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Document 62022CJ0555
Judgment of the Court (Second Chamber) of 19 September 2024.#United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland and Others v European Commission.#Appeal – State aid – Aid scheme implemented by the United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland in favour of certain multinational groups – Taxation of the non-trading finance profits of controlled foreign companies (CFCs) – Exemptions – Significant people functions – Artificial diversion of profits – Erosion of the tax base – Decision declaring the aid scheme incompatible with the internal market and ordering the recovery of the aid paid – Reference framework – Applicable national law – ‘Normal’ taxation.#Joined Cases C-555/22 P, C-556/22 P and C-564/22 P.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 19 de setembro de 2024.
Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e o. contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Regime de auxílios aplicado pelo Reino Unido em favor de certos grupos multinacionais — Tributação dos lucros financeiros não comerciais das sociedades estrangeiras controladas (SEC) — Isenções — Funções humanas significativas — Desvio artificial de fundos — Erosão da base tributável — Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado interno e que ordena a recuperação dos auxílios pagos — Quadro de referência — Direito nacional aplicável — Tributação dita “normal”.
Processos apensos C-555/22 P, C-556/22 P e C-564/22 P.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 19 de setembro de 2024.
Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e o. contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Regime de auxílios aplicado pelo Reino Unido em favor de certos grupos multinacionais — Tributação dos lucros financeiros não comerciais das sociedades estrangeiras controladas (SEC) — Isenções — Funções humanas significativas — Desvio artificial de fundos — Erosão da base tributável — Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado interno e que ordena a recuperação dos auxílios pagos — Quadro de referência — Direito nacional aplicável — Tributação dita “normal”.
Processos apensos C-555/22 P, C-556/22 P e C-564/22 P.
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:763
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
19 de setembro de 2024 ( *1 )
«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Regime de auxílios aplicado pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte em favor de certos grupos multinacionais — Tributação dos lucros financeiros não comerciais das sociedades estrangeiras controladas (SEC) — Isenções — Funções humanas significativas — Desvio artificial de lucros — Erosão da base tributável — Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado interno e que ordena a recuperação dos auxílios pagos — Quadro de referência — Direito nacional aplicável — Tributação dita “normal”»
Nos processos apensos C‑555/22 P, C‑556/22 P e C‑564/22 P,
que têm por objeto três recursos de um acórdão nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos respetivamente em 16 de agosto, 17 de agosto e 25 de agosto de 2022,
Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por L. Baxter, em seguida, por L. Baxter e S. Fuller, em seguida, por R. Fadoju e S. Fuller, e, por último, por S. Fuller, na qualidade de agentes, assistidos por P. Baker, KC, e T. Johnston, barrister,
recorrente e recorrente em primeira instância (C‑555/22 P),
interveniente em primeira instância (C‑556/22 P e C‑564/22 P),
ITV plc, com sede em Londres (Reino Unido), representada por K. Beal, KC, J. Lesar, solicitor,
recorrente (C‑556/22 P),
recorrente em primeira instância (C‑556/22 P e C‑564/22 P),
e
LSEGH (Luxembourg) Ltd, com sede em Londres,
London Stock Exchange Group Holdings (Italy) Ltd, com sede em Londres,
representadas por O. W. Brouwer, A. Pliego Selie, advocaaten, e A. von Bonin, Rechtsanwalt,
recorrentes (C‑564/22 P)
intervenientes em primeira instância (C‑556/22 P e C‑564/22 P),
sendo a outra parte no processo:
Comissão Europeia, representada por M. Farley, L. Flynn, e B. Stromsky, na qualidade de agentes,
recorrida em primeira instância (C‑555/22 P, C‑556/22 P e C‑564/22 P),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),
composto por: A. Prechal, presidente de secção, F. Biltgen, N. Wahl (relator), D. Gratsias e M. L. Arastey Sahún, juízes,
advogado‑geral: L. Medina,
secretário: R. Stefanova‑Kamisheva, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 10 de janeiro de 2024,
ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 11 de abril de 2024,
profere o presente
Acórdão
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1 |
Com os respetivos recursos, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (C‑555/22 P), a ITV plc (C‑556/22 P), a LSEGH (Luxembourg) Ltd e a London Stock Exchange Group Holdings (Italy) Ltd (a seguir, conjuntamente, «LSEGH») (C‑564/22 P) pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 8 de junho de 2022, Reino Unido e ITV/Comissão (T‑363/19 e T‑456/19, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2022:349), por meio do qual este negou provimento aos recursos do Reino Unido e da ITV, apoiada pela LSEGH, de anulação da Decisão (UE) 2019/1352 da Comissão, de 2 de abril de 2019, relativa ao auxílio estatal SA.44896 concedido pelo Reino Unido no que diz respeito à isenção sobre o financiamento dos grupos no âmbito das sociedades estrangeiras controladas (SEC) (JO 2019, L 216, p. 1, a seguir «decisão controvertida»). |
Direito do Reino Unido
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2 |
No Reino Unido, as regras fiscais relativas às sociedades estrangeiras controladas (SEC) estão enunciadas na parte 9 A da Taxation (International and Other Provisions) Act 2010 [Lei de 2010 sobre a Fiscalidade (Disposições Internacionais e outras Disposições), a seguir «TIOPA»]. |
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3 |
As disposições relevantes da parte 9 A da TIOPA são as seguintes: «[…] Capítulo 1 Panorâmica 371AA Panorâmica da parte [9 A da TIOPA]
[…]
Capítulo 2 O encargo SEC 371BA Introdução ao encargo SEC
[…] 371BB Alcance do encargo SEC
Etapa 1 Em conformidade com o capítulo 3, determine se (e, em caso afirmativo, em que casos) os capítulos 4 a 8 se aplicam ao exercício contabilístico. Se nenhum destes capítulos for aplicável, nenhum dos lucros totais estimados da SEC é abrangido pelo encargo SEC e não se deve prosseguir para a etapa 2. Etapa 2 Determine em que medida os lucros totais estimados da SEC são abrangidos por um dos capítulos aplicáveis ao exercício contabilístico […]
[…] 371BC Aplicação do encargo SEC […] (3) […] “a taxa adequada” […] significa [:] […]
[…] Capítulo 3 Alcance do encargo SEC: determinar se (e, em caso afirmativo, em que caso) os capítulos 4 a 8 se aplicam […] 371CB O capítulo 5 é aplicável?
