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Documento 61963CJ0092

Acórdão do Tribunal de 9 de Junho de 1964.
M. Th. Nonnenmacher, viúva de H.E. Moebs contra Bestuur der Sociale Verzekeringsbank.
Pedido de decisão prejudicial: Centrale Raad van Beroep - Países Baixos.
Processo 92-63.

Edição especial portuguesa 1962-1964 00463

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1964:40

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

9 de Junho de 1964 ( *1 )

No processo 92/63,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo presidente interino do Centrale Raad van Beroep de Utrecht, tribunal de direito social neerlandês, por decisão de 16 de Outubro de 1963, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

M. Th. Nonnenmacher, viúva de H. E. Moebs, residente em Drusenheim, França, advogado: C. C. Spiegel, de Breda, Países Baixos,

recorrente,

e

Bestuur der Sociale Verzekeringsbank, de Amesterdão,

recorrido,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 12.o do Regulamento n.o 3 do Conselho da CEE, relativo à segurança social dos trabalhadores migrantes (JO de 16.12.1958, p. 561 e segs.),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: A. M. Donner, presidente, Ch. L. Hammes e A. Trabucchi, presidentes de secção, L. Delvaux, R. Rossi, R. Lecourt e W. Strauss, juízes,

advogado-geral: M. Lagrange

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

De forma regular, foi submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de interpretação, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Centrale Raad van Beroep.

1)

A questão submetida pelo referido órgão jurisdicional pede, antes de mais, que o Tribunal declare se o artigo 12.o do Regulamento n.o 3 do Conselho da CEE «deve ser interpretado no sentido de que apenas é aplicável a legislação do Estado em cujo território trabalham as pessoas referidas por esse artigo».

a)

O Regulamento n.o 3 foi adoptado em aplicação do artigo 51.o do Tratado CEE, nos termos do qual o Conselho «tomará, no domínio da segurança social, as medidas necessárias ao estabelecimento da livre circulação dos trabalhadores, instituindo, designadamente, um sistema que assegure aos trabalhadores migrantes e às pessoas que deles dependam (…) o pagamento das prestações aos residentes nos territórios dos Estados-membros».

Pressupondo esse pagamento a inscrição num sistema de segurança social de um dos Estados-membros, o Tratado impôs dessa forma ao Conselho a obrigação de adoptar normas que impeçam que os interessados, na falta de legislação que lhes seria aplicável, fiquem sem protecção em matéria de segurança social.

Para se atingir esse objectivo era necessário prever a aplicação obrigatória de determinada legislação.

O artigo 12.o do Regulamento n.o 3 responde a essa exigência, ao obrigar o Estado a aplicar a sua legislação aos trabalhadores assalariados ou equiparados que exerçam uma actividade no seu território.

Este carácter obrigatório é, de resto, confirmado pelos termos categóricos tanto do artigo 12.o («ficam submetidos à legislação desse Estado») como do título em que se insere («disposições relativas à legislação aplicável»).

Tendo em conta as referidas disposições do artigo 51.o do Tratado, há que ver nesta obrigação o elemento essencial do artigo 12.o em questão.

b)

questão submetida ao Tribunal tende a esclarecer se — e, na afirmativa, em que medida — a aplicação obrigatória da legislação do Estado em que o trabalhador exerce uma actividade exclui a aplicação da legislação de qualquer outro Estado-membro, mesmo daquele em cujo território o trabalhador tem a sua residência.

O artigo 12o não contém qualquer disposição que proíba a aplicação simultânea de várias legislações.

Nestas condições, apenas se poderia presumir a intenção dos autores do Regulamento n.o 3 de introduzir essa restrição à liberdade do legislador nacional, na medida em que a referida cumulação fosse claramente contrária ao espírito do Tratado, designadamente dos seus artigos 48.o a 51.o

Essas disposições destinam-se a estabelecer uma liberdade tão completa quanto possível da circulação dos trabalhadores.

