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Documento 61988CJ0365

Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 15 de Maio de 1990.
Kongress Agentur Hagen GmbH contra Zeehaghe BV.
Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad - Países Baixos.
Convenção de Bruxelas - Artigo 6.º, n.º 2 - Chamamento do garante à acção.
Processo C-365/88.

Colectânea de Jurisprudência 1990 I-01845

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1990:203

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-365/88 ( *1 )

I — Matéria de facto e tramitação processual

Em 1984, a Kongress Agentur Hagen GmbH (adiante «Hagen»), empresa com sede em Düsseldorf, concluiu com a Zeehaghe BV (adiante «Zeehaghe»), com sede em Haia, um contrato de reserva de um grande número de quartos em hotéis situados em Haia. A Hagen agiu em seu próprio nome, mas a pedido e por conta de um terceiro, a sociedade Garant Schuhgilde eG (adiante «Schuhgilde»), igualmente estabelecida em Düsseldorf. Tendo a reserva sido anulada, a Zeehaghe demandou, por notificação de 12 de Fevereiro de 1985, a Hagen no rechtbank de Haia, exigindo o pagamento de uma indemnização por incumprimento das obrigações decorrentes do contrato.

Na contestação, a Hagen, a título principal, invoca a incompetência do rechtbank para conhecer do pedido e, subsidiariamente, requer que a Schuhgilde, na qualidade de mandante, seja citada para comparecer perante o rechtbank a fim de contestar o seu chamamento à demanda. A Zeehaghe impugnou este segundo pedido alegando que o seu deferimento complicaria e atrasaria a tramitação do processo entre ela e a Hagen.

Por decisão de 27 de Novembro de 1985, o rechtbank declarou-se competente para conhecer do pedido, nos termos do n.° 1 do artigo 5.° da convenção, e desatendeu o pedido de chamamento do garante à acção, considerando procedente o fundamento invocado pela Zeehaghe.

A Hagen interpôs recurso desta decisão para o gerechtshof de Haia, alegando que o n.° 2 do artigo 6.° da convenção obriga o tribunal onde foi instaurada a acção principal a deferir o chamamento do garante à demanda «salvo se esta tiver sido proposta apenas com o intuito de subtrair o terceiro à jurisdição do tribunal que seria competente nesse caso», excepção mencionada na própria disposição. Por acórdão de 9 de Janeiro de 1987, o gerechtshof rejeitou esta tese e confirmou a decisão do rechtbank, considerando que o artigo 6.° estabelece apenas a possibilidade e não a obrigação de atender o pedido de chamamento do garante à acção.

A Hagen interpôs recurso de cassação. Nas contra-alegações apresentadas, a Zeehaghe defende que um pedido de chamamento à demanda do garante apenas pode ser junto a um pedido principal quando a competência do tribunal demandado se baseie na regra da competência ordinária do artigo 2.° da convenção, que atribui a competência ao tribunal do domicílio do demandado.

Contestou assim a competência do rechtbank para, nos termos da regra de competência especial do n.° 2 do artigo 6.°, deferir o pedido da Hagen, já que a acção principal se baseava igualmente numa regra de competência especial, o n.° 1 do artigo 5.°

Ouvido o seu advogado-geral, e considerando que o litígio suscitava uma questão de interpretação da convenção, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu, em acórdão de 9 de Dezembro de 1988, nos termos do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais.

«A —

Se um réu, domiciliado no território de um Estado contratante, é demandado, nos termos do artigo 5.°, corpo do artigo e n.° 1, da convenção de Bruxelas, num tribunal de outro Estado contratante, confere o artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2 da convenção de Bruxelas, a este tribunal, competência para decidir sobre o pedido de chamamento à acção de um garante, formulado contra uma pessoa domiciliada num Estado contratante diferente do do tribunal?

B —

Deve o artigo 6.°, n.° 2, da convenção de Bruxelas ser interpretado no sentido de obrigar esse tribunal a autorizar o chamamento à acção, salvo na hipótese a que se refere a excepção prevista nessa mesma disposição?

