Acest document este un extras de pe site-ul EUR-Lex
Document 62022CJ0432
Judgment of the Court (Third Chamber) of 28 November 2024.#Criminal proceedings against PT.#Request for a preliminary ruling from the Spetsializiran nakazatelen sad.#Reference for a preliminary ruling – Area of freedom, security and justice – Judicial cooperation in criminal matters – Criminal offences and penalties in the field of illicit drug trafficking and the fight against organised crime – Possibility to reduce applicable penalties – Scope – Framework Decision 2004/757/JHA – Articles 4 and 5 – Framework Decision 2008/841/JHA – Articles 3 and 4 – National legislation not implementing EU law – Article 51(1) of the Charter of Fundamental Rights of the European Union – Effective judicial protection – Second subparagraph of Article 19(1) TEU – Criminal proceedings against several persons – Agreement for settlement of the case provided for in national law – Approval by an ad hoc court – Consent of the other defendants.#Case C-432/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 28 de novembro de 2024.
PT contra Spetsializirana prokuratura.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Spetsializiran nakazatelen sad.
Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria penal — Infrações penais e sanções aplicáveis nos domínios do tráfico de droga e da luta contra a criminalidade organizada — Possibilidade de redução das penas aplicáveis — Alcance — Decisão‑Quadro 2004/757/JAI — Artigos 4.° e 5.° — Decisão‑Quadro 2008/841/JAI — Artigos 3.° e 4.° — Regulamentação nacional que não aplica o direito da União — Artigo 51.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Tutela jurisdicional efetiva — Artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE — Processo penal contra várias pessoas — Acordo sobre a sentença previsto no direito nacional — Aprovação por uma formação de julgamento ad hoc — Consentimento dos outros arguidos.
Processo C-432/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 28 de novembro de 2024.
PT contra Spetsializirana prokuratura.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Spetsializiran nakazatelen sad.
Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria penal — Infrações penais e sanções aplicáveis nos domínios do tráfico de droga e da luta contra a criminalidade organizada — Possibilidade de redução das penas aplicáveis — Alcance — Decisão‑Quadro 2004/757/JAI — Artigos 4.° e 5.° — Decisão‑Quadro 2008/841/JAI — Artigos 3.° e 4.° — Regulamentação nacional que não aplica o direito da União — Artigo 51.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Tutela jurisdicional efetiva — Artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE — Processo penal contra várias pessoas — Acordo sobre a sentença previsto no direito nacional — Aprovação por uma formação de julgamento ad hoc — Consentimento dos outros arguidos.
Processo C-432/22.
Culegeri de jurisprudență – general – secțiunea „Informații privind deciziile nepublicate”
Identificator ECLI: ECLI:EU:C:2024:987
*A9* Sofiyski gradski sad, opredelenie ot 05/08/2022 (2260)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
28 de novembro de 2024 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria penal — Infrações penais e sanções aplicáveis nos domínios do tráfico de droga e da luta contra a criminalidade organizada — Possibilidade de redução das penas aplicáveis — Alcance — Decisão‑Quadro 2004/757/JAI — Artigos 4.o e 5.o — Decisão‑Quadro 2008/841/JAI — Artigos 3.o e 4.o — Regulamentação nacional que não aplica o direito da União — Artigo 51.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Tutela jurisdicional efetiva — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Processo penal contra várias pessoas — Acordo sobre a sentença previsto no direito nacional — Aprovação por uma formação de julgamento ad hoc — Consentimento dos outros arguidos»
No processo C‑432/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária), por Decisão de 28 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de junho de 2022, no processo penal contra
PT
sendo intervenientes:
Spetsializirana prokuratura,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: K. Jürimäe, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, N. Jääskinen e N. Piçarra (relator), juízes,
advogado‑geral: P. Pikamäe,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
|
– |
em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid, M. Wasmeier e I. Zaloguin, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de dezembro de 2023,
profere o presente
Acórdão
|
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o da Decisão‑Quadro 2004/757/JAI do Conselho, de 25 de outubro de 2004, que adota regras mínimas quanto aos elementos constitutivos das infrações penais e às sanções aplicáveis no domínio do tráfico ilícito de droga (JO 2004, L 335, p. 8), do artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, relativa à luta contra a criminalidade organizada (JO 2008, L 300, p. 42), do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, e dos artigos 47.o e 52.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). |
|
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra PT e outras pessoas, acusadas de terem liderado e/ou participado nas atividades de uma organização criminosa. |
Quadro jurídico
Direito da União
Tratado UE
|
3 |
Nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE: «Os Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União.» |
Decisão‑Quadro 2004/757
|
4 |
O artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2004/757, sob a epígrafe «Sanções», dispõe, no n.o 1: «Cada Estado‑Membro tomará as medidas necessárias para garantir que as infrações definidas nos artigos 2.o e 3.o sejam puníveis com sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas. Cada Estado‑Membro tomará as medidas necessárias para garantir que as infrações previstas no artigo 2.o sejam puníveis com pena máxima de prisão com uma duração de, no mínimo, um a três anos.» |
|
5 |
Sob a epígrafe «Circunstâncias especiais», o artigo 5.o desta decisão‑quadro prevê: «Sem prejuízo do artigo 4.o, cada Estado‑Membro pode tomar as medidas necessárias para garantir que as penas previstas nesse artigo possam ser reduzidas, quando o autor da infração:
|
Decisão‑Quadro 2008/841
|
6 |
O artigo 3.o da Decisão‑Quadro 2008/841, sob a epígrafe «Sanções», dispõe, no n.o 1, alínea a): «Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para garantir que:
|
|
7 |
Sob a epígrafe «Circunstâncias especiais», o artigo 4.o desta decisão‑quadro prevê: «Cada Estado‑Membro pode tomar as medidas necessárias para garantir que as penas previstas no artigo 3.o possam ser reduzidas ou que o autor da infração possa beneficiar de uma isenção de pena caso, nomeadamente:
|
Direito búlgaro
NK
|
8 |
O artigo 55.o, n.o 1, do Nakazatelen kodeks (Código Penal), na sua versão aplicável ao processo principal (a seguir «NK»), dispõe: «Havendo circunstâncias atenuantes excecionais ou numerosas, quando a pena mais leve prevista por lei se revelar desproporcionada, o tribunal: 1. aplica uma pena abaixo do limite inferior; […]» |
|
9 |
O artigo 321.o do NK prevê: «[…] (2) A participação numa [organização criminosa] é punida com pena de prisão de um a seis anos. (3) Se for [uma organização criminosa] armada ou formada para efeitos de enriquecimento ou com o objetivo de cometer as infrações referidas no […] artigo 354a, n.os 1 e 2, […] as sanções são as seguintes: […]
[…]» |
|
10 |
Nos termos do artigo 354a, n.o 1, do NK: «O facto de fabricar, de processar, de adquirir ou de possuir, sem para tal estar legalmente autorizado, estupefacientes ou substâncias análogas com vista à sua distribuição, ou distribuir estupefacientes ou substâncias análogas, é punido, no caso de estupefacientes de alto risco ou substâncias análogas, com pena de prisão de dois a oito anos e em multa de cinco mil a vinte mil [levs búlgaros (BGN) (cerca de 2260 a 10230 euros)] e, no caso de estupefacientes perigosos ou substâncias análogas, com pena de prisão de um a seis anos e em multa de dois mil a dez mil BGN [(cerca de 1020 a 5115 euros)]. […]» |
NPK
|
11 |
O artigo 381.o do Nakazatelno protsesualen kodeks (Código de Processo Penal), na sua versão aplicável ao processo principal (a seguir «NPK»), sob a epígrafe «Acordo sobre a sentença no âmbito do processo preliminar», dispõe: «(1) No termo do inquérito, sob proposta do Ministério Público ou do advogado, pode ser estabelecido um acordo entre eles para resolver o processo. […] […] (4) O acordo pode aplicar a sanção nos termos previstos no artigo 55.o do NK, mesmo não havendo circunstâncias atenuantes excecionais ou numerosas. (5) O acordo deve ser celebrado por escrito e abarcar consenso sobre as seguintes questões:
[…] (6) O acordo é assinado pelo Ministério Público e pelo advogado. O arguido assina o acordo se o aceitar, depois de ter declarado que renuncia ao processo de julgamento segundo o procedimento ordinário. (7) Quando o processo é dirigido contra várias pessoas ou diz respeito a várias infrações, o acordo pode ser celebrado por algumas dessas pessoas ou para algumas dessas infrações. […]» |
|
12 |
O artigo 383.o do NPK, sob a epígrafe «As consequências do acordo sobre a sentença», prevê, no seu n.o 1: «O acordo aprovado pelo tribunal produz os efeitos de uma condenação transitada em julgado.» |
|
13 |
Nos termos do artigo 384.o do NPK, sob a epígrafe «Acordo sobre a sentença no âmbito do processo judicial»: «(1) Nas condições e segundo as modalidades do presente capítulo, o tribunal de primeira instância pode aprovar um acordo sobre a sentença negociado após o início do processo judicial, mas antes da conclusão da fase judicial de instrução. […] (3) Nestes casos, o acordo sobre a [sentença] só é aprovado após obtenção do consentimento de todas as partes [processuais].» |
|
14 |
O artigo 384a do NPK, sob a epígrafe «Decisão sobre um acordo celebrado com alguns dos arguidos ou para uma das infrações», dispõe: «(1) Quando, após a abertura do processo judicial, mas antes da conclusão da fase judicial de instrução, tenha sido celebrado um acordo com um dos arguidos ou para uma das infrações, o tribunal suspende a instância. (2) Outra formação de julgamento decide sobre o acordo celebrado […]. (3) A formação de julgamento referida no n.o 1 deve conduzir a apreciação do processo após a decisão sobre o acordo.» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
|
15 |
Em 25 de março de 2020, a Spetsializirana prokuratura (Procuradoria Especializada, Bulgária) instaurou, no Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária), que é o órgão jurisdicional de reenvio, uma ação penal contra 41 pessoas, entre as quais SD e PT, por terem liderado e/ou participado nas atividades de uma organização criminosa que tem por objetivo a distribuição de droga com fins de enriquecimento. PT é acusado de participação nesse grupo criminoso e de posse de estupefacientes para fins de distribuição, com fundamento no artigo 321.o, n.o 2 e n.o 3, ponto 2, e do artigo 354a, n.o 1, do NK. |