[…]
[…] Capítulo 4 Alcance do encargo SEC: lucros que podem ser atribuídos a atividades no Reino Unido 371DA Introdução ao capítulo 4
[…] 371DB As etapas (1) As [oito] etapas referidas no artigo 371DA, n.o 1, são as seguintes. As etapas devem ser seguidas de acordo com os princípios estabelecidos no Relatório da OCDE (desde que este seja relevante). Etapa 1 Identifique os ativos que a SEC detém ou tenha detido, e os riscos que a SEC suporta ou tenha suportado, e dos quais resultam os montantes incluídos nos lucros totais estimados da SEC. Os ativos e os riscos [assim] identificados são designados por “ativos e riscos relevantes” Etapa 2 […] Etapa 3 Identifique as FHS asseguradas pelo grupo a que pertence a SEC que sejam relevantes para[:]
Para o efeito, deve presumir que o grupo a que pertence a SEC é uma sociedade única. Etapa 4 Determine em que medida as FHS identificadas na etapa 3 são FHS do RU e em que medida são FHS fora do RU. Se nenhuma das FHS for, seja em que medida, uma FHS do RU, nenhum lucro é abrangido por este capítulo e não há que prosseguir com as restantes etapas. Etapa 5 Deve presumir que as FHS do RU, determinadas na etapa 4, são asseguradas por um estabelecimento estável que a SEC tem no Reino Unido e, por conseguinte, determinar em que medida os ativos e riscos incluídos nos ativos e riscos relevantes seriam atribuídos ao estabelecimento estável. […] […] Etapa 7 Determine novamente os lucros totais estimados da SEC partindo do princípio de que a SEC [:]
na medida em que estes sejam afetos ao estabelecimento estável referido na etapa 5. Os “lucros provisórios do capítulo 4” são os lucros totais estimados da SEC, desde que excluídos da nova determinação dos lucros. Etapa 8 Exclua dos lucros provisórios do capítulo 4 os montantes que devem ser excluídos por força dos artigos 371DD, 371DE ou 371DF. Os restantes lucros (se existirem) são abrangidos pelo presente capítulo. […] Capítulo 5 Alcance do encargo SEC: lucros financeiros não comerciais 371E A regra básica
371EB Atividades no Reino Unido
371EC Investimentos de capital a partir do Reino Unido
[…] Capítulo 9 Isenções para lucros provenientes de empréstimos elegíveis 371I A regra básica
[…] 371IG O que é um “empréstimo elegível"?
(a) cujo devedor final seja uma sociedade elegível […] […] […] (8) No presente capítulo, “sociedade elegível” significa uma sociedade que[:] (a) está associada à SCE, e
371IH Exclusões da definição de “empréstimos elegíveis” […]
[…]» |
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4 |
A parte 2 da TIOPA é consagrada a evitar a dupla tributação, tal como resulta do seu título. |
Antecedentes do litígio
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5 |
Para efeitos do presente processo, os antecedentes do litígio, apresentados nos n.os 1 a 28 do acórdão recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo. |
Sobre o grupo ITV
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6 |
A ITV, residente fiscal no Reino Unido, é a sociedade holding que lidera o grupo homónimo, ativo na criação, na produção e na distribuição de conteúdos audiovisuais por intermédio de diversas plataformas ao nível mundial, incluindo, nomeadamente, as SEC. |
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7 |
Ao longo de vários exercícios contabilísticos, que vão, pelo menos, até ao de 2016, os lucros imputados à ITV resultantes dos juros sobre certos empréstimos concedidos pelas SEC, controladas por esta sociedade, foram objeto de um pedido de isenção ao abrigo do capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA (a seguir «capitulo 9»). |
Sobre as regras fiscais nacionais apresentadas pelo Tribunal Geral
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8 |
O Tribunal Geral resumiu as regras fiscais nacionais nos seguintes termos:
[…]
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9 |
A este respeito, o Tribunal Geral precisou, no n.o 8, último período, do acórdão recorrido que, «[p]or força do artigo 371IG [do capítulo 9], os empréstimos elegíveis são, em substância, empréstimos intragrupo concedidos pela SEC a outros membros do grupo multinacional não residentes no Reino Unido». Esta definição deve ser lida à luz do n.o 145 desse acórdão, no qual o Tribunal Geral precisou que, por força do artigo 371IH do capítulo 9, estão excluídos da definição de empréstimos elegíveis, nomeadamente, os empréstimos concedidos a uma sociedade estabelecida no Reino Unido ou a um estabelecimento estável de uma sociedade não residente nesse Estado. |
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10 |
Além disso, no n.o 9 do referido acórdão, o Tribunal Geral indicou que o capítulo 9 prevê os seguintes três tipos de isenções (a seguir «isenções em causa»):
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Quanto à decisão controvertida
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11 |
Na decisão controvertida, adotada no termo do procedimento formal de investigação, ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, a Comissão Europeia considerou que o regime resultante das isenções em causa (a seguir «regime controvertido») constituía um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, uma vez que se aplicava a lucros financeiros não comerciais decorrentes de empréstimos elegíveis, os quais estavam abrangidos pelo artigo 371EB do capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA (a seguir «capítulo 5»). Concretamente, a Comissão considerou que as isenções em causa constituíam um regime de auxílios, na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), que esse regime era incompatível com o mercado interno e que tinha sido ilegalmente implementado pelo Reino Unido, em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE (artigo 1.o da decisão controvertida). |
