuadas por um prestador de serviços com sede no estrangeiro. As actividades da Dennemeyer não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação territorial da RBerG. O Governo entende que o processo foi incorrectamente submetido ao Tribunal de Justiça.

Apenas a título subsidiário, o Governo alemão observa que, nos termos da jurisprudência constante do Tribunal, a livre prestação de serviços só pode ser limitada por regulamentações justificadas pelo interesse geral, indistintamente aplicáveis às actividades no território do Estado destinatário, e que sejam, além disso, objectivamente necessárias. Ora, o Governo alemão entende que a aplicação da RBerG às actividades da Dennemeyer não é justificada, em especial porque a actividade em causa é exercida no estrangeiro.

Segundo o Governo do Reino Unido, no presente processo, deve tomar-se em conta pelo menos três regulamentações alemãs: o Bundesrechtsanwaltsordnung, o Patentanwaltsordnung e a RBerG.

O Governo do Reino Unido alega que estas três regulamentações têm por efeito uma discriminação incompatível com o artigo 59.° do Tratado.

Em primeiro lugar, o Patentanwaltsordnung exige que um Patentanwalt resida na República Federal da Alemanha. Isto implica que uma pessoa estabelecida noutro Estado-membro não pode exercer as actividades de Patentanwalt, entre outras as de controlo e de manutenção em vigor dos direitos de propriedade industrial.

Em segundo lugar, a RBerG dispensa os Patentanwälte e os advogados da obrigação de autorização exigida por essa lei. Contudo, não existe uma norma equivalente no que diz respeito aos advogados e aos agentes de propriedade industrial estrangeiros.

Em terceiro lugar, as autorizações exigidas pela RBerG não são emitidas de modo automático. A autorização não é emitida se já existir um número suficiente de consultores jurídicos para fazer face à procura dos serviços em causa. Este regime favorece os consultores alemães.

Em seguida, o Governo do Reino Unido aborda o problema da justificação objectiva das medidas alemãs. Entende que, no presente caso, não existe essa justificação. As actividades exercidas pela Dennemeyer são operações de caracter mecânico. A este respeito, não é necessária qualquer protecção específica de interesses. Além disso, trata-se em qualquer caso de uma restrição desproporcionada. A legislação alemã não toma em conta, nomeadamente, o facto de uma pessoa poder estar já autorizada noutro Es-tado-membro a exercer a actividade de agente de propriedade industrial.

A Comissão pergunta a título liminar se a autorização exigida pela RBerG pode ser concedida, atendendo a que apenas é emitida para os domínios concretos enumerados na lei. Entre esses domínios não se inclui a actividade profissional de manutenção em vigor dos direitos de propriedade industrial por conta de terceiros.

A Comissão recorda em seguida a jurisprudência do Tribunal segundo a qual a livre prestação de serviços só pode ser limitada por regulamentações justificadas pelo interesse geral e que se apliquem a qualquer pessoa que exerça uma actividade no território do Estado destinatário, na medida em que esse interesse não esteja salvaguardado pelas regras a que o prestador está sujeito no Estado-membro em que se encontra estabelecido. Além disso, as exigências impostas pela regulamentação nacional devem ser objectivamente necessárias.

Segundo a Comissão, na medida em que se aplica à actividade profissional de manutenção em vigor de direitos de propriedade industrial, a RBerG não respeita as condições formuladas pela jurisprudência do Tribunal.

A Comissão entende que a RBerG procura alcançar as seguintes finalidades: a protecção dos interessados contra a prestação de consultadoria por pessoas insuficientemente qualificadas ou indignas de confiança, o desenvolvimento harmonioso de relações jurídicas gerais e o respeito pela deontologia.

Ora, a liquidação de taxas com vista à manutenção em vigor de um direito de propriedade industrial é um acto simples, esquemático, que não exige qualquer capacidade especial. As consequências jurídicas de um eventual comportamento culposo são bastante limitadas e não excedem o risco normal ligado a um mandato desse tipo no âmbito da vida económica. Além disso, no regime de renovação de patentes, o titular está suficientemente protegido contra a perda do seu direito de propriedade industrial em caso de não pagamento da taxa. Por essas razões, a Comissão entende que não é justificada a imposição de condições específicas de idoneidade ou de competência jurídica à pessoa encarregada do controlo do vencimento e da liquidação das taxas.