C —

Em caso de resposta negativa à questão anterior: pode o tribunal aplicar as suas normas processuais nacionais para apreciar a questão de saber se deve deferir o pedido de chamamento à acção, ou exigem as disposições da convenção de Bruxelas que o Tribunal decida a questão com base em critérios diferentes dos estabelecidos no seu direito processual nacional e, em caso de resposta afirmativa, quais são esses critérios?»

O acórdão do Hoge Raad deu entrada na Secretaria do Tribunal em 15 de Dezembro de 1988.

Nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia, foram apresentadas observações escritas, em 13 de Março de 1989, pela sociedade Hagen, demandante no processo principal, patrocinada por Elisabeth C. M. Schippers, advogada do foro de Haia, em 24 de Março de 1989, pelo Governo da República Francesa, representado por Régis de Gouttes, na qualidade de agente, e Géraud de Bergues, na qualidade de agente substituto, em 28 de Março de 1989, pelo Governo da República Federal da Alemanha, representado por Christof Böhmer, na qualidade de agente, e em 6 de Março de 1989, pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por B. J. Drijber, membro do seu Serviço Jurídico, assistido por G. Cherubini, na qualidade de agentes.

O Tribunal, com base no relatório do juiz relator e ouvido o advogado-geral, decidu dar início à fase oral sem instrução.

II — Resumo das observações escritas apresentadas ao Tribunal

A demandante no processo principal, Hagen, entende que a primeira questão exige uma resposta afirmativa. Alega que as competências referidas nos artigos 2.° e 5.° são equivalentes no que respeita à aplicação do n.° 2 do artigo 6.° A este respeito, refere o relatório Jenard (JO C 59 de 5.3.1979, p. 1 a 27) para confirmar a importância nas relações comerciais da possibilidade do demandado requerer o chamamento à acção do garante; segundo a Hagen, esta consideração vale tanto no caso de o Tribunal ser demandado com base no artigo 5.° da convenção, como na hipótese de a sua competência se basear no artigo 1°

Nesta perspectiva, resulta do acórdão do Tribunal de 22 de Março de 1983, Peters//Zuid Nederlandse Aannemers Vereniging (34/82, Recueil, p. 987), que, a fim de favorecer a segurança jurídica e a eficácia da tutela jurisdicional, deve interpretar-se a convenção de modo a que as acções conexas possam, na medida do possível, ser julgadas pelo mesmo tribunal.

A Hagen alega igualmente que a expressão «este mesmo requerido», que surge logo no início da versão francesa do artigo 6.°, remete para o artigo 2.° da convenção, isto é, para a expressão «pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante». Nos termos do artigo 4.°, só os requeridos que não tenham domicílio no território de um Estado-membro são subtraídos à aplicação das regras de competência da convenção e, portanto, do disposto no n.° 2 do artigo 6.° Por último, a demandante no processo principal defende que a expressão «o tribunal onde foi instaurada a acção principal» não deve ser interpretada restritivamente: se os autores da convenção tivessem querido que o n.° 2 do artigo 6.° fosse interpretado nesse sentido, teriam utilizado uma expressão mais restritiva como, por exemplo, «o tribunal competente nos termos do artigo 2 o.».

Os governos francês e alemão são igualmente de parecer que a resposta à primeira questão deve ser afirmativa. O Governo fiancês baseia-se igualmente na generalidade da letra do artigo 6.°, n.° 2, para concluir que a regra é indiferente ao critério de competência que presidiu à propositura da acção principal. Observa que, se o artigo 6.°, n.° 1, exige que o tribunal demandando seja o do domicílio de um dos demandados, esta exigência não se encontra no n.° 2 do artigo 6.° Por último, o Governo francês defende que a resposta afirmativa é a única que conduz à instauração de uma racionalidade processual, um dos objectivos da convenção.

Para o Governo da República Federal da Alemanha, o interesse geral na coerência da decisão e as considerações de economia processual sobrepõem-se ao interesse do garante em ser apenas demandado no foro do seu domicílio.