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12 |
Todavia, a Comissão considerou que o regime controvertido não constituía um auxílio quando se aplicava a lucros financeiros não comerciais decorrentes de empréstimos elegíveis que preenchiam o critério resultante do artigo 371EC do capítulo 5, baseado nos capitais relacionados com o Reino Unido (a seguir «critério dos capitais relacionados com o Reino Unido»), e que não preenchiam o critério resultante do artigo 371EB deste capítulo, baseado no facto de as FHS relevantes terem sido asseguradas no Reino Unido (a seguir «critério das FHS no Reino Unido»). |
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13 |
Para chegar às conclusões expostas nos n.os 11 e 12 do presente acórdão, a Comissão analisou as condições que devem ser preenchidas para qualificar as isenções em causa de auxílios de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. |
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14 |
Após ter constatado que as isenções em causa constituíam medidas imputáveis ao Reino Unido e financiadas através de recursos desse Estado, que eram suscetíveis de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e que falsearam ou ameaçaram falsear a concorrência, a Comissão concentrou‑se na existência de uma vantagem seletiva. |
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15 |
A Comissão salientou também que as isenções em causa conferiam uma vantagem económica, uma vez que permitiam a uma sociedade estabelecida no Reino Unido e que controla uma SEC, que teria, de outro modo, sido sujeita a um encargo SEC por força do capítulo 5, pedir, ao abrigo da parte 9 A da TIOPA, que esse encargo fosse unicamente tributado sobre 25 % dos lucros financeiros não comerciais dessa SEC, desde que provenientes de empréstimos elegíveis, de modo que 75 % desses lucros estariam isentos do referido encargo. Em determinadas condições, uma percentagem ainda mais reduzida poderia ser aplicável ao referido encargo, podendo levar a isenção a abranger 100 % dos lucros da SEC em causa. |
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16 |
No que respeita à natureza seletiva das isenções em causa, a Comissão considerou que o quadro de referência era constituído pelas regras aplicáveis às SEC, enunciadas na parte 9 A da TIOPA, e que essas isenções constituíam uma derrogação a esse quadro. |
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17 |
Nesse contexto, a Comissão sustentou que o facto de uma entidade tributável, que controla uma SEC, que obtém lucros financeiros não comerciais decorrentes de empréstimos elegíveis era comparável com a situação de uma entidade tributável, que controla uma SEC, que obtém outros lucros financeiros não comerciais, especialmente no âmbito de empréstimos concedidos por essa SEC a sociedades coligadas residentes no Reino Unido, denominados «empréstimos a montante», e de empréstimos concedidos pela referida SEC a terceiros, designados como «empréstimos fictícios». |
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18 |
A Comissão recordou que uma medida derrogatória do quadro de referência podia ser, porém, justificada pela natureza ou pela sistemática geral deste quadro e que incumbia ao Estado‑Membro em causa provar essa justificação. O Reino Unido alegou, por um lado, que as isenções em causa se destinavam a garantir que o sistema fosse gerível e administrável. Por outro lado, alegou que as isenções asseguravam o exercício da liberdade de estabelecimento na União Europeia. |
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19 |
A esse respeito, a Comissão admitiu que, desde que o regime controvertido abrangesse situações constantes do âmbito de aplicação do capítulo 5, por força do critério dos capitais relacionados com o Reino Unido, podia considerar‑se que este regime se destinava a assegurar a gestão administrativa das regras aplicáveis às SEC. |
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20 |
Em contrapartida, a Comissão não admitiu que este regime, uma vez que era aplicável a situações que preenchiam o critério das FHS no Reino Unido, pudesse ser justificado pela necessidade de estabelecer regras antievasão administráveis e geríveis ou pela necessidade de respeitar as liberdades consagradas nos Tratados. |
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21 |
Por outro lado, precisou que, na sequência das alterações introduzidas às regras aplicáveis às SEC, no âmbito da transposição da Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de julho de 2016, que estabelece regras contra as práticas de elisão fiscal que tenham incidência direta no funcionamento do mercado interno (JO 2016, L 193, p. 1), a partir de 1 de janeiro de 2019, e segundo as quais já não era possível apresentar um pedido para obter as isenções em causa no que respeita aos lucros que preenchiam o critério das FHS no Reino Unido, o regime controvertido se tinha tornado conforme com as regras relativas aos auxílios de Estado. |
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22 |
Quanto à compatibilidade do regime controvertido com o mercado interno, a Comissão afirmou, em substância, que os auxílios concedidos no âmbito do regime controvertido não facilitavam o desenvolvimento de certas atividades ou de certas regiões económicas, pelo que não eram abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE. |
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23 |
Por último, na ausência de uma violação dos princípios fundamentais do direito da União, a Comissão ordenou a recuperação, junto dos seus beneficiários, dos auxílios concedidos no âmbito da aplicação do regime controvertido. |
Recursos no Tribunal Geral e acórdão recorrido
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24 |
Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de junho de 2019, o Reino Unido interpôs o recurso, no processo T‑363/19, de anulação da decisão controvertida. |
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25 |
Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de julho de 2019, a ITV interpôs o recurso, no processo T‑456/19, de anulação dessa decisão. |
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26 |
Por Decisão de 29 de janeiro de 2020, o Reino Unido foi admitido a intervir no processo T‑456/19 em apoio dos pedidos da ITV. |
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27 |
Por Despacho de 24 de novembro de 2020, ITV/Comissão (T‑456/19, EU:T:2020:640), o Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção da LSEGH no processo T‑456/19 em apoio dos pedidos da ITV. |
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28 |
Por Decisão de 21 de julho de 2021, os processos T‑363/19 e T‑456/19 foram apensos para efeitos da fase oral. |
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29 |
No acórdão recorrido, o Tribunal Geral, após ter apensado os processos T‑363/19 e T‑456/19 para efeitos do mesmo, negou provimento aos recursos. |
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30 |
Para esse efeito, o Tribunal Geral examinou, nomeadamente, o requisito relativo à existência de uma vantagem seletiva, aplicando a análise em três etapas, exigido em conformidade com o Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.os 57 e 58), referido no n.o 61 do acórdão recorrido, que consiste, antes de mais, em identificar o quadro de referência; em seguida, em verificar se o regime controvertido derrogava esse quadro, à luz do objetivo prosseguido por este último, e, por fim, em determinar se o Estado‑Membro em causa tinha demonstrado que a diferenciação introduzida por esse regime era justificada, uma vez que resultava da natureza ou da sistemática do quadro em que esse regime se inseria. Seguindo, nos n.os 63 a 203 do acórdão recorrido, estas três etapas, o Tribunal Geral confirmou as constatações que figuram na decisão controvertida quanto a essa condição. |
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31 |
Em especial, no âmbito da primeira etapa, referida no número anterior do presente acórdão, o Tribunal Geral julgou improcedentes os fundamentos pelos quais o Reino Unido e a ITV alegaram que a Comissão cometera um erro manifesto de apreciação ao concluir que o quadro de referência não era constituído pelo sistema geral do imposto sobre as sociedades no Reino Unido (a seguir «SGIS»), mas apenas pelas regras aplicáveis às SEC. |
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32 |
A este respeito, em primeiro lugar, por um lado, o Tribunal Geral declarou que o SGIS se baseava no princípio da territorialidade, por força do qual apenas são tributados os lucros obtidos no Reino Unido. Por outro lado, salientou que as regras aplicáveis às SEC visavam que os lucros obtidos por uma SEC que, por força deste princípio, não seriam normalmente tributados no Reino Unido, pudessem, no entanto, sê‑lo quando fossem considerados artificialmente desviados do Reino Unido. O Tribunal Geral concluiu daí que as regras aplicáveis às SEC eram dissociáveis do SGIS (n.os 77, 78 e 80 a 83 do acórdão recorrido). |
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33 |
Em segundo lugar, o Tribunal Geral considerou que as regras aplicáveis às SEC constituíam um conjunto completo de regras, distinto do SGIS, nomeadamente no que respeita à matéria coletável, aos sujeitos passivos do imposto, ao facto gerador do imposto e à taxa de tributação. Salientou também que essas regras previam um mecanismo para evitar a dupla tributação, que não seria relevante para o cálculo do imposto com base no SGIS (n.os 85 a 90 do acórdão recorrido). |
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34 |
No âmbito da segunda etapa referida no n.o 30 do presente acórdão, em primeiro lugar, o Tribunal Geral julgou improcedentes os argumentos do Reino Unido e da ITV segundo os quais as autoridades fiscais do Reino Unido não podiam conferir nenhuma vantagem através da aplicação do capítulo 9, uma vez que as disposições deste capítulo não podiam ser entendidas separadamente das disposições do capítulo 3 da parte 9 A da TIOPA (a seguir «capítulo 3») e do capítulo 5. |
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35 |
Para este efeito, o Tribunal Geral considerou, em substância, que as regras definidas na parte 9 A da TIOPA previam critérios para identificar situações que resultam num desvio artificial de lucros, como, nomeadamente, as abrangidas pelo capítulo 5. Assim, de acordo com o Tribunal Geral, quando um dos critérios estabelecidos por essas regras está preenchido, os lucros obtidos pelas SEC em causa são tributados no Reino Unido através do encargo SEC. Concluiu daí que o facto de prever, no capítulo 9, isenções desse encargo para lucros que, de outro modo, teriam sido objeto desse encargo, por força dos critérios acima referidos, constituía uma vantagem (n.os 96 e 100 a 108 do acórdão recorrido). |
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36 |
Em segundo lugar, o Tribunal Geral examinou os argumentos do Reino Unido e da ITV, apoiada pela LSEGH, segundo os quais a Comissão tinha considerado, erradamente, que o objetivo das regras aplicáveis às SEC estava circunscrito à tributação dos lucros artificialmente desviados, ao passo que essas regras visariam proteger a matéria coletável do imposto sobre as sociedades no Reino Unido. |
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37 |