Em seguida, alega que, uma vez que se trata de uma operação que não suscita qualquer problema jurídico, o pagamento de taxas não é realmente importante na existência das relações jurídicas.

Por último, a Comissão observa que, uma vez que se trata de uma actividade simples e com importância secundária, não é necessária ou adequada a sua ligação a um ramo profissional determinado, regulado por regras deontológicas próprias.

Com base nestas considerações, a Comissão propõe a seguinte resposta:

«O artigo 59.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que obsta a uma regulamentação nacional segundo a qual uma sociedade com sede noutro Estado-membro necessita de uma autorização por força de disposições como a da Rechtsberatungsgesetz (lei relativa à consultadoria jurídica) alemã, quando preste, a partir da sua sede, por conta de terceiros titulares de direitos de propriedade industrial no Estado-membro onde estes têm a sede, com vista à manutenção em vigor desses direitos, serviços de controlo do vencimento das taxas relativas a esses direitos, de comunicação aos terceiros das datas de vencimento e de pagamento das taxas por conta destes no território do referido Estado-membro.»

Apenas a título subsidiário, alega que, caso o prestador de serviços seja reconhecido como advogado ou Patentanwalt pelo Estado onde está estabelecido ou possua outras qualificações no domínio do direito de patentes reconhecidas por esse Estado, as autoridades do Estado em que os serviços são prestados devem tomar em conta esse elemento.

A Dennemeyer segue a mesma linha de argumentação da Comissão. Em seu entender, a questão de saber se uma restrição é justificada pelo interesse geral depende da natureza da prestação de serviços, bem como da situação do seu destinatário. A este respeito, a sociedade observa que não presta serviços a consumidores não especialistas mas sim tanto a agentes de propriedade industrial como a especialistas em patentes das empresas interessadas. A Dennemeyer acrescenta que o Instituto Europeu de Patentes declarou que o titular da patente pode confiar a qualquer pessoa a função de pagar por sua conta as taxas devidas. Além disso, nada na convenção sobre a patente europeia indica que a protecção dos titulares exige a reserva para os agentes de propriedade industrial da actividade de renovação.

P. J. G. Kapteyn

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: alemão.

Início

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

25 de Julho de 1991 ( *1 )

No processo C-76/90,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Oberlandesgericht München (Alemanha), destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

Manfred Säger

e

Dennemeyer & Co. Ltd,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 59.° do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, T. F. O'Higgins, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler e P. J. G. Kapteyn, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs

secretário: D. Louterman, administradora principal

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação de Manfred Säger, por P. B. Schäuble, advogado no foro de Munique,

em representação da sociedade Dennemeyer & Co. Ltd, por L. Donie, advogado no foro de Munique, e C. Vajda, barrister em Londres,

em representação do Governo alemão, por H. Teske, Ministerialrat no Ministério federal da Justiça, e J. Karl, Oberregierungsrat no Ministério dos Assuntos Económicos, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por R. Plender, QC, barrister em Londres, mandatado por J. Collins, solicitor, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão, por E. Lasnet, consultor jurídico, e B. Langeheine, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da sociedade Dennemeyer & Co. Ltd, do Governo alemão, representado por A. von Winterfeld, advogado no foro de Colónia, na qualidade de agente, do Governo do Reino Unido e da Comissão, na audiência de 15 de Janeiro de 1991,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 21 de Fevereiro de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por acórdão de 25 de Janeiro de 1990, entrado no Tribunal em 21 de Março seguinte, o Oberlandesgericht München submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 59.° do Tratado CEE.

2

Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio entre Manfred Säger, Patentanwalt (agente de propriedade industrial) em Munique, e a sociedade de direito inglês Dennemeyer & Co. Ltd, com sede no Reino Unido (a seguir «Dennemeyer»).

