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Dokument 62023CJ0368
Judgment of the Court (First Chamber) of 26 September 2024.#Haut Conseil du commissariat aux comptes v MO.#Request for a preliminary ruling from the formation restreinte du Haut Conseil du commissariat aux comptes.#Reference for a preliminary ruling – Article 267 TFEU – Definition of ‘court or tribunal’ – Criteria relating to the constitution and function of that body – Exercise of judicial or administrative functions – Public authority not subject to regulation and/or oversight of statutory auditors – Internal organisational arrangements – Power to initiate infringement proceedings – Power to impose penalties – Decision against which an action for annulment may be brought – No status as ‘third party’ in relation to the authority having adopted the decision under judicial review – Inadmissibility.#Case C-368/23.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 26 de setembro de 2024.
Haut Conseil du commissariat aux comptes contra MO.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela formação restrita do Haut Conseil du Commissariat aux Comptes.
Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE. — Conceito de “órgão jurisdicional” — Critérios estruturais e funcionais — Exercício de funções jurisdicionais ou administrativas — Autoridade pública independente reguladora e/ou supervisão dos revisores oficiais de contas — Modalidades de organização interna — Poder de instaurar processos oficiosamente — Poderes sancionatórios — Decisões suscetíveis de recurso jurisdicional — Falta de qualidade de “terceiro” relativamente à autoridade que adotou a decisão objeto de recurso jurisdicional — Inadmissibilidade.
Processo C-368/23.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 26 de setembro de 2024.
Haut Conseil du commissariat aux comptes contra MO.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela formação restrita do Haut Conseil du Commissariat aux Comptes.
Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE. — Conceito de “órgão jurisdicional” — Critérios estruturais e funcionais — Exercício de funções jurisdicionais ou administrativas — Autoridade pública independente reguladora e/ou supervisão dos revisores oficiais de contas — Modalidades de organização interna — Poder de instaurar processos oficiosamente — Poderes sancionatórios — Decisões suscetíveis de recurso jurisdicional — Falta de qualidade de “terceiro” relativamente à autoridade que adotou a decisão objeto de recurso jurisdicional — Inadmissibilidade.
Processo C-368/23.
Kohtulahendite kogumik – Üldkohus – jaotis „Teave avaldamata otsuste kohta“
Euroopa kohtulahendite tunnus (ECLI): ECLI:EU:C:2024:789
*A9* Formation restreinte du H3C, décision du 25/05/2023 (FR 2023-07 S)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
26 de setembro de 2024 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE. — Conceito de “órgão jurisdicional” — Critérios estruturais e funcionais — Exercício de funções jurisdicionais ou administrativas — Autoridade pública independente reguladora e/ou supervisão dos revisores oficiais de contas — Modalidades de organização interna — Poder de instaurar processos oficiosamente — Poderes sancionatórios — Decisões suscetíveis de recurso jurisdicional — Falta de qualidade de “terceiro” relativamente à autoridade que adotou a decisão objeto de recurso jurisdicional — Inadmissibilidade»
No processo C‑368/23 [Fautromb] ( i ),
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela formação restrita do Haut Conseil du commissariat aux comptes (França), por Decisão de 25 de maio de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de junho de 2023, no processo
Haut Conseil du commissariat aux comptes,
contra
MO,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),
composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, T. von Danwitz, A. Kumin e I. Ziemele, juízes,
advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,
secretário: S. Spyropoulos, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 9 de abril de 2024,
vistas as observações apresentadas:
— |
em representação de MO, por H. Carrasco, F. Molinié e M. Nguyen Chanh, avocats, |
— |
em representação do Governo Francês, por R. Bénard e M. Guiresse, na qualidade de agentes, |
— |
em representação do Governo Belga, por A. De Brouwer e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes, |
— |