|
16 |
Em 19 de agosto de 2020, o processo foi remetido à Spetsializirana prokuratura (Procuradoria Especializada) para sanar os vícios processuais da acusação. |
|
17 |
Em 26 de agosto de 2020, durante a fase preliminar do processo, o Ministério Público e o advogado de SD celebraram um acordo em virtude do qual seria aplicável a SD uma pena menos gravosa do que a prevista nos termos da lei, tendo este reconhecido a sua culpa pelas acusações contra si deduzidas. Este acordo mencionava os nomes completos e o número de identificação nacional dos outros 40 arguidos, cujo consentimento não tinha sido pedido para efeitos da aprovação do referido acordo. Este acordo foi aprovado em 1 de setembro de 2020 por uma formação de julgamento diferente da inicialmente chamada a conhecer do processo. |
|
18 |
Em 28 de agosto de 2020, a Spetsializirana prokuratura (Procuradoria Especializada) apresentou uma versão corrigida da acusação e foi iniciada a fase judicial do processo. |
|
19 |
Em 17 de novembro de 2020, o Ministério Público e o advogado de PT celebraram um acordo sobre a sentença nos termos do qual tendo este arguido reconhecido a sua culpa pelas acusações que lhe eram deduzidas lhe era aplicada uma pena privativa de liberdade de três anos, suspensa por cinco anos. Por forma a ter em conta o Acórdão de 5 de setembro de 2019, AH e o. (Presunção de inocência) (C‑377/18, EU:C:2019:670), esse acordo foi alterado de modo que omitisse os nomes e o número de identificação nacional dos outros arguidos. A versão corrigida do referido acordo manteve a data de 17 de novembro de 2020. |
|
20 |
Em 18 de janeiro de 2021, o órgão jurisdicional de reenvio, em conformidade com o artigo 384a do NPK, transmitiu o acordo sobre a sentença referido no número anterior ao presidente deste órgão jurisdicional para a designação de outra formação de julgamento para decidir sobre este acordo. Em 21 de janeiro de 2021, a formação de julgamento, deste modo designada, recusou aprovar o referido acordo com o fundamento de que alguns arguidos não tinham dado o seu consentimento, o qual é requerido por força do artigo 384.o, n.o 3, do NPK. |
|
21 |
Em 10 de maio de 2022, o Ministério Público e o advogado de PT celebraram um novo acordo sobre a sentença, com o mesmo teor, e pediram ao órgão jurisdicional de reenvio que decidisse sobre esse acordo sem solicitar o consentimento dos outros arguidos. |
|
22 |
Em 18 de maio de 2022, a formação de julgamento designada nos termos do artigo 384a do NPK recusou aprovar o acordo sobre a sentença referido no número anterior, com o fundamento de que esta aprovação carecia do consentimento dos outros 39 arguidos, em conformidade com o artigo 384.o, n.o 3, do NPK. |
|
23 |
Em consequência desta recusa, o Ministério Público, PT e o seu advogado confirmaram, no mesmo dia, que pretendiam celebrar um acordo sobre a sentença e que seria o órgão jurisdicional de reenvio, perante o qual teriam sido apresentadas todas as provas, a aprovar esse acordo, sem solicitar o consentimento dos outros arguidos. Contudo, o Ministério Público expôs as suas dúvidas relativas à imparcialidade do órgão jurisdicional de reenvio para conduzir o processo em relação aos outros arguidos caso devesse aprovar o referido acordo. PT, por seu turno, alegou que o facto de não poder celebrar um tal acordo implicaria a violação de direitos que lhe são conferidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). |
|
24 |
No que respeita à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio observa que o processo que lhe foi submetido diz respeito a infrações penais abrangidas pelo âmbito de aplicação das Decisões‑Quadro 2004/757 e 2008/841 e, portanto, aos «domínios abrangidos pelo direito da União», na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. Uma vez que, em seu entender, por força, nomeadamente, do artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Decisão‑Quadro 2004/757, estas infrações devem ser objeto de sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas, o processo penal no âmbito do qual estas disposições são aplicadas está sujeito aos requisitos que decorrem do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e do artigo 47.o, primeiro e segundo parágrafos, da Carta. Este órgão jurisdicional considera, além disso, que as modalidades previstas pelo direito nacional para celebrar um acordo sobre a sentença constituem uma «apli[cação do] direito da União», na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, no caso vertente, do artigo 5.o da Decisão‑Quadro 2004/757 e do artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2008/841. |
|
25 |
Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a compatibilidade do artigo 384a do NPK com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e com o artigo 47.o, primeiro e segundo parágrafos, da Carta, com o fundamento de que, no âmbito de um processo penal instaurado contra várias pessoas, esta disposição de direito búlgaro requer que seja designada uma formação de julgamento diferente da que conhece do processo, para decidir sobre o acordo sobre a sentença celebrado por um dos arguidos na fase judicial desse processo. Este órgão jurisdicional indica que o artigo 384a do NPK tem por objetivo permitir à formação de julgamento que conhece do mérito da causa conduzir o processo contra os outros arguidos, sem risco de perder a sua objetividade e a sua imparcialidade. O referido órgão jurisdicional considera, todavia, que o direito a uma tutela jurisdicional efetiva é violado se as provas reunidas perante a formação de julgamento inicialmente chamada a conhecer do processo forem apreciadas por outra formação de julgamento. |
|
26 |
O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em segundo lugar, sobre a compatibilidade do artigo 384.o, n.o 3, do NPK com o artigo 5.o da Decisão‑Quadro 2004/757, com o artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2008/841, com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, bem como com os artigos 47.o e 52.o da Carta, com o fundamento de que quando um acordo sobre a sentença é celebrado por um dos arguidos na fase judicial de um processo penal instaurado contra várias pessoas, esta disposição de direito búlgaro requer o consentimento unânime dos outros arguidos para que esse acordo possa ser aprovado, o que não é o caso durante a fase preliminar de tal processo. |
|
27 |
Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, com a celebração e aprovação judicial de um acordo sobre a sentença, o arguido obtém o resultado final que procura, designadamente, a aplicação de uma sanção mais leve do que a que lhe teria sido aplicada se esse processo tivesse sido tratado em sede de um processo ordinário. Nestas condições, o requisito de consentimento unânime dos outros arguidos prejudica o caráter equitativo do processo, na aceção do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, e também restringe o acesso a uma «vi[a] de recurso», na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em violação do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 52.o da Carta. |
|
28 |
Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se, no caso de aprovar o acordo sobre a sentença relativo a PT, está obrigado, em conformidade com o Despacho de 28 de maio de 2020, UL e VM (C‑709/18, EU:C:2020:411), a declarar‑se incompetente para examinar a acusação contra os outros arguidos, para lhes garantir o seu direito a um juiz imparcial, consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta. |
|
29 |
Este órgão jurisdicional salienta que as respostas que o Tribunal de Justiça dará às suas questões lhe permitirão, em substância, determinar se pode, ou mesmo se deve, aprovar ele próprio, como lhe é pedido por PT, o acordo sobre a sentença celebrado por este sem o consentimento dos outros arguidos. |
|
30 |
Nestas circunstâncias, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
|
|
31 |
Por carta de 5 de agosto de 2022, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da Cidade de Sófia, Bulgária) informou o Tribunal de Justiça de que, na sequência de uma alteração legislativa que entrou em vigor em 27 de julho de 2022, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial) foi dissolvido e que determinados processos penais instaurados neste último órgão jurisdicional, entre os quais o processo principal, lhe foram transferidos a partir desta data. |
Quanto à competência do Tribunal de Justiça
|
32 |
A título liminar, há que recordar que, cabe ao próprio Tribunal de Justiça examinar as condições em que o pedido lhe é submetido pelo juiz nacional, com vista a verificar a sua própria competência ou a admissibilidade do pedido que lhe é submetido (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 42, e de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 29). |
Quanto à aplicabilidade da Carta
|
33 |
O artigo 51.o, n.o 1, da Carta prevê que as suas disposições têm por destinatários os Estados‑Membros apenas quando estes apliquem o direito da União. O n.o 2 deste artigo 51.o precisa que as disposições da Carta não estendem, de modo algum, as competências da União Europeia tal como definidas nos Tratados. |
|
34 |
Estas disposições confirmam a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União se destinam a ser aplicados em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora dessas situações. Por conseguinte, no âmbito de um reenvio prejudicial ao abrigo do artigo 267.o do TFUE, o Tribunal de Justiça só pode interpretar o direito da União nos limites das competências que lhe são atribuídas (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.os 30 e 31 e jurisprudência referida). |
|
35 |
O conceito de «aplicação do direito da União», na aceção do artigo 51.o da Carta, pressupõe a existência de um nexo de ligação entre um ato de direito da União e a medida nacional em causa, que ultrapassa a mera proximidade das matérias em causa ou as incidências indiretas de uma matéria na outra (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de março de 2014, Siragusa, C‑206/13, EU:C:2014:126, n.o 24, e de 29 de julho de 2024, protectus, C‑185/23, EU:C:2024:657, n.o 42). |
|
36 |
O Tribunal de Justiça já concluiu pela inaplicabilidade dos direitos fundamentais da União a uma regulamentação nacional em razão de as disposições de direito da União relativas ao domínio em causa não imporem aos Estados‑Membros nenhuma obrigação específica relativamente à situação em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de março de 2014, Siragusa, C‑206/13, EU:C:2014:126, n.o 26, e de 10 de julho de 2014, Julián Hernández e o., C‑198/13, EU:C:2014:2055, n.o 35). |