Esta finalidade implica a eliminação de obstáculos legislativos susceptíveis de desfavorecer os trabalhadores migrantes.

Em caso de dúvida, os artigos já referidos e as medidas tomadas em sua execução devem, pois, ser interpretados no sentido de que visam evitar que a situação jurídica dos trabalhadores migrantes, designadamente em matéria de segurança social, seja desfavorecida.

Por outro lado, essas disposições não se opõem a que a legislação dos Estados-membros vise realizar, em benefício dos trabalhadores migrantes, um complemento de protecção social.

Se não se pode instituir, sem texto expresso, a proibição da aplicação cumulativa de duas legislações nacionais destinadas aos trabalhadores, por maioria de razão, o mesmo não é possível quando uma dessas legislações, longe de se destinar apenas aos trabalhadores, se aplica indistintamente ao conjunto da população, por força de um critério que repousa não no exercício de uma actividade assalariada, mas na simples residência.

Os artigos 48.o a 51.o do Tratado, agrupados no capítulo intitulado «Os Trabalhadores», que constituem o fundamento, o quadro e os limites do Regulamento n.o 3, não permitem que se proíba que um Estado aplique a toda a sua população, incluindo os seus nacionais que trabalhem noutro Estado-membro, um complemento de protecção social.

Resulta das precedentes considerações que o artigo 12.o do Regulamento n.o 3 apenas proíbe a aplicação da legislação de um Estado-membro diferente daquele onde trabalha o interessado, na medida em que o obrigue a contribuir para o financiamento de uma instituição de segurança social não susceptível de lhe trazer benefícios complementares em relação ao mesmo risco e ao mesmo período.

Portanto, os Estados-membros diferentes daquele em cujo território o segurado exerce uma actividade podem prever ou não, a favor deste último, a concessão de direitos a prestações, mesmo se o interessado beneficia, para os mesmos risco e período, de direitos análogos por força da legislação do Estado em que trabalha.

2)

O Centrale Raad pede ao Tribunal, na segunda parte da sua questão, que esclareça se, na medida em que o artigo 12.o exclui a aplicação da legislação dos outros Estados-membros, essa norma admite uma excepção quando, de facto, o segurado ou os seus sucessores não podem invocar um direito a uma prestação ao abrigo da legislação do Estado a que se refere o dito artigo.

Resulta das considerações precedentes que o artigo 12.o não proíbe que os outros Estados-membros concedam aos interessados o direito a prestações.

Quanto às despesas

3)

As despesas efectuadas pela Comissão da CEE, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o Centrale Raad van Beroep, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os autos,

ouvido o relatório do juiz-relator,

ouvidas as alegações da Comissão da CEE,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

vistos os artigos 48.o a 51.o e 177.o do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia,

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia;

visto o Regulamento n.o 3 do Conselho da CEE, relativo à segurança social dos trabalhadores migrantes (JO de 16.12.1958, p. 56l e segs.), e designadamente o seu artigo 12.o,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão submetida a título prejudicial pelo Centrale Raad van Beroep, por carta do presidente em exercício desse tribunal, de 16 de Outubro de 1963, declara:

 

1)

O artigo 12.o do Regulamento n.o 3 do Conselho da CEE, relativo à segurança social dos trabalhadores migrantes, não proíbe que os Estados-membros diferentes daquele em cujo território os trabalhadores assalariados ou equiparados exercem uma actividade apliquem a estes a sua legislação em matéria de segurança social.

 

2)

Só não será assim quando um Estado-membro diferente daquele em cujo território o trabalhador exerce uma actividade o obrigue a contribuir para o financiamento de uma instituição que não lhe assegure um complemento de protecção social em relação ao mesmo risco e ao mesmo período.

 

3)

Cabe ao Centrale Raad van Beroep decidir quanto às despesas da instância.

 

Sonner

Hammes

Trabucchi

Delvaux

Rossi

Lecourt

Strauß

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Junho de 1964.

O secretário

Van Houtte

O presidente

A. M. Donner


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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