em representação da Comissão Europeia, por O. Gariazzo, G. Goddin, M. Mataija e G. von Rintelen, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de junho de 2024,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 25.o da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36), conjugado com a Diretiva 2006/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2006, relativa à revisão legal das contas anuais e consolidadas, que altera as Diretivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do Conselho e que revoga a Diretiva 84/253/CEE do Conselho (JO 2006, L 157, p. 87), com a redação dada pela Diretiva 2014/56/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014 (JO 2014, L 158, p. 196) (a seguir «Diretiva 2006/43»), e com o Regulamento (UE) n.o 537/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo aos requisitos específicos para a revisão legal de contas das entidades de interesse público e que revoga a Decisão 2005/909/CE da Comissão (JO 2014, L 158, p. 77). |
2 |
O pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Haut Conseil du commissariat aux comptes (Conselho Superior dos Revisores Oficiais de Contas, França, a seguir «H3C») a MO, um revisor oficial de contas, a respeito do seu exercício conjunto da atividade de revisão oficial de contas e de certas atividades comerciais. |
Quadro jurídico
Direito da União
Diretiva 2006/43
3 |
O artigo 2.o, n.o 10, da Diretiva 2006/43 dispõe o seguinte: «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por: […]
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4 |
O artigo 30.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Sistemas de inspeção e de sanções», dispunha, no seu n.o 1: «Os Estados‑Membros devem assegurar a existência de sistemas eficazes de inspeção e de sanções com o objetivo de detetar, corrigir e prevenir uma execução inadequada da revisão legal das contas.» |
5 |
Nos termos do artigo 30.o‑A, n.o 1, dessa diretiva, com a epígrafe «Poderes sancionatórios»: «Os Estados‑Membros estabelecem que as autoridades competentes têm poderes para adotar e/ou aplicar, pelo menos, as seguintes medidas e sanções administrativas […]: […]» |
6 |
O artigo 32.o, n.os 1 e 4, da mesma diretiva dispunha: «1. Os Estados‑Membros criam um sistema eficaz de supervisão pública dos revisores oficiais de contas e das sociedades de revisores oficiais de contas com base nos princípios enunciados nos n.os 2 a 7 e designam uma autoridade competente responsável por essa supervisão. […] 4. A autoridade competente assume a responsabilidade final pela supervisão:
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Diretiva 2006/123
7 |
O artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123 tem a seguinte redação: «Os Estados‑Membros devem assegurar que os prestadores não estejam sujeitos a requisitos que os obriguem a exercer exclusivamente uma atividade específica ou que limitem o exercício conjunto ou em parceria de atividades diferentes. Todavia, podem estar sujeitos a requisitos deste tipo os seguintes prestadores:
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Direito francês
Código Comercial
8 |
O artigo L. 822‑10.o do code de commerce (Código Comercial), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código Comercial»), dispunha: «As funções de revisor oficial de contas são incompatíveis: […] 3 Com qualquer atividade comercial, quer seja exercida diretamente quer por interposta pessoa […]» |
9 |
O artigo L. 824‑1.o desse código dispunha, nomeadamente que qualquer incumprimento dos requisitos legais para o exercício da profissão de revisor oficial de contas constituía infração disciplinar. |
10 |
A formação restrita do H3C foi instituída pelo artigo L. 821‑2.o, II, desse código, ao abrigo do qual era competente para aplicar sanções de que fossem passíveis os revisores oficiais de contas por infrações disciplinares que cometessem. |
11 |
Na sua qualidade de membros do colégio do H3C, os membros da formação restrita do H3C estavam abrangidos pelas disposições da loi no 2017‑55 [Lei n.o 2017/55], de 20 de janeiro de 2017, que aprovara o Estatuto Geral das Autoridades Administrativas Independentes e das Autoridades Públicas Independentes (JORF de 21 de janeiro de 2017, texto n.o 2). Daí resultava nomeadamente que o seu mandato era irrevogável e que eles estavam sujeitos a regras deontológicas que previam diversas incompatibilidades e que os obrigavam a exercer as suas funções com dignidade, probidade e integridade, a pôr imediatamente termo a qualquer conflito de interesses e a não receber nem solicitar instruções de nenhuma autoridade no exercício das suas funções. |
12 |
O artigo L. 824‑13. do Código Comercial dispunha: «A decisão do [H3C] é publicada no seu sítio internet. Se for caso disso, deve ser igualmente tornada pública nas publicações, jornais ou suportes designados pelo [H3C], em formato de publicação proporcional à infração ou incumprimento e à sanção aplicada. As despesas são suportadas pelas pessoas sancionadas. […]» |
13 |