|
37 |
É à luz destas considerações que há que determinar se, como sustenta o órgão jurisdicional de reenvio, a legislação búlgara que rege o acordo sobre a sentença aplica o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, e se, por conseguinte, o Tribunal de Justiça é competente para interpretar as disposições da Carta referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio. |
|
38 |
Em primeiro lugar, visto que este órgão jurisdicional considera que essa legislação nacional constitui uma aplicação do artigo 5.o da Decisão‑Quadro 2004/757, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, desta, e com o artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2008/841, lido em conjugação com o artigo 3.o desta, importa salientar que estas disposições de direito da União figuram nos atos adotados com fundamento no artigo 31.o, n.o 1, UE, cujas disposições foram reproduzidas no artigo 83.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TFUE. Esse artigo 4.o, n.o 1, e esse artigo 3.o contêm regras mínimas relativas às sanções aplicáveis às infrações penais nos domínios da criminalidade abrangidos pelos respetivos âmbitos de aplicação destas duas decisões‑quadro, designadamente, o tráfico de droga e a criminalidade organizada. |
|
39 |
Como o advogado‑geral salientou, em substância, nos n.os 32 e 33 das suas conclusões, a sua aplicação implica que os Estados‑Membros adotem medidas legislativas de direito penal substantivo, como o artigo 321.o e o artigo 354a, n.o 1, do NK. Em contrapartida, no domínio do direito penal processual, do qual fazem parte, em substância, as disposições de direito búlgaro relativas ao acordo sobre a sentença, designadamente, o artigo 384.o, n.o 3, e o artigo 384a do NPK, nenhum ato legislativo da União que tenha por objeto este tipo de acordo foi adotado com fundamento no artigo 31.o UE ou no artigo 82.o TFUE, o qual define a competência da União no domínio do direito penal processual. |
|
40 |
Daqui resulta que a relação entre as disposições de direito penal substantivo da União referidas no n.o 38 do presente acórdão e as disposições de direito processual penal búlgaro que regem o acordo sobre a sentença em causa no processo principal não ultrapassa a mera proximidade ou as incidências indiretas das primeiras nas segundas. Nestas condições, não pode ser estabelecido um nexo de ligação, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 35 do presente acórdão, entre estas disposições. |
|
41 |
Em segundo lugar, o artigo 5.o da Decisão‑Quadro 2004/757 e o artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2008/841, ambos sob a epígrafe «Circunstâncias especiais», limitam‑se a prever que os Estados‑Membros podem tomar as medidas necessárias para garantir que as penas previstas por estas decisões‑quadro possam ser reduzidas quando o autor da infração renuncia às suas atividades criminosas, nos domínios abrangidos pelas referidas decisões‑quadro, e fornece às autoridades administrativas ou judiciais informações que estas não poderiam obter de outra forma, ajudando‑as, nomeadamente, a identificar ou a incriminar os outros autores da infração ou a encontrar provas. Estas disposições de direito da União não especificam nem as modalidades nem as condições que regem a celebração de um acordo sobre a sentença e também não impõem aos Estados‑Membros que legislem neste domínio, contrariamente ao que requer a jurisprudência mencionada no n.o 36 do presente acórdão para que possa ser estabelecido um nexo de ligação entre as referidas disposições de direito da União e as que regem o acordo sobre a sentença em direito búlgaro. |
|
42 |
Resulta das considerações precedentes que as disposições do NPK relativas à celebração e à aprovação de um acordo sobre a sentença, em especial o artigo 384.o, n.o 3, e o artigo 384a do NPK, não constituem uma «apli[cação]», na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, das disposições das Decisões‑Quadro 2004/757 e 2008/841. |
|
43 |
Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não é competente para responder às questões submetidas, uma vez que têm por objeto o artigo 5.o da Decisão‑Quadro 2004/757, o artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2008/841, o artigo 47.o, primeiro e segundo parágrafos, e o artigo 52.o da Carta. |
Quanto à aplicabilidade do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE
|
44 |
Por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, os Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar aos particulares o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. Assim, compete aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de processos que permita assegurar uma fiscalização jurisdicional efetiva nos referidos domínios (Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 34, e de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 34 e jurisprudência referida). |
|
45 |
Quanto ao âmbito de aplicação ratione materiae do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, esta disposição visa os «domínios abrangidos pelo direito da União», independentemente da situação em que os Estados‑Membros apliquem este direito (Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 29, e de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 35 e jurisprudência referida). |