Para a Comissão, igualmente, a generalidade da letra do n.° 2 do artigo 6.° leva a concluir que a primeira questão deve ser respondida afirmativamente. Além disso, os trabalhos preparatorios da convenção mostram que os seus autores não pretenderam criar uma hierarquia de regras de competência, mas possibilitar uma escolha ao demandante e atribuir a competência ao tribunal mais estreitamente ligado ao litígio.

Quanto à segunda questão, a demandante no processo principal e os governos alemão e francês preconizam uma resposta afirmativa, enquanto a Comissão adopta uma posição ligeiramente mais matizada.

Para a Hagen, o chamamento à acção do garante deve ser apreciado exclusivamente com base no n.° 2 do artigo 6.° Esta disposição deve ser interpretada de forma autónoma, já que, se o Tribunal de Justiça reconheceu que a escolha entre a interpretação autónoma e a remissão para as normas materiais do direito aplicável é feita em função da natureza da disposição e de modo a garantir a plena eficácia da convenção (ver acórdão de 6 de Outubro de 1976, Tessili//Dunlop, 12/76, Recueil, p. 1473), a verdade é que optou, na grande maioria dos casos, pela primeira alternativa. A Hagen considera que a sua tese é corroborada pela observação feita no relatório Jenard (JO C 59 de 5.3.1979, p. 28) relativamente ao n.° 3 do artigo 6.° da convenção, que precisa que a exigência de conexão para os pedidos reconvencionais foi expressamente retomada na convenção, dado que esta condição não era imposta em todos os estados contratantes. Para a Hagen, as mesmas considerações levaram os autores da convenção a incluir a excepção constante do n.° 2 do artigo 6.°, ou seja, a de que o chamamento à acção de um garante não pode ser pedido para o subtrair à jurisdição do tribunal que seria competente nesse caso.

O facto de resultar de tal interpretação que um garante domiciliado no estrangeiro pode ser chamado em condições diferentes das de um garante residente nos Países Baixos é irrelevante. Para a Hagen, tal desigualdade é inerente à criação de regras internacionais de competência; de qualquer modo, de uma interpretação que remetesse para as regras nacionais dos estados contratantes resultaria uma maior desigualdade, a qual se tornaria flagrante e ainda menos aceitável no caso de o demandante poder escolher o tribunal competente (como no caso em apreço), furtando-se, assim, a um eventual chamamento à acção, optando pelo tribunal cuja legislação nacional não autoriza o chamamento à acção do garante.

As observações do Governo francês relativamente a este ponto são de novo ditadas por considerações de racionalidade processual e de boa administração da justiça: se a rejeição do pedido de chamamento à acção do garante pudesse fundamentar-se em razões diversas da fraude, o demandante poderia ver-se obrigado a recorrer a dois tribunais em dois estados contratantes diferentes, o que o sujeitaria a despesas, prazos e riscos suplementares.

No entender do Governo da República Federal da Alemanha, os estados contratantes são obrigados, quando um dos seus tribunais é competente, a proporcionar às partes uma protecção jurídica completa. Esta tutela não pode ser limitada por regras de processo nacionais. O Governo alemão sente-se confortado nesta posição pelo artigo V do protocolo da convenção. Este artigo responde à ausência, no Código do Processo Civil alemão, do chamamento de um garante à acção, em sentido estrito. No entanto, a participação involuntária de um terceiro no litígio encontra-se prevista nos artigos 68.°, 72.°, 73.° e 74.° do código, sob a forma de intervenção de terceiro (Streitverkündung). O artigo V do protocolo refere-se a este processo e prevê que as decisões proferidas nos outros Estados-membros, por força do n.° 2 do artigo 6.°, sejam reconhecidas na República Federal da Alemanha e que os outros estados contratantes reconheçam igualmente os efeitos das decisões proferidas ao abrigo dos artigos 68.°, 72.°, 73.° e 74.° do Código do Processo Civil alemão contra terceiros chamados a intervir na acção. O Governo da República Federal da Alemanha considera que, sem este artigo, se veria obrigado, a fim de garantir a necessária tutela jurídica, a introduzir no seu direito disposições relativas ao pedido de intervenção.