3

A Dennemeyer especializou-se nos serviços de manutenção em vigor de patentes (patent renewal service). Esta actividade exercida, no presente caso, a partir do Reino Unido por conta de titulares de direitos de propriedade industrial estabelecidos noutros Estados-membros, entre os quais, nomeadamente, a Alemanha, consiste em assegurar, graças a um sistema informático, o controlo de patentes, informando os seus titulares das datas de vencimento das taxas para efeitos de manutenção em vigor e pagando essas taxas por sua conta quando os titulares remetam à Dennemeyer o «aviso de pagamento» que esta lhes enviou e lhe solicitem que proceda ao pagamento das quantias aí indicadas.

4

No âmbito da sua actividade, a Dennemeyer não presta consultadoria aos clientes nem quanto às opções a tomar nem quanto às consequências de ser feito ou não um pagamento. O cliente assume sozinho a responsabilidade de avisar a sociedade de qualquer alteração quanto à situação da patente susceptível de influir sobre o pagamento da taxa para efeitos da manutenção em vigor. Por último, a Dennemeyer cobra pela sua actividade comissões inferiores às tarifas geralmente aplicadas pelos Patentanwälte (a seguir «agentes de propriedade industrial») alemães que exercem essa mesma actividade.

5

M. Säger acusa a Dennemeyer de praticar concorrência desleal e de violar a Rechtsberatungsgesetz (lei relativa à consultadoria jurídica, a seguir «RBerG», de 13 de Dezembro de 1935, BGBl. III.303-12). Com efeito, entende que a Dennemeyer gere, a título profissional, questões jurídicas por conta de terceiros sem a autorização exigida por força do artigo 1.°, § 1, n.° 1, dessa lei.

6

Nos termos do artigo 1.°, § 1, da RBerG, a gestão de questões jurídicas por conta de terceiros ou de créditos cedidos para efeitos de cobrança só pode ser efectuada a título profissional por pessoas que disponham da necessária autorização emitida pelas autoridades competentes. Segundo a mesma norma, a autorização é atribuída para os domínios específicos aí enumerados e só pode ser emitida aos requerentes que possuam a idoneidade, a formação e os conhecimentos necessários para exercer a profissão [artigos 6.° e 8.° da Verordnung zur Ausführung des Rechtsberatungsgesetz (regulamento de execução da RBerG), de 13 de Dezembro de 1935, BGBl. III.303-12].

7

Em princípio, essa autorização não é concedida a empresas especializadas em serviços de manutenção em vigor de patentes, uma vez que o controlo a título profissional de direitos de propriedade industrial por conta de terceiros não faz parte das matérias enumeradas na lei. O artigo 1.°, § 3, da RBerG dispõe que esta lei não abrange o exercício dessas actividades por notários e outras pessoas que exerçam uma função pública, bem como pelos advogados e agentes de propriedade industrial. A este respeito, o Bundesgerichtshof afirmou no seu acórdão de 12 de Março de 1987 (I ZR 31/85, BGH, Neue Juristische Wochenschrift 1987, p. 3005), a que se refere a decisão de reenvio, que, por força da legislação alemã aplicável, a totalidade das actividades com vista à manutenção em vigor dos direitos de propriedade industrial, incluindo as referidas no litígio no processo principal, está reservada para os agentes de propriedade industrial.

8

O órgão jurisdicional nacional considerou que o litígio suscita problemas de interpretação de direito comunitário. Por conseguinte, submeteu ao Tribunal a seguinte questão prejudicial :

«É compatível com o artigo 59.° do Tratado CEE que uma sociedade de direito inglês com sede na Grã-Bretanha necessite de uma autorização, nos termos da Rechtsberatungsgesetz (lei alemã relativa à consultadoria jurídica), quando, a partir da sua sede e por conta de terceiros, controla, com vista à manutenção em vigor de direitos de propriedade industrial alemães, cujos titulares têm sede no território da República Federal da Alemanha, o vencimento das respectivas taxas, informa terceiros das datas dos vencimentos e procede ao pagamento das taxas por conta daqueles no território da República Federal da Alemanha, sabendo-se que esta actividade pode ser pacificamente exercida num número considerável de Estados-membros sem qualquer autorização?»