|
46 |
O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE é, nomeadamente, aplicável a todas as instâncias nacionais que sejam suscetíveis de decidir, como órgãos jurisdicionais, sobre questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União e abrangidas por domínios cobertos por este direito (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 40, e de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 36 e jurisprudência referida). |
|
47 |
É o caso do órgão jurisdicional de reenvio, o qual é chamado, no caso vertente, a pronunciar‑se sobre questões relacionadas com a interpretação e a aplicação das Decisões‑Quadro 2004/757 e 2008/841 que foram transpostas para a ordem jurídica búlgara por disposições do NK, pelo que este órgão jurisdicional deve satisfazer os requisitos de uma tutela jurisdicional efetiva decorrentes do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. |
|
48 |
Por conseguinte, o Tribunal de Justiça é competente para interpretar o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE no presente processo. |
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
|
49 |
Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional que atribui a uma formação de julgamento ad hoc, e não à formação encarregada do processo, a competência para decidir sobre um acordo sobre a sentença celebrado entre um arguido e o Ministério Público durante a fase judicial de um processo penal, quando os outros arguidos também são acusados em sede do mesmo processo. |
|
50 |
Embora a organização judiciária nos Estados‑Membros, nomeadamente o estabelecimento, a composição, as competências e o funcionamento dos órgãos jurisdicionais nacionais seja da competência desses Estados, no exercício desta competência estes não deixam de estar vinculados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União e, em especial, do artigo 19.o TUE (Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 44 e jurisprudência referida). |
|
51 |
O princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE constitui um princípio geral do direito da União que foi consagrado, nomeadamente, no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta. Esta última disposição deve, por conseguinte, ser tomada devidamente em conta para efeitos da interpretação desse artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 45 e jurisprudência referida). |
|
52 |
Além disso, em conformidade com o primeiro período do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, os direitos nela contidos têm o mesmo sentido e o mesmo alcance que os correspondentes direitos garantidos pela CEDH. Por força do segundo período desta disposição, este facto não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla. Segundo as Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH. O Tribunal de Justiça deve, assim, assegurar que a sua interpretação no presente processo garante um nível de proteção que não vá contra o garantido pelo artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, conforme interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 46 e jurisprudência referida). |
|
53 |
Todos os Estados‑Membros devem, em virtude do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, assegurar que as instâncias que, enquanto «órgãos jurisdicionais», na aceção do direito da União, são chamadas a pronunciar‑se sobre questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação deste direito e que fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União, satisfazem as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva, nomeadamente em matéria de independência (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o., C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, n.os 220 e 224, e de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 47). |
|
54 |
Mais, o Tribunal de Justiça já precisou que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, que impõe aos Estados‑Membros uma obrigação de resultado clara e precisa e que não está sujeita a nenhuma condição, nomeadamente no que respeita à independência e à imparcialidade dos órgãos jurisdicionais chamados a interpretar e a aplicar o direito da União, tem efeito direto que implica não aplicar qualquer disposição, jurisprudência ou prática nacional contrária a essas disposições do direito da União, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça [Acórdão de 5 de junho de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), C‑204/21, EU:C:2023:442, n.o 78 e jurisprudência referida]. |
|
55 |
Este requisito de independência comporta dois aspetos. O primeiro aspeto, de ordem externa, requer que a instância em causa exerça as suas funções com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a nenhuma entidade e sem receber ordens ou instruções de nenhuma proveniência, estando assim protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. O segundo aspeto, de ordem interna, está ligado ao conceito de «imparcialidade» e visa o igual distanciamento em relação às partes no litígio e aos respetivos interesses, tendo em conta o objeto deste. Este aspeto exige o respeito pela objetividade e a inexistência de qualquer interesse na resolução do litígio, que não seja a estrita aplicação da regra de direito (Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.os 50 e 51 e jurisprudência referida). |
|
56 |
