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Documento 61977CJ0149

    Acórdão do Tribunal de 15 de Junho de 1978.
    Gabrielle Defrenne contra Société anonyme belge de navigation aérienne Sabena.
    Pedido de decisão prejudicial: Cour de cassation - Bélgica.
    Igualdade entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos em matéria de condições de emprego.
    Processo 149/77.

    Edição especial portuguesa 1978 00463

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1978:130

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    de 15 de Junho de 1978 ( *1 )

    No processo 149/77,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pela Cour de cassation de Belgique, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

    Gabrielle Defrenne, ex-hospedeira de bordo, com domicílio em Baixelles-Jette,

    e

    Société anonyme belge de navigation aérienne Sabena, com sede em Bruxelas,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 119.o do Tratado CEE,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: H. Kutscher, presidente, M. Sørensen e G. Bosco, presidentes de secção, A. M. Donner, J. Mertens de Wilmars, P. Pescatore, A. J. Mackenzie Stuart, A. 0'Keeffe e A. Touffait, juízes,

    advogado-geral: F. Capotorti

    secretário: A. Van Houtte

    profere o presente

    Acórdão

    (A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

    Fundamentos da decisão

    1

    Por despacho de 28 de Novembro de 1977, entrado na Secretaria do Tribunal em 12 de Dezembro seguinte, a Cour de cassation de Belgique colocou, ao abrigo do artigo 177.o do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa ao alcance do princípio da não discriminação entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos formulado pelo artigo 119.o do Tratado.

    2

    Esta questão foi colocada no âmbito de uma acção intentada perante os órgãos jurisdicionais belgas do trabalho pela autora na acção principal, Gabrielle Defrenne, ex-hospedeira de bordo, contra a société belge de navigation aérienne Sabena, na sequência do seu despedimento ocorrido, nos termos do seu contrato de trabalho, no momento em que atingiu o limite de idade de 40 anos.

    3

    Gabrielle Defrenne intentou inicialmente perante a cour du travail de Bruxelas, com base no artigo 119.o do Tratado CEE, uma acção tendente a obter a condenação da Sabena no pagamento:

    1)

    duma indemnização devida pelo facto de a autora, enquanto trabalhadora de sexo feminino, ter sido, em matéria de remuneração, objecto de discriminação em relação aos seus colegas do sexo masculino, no desempenho de trabalho idêntico na qualidade de comissário de bordo;

    2)

    dum complemento de indemnização de fim de carreira, representando a diferença existente entre a indemnização por ela efectivamente recebida, aquando da rescisão do contrato, e a indemnização a que teria direito um comissário de bordo de 40 anos com a mesma antiguidade e que tivesse sido declarado definitivamente inapto para o serviço;

    3)

    duma indemnização por perdas e danos em ressarcimento do prejuízo sofrido pela autora em matéria de pensão.

    4

    Por sentença de 17 de Dezembro de 1970, a cour du travail julgou esta acção improcedente no seu conjunto.

    5

    Decidindo sobre a apelação interposta pela autora, a cour du travail de Baixelas, em acórdão de 23 de Abril de 1975, confirmou a sentença proferida em primeira instância quanto aos segundo e terceiro pedidos.

    6

    A fim de poder decidir sobre o primeiro pedido, o mesmo órgão jurisdicional nacional colocou ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais, que constituíram o objecto do acórdão de 8 de Abril de 1976 (43/75, Colect., p. 193).

    7

    Na sequência desta decisão prejudicial, a cour du travail, pelo acórdão de 24 de Novembro de 1976, atribuiu à recorrente as remunerações em atraso por ela reclamadas, de um montante de 12716 BFR, acrescido de juros e despesas.

    8

    Tendo Gabrielle Defrenne recorrido para a Cour de cassation do acórdão da cour du travail, quanto aos pedidos indeferidos, a Cour de cassation solicitou, por sua vez, a intervenção do Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 177.o do Tratado.

    9

    Convém, ainda, recordar que, no mesmo contexto, Gabrielle Defrenne interpusera já, perante o Conseil d'État de Belgique, um recurso contra o decreto real belga de 3 de Novembro de 1969 relativo às pensões de reforma do pessoal navegante da aviação civil, incidindo, mais especificamente, sobre a validade de uma disposição do mesmo decreto que excluía as hospedeiras de bordo do regime em causa.

    10

    Pelo seu lado, o Conseil d'État colocou ao Tribunal de Justiça questões relativas à interpretação do artigo 119 o do Tratado, que constituem o objecto do acórdão de 25 de Maio de 1971 (80/70, Colect., p. 161).