A este respeito, o Tribunal Geral considerou que a proteção da base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido era um objetivo lato, no qual se integrava o objetivo mais específico que consistia em tributar lucros artificialmente desviados do Reino Unido. Sublinhou que, se tivessem sido adotadas várias medidas para proteger esta matéria coletável, resultaria dos autos que o objetivo específico do quadro de referência relevante, constituído pelas regras aplicáveis às SEC, era contribuir para essa proteção através da tributação dos lucros das SEC artificialmente desviados do Reino Unido (n.os 109 e 114 a 120 do acórdão recorrido). |
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38 |
Em terceiro lugar, o Tribunal Geral analisou os argumentos do Reino Unido e da ITV, apoiada pela LSEGH, segundo os quais, em substância, o regime controvertido não era, a priori, seletivo, pelo facto de as regras aplicáveis às SEC visarem impor uma obrigação fiscal unicamente nos casos que apresentassem um risco elevado de abuso ou de desvio artificial de lucros do Reino Unido. |
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39 |
Para este efeito, o Tribunal Geral salientou, nomeadamente, que as isenções em causa se aplicavam aos lucros financeiros não comerciais das SEC, provenientes de empréstimos concedidos por estas, relativamente aos quais estava preenchido o critério das FHS no Reino Unido ou o critério dos capitais relacionados com o Reino Unido (n.o 131 do acórdão recorrido). |
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40 |
No termo do seu exame da seletividade, a priori, o Tribunal Geral concluiu que as isenções em causa, uma vez que eram aplicáveis apenas aos lucros financeiros não comerciais das SEC provenientes dos empréstimos elegíveis, com exclusão dos provenientes dos empréstimos concedidos às sociedades coligadas no Reino Unido e dos concedidos a sociedades terceiras, conduziam a um tratamento diferenciado de situações comparáveis, pelo que a Comissão não cometeu um erro de apreciação quando concluiu que existia uma vantagem no caso em apreço e que esta era, a priori, seletiva (n.os 167 a 182 do acórdão recorrido). |
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41 |
No âmbito da terceira etapa referida no n.o 30 do presente acórdão, o Tribunal Geral julgou improcedentes os argumentos do Reino Unido e da ITV segundo os quais as isenções em causa eram justificadas por razões relativas, por um lado, à praticabilidade administrativa e, por outro, ao respeito da liberdade de estabelecimento. |
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42 |
Em particular, no que respeita a esta liberdade, o Tribunal Geral recordou que, nos n.os 72 e 73 do Acórdão de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, EU:C:2006:544), o Tribunal de Justiça já tinha declarado que, visto que a legislação sobre as SEC limitava a aplicação da tributação dos lucros das SEC aos expedientes puramente artificiais, era compatível com as disposições dos Tratados que garantem a liberdade de estabelecimento. Daí deduziu que, uma vez que o encargo SEC visava lucros que, por força do critério das FHS no Reino Unido, deviam ser considerados artificialmente desviados, esse encargo não implicava um entrave à liberdade de estabelecimento e, por conseguinte, que as isenções em causa não podiam ser justificadas pela necessidade de assegurar o respeito dessa liberdade (n.os 200 e 201 do acórdão recorrido). |
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43 |
Tendo em conta todos estes elementos, o Tribunal Geral concluiu que foi sem cometer um erro de apreciação que a Comissão considerou que as isenções em causa conferiam aos seus beneficiários uma vantagem seletiva. |
Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes nos presentes recursos
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44 |
Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Justiça, respetivamente, em 16 de agosto, 17 de agosto e 25 de agosto de 2022, o Reino Unido, a ITV e a LSEGH interpuseram os presentes recursos, registados, respetivamente, sob os números C‑555/22 P, C‑556/22 P e C‑564/22 P. |
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45 |
Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 2022, os processos C‑555/22 P, C‑556/22 P e C‑564/22 P foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão. |
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46 |
A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:
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47 |
A ITV conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:
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48 |
A LSEGH conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:
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49 |
A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:
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Quanto aos presentes recursos
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50 |
Em apoio do presente recurso, o Reino Unido invoca cinco fundamentos, relativos: o primeiro, a um erro de direito, desvirtuação e qualificação errada dos factos no que respeita à identificação do quadro de referência; o segundo, a um erro de direito, desvirtuação e qualificação errada dos factos no que respeita à existência de uma vantagem; o terceiro, a um erro de direito, desvirtuação e qualificação errada dos factos e à violação do dever de fundamentação no que respeita à seletividade; o quarto, a um erro de direito, desvirtuação e qualificação errada dos factos e à violação do dever de fundamentação no que respeita à viabilidade administrativa, e o quinto, a um erro de direito no que respeita à liberdade de estabelecimento. |
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51 |