A Comissão começa por observar que a expressão «com o intuito de subtrair o terceiro à jurisdição do tribunal que seria competente nesse caso» deve ser interpretada autonomamente. A excepção refere-se ao caso de colusão entre o demandante e o demandado no processo principal, com vista a subtrair um terceiro ao foro do domicílio deste.

Abstraindo desta excepção, a Comissão apresenta duas alternativas relativamente à interpretação do n.° 2 do artigo 6.° da convenção.

Segundo uma primeira tese (adiante designada por «tese A»), a questão da competência jurisdicional constitui apenas um dos pressupostos processuais do chamamento do garante à acção. Se é certo que a questão da competência deve ser decidida em primeiro lugar, o tribunal pode e deve igualmente verificar se o pedido satisfaz as condições exigidas pela lex fori, ou seja, pelas regras processuais do direito nacional. Em apoio desta tese, a Comissão invoca quatro argumentos. Em primeiro lugar, a questão de saber se um chamamento à acção do garante deve ser deferido excede a mera questão da competência e, portanto, o âmbito da convenção. Há, assim, que recorrer à lex fori. Em segundo lugar, o relatório Schlosser (JO C 59 de 5.3.1979, p. 71 a 111, n.° 135) observa, a propósito da noção de «pedido de intervenção», que a regra de competência deve necessariamente ser completada por normas nacionais que determinem quais as pessoas que podem ser chamadas a intervir, e a que título e com que objectivo o podem ser. Segundo a tese A, esta observação é igualmente válida para o chamamento do garante à acção. Seguidamente, a jurisprudência do Tribunal de Justiça confirma a possibilidade de completar as disposições da convenção, mediante remissão para as regras processuais internas. Por último, a doutrina confirma amplamente a concepção defendida pela tese A.

A tese A admite assim que o tribunal neerlandês possa recorrer a critérios estabelecidos pelo direito neerlandês, como o da oportunidade, para indeferir o pedido. No entanto, mesmo segundo esta tese, a margem de apreciação do juiz é limitada de dois modos. Em primeiro lugar, o n.° 2 do artigo 6.° constitui uma excepção ao princípio geral enunciado no artigo 2° da convenção, devendo, assim, nos termos do acórdão do Tribunal de Justiça, de 27 de Setembro de 1988, Kalfelis/Banco Schröder (189/87, Recueil, p. 5565), ser interpretado de forma a não pôr em causa a própria existência do princípio. E por isso que o tribunal demandado deve certificar-se da existência, entre o processo principal e o chamamento do garante à acção, de uma determinada conexão. Em segundo lugar, ao apreciar a oportunidade do chamamento do garante à acção, o tribunal nacional deve ter em conta os objectivos da convenção. Neste domínio, seria contrário à convenção indeferir o chamamento por razões baseadas no facto de o garante chamado a intervir residir noutro Estado contratante.

Segundo a tese A, pode responder-se às questões prejudiciais da seguinte forma:

«1)

O tribunal de um Estado contratante que, nos termos do artigo 5.°, corpo do artigo e n.° 1, da convenção de Bruxelas, é competente para conhecer de uma acção intentada contra um demandado que tenha o seu domicílio noutro Estado contratante, é competente, nos termos do artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, da convenção de Bruxelas, para conhecer igualmente do chamamento à acção pelo demandado de um garante que tenha o seu domicílio no território de outro Estado contratante, excepto se verificar que a acção principal e o chamamento à acção não têm uma conexão que exija que os dois pedidos sejam instruídos e julgados conjuntamente.

2)

A aplicação do artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, da convenção de Bruxelas, não exige que o tribunal que, tendo em conta o que antecede, se considera competente para conhecer do chamamento de um garante à acção seja sempre obrigado a deferir este pedido de intervenção. O tribunal não pode, no entanto, rejeitar este pedido por razões ligadas ao facto de o terceiro chamado a intervir residir no território de outro Estado contratante.»