    11

    A fim de poder resolver as questões litigiosas actualmente pendentes, a Cour de cassation colocou uma questão prejudicial formulada em duas partes, que pede respostas distintas, no que diz respeito, por um lado, à determinação do âmbito de aplicação do artigo 119 o do Tratado e, por outro, à eventual existência dum princípio geral de direito comunitário que prescreva a eliminação de discriminações entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos em matéria de condições de emprego e de trabalho que transcendam a remuneração propriamente dita.

    Quanto ã primeira parte da questão, relativa ao alcance do artigo 119.o do Tratado CEE

    12

    A primeira parte da questão colocada pela Cour de cassation visa saber se o princípio da igualdade das remunerações consagrado pelo artigo 119 o pode ser interpretado no sentido de exigir, de maneira geral, a igualdade das condições de trabalho aplicáveis aos trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos, de tal forma que constituiria uma discriminação, por ele proibida, a inserção, no contrato de trabalho de uma hospedeira de bordo, de uma cláusula fixando um termo ao referido contrato quando este trabalhador feminino atingisse a idade de 40 anos, sendo verdade que o contrato dos comissários de bordo masculinos, que fazem o mesmo trabalho, não está afectado por um tal termo.

    13

    Segundo a autora na acção principal, o artigo 119o deveria ser interpretado amplamente, no sentido de não ser mais do que uma materialização específica dum princípio geral de não discriminação que encontraria múltiplas expressões no Tratado.

    14

    Mais especificamente, a cláusula em litígio do contrato de trabalho das hospedeiras de bordo, ao fixar para estas uma idade limite de 40 anos, seria impugnável à luz da norma de não discriminação do artigo 119 o, pelo facto de, por um lado, um trabalhador feminino só poder beneficiar de uma remuneração igual à dos trabalhadores masculinos na condição de, previamente, ser assegurada a seu respeito a igualdade das condições de trabalho e de, por outro, o limite de idade imposto pelo contrato de trabalho às hospedeiras de bordo ter efeitos pecuniários prejudiciais em matéria de indemnização de fim de carreira e de pensão.

    15

    O âmbito de aplicação do artigo 119 o deve ser determinado no âmbito do sistema das disposições sociais do Tratado, reunidas no capítulo formado pelos artigos 117.o e seguintes.

    16

    As condições de emprego e de trabalho são referidas, na sua generalidade, pelos artigos 117.o e 118.o na perspectiva de uma harmonização dos sistemas sociais dos Estados-membros e duma aproximação das suas legislações neste domínio.

    17

    A eliminação das discriminações baseadas no sexo dos trabalhadores faz parte, indubitavelmente, deste programa de política social e legislativa, especificado, quanto a certos aspectos, pela resolução do Conselho de 21 de Janeiro de 1974 (JO C 13, p. 1; EE 05 F2 p. 20).

    18

    Esta é, igualmente, a concepção inspiradora da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e à promoção profissionais, e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE05 F2p. 70).

    19

    Em contraste com as disposições de carácter essencialmente programático dos artigos 117.o e 118.o, o artigo 119 o, limitado ao problema da discriminação em matéria salarial entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos, constitui uma regra especial, cuja aplicação depende da verificação de circunstâncias específicas.

    20

    Nestas condições, não deverá estender-se o alcance deste artigo a elementos da relação laboral que não sejam por ele explicitamente referidos.

    21

    Em particular, o facto de a determinação de certas condições de trabalho — como a fixação dum determinado limite de idade — poder ter consequências pecuniárias, não constitui razão suficiente para que tais condições entrem no âmbito de aplicação do artigo 119 o, baseado na ligação estreita existente entre a natureza da prestação de trabalho e o montante do salário.

    22

    É tanto mais assim quanto o critério de referência que está na base do artigo 119 o —ou seja, a comparabilidade das prestações de trabalho fornecidas pelos trabalhadores de um ou de outro sexo — constitui um factor em relação ao qual todos os trabalhadores se encontram, por hipótese, em situação de paridade, ao passo que a apreciação das outras condições de emprego e de trabalho faz intervir, sob diversos aspectos, factores relacionados com o sexo dos trabalhadores, tendo em conta a atenção devida à condição particular da mulher no mundo do trabalho.