A ITV, por seu turno, invoca quatro fundamentos, relativos, o primeiro, a um erro relacionado com a determinação do quadro de referência; o segundo, a um erro ligado à determinação de uma vantagem seletiva; o terceiro, a um erro relacionado com o tratamento da justificação das isenções em causa e, o quarto, a um erro relacionado com a aplicação do Acórdão de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, EU:C:2006:544). |
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52 |
No que respeita à LSEGH, esta invoca cinco fundamentos de recurso, relativos: o primeiro, quanto a um erro de direito na identificação do quadro de referência; o segundo, a um erro de direito quanto à identificação do objetivo desse quadro; o terceiro, a um erro de direito quanto à existência de discriminação entre operadores económicos; o quarto, à violação dos artigos 263.o e 296.o TFUE por não se ter pronunciado sobre determinados fundamentos de recurso e sobre a substituição, pelo Tribunal Geral, da sua própria fundamentação pela da Comissão constante da decisão em causa, e o quinto, a um erro de direito no que respeita à justificação das isenções em causa. |
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53 |
Como a advogada‑geral salientou, em substância, nos n.os 41 a 45 das suas conclusões, por um lado, embora os recorrentes não invoquem todos o mesmo número de fundamentos e que nestes cada recorrente possa ter atribuído um peso mais ou menos significativo a alguns argumentos ou ter invocado argumentos específicos, as suas contestações incidem, fundamentalmente, sobre quatro questões, a saber, primeiro, a determinação do quadro de referência; segundo, a existência de uma vantagem seletiva; terceiro, a justificação do regime controvertido pela necessidade de permitir a gestão administrativa das regras aplicáveis às SEC e, quarto, a justificação desse regime pela necessidade de respeitar a liberdade de estabelecimento. |
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54 |
Por outro lado, os presentes recursos, em substância, dizem respeito à contestação da determinação do quadro de referência, esclarecendo‑se que os argumentos dos recorrentes relativos à necessidade de ler conjuntamente os capítulos 5 e 9, visto que refletem a abordagem baseada nos riscos seguida pelo Reino Unido, também são relevantes para efeitos da apreciação dessa contestação, mesmo quando tenham sido formulados, ou desenvolvidos mais detalhadamente, no âmbito da contestação da existência de uma vantagem seletiva ou da contestação relativa à justificação das isenções em causa pela necessidade de respeitar a liberdade de estabelecimento. |
Quanto à contestação da determinação do quadro de referência
Quanto à admissibilidade
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55 |
A Comissão alega que a apreciação do direito nacional constitui uma questão de facto, pelo que é abrangida pela competência exclusiva do Tribunal Geral, exceto quando a interpretação dessa legislação se baseie numa desvirtuação da prova. Admite que, segundo os ensinamentos decorrentes, nomeadamente, do Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859), a determinação correta do quadro de referência, a primeira etapa do exame relativo à seletividade de uma medida fiscal nacional, é uma questão de direito, mas sustenta que, nesse acórdão, o erro constatado pelo Tribunal de Justiça incidia não sobre a interpretação do direito nacional, mas sobre a questão de saber se o Tribunal Geral tinha tido em conta os elementos adequados na determinação deste quadro. |
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56 |
Em contrapartida, nos presentes processos, os recorrentes não sustentam que o Tribunal Geral se tenha baseado em elementos de prova incorretos ao apreciar se a Comissão definira corretamente o quadro de referência. Limitam‑se a contestar a interpretação do direito nacional adotada pelo Tribunal Geral, quando, para que a sua argumentação seja considerada admissível, devem demonstrar que esse direito foi desvirtuado, no sentido de que foi objeto de uma interpretação manifestamente contrária ao conteúdo das disposições relevantes ou que equivale a atribuir‑lhes um alcance que claramente não têm. |
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57 |
A este respeito, há que recordar que a competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso de uma decisão proferida pelo Tribunal Geral é definida pelo artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE. Este indica que o recurso deve ser limitado às questões de direito e enquadrar‑se nas «condições e [nos] limites previstos no Estatuto [do Tribunal de Justiça da União Europeia]». Numa lista que enumera os fundamentos que podem ser invocados nesse âmbito, o artigo 58.o, primeiro parágrafo, deste Estatuto precisa que o recurso para o Tribunal de Justiça pode ter por fundamento a violação do direito da União pelo Tribunal Geral. |
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58 |
É certo que, em princípio, no que se refere ao exame, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, das apreciações deste último sobre o direito nacional, que, no domínio dos auxílios de Estado, constituem apreciações de facto, o Tribunal de Justiça só é competente para verificar se este direito foi desvirtuado. No entanto, o Tribunal de Justiça não pode ser privado da possibilidade de fiscalizar se essas apreciações não constituem, em si, uma violação do direito da União pelo Tribunal Geral (Acórdão de 5 de dezembro de 2023, Luxemburgo e o./Comissão, C‑451/21 P e C‑454/21 P, EU:C:2023:948, n.o 77 e jurisprudência referida). |
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59 |