O artigo L. 824‑14.o do Código Comercial dispunha: «A pessoa sancionada ou o presidente do [H3C] após acordo do colégio [do H3C] pode interpor recurso de plena jurisdição para o Conseil d’État [Conselho de Estado em formação jurisdicional, França].» |
Código de Justiça Administrativa
14 |
O artigo L. 311‑4.o, do code de justice administrative [Código de Justiça Administrativa], com a redação dada pelo artigo 33 da loi n.o 2021‑1382, du 25 octobre 2021 [Lei n.o 2021‑1382, de 25 de outubro de 2021] (JORF de 26 de outubro de 2021, texto n.o 2), dispunha: «O Conseil d’État conhece, em primeira e última instância, dos recursos de plena jurisdição que lhe sejam atribuídos por força: […] 4.o Do artigo L. 824‑14 do Código Comercial; […]» |
Decreto n.o 2023‑1142
15 |
O Decreto n.o 2023‑1142, de 6 de dezembro de 2023, relativo à Publicação e à Certificação de Informações em matéria de Sustentabilidade e às Obrigações Ambientais, Sociais e de Governo das Sociedades Comerciais (JORF de 7 de dezembro de 2023, texto n.o 19), contém as disposições relativas à substituição do H3C pela Haute autorité de l’audit [Alta Autoridade de Auditoria (França)]. |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
16 |
MO está inscrito, desde 1967, no quadro da ordem dos contabilistas e na lista dos revisores oficiais de contas. |
17 |
MO detém, direta ou indiretamente, através da Fiducial International SA, 99,9 % do capital de Fiducial SC, de que é o gerente. Esta última sociedade é a sociedade‑mãe do grupo pluridisciplinar Fiducial, fundado por MO em 1970 e que propõe uma oferta global de serviços às empresas. |
18 |
No interior deste grupo, a Fidexpertise SA, uma sociedade fiduciária nacional de contabilidade em que MO detém, direta ou indiretamente, 98,69 % do capital, e da qual é igualmente o presidente do conselho de administração e o diretor‑geral, exerce, em conjunto com as suas filiais, a atividade de contabilidade. A Fidaudit SA, sociedade fiduciária nacional de revisão contabilística em que MO detém, direta ou indiretamente, 98 % do capital, e da qual é também o presidente de administração e o diretor geral, exerce, com as suas filiais, a atividade de revisão oficial de contas. |
19 |
Além disso, esse grupo oferece, em domínios como os da segurança, da venda de materiais e mobiliário de escritório, da prestação de serviços informáticos, da mediação imobiliária e da gestão de sociedades civis de investimento imobiliário ou ainda da banca, diversos outros serviços às empresas através de filiais da Fiducial SC. O mesmo grupo explora ainda uma estação de rádio de difusão nacional e meios de comunicação social regionais. |
20 |
Em 3 de janeiro de 2022, a presidente do H3C submeteu ao relator‑geral do H3C factos imputados a MO, suscetíveis de caracterizar o exercício de atividades comerciais incompatíveis com as funções de revisor oficial de contas. |
21 |
Na sequência de um inquérito conduzido pelo relator‑geral do H3C quanto ao cumprimento por MO das obrigações relativas ao exercício das funções de revisor oficial de contas, a formação do H3C que se pronuncia sobre os casos individuais decidiu, através de uma Decisão de 13 de outubro de 2022, instaurar um processo sancionatório contra MO. |
22 |
Nos termos da acusação deduzida por essa formação, era‑lhe imputada a violação, desde 3 de janeiro de 2016, do artigo L. 822‑10 do Código Comercial, ao exercer, direta ou indiretamente, através da Fiducial SC e da Fiducial International, atividades comerciais que não podiam ser qualificadas de «acessórias à profissão de contabilista» e, portanto, incompatíveis com as funções de revisor oficial de contas. |
23 |
Em 3 de janeiro de 2023, o relator‑geral do H3C transmitiu ao presidente da formação restrita do H3C uma cópia da notificação dessa acusação, acompanhada de uma cópia do relatório de inquérito e do processo de inquérito, tendo‑lhe depois enviado o seu relatório final em 19 de janeiro de 2023. |
24 |
Na sessão realizada em 13 de abril de 2023, o relator‑geral propôs que MO fosse excluído do registo de revisores oficiais de contas, que lhe fosse aplicada uma sanção pecuniária e que fosse ordenada a publicação da decisão num jornal económico ou financeiro a expensas do interessado. |
25 |
É no contexto destes processos disciplinares que a formação restrita do H3C considera necessário interrogar o Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 25.o da Diretiva 2006/123, conjugado com as disposições da Diretiva 2006/43 e do Regulamento n.o 537/2014. |
26 |
No seu pedido de decisão prejudicial, a formação restrita do H3C sublinha que tem a natureza de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE. |
27 |