A tese alternativa (adiante designada por «tese B») vai ao encontro da resposta proposta pela Hagen e pelos governos da República Francesa e da República Federal da Alemanha. Esta tese parte do princípio de que o conjunto dos pressupostos processuais nacionais devem subordinar-se ao sistema autónomo de regras de competência criado pela convenção. Podem ser invocados cinco argumentos em favor desta tese. Em primeiro lugar, a escolha do foro facultada pelo n.° 2 do artigo 6.° ao demandante que solicita a intervenção do garante, seria destituída de sentido se o tribunal pudesse indeferir o pedido de intervenção por razões de oportunidade. Em segundo lugar, a convenção integra a ordem jurídica comunitária: as normas restritivas do direito nacional apenas podem ser aplicadas quando o direito comunitário o preveja. Em seguida, o primeiro parágrafo do artigo 10.° apenas autoriza o chamamento do segurador perante o tribunal onde for proposta a acção do lesado contra o segurado «no caso de a lei desse tribunal o permitir». Dado que tal condição não consta do artigo 6.°, n.° 2, pode deduzir-se que esta última disposição não autoriza que se tenha em conta o direito nacional. O quarto argumento refere-se ao artigo V do protocolo, citado pelo Governo da República Federal da Alemanha nas suas observações: a falta de excepções análogas relativamente aos outros Estados contratantes implica que o n.° 2 do artigo 6.° é aplicável sem ter em conta o direito nacional. Por último, a remissão para as normas nacionais poria em causa a aplicação uniforme da convenção.

A tese B leva a responder às questões prejudiciais da seguinte forma:

«1)

O tribunal de um Estado contratante que, nos termos do artigo 5.°, corpo do artigo e n.° 1, da convenção de Bruxelas, é competente para conhecer de uma acção intentada contra um demandante com domicílio noutro Estado-membro, é competente, nos termos do artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, da mesma convenção, para conhecer igualmente do pedido de intervenção apresentado por esse demandante relativamente a um garante domiciliado no territóiro de outro Estado contratante.

2)

A aplicação do artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, da convenção de Bruxelas, implica que o tribunal seja obrigado a deferir o pedido de intervenção, excepto no caso a que se refere a excepção mencionada nesta disposição.»

Após ter exposto estas duas teses opostas, a Comissão manifesta a sua preferência pela tese B, e isto apesar do facto de a tese A permitir a aplicação das mesmas normas tanto aos litígios puramente nacionais como aos internacionais, parecendo igualmente a única solução aplicável ao caso do pedido de intervenção a que se refere igualmente o n.° 2 do artigo 6.° Além disso, a tese A parece ser a mais apropriada para impedir o abuso de direito, sobretudo em caso de pedido de intervenção. Os tribunais não devem ser obrigados a deferir um pedido de intervenção de terceiro, pela simples razão de a convenção lhes conferir competência para conhecer de tal pedido.

No entanto, a solução B parece mais simples: contrariamente à solução A, a margem de apreciação do juiz é bem definida e pela própria convenção. Além disso, aspecto que para a Comissão é determinante, a solução B dá mais garantias de aplicação uniforme do n.° 2 artigo 6.°

A terceira questão prejudicial apenas foi abordada pela Hagen nas suas observações. Segundo esta, os mesmos argumentos que apontam para uma interpretação uniforme do n.° 2 do artigo 6.° militam em favor de uma apreciação do chamamento do garante à acção com base em critérios autónomos e próprios da convenção. O facto de o requerente da intervenção e do terceiro chamado a intervir residirem no território de outro Estado contratante não pode, de modo algum, constituir tal critério autónomo, mesmo que daí resulte provavelmente um atraso na tramitação do processo: tal solução seria contrária aos objectivos e ao espírito da convenção.