Ora, a questão de saber se o Tribunal Geral delimitou adequadamente o sistema de referência pertinente e, por extensão, se interpretou corretamente as disposições que o compõem, é uma questão de direito que pode ser fiscalizada pelo Tribunal de Justiça na fase de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral. Com efeito, os argumentos por meio dos quais é questionada a escolha do quadro de referência no âmbito da primeira etapa da análise da existência de uma vantagem seletiva são admissíveis, porque esta análise decorre de uma qualificação jurídica do direito nacional que se baseia numa disposição do direito da União (Acórdão de 5 de dezembro de 2023, Luxemburgo e o./Comissão, C‑451/21 P e C‑454/21 P, EU:C:2023:948, n.o 78 e jurisprudência referida). |
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60 |
Admitir que o Tribunal de Justiça não está em condições de determinar se o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao adotar a delimitação do quadro de referência pertinente, a sua interpretação e a sua aplicação enquanto parâmetros decisivos para examinar se existe uma vantagem seletiva, equivaleria a aceitar a possibilidade de o Tribunal Geral ter, eventualmente, cometido uma violação de uma disposição do direito primário da União, isto é, do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, sem que esta violação possa ser sancionada no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal Geral, o que viola o artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, conforme foi sublinhado no n.o 57 do presente acórdão (Acórdão de 5 de dezembro de 2023, Luxemburgo e o./Comissão, C‑451/21 P e C‑454/21 P, EU:C:2023:948, n.o 79). |
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61 |
Por conseguinte, há que considerar que os recorrentes têm legitimidade para pedir ao Tribunal de Justiça que fiscalize se foi com razão que o Tribunal Geral, para efeitos da sua análise relativa à existência de uma vantagem seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, confirmou a limitação, efetuada pela Comissão, do quadro de referência apenas às regras aplicáveis às SEC. |
Quanto ao mérito
– Argumentos das partes
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62 |
Os recorrentes alegam, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, que desvirtuou o direito nacional ou que efetuou uma qualificação jurídica errada deste quando considerou, à semelhança da Comissão na decisão controvertida, que o quadro de referência através do qual se determina se as isenções em causa dariam origem a uma vantagem seletiva que não era constituída pelo SGIS, mas pelas regras aplicáveis às SEC, enunciadas na parte 9 A da TIOPA. |
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63 |
A este respeito, em primeiro lugar, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral presumiu erradamente que era «normal» que uma sociedade abrangida pelo SGIS fosse tributada sobre os lucros obtidos por uma SEC decorrentes de atividades ou de ativos no Reino Unido. Em seu entender, por um lado, este sistema é essencialmente, ainda que não puramente, territorial, no sentido de que são tributáveis, com algumas isenções que incidem, nomeadamente, sobre os dividendos provenientes de filiais estrangeiras, os lucros obtidos ao nível mundial pelos contribuintes estabelecidos no Reino Unido. Por outro lado, o referido sistema não se baseia no princípio da tributação de grupo, mas sobre o princípio da tributação distinta das sociedades, apenas com base nos seus próprios lucros. Uma abordagem segundo a qual as regras aplicáveis às SEC seriam qualificadas de sistema de tributação «normal» não permitiria, necessariamente, inserir essas regras no contexto relevante, enquanto exceção estritamente delimitada ao princípio geral da tributação predominantemente territorial. |
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64 |
Mais detalhadamente, a ITV expõe, nomeadamente, que foi por força do caráter excecional da tributação extraterritorial que as isenções em causa foram formuladas de forma muito ampla. Com efeito, estas visam que a tributação dos rendimentos gerados pelas SEC fora do Reino Unido se conforme com o caráter essencialmente territorial do SGIS. O legislador do Reino Unido atribuiu um perímetro alargado à potencial aplicação do encargo SEC, mas também estabeleceu isenções que servem de «brechas» para não sujeitar a esse encargo os lucros das SEC que, na verdade, não afetam a base tributável no Reino Unido ou não constituem lucros desviados de forma totalmente artificial. |
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65 |
A LSEGH recorda, por seu turno, que a determinação do quadro de referência deve ser efetuada no termo de um exame objetivo do conteúdo, da articulação e dos efeitos concretos das normas aplicáveis por força do direito nacional desse Estado. Assim, em seu entender, as regras aplicáveis às SEC relativas aos lucros financeiros não comerciais devem ser interpretadas, designadamente, em conjugação com as regras relativas aos dividendos recebidos pelas sociedades estabelecidas no Reino Unido das suas filiais estrangeiras. |
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66 |
Em segundo lugar, os recorrentes alegam que, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou, as regras aplicáveis às SEC não são dissociáveis do SGIS, mas constituem, segundo a formulação utilizada pelo Reino Unido e pela ITV, uma exceção ao princípio da territorialidade que caracteriza em larga medida o SGIS ou, segundo a formulação utilizada pela LSEGH, uma medida corretiva, inseparável deste último, que visa proteger a matéria coletável do imposto sobre as sociedades no Reino Unido dos abusos que envolvem as SEC. |
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67 |