No caso vertente, resulta do pedido de decisão prejudicial que o Ministério Público comunicou ao órgão jurisdicional de reenvio as suas dúvidas relativas à imparcialidade da formação de julgamento encarregada do processo principal para conduzir o processo em relação aos outros arguidos, se tivesse de aprovar o acordo sobre a sentença em relação a PT. |
|
57 |
Como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 66 das suas conclusões, quando, como no caso vertente, várias pessoas são acusadas da sua participação na mesma organização criminosa e uma delas, na fase judicial desse processo, celebra um acordo em que reconhece a sua culpa, a designação de uma formação de julgamento ad hoc para decidir sobre esse acordo constitui uma medida de administração da justiça que os Estados‑Membros podem prever para assegurar, ou mesmo reforçar, o respeito dos requisitos de independência e de imparcialidade da formação de julgamento que terá de julgar os arguidos que não admitiram a sua culpa, uma vez que são requisitos decorrentes do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. |
|
58 |
No seu Acórdão de 25 de novembro de 2021, Mucha c. Slovaquie (CE:ECHR:2021:1125JUD006370319, § 62 a 64 e 66), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem concluiu, deste modo, pela existência de uma violação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, no que respeita ao princípio da imparcialidade e ao princípio da presunção de inocência, numa situação em que a mesma formação de julgamento tinha decidido, num primeiro momento, sobre os acordos de confissão de culpa relativos a oito arguidos pela participação num grupo criminoso e, num segundo momento, sobre o mérito da acusação contra outro arguido pela participação no mesmo grupo criminoso, uma vez que as sentenças que aprovam estes acordos continham uma menção específica e individual em relação aos factos imputados a esta última e tinham, por conseguinte, violado o seu direito de ser presumida inocente até que a sua culpa tivesse sido legalmente provada. Este órgão jurisdicional concluiu daí que as dúvidas relativas à imparcialidade da referida formação de julgamento eram objetivamente justificadas. |
|
59 |
Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, no âmbito de um processo penal em que várias pessoas foram constituídas arguidas, a designação de uma formação de julgamento ad hoc para decidir sobre um acordo sobre a sentença é suscetível de violar o princípio da imediação do processo penal. |
|
60 |
Este princípio implica que os que têm a responsabilidade de decidir da culpa ou da inocência do acusado devem, em princípio, ouvir pessoalmente as testemunhas e avaliar a sua credibilidade, uma vez que um dos elementos importantes de um processo penal equitativo é a possibilidade de o acusado ser confrontado com as testemunhas na presença do juiz que profere a decisão final (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Gambino e Hyka, C‑38/18, EU:C:2019:628, n.os 42 e 43). |
|
61 |
No caso vertente, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 73 das suas conclusões, a designação de uma formação de julgamento ad hoc para decidir sobre um acordo sobre a sentença, como o que está em causa no processo principal, não é suscetível de violar o princípio da imediação do processo penal. Com efeito, o arguido que opta por reconhecer a sua culpa, de forma voluntária e com perfeito conhecimento dos factos que lhe são imputados, bem como dos efeitos jurídicos decorrentes desta escolha, renuncia, como resulta do artigo 381.o, n.o 6, do NPK, «ao processo de julgamento segundo o procedimento ordinário» e a determinados direitos que daí decorrem. |
|
62 |
Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição de direito nacional que atribui a uma formação de julgamento ad hoc, e não à formação encarregada do processo, a competência para decidir sobre um acordo sobre a sentença celebrado entre um arguido e o Ministério Público durante a fase judicial de um processo penal, quando os outros arguidos também são acusados em sede do mesmo processo. |
Quanto à segunda questão
Quanto à admissibilidade
|
63 |
A Comissão Europeia alega, nas suas observações escritas, que a fundamentação do pedido de decisão prejudicial relativa à segunda questão, uma vez que tem por objeto a interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, é «muito lacónica» e não satisfaz os requisitos decorrentes do artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. |
|
64 |
Em conformidade com jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro normativo e factual que este define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.o 61, e de 8 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Exame oficioso da detenção), C‑704/20 e C‑39/21, EU:C:2022:858, n.o 61]. |
|
65 |
Uma vez que o pedido de decisão prejudicial serve de fundamento ao processo de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.o TFUE, é indispensável que o órgão jurisdicional nacional explicite, nesse pedido, o quadro factual e regulamentar em que se inscreve o litígio no processo principal e forneça um mínimo de explicações sobre as razões da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação solicita e sobre o nexo que estabelece entre estas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe foi submetido. Estes requisitos cumulativos figuram expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo [v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2020, C.F. (Fiscalização tributária), C‑430/19, EU:C:2020:429, n.o 23 e jurisprudência referida]. |