G. Slynn

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

Início

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL (Primeira Secção)

15 de Maio de 1990 ( *1 )

No processo C-365/88,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do Protocolo de 3 de Junho de 1971, relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, pelo Hoge Raad der Nederlanden, com vista a obter, no processo nele pendente entre

Kongress Agentur Hagen GmbH, com sede em Düsseldorf (República Federal da Alemanha),

e

Zeehaghe BV, com sede em Haia (Países Baixos),

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, da convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial,

O TRIBUNAL (Primeira Secção),

constituído pelos Srs. Sir Gordon Slynn, presidente de secção, e pelos Srs. R. Joliét e G. C. Rodríguez Iglesias, juízes,

Advogado-geral : C. O. Lenz

Secretário: J. A. Pompe, secretário adjunto

vistas as observações apresentadas:

em representação da sociedade Hagen, demandante no processo principal, por Elisabeth C. M. Schippers, advogada em Haia,

em representação do Governo da República Federal da Alemanha, por Christof Böhmer, na qualidade de agente,

em representação do Governo da República Francesa, por Régis de Gouttes, na qualidade de agente, e Géraud de Bergues, na qualidade de agente substituto,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por B. J. Drijber, membro do Serviço Jurídico, assistido por G. Cherubini, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 22 de Novembro de 1989,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Dezembro de 1989,

profere o presente

Acórdão

1

Por acórdão de 9 de Dezembro de 1988, entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 15 do mesmo mês, e em aplicação do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (adiante «convenção»), o Hoge Raad der Nederlanden submeteu três questões prejudiciais relativas à interpretação do corpo e do n.° 2 do artigo 6.° desta convenção.

2

Estas questões foram suscitadas no quadro de um litígio entre a Kongress Agentur Hagen GmbH (adiante «Hagen»), com sede em Düsseldorf (República Federal da Alemanha), e Zeehaghe BV, com sede em Haia (Países Baixos).

3

Resulta do processo que, na sequência da anulação pela Hagen da reserva de um grande número de quartos de hotel que tinha efectuado junto da Zeehaghe, a pedido e por conta da sociedade Garant Schuhgilde eG (adiante «Schuhgilde») de Düsseldorf, a Zeehaghe demandou a Hagen, no rechtbank de Haia, exigindo o pagamento de uma indemnização acrescida de juros e despesas por incumprimento de obrigações contratuais. A Hagen invocou a incompetência do tribunal demandado para conhecer do pedido e, subsidiariamente, requereu o chamamento à acção da Schuhgilde, na qualidade de mandante.

4

Dado que o rechtbank indeferiu o pedido de chamamento do garante na acção, considerando que o deferimento atrasaria e complicaria o processo principal, a Hagen interpôs recurso desta decisão para o gerechtshof de Haia, alegando que o artigo 6.°, n.° 2, da convenção obriga o tribunal onde foi instaurada a acção principal a autorizar o chamamento do garante à acção «salvo se esta tiver sido proposta apenas com o intuito de subtrair o terceiro à jurisdição do tribunal que seria competente nesse caso», excepção formulada nesta mesma disposição.

5

O gerechtshof considerou improcedente este fundamento e confirmou a decisão do rechtbank, declarando que o artigo 6.° não estabelecia a obrigação mas apenas a faculdade de dar seguimento ao pedido de chamamento do garante à acção.

6

A Hagen recorreu então deste acórdão para o Hoge Raad der Nederlanden, que decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais :

«A —

Se um réu, domiciliado no território de um Estado contratante, é demandado, nos termos do artigo 5.°, corpo do artigo e n.° 1, da convenção de Bruxelas, num tribunal de outro Estado contratante, confere o artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, da convenção de Bruxelas, a este tribunal, competência para decidir sobre o pedido de chamamento à acção de um garante, formulado contra uma pessoa domiciliada num Estado contratante diferente do do tribunal?

B —

Deve o artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, da convenção de Bruxelas ser interpretado no sentido de obrigar esse tribunal a autorizar o chamamento à acção, salvo na hipótese a que se refere a excepção prevista nessa mesma disposição?