A este respeito, refere que foi instituída pelo artigo L. 821‑2, II, do Código Comercial, nos termos do qual tinha competência para aplicar as sanções de que fossem passíveis, nomeadamente, os revisores de contas por infrações disciplinares e incumprimentos que cometessem. |
28 |
Na sua qualidade de membros do colégio da H3C, os membros que compõem a formação restrita do H3C têm um mandato irrevogável. Por outro lado, estão sujeitos a regras deontológicas que preveem diversas incompatibilidades, impondo‑lhes que exerçam as suas funções com dignidade, probidade e integridade, que ponham imediatamente termo a qualquer conflito de interesses e que não recebam nem solicitem instruções de nenhuma autoridade no exercício das suas atribuições. |
29 |
No que respeita ao processo sancionatório contra um revisor oficial de contas, o organismo de reenvio precisa que não pode conhecer oficiosamente do processo, que só pode ser iniciado por iniciativa do relator‑geral do H3C. Este último está encarregado de proceder a um inquérito no termo do qual, ouvido o interessado, envia um relatório ao H3C. O coletivo do H3C delibera sem a presença dos membros do organismo de reenvio e deduz, se for caso disso, as acusações que são notificadas pelo relator‑geral ao interessado, as quais são submetidas à formação restrita do H3C. |
30 |
Ouvido o interessado em audiência pública, com a possibilidade, sendo caso disso, de requerer a remoção de um dos membros dessa formação restrita, esta delibera sem a presença dessa pessoa e do relator‑geral do H3C, proferindo então decisão fundamentada. |
31 |
Neste contexto, a formação restrita do H3C pode, nomeadamente, aplicar sanções. |
32 |
As decisões da formação restrita do H3C podem ser impugnadas pela pessoa sancionada ou pelo presidente do H3C, após acordo do coletivo do H3C, no âmbito de um recurso de plena jurisdição no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França). |
33 |
Nestas condições, a formação restrita do H3C suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial
34 |
Nas suas observações escritas, o Governo Francês sustenta que a formação restrita do H3C não é um «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE. Em particular, alega que a decisão que é chamado a proferir não será uma decisão de caráter jurisdicional. Além disso, segundo este governo, o H3C acumula funções regulamentares, de supervisão setorial e sancionatórias, que pode exercer oficiosamente, o que confirma o caráter administrativo das suas funções. Tal conclusão não é posta em causa pelas modalidades de organização interna do H3C, impostas, nomeadamente, pelas exigências constitucionais francesas. |
35 |
Segundo jurisprudência constante, para determinar se o organismo de reenvio tem a natureza de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE, questão que é unicamente do âmbito do direito da União, o Tribunal de Justiça toma em consideração um conjunto de elementos, como a origem legal do organismo, a sua permanência, o caráter vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, pelo organismo, das normas jurídicas, bem como a sua independência (Acórdão de 3 de maio de 2022, CityRail, C‑453/20, EU:C:2022:341, n.o 41 e jurisprudência referida). |
36 |
Resulta ainda de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que os órgãos jurisdicionais nacionais só podem recorrer ao Tribunal de Justiça se neles estiver pendente um litígio e se forem chamados a pronunciar‑se no âmbito de um processo destinado a conduzir a uma decisão de caráter jurisdicional (Acórdão de 3 de maio de 2022, CityRail, C‑453/20, EU:C:2022:341, n.o 42 e jurisprudência referida). |
37 |
Há que determinar, assim, a competência de um organismo para recorrer ao Tribunal de Justiça segundo critérios tanto estruturais como funcionais. A este respeito, um organismo nacional pode ser qualificado de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE quando exerça funções jurisdicionais, ao passo que, no exercício de outras funções, designadamente de natureza administrativa, não lhe pode ser reconhecida essa qualificação (Acórdão de 3 de maio de 2022, CityRail, C‑453/20, EU:C:2022:341, n.o 43 e jurisprudência referida). |
38 |
Daqui resulta que, para determinar se um organismo nacional, ao qual a lei confia funções de natureza diferente, deve ser qualificado de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE, é necessário verificar qual a natureza específica das funções que exerce no contexto normativo particular em que tem de recorrer ao Tribunal de Justiça (Acórdão de 3 de maio de 2022, CityRail, C‑453/20, EU:C:2022:341, n.o 44 e jurisprudência referida). |
39 |