9

Para mais ampla exposição do enquadramento jurídico e dos factos do litígio no processo principal, da tramitação processual, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

10

Resulta da decisão de reenvio que o Oberlandesgericht parte do princípio de que os tribunais alemães são internacionalmente competentes e de que a legislação alemã é aplicável ao litígio no processo principal por entender que a Dennemeyer actua, pelo menos por proceder ao pagamento das taxas na Alemanha, no território deste Estado-membro. O órgão jurisdicional nacional esclarece que a questão submetida ao Tribunal se destina a saber se o artigo 59.° do Tratado obsta à condenação da recorrida no processo principal, por força do disposto na regulamentação nacional aplicável.

11

Deste modo, a questão prejudicial deve ser entendida como destinando-se a saber se o artigo 59.° obsta a uma regulamentação nacional que proíba uma sociedade estabelecida num outro Estado-membro de prestar a titulares de patentes no território nacional serviços de controlo e manutenção em vigor de patentes através do pagamento das taxas devidas, com fundamento em que, por força dessa regulamentação, essa actividade está reservada exclusivamente para os titulares de uma qualificação profissional específica, como a de agente de propriedade industrial.

12

Deve salientar-se antes de mais que o artigo 59.° do Tratado exige não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços em razão da sua nacionalidade, mas também a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada a prestadores nacionais e de outros Estados-membros, quando seja susceptível de impedir ou entravar de alguma forma as actividades do prestador estabelecido noutro Estado-membro, onde preste legalmente serviços análogos.

13

Em especial, o Estado-membro não pode sujeitar a realização da prestação de serviços no seu território ao cumprimento de todas as condições exigidas a um estabelecimento, sob pena de privar de qualquer efeito útil as disposições do Tratado destinadas precisamente a garantir a livre prestação de serviços. Essa restrição é tanto menos admissível quando, como no litígio no processo principal, o serviço é prestado, ao contrário da situação referida no artigo 60.°, último parágrafo, do Tratado, sem que o prestador tenha necessidade de se deslocar ao território do Estado-membro onde a prestação é realizada.

14

Deve declarar-se em seguida que constitui uma restrição à livre prestação de serviços, na acepção do artigo 59.° do Tratado, uma regulamentação nacional que sujeite a realização de determinadas prestações de serviços no território nacional, por uma empresa estabelecida noutro Estado-membro, à concessão de uma autorização administrativa que dependa da posse de determinadas qualificações profissionais. Com efeito, ao reservar a orestacão de serviços em matéria de controlo de patentes para determinados operadores económicos, que possuem determinadas qualificações profissionais, uma regulamentação nacional impede simultaneamente uma empresa estabelecida no estrangeiro de realizar prestações de serviços a titulares de patentes no território nacional e estes últimos de escolher livremente o modo de controlo das suas patentes.

15

Tendo em conta a natureza especial de certas prestações de serviços, não se poderiam considerar como incompatíveis com o Tratado exigências específicas impostas ao prestador motivadas pela aplicação de normas reguladoras desses tipos de actividades. Todavia, a livre prestação de serviços, enquanto princípio fundamental do Tratado, apenas pode ser limitada mediante disposições justificadas por razões imperiosas de interesse geral e aplicáveis a qualquer pessoa ou empresa que exerça uma actividade no território do Estado destinatário, na medida em que tal interesse não esteja salvaguardado por normas a que o prestador esteja sujeito no Estado-membro onde estiver estabelecido. Além disso, as referidas exigências devem ser objectivamente necessárias a fim de garantir o cumprimento das regras profissionais e garantir a protecção do destinatário dos serviços, não devendo ir além do necessário para alcançar esses objectivos (ver, em último lugar, os acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/França, C-154/89, Colect., p. 659; Comissão/Itália, C-180/89, Colect., p. 709; e Comissão/Grécia, C-198/89, Colect., p. 727).