C —

Em caso de resposta negativa à questão anterior: pode o tribunal aplicar as suas normas processuais nacionais para apreciar a questão de saber se deve deferir o pedido de chamamento à acção, ou exigem as disposições da convenção de Bruxelas que o tribunal decida a questão com base em critérios diferentes dos estabelecidos no seu direito processual nacional e, em caso de resposta afirmativa, quais são esses critérios?»

7

Para mais ampla exposição dos factos do processo principal, da tramitação processual, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário à fundamentação do Tribunal.

Quanto à primeira questão

8

A primeira questão refere-se à hipótese de no tribunal competente, nos termos do artigo 5.°, corpo do artigo e n.° 1, da convenção, que estabelece uma excepção ao princípio geral consagrado no artigo 2.°, ser apresentado, pelo demandado, um pedido de chamamento do garante à acção formulado contra uma pessoa domiciliada num Estado contratante diferente do do tribunal.

9

A demandante no processo principal e as partes que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça deduzem dos termos genéricos da letra do artigo 6.°, n.° 2, que a regra segundo a qual uma pessoa pode ser demandada, tratando-se de um pedido de chamamento do garante à acção, perante o «tribunal onde foi instaurada a acção principal», é irrelevante para o critério de competência que presidiu à dedução de acção principal.

10

Deve, antes de mais, notar-se que o artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, integrado na secção 2 da convenção relativa às competências especiais, constitui, tal como o artigo 5.°, corpo do artigo e n.° 1, uma excepção à regra de competência dos tribunais do Estado do domicílio do demandado, enunciada no artigo 2°

11

O artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, prevê á atribuição de uma competência especial cuja escolha depende de uma opção do demandante, dada a existência, em hipóteses bem determinadas, de uma conexão particularmente estreita entre uma contestação e o tribunal que pode ser chamado a conhecê-la, com vista à organização útil do processo (acórdão de 22 de Novembro de 1978, Somafer SA/Saar-Ferngas AG, 33/78, Recueil, p. 2183). A convenção permite, assim, concentrar num mesmo tribunal o conhecimento de todo o litígio. Em consequência, a conexão entre a acção principal e o pedido de chamamento do garante à acção basta para firmar a competência do tribunal onde foi apresentado o pedido de intervenção do garante, qualquer que seja o fundamento da competência para conhecer do processo principal; a este respeito, a competência referida no artigo 2.° e a visada no artigo 5.° são equivalentes.

12

Em consequência, deve responder-se à primeira questão que, na hipótese de um réu, domiciliado no território de um Estado contratante, ser demandado, nos termos do artigo 5.°, corpo do artigo e n.° 1, da convenção de Bruxelas, num tribunal de outro Estado contratante, este é igualmente competente, nos termos do artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, da convenção, para conhecer de um pedido de chamamento à acção de um garante, formulado contra uma pessoa domiciliada num Estado-membro diferente do do tribunal onde foi instaurada a acção principal.

Quanto às segunda e terceira questões

13

Estas duas questões destinam-se a apurar se o artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, da convenção, obriga o tribunal a autorizar o pedido de chamamento à acção de um garante, quando esta não tenha sido proposta com o intuito de subtrair o terceiro à jurisdição do tribunal normalmente competente, ou se, pelo contrário, o tribunal pode apreciar a admissibilidade do pedido à luz das regras processuais nacionais.

14

A demandante no processo principal, o Governo francês e o Governo da República Federal da Alemanha interpretam o artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, como uma disposição autônoma. Tal resulta de considerações que respeitam à boa administração da justiça: a tutela jurídica completa que os estados contratantes devem garantir às partes, quando uma das respectivas jurisdições é competente, não pode ser restringida pela aplicação das regras processuais nacionais.

15

No decurso da fase escrita, a Comissão aderiu a esta solução que, em seu entender, tem a vantagem da simplicidade e garante uma aplicação uniforme da convenção: o tribunal nacional demandado deve autorizar o pedido de chamamento do garante à acção.