O Tribunal de Justiça especificou ainda que essa verificação reveste especial importância na presença de autoridades administrativas cuja independência seja uma consequência direta das exigências que decorrem do direito da União que lhes confere competências de controlo setorial e de vigilância dos mercados. Embora essas autoridades possam corresponder aos critérios recordados no n.o 35 do presente acórdão, a atividade de controlo setorial e de vigilância dos mercados é, essencialmente, de natureza administrativa, uma vez que implica o exercício de competências alheias às atribuídas aos órgãos jurisdicionais (Acórdão de 3 de maio de 2022, CityRail, C‑453/20, EU:C:2022:341, n.o 45). |
40 |
Assim, um organismo nacional, mesmo que a sua origem legal, o seu caráter permanente, a natureza contraditória do seu processo, a sua aplicação de normas jurídicas e a sua independência não suscitem dúvidas, só pode submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça se, no âmbito do processo nele pendente, exercer funções de natureza jurisdicional (v., neste sentido, Acórdão de 3 de maio de 2022, CityRail, C‑453/20, EU:C:2022:341, n.o 46). |
41 |
Além disso, constituem indícios de que o organismo em causa não exerce funções jurisdicionais, mas sim administrativas, o poder de instaurar processos oficiosamente, bem como o de aplicar, igualmente oficiosamente, sanções nas matérias da sua competência (Acórdão de 3 de maio de 2022, CityRail, C‑453/20, EU:C:2022:341, n.o 48). |
42 |
Para a apreciação da natureza das funções de um organismo, há que ter também em conta o seu papel e o seu lugar no ordenamento jurídico nacional. Deve, pois, ser qualificada de «administrativa» a atividade dos organismos que não têm por missão fiscalizar a legalidade de uma decisão, mas sim tomar posição, pela primeira vez, sobre alegações e de cujas decisões caiba recurso jurisdicional (v., neste sentido, Acórdão de 3 de maio de 2022, CityRail, C‑453/20, EU:C:2022:341, n.os 50 e 51 e jurisprudência referida). |
43 |
O Tribunal de Justiça recordou igualmente que o conceito de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, só pode, pela sua própria natureza, designar uma autoridade que tenha a qualidade de terceiro em relação àquela que adotou a decisão objeto de recurso (Acórdão de 3 de maio de 2022, CityRail, C‑453/20, EU:C:2022:341, n.o 52 e jurisprudência referida). |
44 |
Por último, o Tribunal de Justiça considerou que uma decisão se assemelha a uma decisão de tipo administrativo quando não é suscetível de ser revestida dos atributos de uma decisão jurisdicional, nomeadamente fazer caso julgado (v., neste sentido, Acórdão de 16 de setembro de 2020, Anesco e o., C‑462/19, EU:C:2020:715, n.o 48 e jurisprudência referida). |
45 |
No caso, em face do exposto, há que examinar a natureza e a função do H3C no sistema de supervisão pública dos revisores oficiais de contas, previsto na Diretiva 2006/43. |
46 |
Refira‑se, a este respeito, que o artigo 32.o, n.o 1, dessa diretiva exige que os Estados‑Membros estabeleçam um sistema eficaz de supervisão pública dos revisores oficiais de contas e das sociedades de revisores oficiais de contas e designem uma autoridade competente responsável por essa supervisão. |
47 |
Nos termos do artigo 32.o, n.o 4, da referida diretiva, essa autoridade assume a responsabilidade final pela supervisão do reconhecimento e registo dos revisores oficiais de contas e das sociedades de revisores oficiais de contas, pela adoção de normas em matéria de deontologia e controlo interno da qualidade das sociedades de revisores oficiais de contas e das atividades de auditoria, da formação contínua, dos sistemas de garantia de qualidade e dos sistemas de investigação e sistemas administrativos disciplinares. |
48 |
A supervisão pública é exercida pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros, definidas no artigo 2.o, ponto 10, da Diretiva 2006/43, como as autoridades ou os organismos designados por lei para regular e/ou supervisionar os revisores oficiais de contas e as sociedades de revisores oficiais de contas. |
49 |
Refira‑se ainda que, nos termos do artigo 30.o, n.o 1, dessa diretiva, os Estados‑Membros devem assegurar a existência de sistemas eficazes de investigação e sanções para detetar, corrigir e prevenir a realização inadequada da revisão legal de contas e que, nos termos do artigo 30.o‑A, n.o 1, dessa diretiva, os Estados‑Membros determinarão que as autoridades competentes tenham poderes para tomar e/ou aplicar, pelo menos, as medidas e sanções administrativas nele enumeradas. |
50 |
Tendo em conta as competências de supervisão e de sanção que lhe incumbem por força do direito da União, uma autoridade competente designada por um Estado‑Membro, nomeadamente nos termos do artigo 32.o, n.o 1, da Diretiva 2006/43, exerce, em princípio, funções de natureza administrativa. |