    23

    Portanto, não se deverá alargar o âmbito de aplicação do artigo 119.o ao ponto de, por um lado, se comprometer a aplicabilidade directa que, no seu domínio próprio, deve ser reconhecida a esta disposição, e, por outro, de se interferir num domínio reservado, pelos artigos 117.o e 118.o, à apreciação das autoridades aí referidas.

    24

    Deve, por consequência, ser respondido à primeira parte da questão que o artigo 119 o do Tratado não pode ser interpretado no sentido de prescrever, para além da igualdade de remunerações, também a igualdade de outras condições de trabalho aplicáveis aos trabalhadores masculinos e aos trabalhadores femininos.

    Quanto à segunda parte da questão, relativa à existência dum princípio geral de proibição de discriminações baseadas no sexo em matéria de condições de emprego e de trabalho

    25

    25 Na segunda parte da questão, pergunta-se, para além das disposições específicas do artigo 119 o, se existe em direito comunitário um princípio geral de proibição das discriminações em razão do sexo em matéria de condições de emprego e de trabalho dos trabalhadores masculinos e dos trabalhadores femininos.

    26

    o Tribunal tem repetidamente afirmado que o respeito dos direitos fundamentais da pessoa humana faz parte integrante dos princípios gerais do direito comunitário, cujo cumprimento tem por missão garantir.

    27

    Não se poderá pôr em dúvida o facto de a eliminação das discriminações em razão do sexo fazerem parte destes direitos fundamentais.

    28

    Aliás, as mesmas concepções são reconhecidas pela Carta Social Europeia, de 18 de Novembro de 1961, e pela Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à discriminação em matéria de emprego e de profissão, de 25 de Junho de 1958.

    29

    Convém sublinhar, a este propósito, que nos seus acórdãos de 7 de Junho de 1972, Sabbatini-Bertoni (20/71, Colect., p. 119), e de 20 de Fevereiro de 1975, Airola (21/74, Colect., p. 99), o Tribunal reconheceu a necessidade de garantir a igualdade em matéria de condições de trabalho entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos empregues pela própria Comunidade, no âmbito do Estatuto dos Funcionários.

    30

    Pelo contrário, quanto às relações de trabalho submetidas ao direito nacional, a Comunidade não tinha, na época dos factos submetidos à apreciação dos órgãos jurisdicionais belgas, assumido qualquer função de controlo e de garantia quanto ao cumprimento do princípio da igualdade entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos em matéria de outras condições de trabalho que não sejam as remunerações.

    31

    Na época considerada, tal como atrás se referiu, só existiam, no âmbito do direito comunitário, disposições de carácter programático, formuladas pelos artigos 117o e 118.o do Tratado, relativas ao desenvolvimento geral do bem-estar social, nomeadamente no que diz respeito às condições de emprego e dé trabalho.

    32

    Daí decorre que a situação submetida à apreciação dos órgãos jurisdicionais belgas releva de disposições e princípios de direito interno e de direito internacional em vigor neste Estado-membro.

    33

    Por consequência, deve ser respondido à segunda parte da questão que na altura dos factos que originaram a acção principal não existia, quanto às relações de trabalho submetidas ao direito nacional, qualquer norma de direito comunitário que proibisse discriminações entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos em matéria de condições de trabalho que não sejam as do regime de remunerações consagrado pelo artigo 119o do Tratado.

    Quanto às despesas

    34

    As despesas efectuadas pelo Governo do Reino Unido, pelo Governo da República Italiana e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na acção principal, a natureza de incidente suscitado perante a Cour de cassation de Belgique, compete a esta decidir quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    pronunciando-se sobre as questões submetidas pela Cour de cassation de Belgique, por despacho de 28 de Novembro de 1977, declara:

     

    1)

    O artigo 119.o do Tratado CEE não pode ser interpretado no sentido de prescrever, para além da igualdade de remunerações, também a igualdade de outras condições de trabalho aplicáveis aos trabalhadores masculinos e aos trabalhadores femininos.

     

    2)

    Na época em que ocorreram os factos que deram origem à acção principal, não existia, relativamente ãs relações de trabalho submetidas ao direito nacional, qualquer norma de direito comunitário que proibisse discriminações entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos em matéria de condições de trabalho que não sejam as do regime de remunerações visado pelo artigo 119.o do Tratado CEE.

     

    Kutscher

    Sørensen

    Bosco

    Donner

    Mertens de Wilmars

    Pescatore

    Mackenzie Stuart

    O'Keeffe

    Touffait

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Junho de 1978.

    O secretário

    A. Van Houtte

    O presidente

    H. Kutscher


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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