16

Na audiência, a Comissão afirmou que a competência judiciária constituí apenas uma das condições de admissibilidade do pedido; o tribunal demandado começa por decidir a questão da competência em conformidade com o disposto na convenção, verificando depois se o pedido preenche os restantes pressupostos processuais do chamamento à acção do garante fixados pela lex fori.

17

Deve notar-se que a convenção não visa unificar as regras processuais, mas repartir as competências judiciárias para a solução de litígios em matéria civil e comercial nas relações intracomunitárias, bem como facilitar a execução das decisões judiciais. Deve, assim, distinguir-se claramente a competência dos pressupostos processuais de uma acção.

18

Em matéria de chamamento à acção de um garante, o artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, limita-se a determinar o tribunal competente, não se referindo de modo algum aos pressupostos processuais propriamente ditos.

19

Resulta, aliás, de uma jurisprudência constante que, tratando-se das regras processuais, devem ter-se em conta as normas nacionais aplicáveis pelo tribunal nacional (ver designadamente, no que respeita, por um lado, à noção de litispendência, o acórdão de 7 de Junho de 1984, Zelger/Salinitri, 129/83, Recueil, p. 2397, e, por outro, as condições de execução de uma decisão estrangeira, os acórdãos de 2 de Julho de 1985, Deutsche Genossenschaftsbank/SA Brasseries du Pêcheur, 148/84, Recueil, p. 1981, e de 4 de Fevereiro de 1988, Hoffmann/Krieg, 145/86, Recueil, p. 645).

20

Deve, no entanto, esclarecer-se que a aplicação das regras de processo nacionais não pode afectar o efeito útil da convenção. Na verdade, como o Tribunal decidiu, designadamente no acórdão de 15 de Novembro de 1983, Duijnstee (288/82, Recueil, p. 3663), o tribunal não pode aplicar pressupostos processuais previstos na lei nacional que tenham por efeito limitar a aplicação das regras de competência previstas pela convenção.

21

Deste modo, o indeferimento de um pedido de chamamento à acção de um garante não pode basear-se, explícita ou implicitamente, no facto de terceiros chamados a intervir residirem ou se encontrarem domiciliados num Estado contratante diferente do do tribunal onde foi instaurada a acção principal.

22

Deve, assim, responder-se às segunda e terceira questões que o artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, deve interpretar-se no sentido de que não impõe ao tribunal nacional a obrigação de deferir o pedido de chamamento à acção de um garante, podendo aplicar as normas processuais do seu direito nacional para apreciar a admissibilidade do pedido, conquanto não afecte o efeito útil da convenção neste domínio e, designadamente, não fundamente o indeferimento do pedido de intervenção no facto de o garante residir ou se encontrar domiciliado no território de um Estado contratante diferente do do tribunal onde foi instaurada a acção principal.

Quanto às despesas

23

As despesas efectuadas pelo Governo da República Federal da Alemanha, pelo Governo da República Francesa e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Primeira Secção),

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Hoge Raad der Nederlanden, declara:

 

1)

Se um réu, domiciliado no territòrio de um Estado contratante, tiver sido demandado, nos termos do artigo 5.°, corpo do artigo e n.° 1, da convenção de Bruxelas, num tribunal de outro Estado contratante, este tem igualmente competência, nos termos do artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, da convenção, para decidir sobre o pedido de chamamento à acção de um garante formulado contra uma pessoa domiciliada no território de um Estado contratante diferente do do tribunal onde foi instaurada a acção principal.

 

2)

O artigo 6.°, corpo do artigo e n.° 2, deve interpretar-se no sentido de que não impõe ao tribunal nacional a obrigação de deferir o pedido de chamamento à acção, podendo o mesmo tribunal aplicar as regras de processo nacionais para apreciar a admissibilidade do pedido, contanto que não afecte o efeito útil da convenção nesta matéria e, designadamente, não fundamente o indeferimento do pedido de intervenção no facto de o garante residir ou se encontrar domiciliado no território de um Estado contratante diferente do do tribunal onde foi instaurada a acção principal.

 

Slynn

Joliét

Rodríguez Iglesias

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 15 de Maio de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Primeira Secção

G. Slynn


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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