51 |
Contudo, não obstante o caráter administrativo que têm, em princípio, as funções dessa autoridade, há que determinar, como resulta da jurisprudência exposta no n.o 38 do presente acórdão, se esta deve ser considerada, no contexto específico das funções que exerce no âmbito do processo principal, um «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE. |
52 |
A este respeito, antes de mais, como refere o advogado‑geral no n.o 42 das suas conclusões, o H3C tem a possibilidade de decidir oficiosamente. Resulta, aliás, da decisão de reenvio que, no processo principal, o processo disciplinar foi instaurado sem que tivesse sido previamente apresentada uma denúncia ao H3C. |
53 |
Refira‑se, em seguida, que, como resulta do artigo L. 824‑14.o do Código Comercial, a decisão de sanção no âmbito de um processo disciplinar como o que está em causa no processo principal pode ser objeto de recurso contencioso para o Conseil d’État. |
54 |
A este respeito, há que observar que, quando esse recurso é exercido, o H3C tem o estatuto de parte demandada. Ora, essa participação do H3C num procedimento de recurso, que põe em causa a sua própria decisão, constitui um indício de que, quando a adota, o H3C não tem a qualidade de terceiro, na aceção lembrada no n.o 43 do presente acórdão. |
55 |
Por último, como salienta o Governo Francês nas suas observações escritas, o Conseil d’État decide, em primeira e última instância, nos recursos de plena jurisdição contra essa decisão sancionatória, de acordo com o artigo L. 311‑4.o do Código de Justiça Administrativa e com o artigo L. 824‑14 do Código Comercial. Resulta das informações de que dispõe o Tribunal de Justiça que, no direito francês, isso implica que não se considere que essa decisão sancionatória faz caso julgado. |
56 |
É certo que, como alegou MO, no âmbito do presente reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se por uma formação específica do H3C, a saber, a sua formação restrita. A este respeito, MO alega, em substância, que há que dissociar a ação desta última e a do H3C tanto no que respeita à iniciativa dos processos como no que respeita ao estatuto dessa formação restrita no Conseil d’État no âmbito dos recursos que lhe são submetidos. |
57 |
Todavia, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 43 das suas conclusões, o H3C deve ser considerado, no âmbito dos processos que deram origem ao presente pedido de decisão prejudicial, uma autoridade supervisora tomada no seu conjunto, ainda que atue através de diferentes unidades da sua estrutura orgânica. |
58 |
Com efeito, há que observar, a este respeito, que a Diretiva 2006/43 apenas faz referência às «autoridades competentes», sem estabelecer distinção entre essas autoridades e as suas diferentes componentes. Por conseguinte, o facto de, na definição das modalidades de organização dessa autoridade, um Estado‑Membro ter decidido instituir um procedimento interno que implica a intervenção sucessiva de vários componentes dessa autoridade, a fim de separar as funções de investigação e de instrução da aplicação da sanção, não pode levar a considerar que a decisão tomada pela referida autoridade, nos termos desse procedimento interno, não tem caráter administrativo. |
59 |
Em particular, não se pode deduzir daí que a organização interna do H3C permite considerar que a sua formação restrita tem a qualidade de «terceiro» face ao próprio H3C, na aceção recordada no n.o 43 do presente acórdão. |
60 |
Por outro lado, como refere o Governo Francês nas suas observações escritas, resulta do direito nacional aplicável que o artigo L.824‑13.o do Código Comercial se refere expressamente à decisão da formação restrita do H3C em matéria disciplinar como uma «decisão do [H3C]» e não uma decisão dessa formação. |
61 |
Em face destas considerações, há que considerar que a formação restrita do H3C exerce, no contexto normativo particular em que é chamado a recorrer ao Tribunal de Justiça, funções de natureza não jurisdicional, mas sim administrativa. Não pode, portanto, ser considerada um «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, pelo que o pedido de decisão prejudicial que apresentou é inadmissível. |
Quanto às despesas
62 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o organismo de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara: |
O pedido de decisão prejudicial apresentado pela formação restrita do Haut Conseil du commissariat aux comptes (França), por Decisão de 25 de maio de 2023, é inadmissível. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: francês.
( i ) O nome do presente processo é um nome fictício. Não corresponde ao nome verdadeiro de nenhuma das partes no processo.