|
66 |
No caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio expõe, de forma juridicamente bastante, as circunstâncias do processo principal e faz referência, de forma detalhada, às disposições nacionais aplicáveis. Indica também as razões pelas quais tem dúvidas quanto à compatibilidade, em especial, do artigo 384.o, n.o 3, do NPK com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. Com efeito, este órgão jurisdicional considera que o requisito de consentimento de todos os outros arguidos para a aprovação de um acordo sobre a sentença celebrado por um destes arguidos, durante a fase judicial de um processo penal instaurado contra várias pessoas, restringe «indevidamente» a «via de recurso» que, em seu entender, um tal acordo constitui para esse arguido, visto que, através da celebração e da aprovação desse acordo, o referido arguido «obtém o resultado final que procura, nomeadamente, ver‑se‑lhe aplicada uma sanção mais leve do que aquela que lhe seria aplicada se o processo tivesse sido tratado em sede de um processo ordinário». Ainda segundo esse órgão jurisdicional, uma tal restrição é suscetível de prejudicar «a equidade do processo». |
|
67 |
Daqui resulta que, contrariamente ao que alega a Comissão, quanto a esta questão, o pedido prejudicial de decisão cumpre os requisitos estabelecidos no artigo 94.o do Regulamento de Processo e, por conseguinte, é admissível, uma vez que tem por objeto a interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. |
Quanto ao mérito
|
68 |
Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional que, num processo penal instaurado contra vários arguidos pela sua participação na mesma organização criminosa, subordina a aprovação judicial de um acordo sobre a sentença, celebrado entre um dos arguidos e o Ministério Público durante a fase judicial desse processo, ao consentimento de todos os outros arguidos. |
|
69 |
Tal como refere o órgão jurisdicional de reenvio, no processo principal, um tal requisito «serve o interesse de alguns dos outros [arguidos] contra os quais PT poderia testemunhar na qualidade de testemunha após a aprovação do acordo que lhe diz respeito». Além do mais, este órgão jurisdicional precisou, em resposta a um pedido de esclarecimentos do Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 101.o, n.o 1, do seu Regulamento de Processo, que o tribunal competente para julgar os outros arguidos «está vinculado» pelo conteúdo do acordo sobre a sentença celebrado por um dos arguidos. |
|
70 |
Nesta perspetiva, o requisito de consentimento dos outros arguidos está abrangido pelo direito a um processo equitativo e pelos seus direitos de defesa. Ora, o respeito destes direitos constitui um dos elementos que fazem parte integrante do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, à semelhança do conceito de «processo equitativo», referido no artigo 6.o da CEDH [v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 203]. |
|
71 |
Este princípio fundamental do direito da União é violado se uma decisão judicial se fundar em factos e documentos de que as próprias partes, ou uma delas, não puderam tomar conhecimento e sobre os quais, portanto, não estavam em condições de tomar posição (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de março de 1961, Snupat/Alta Autoridade, 42/59 e 49/59, EU:C:1961:5, p. 156, e de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries, C‑175/21, EU:C:2022:895, n.o 63). Além disso, os princípios do processo equitativo impõem que, nos casos adequados, os interesses da defesa sejam ponderados com os das testemunhas ou das vítimas chamadas a depor (Acórdão de 29 de julho de 2019, Gambino e Hyka, C‑38/18, EU:C:2019:628, n.o 41). |
|
72 |
À luz do que precede, o princípio do respeito dos direitos de defesa não pode ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições de direito nacional como o artigo 384.o, n.o 3, do NPK, cujo objeto é garantir estes direitos aos arguidos que, não tendo reconhecido a sua culpa, devem ser julgados num processo penal posterior, tendo em conta não só as informações que lhes dizem respeito suscetíveis de figurar no acordo sobre a sentença celebrado pelo arguido que reconheceu a sua culpa, mas também as declarações que este possa prestar, enquanto testemunha, perante a formação de julgamento que terá de decidir sobre a responsabilidade penal dos outros arguidos. |
|
73 |
Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição de direito nacional que, num processo penal instaurado contra vários arguidos pela sua participação na mesma organização criminosa, subordina a aprovação judicial de um acordo sobre a sentença, celebrado entre um dos arguidos e o Ministério Público durante a fase judicial desse processo, ao consentimento de todos os outros arguidos. |
Quanto à terceira questão
|
74 |
Como resulta do n.o 42 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça não é competente para responder à terceira questão, uma vez que esta tem exclusivamente por objeto a interpretação do artigo 47.o da Carta. |
Quanto às despesas
|
75 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
|
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara: |
|
|
|
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: búlgaro.