16

A este respeito, deve observar-se antes de mais que uma regulamentação nacional, como a descrita pelo órgão jurisdicional nacional, destina-se manifestamente a proteger os destinatários dos serviços em questão contra o eventual prejuízo resultante de consultadoria jurídica prestada por pessoas sem as qualificações profissionais ou morais necessárias.

17

Deve declarar-se em seguida que o interesse geral ligado à protecção dos destinatários dos serviços em questão contra esse prejuízo justifica uma restrição à livre prestação de serviços. Contudo, essa regulamentação vai além do necessário para garantir a protecção desse interesse se sujeitar o exercício a título profissional de uma actividade, como a que está em causa, à obtenção por parte dos prestadores de uma qualificação profissional muito específica e desproporcionada em relação às necessidades dos destinatários.

18

Com efeito, conforme o advogado-geral salientou no n.° 33 das suas conclusões, o prestador de um serviço, como o que é objecto do presente processo, não presta consultadoria aos seus clientes, muitas vezes eles próprios agentes de propriedade industrial ou empresas que empregam peritos em patentes qualificados. Aquele limita-se a informá-los das datas de vencimento das taxas de manutenção em vigor para evitar a caducidade da patente, a perguntar-lhes se pretendem manter em vigor a patente, bem como a pagar as taxas correspondentes por sua conta se estes o entenderem. Estas tarefas, exercidas sem que o prestador se desloque, têm na essência uma natureza simples e não exigem qualificações profissionais específicas, conforme de resto se pode ver pelo elevado grau de automatização de que a recorrida no processo principal manifestamente dispõe no presente caso.

19

Deve acrescentar-se, conforme a Comissão correctamente salientou, que para o titular de uma patente são muito limitadas as consequências de um incumprimento de obrigações por parte de uma sociedade encarregada do controlo de patentes alemãs. Com efeito, dois meses depois da data de vencimento, o instituto de patentes alemão envia um aviso oficial ao titular da patente notificando-o de que, sem o pagamento da quantia, acrescida de uma taxa de 10% sobre o montante devido, a sua patente caduca no prazo de quatro meses após o envio do aviso (artigo 17.°, § 3, da Patentgesetz).

20

Por conseguinte, deve declarar-se que nem a natureza de um serviço como o que está em causa nem as consequências de um incumprimento do prestador justificam a limitação do exercício desse serviço exclusivamente aos titulares de uma qualificação profissional específica, como os advogados ou os agentes de propriedade industrial. Esta limitação deve ser considerada desproporcionada em relação ao objectivo prosseguido.

21

Por conseguinte, deve responder-se que o artigo 59.° do Tratado obsta a urna regulamentação nacional que proíba uma sociedade estabelecida noutro Estado-membro de prestar a titulares de patentes no território nacional um serviço de controlo e de manutenção em vigor dessas patentes por meio do pagamento das respectivas taxas, com o fundamento de que, por força dessa regulamentação, essa actividade está exclusivamente reservada para os titulares de uma qualificação profissional específica, como a de agente de propriedade industrial.

Quanto às despesas

22

As despesas efectuadas pelos governos alemão e do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida pelo Oberlandesgericht München, por acórdão de 25 de Janeiro de 1990, declara:

 

O artigo 59.° do Tratado CEE obsta a uma regulamentação nacional que proíba uma sociedade estabelecida noutro Estado-membro de prestar a titulares de patentes no território nacional um serviço de controlo e de manutenção em vigor dessas patentes por meio do pagamento das respectivas taxas, com o fundamento de que, por força dessa regulamentação, essa actividade está exclusivamente reservada para os titulares de uma qualificação profissional específica, como a de agente de propriedade industrial.

 

Mancini

O'Higgins

Kakouris

Schockweiler

Kapteyn

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Julho de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Sexta Secção

G. F. Mancini


( *1 ) Lingua do processo: alemão.

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