Para fundamentar a sua contestação do caráter dissociável das regras aplicáveis às SEC, reconhecido pelo Tribunal Geral, antes de mais, o Reino Unido e, embora menos detalhadamente, a ITV põem em causa as conclusões que figuram no acórdão recorrido a respeito da matéria coletável, do sujeito passivo do imposto, do facto gerador do imposto e da taxa de tributação. |
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68 |
Em seguida, o Reino Unido e a ITV sustentam que a existência de regras que permitam evitar a dupla tributação internacional não é uma particularidade própria das regras aplicáveis às SEC, como considerou o Tribunal Geral, mas uma característica central do SGIS, como resulta da parte 2 da TIOPA. |
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69 |
Por último, o Reino Unido precisa que, embora a parte 9 A da TIOPA contenha disposições específicas relativas ao cálculo do encargo SEC, essas regras são, em substância, idênticas às da SGIS em vários aspetos. |
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70 |
Em terceiro lugar, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral decidiu erradamente que o capítulo 9 prevê isenções do encargo SEC a favor de lucros financeiros não comerciais das SEC que, de outra forma, seriam tributáveis nos termos do capítulo 5. O Tribunal Geral sobrevalorizou o papel do critério das FHS exercidas no Reino Unido ao considerar que se deve automaticamente qualificar qualquer lucro financeiro não comercial de uma SEC que satisfaça esse critério como artificialmente desviado do Reino Unido e, por conseguinte, sujeito ao encargo SEC por força do capítulo 5. Determinados tipos de expedientes, nomeadamente, os empréstimos elegíveis, não apresentam um risco elevado de desvio artificial de lucros, independentemente da existência de FHS no Reino Unido. Outros tipos de expedientes, nomeadamente os que não são abrangidos pelos empréstimos elegíveis, acarretam tal risco, mais uma vez, independentemente da existência de FHS no Reino Unido. |
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71 |
A este respeito, os recorrentes sublinham que os capítulos 5 e 9 não enunciam, respetivamente, regras e exceções a estas regras, no sentido de que o segundo destes capítulos conduziria a uma redução do imposto devido de outra forma por força do primeiro. Esses dois capítulos complementam‑se mutuamente e criam um conjunto uniforme e coerente de regras em matéria de tributação dos lucros financeiros não comerciais das SEC. Assim, considerados no seu conjunto, esses capítulos definem o âmbito de aplicação do encargo SEC, tendo em conta a apreciação do risco que representam, para a base tributável no Reino Unido, a origem e as utilizações dos capitais a partir dos quais esses lucros financeiros não comerciais são obtidos. |
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72 |
Neste contexto, os recorrentes invocam, nomeadamente, o artigo 371CB, n.os 1 e 8, do capítulo 3. A ITV e a LSEGH também se referem ao artigo 371BB do capítulo 2 da parte 9 A da TIOPA (a seguir «capítulo 2»). |
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73 |
Em especial, segundo o Reino Unido e a ITV, o facto de o artigo 371EA, n.o 2, do capítulo 5 remeter para este artigo 371CB, n.o 8, implica que, quando uma SEC obtém lucros financeiros não comerciais, se tem em conta, num primeiro momento, o capítulo 9, e apenas um lucro financeiro não comercial não abrangido por este capítulo deve, num segundo momento, ser examinado ao abrigo do capítulo 5. |
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74 |
O Reino Unido e, em substância, a ITV e a LSEGH acrescentam que o artigo 371IA do capítulo 9, invocado pela Comissão, não põe em causa o facto de ser necessário ter em conta, antes de mais, este último capítulo. |
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75 |
Do mesmo modo, os recorrentes invocam argumentos através dos quais, em substância, acusam o Tribunal Geral de não ter tido em conta o facto de as regras aplicáveis às SEC, no seu conjunto e tendo em conta o seu objetivo, terem sido concebidas segundo uma abordagem baseada na avaliação dos riscos que os lucros das SEC representam para a tributação das sociedades no Reino Unido. |
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76 |
O Reino Unido sustenta que as regras aplicáveis às SEC têm por objetivo impedir tanto a erosão da base tributável, decorrente do facto de as sociedades estabelecidas no Reino Unido que fazem parte de um grupo poderem deduzir dos seus lucros os juros que pagam a sociedades do mesmo grupo não estabelecidas nesse Estado, como a transferência de lucros para fora do referido Estado na forma de um desvio artificial. |
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77 |
A ITV e, em substância, a LSEGH alegam que as disposições do capítulo 9 contêm a sua própria avaliação do risco associado aos empréstimos elegíveis, que não depende do critério das FHS no Reino Unido enunciado no capítulo 5. |
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78 |
A ITV acrescenta, em substância, que estas disposições do capítulo 9 são necessárias para que as regras aplicáveis às SEC permitam impor apenas os expedientes puramente artificiais, respeitando os ensinamentos decorrentes do Acórdão de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, EU:C:2006:544). |
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79 |
A Comissão sustenta, em primeiro lugar, que o SGIS visa tributar as sociedades estabelecidas no Reino Unido, bem como as sociedades não residentes que tenham um estabelecimento estável nesse Estado, pelos seus lucros provenientes de ativos situados ou de atividades exercidas no referido Estado. Devido ao caráter predominantemente territorial deste sistema, os lucros obtidos fora do território do Reino Unido não estão, em princípio, sujeitos ao imposto sobre as sociedades. Uma vez que as sociedades do Reino Unido poderiam, assim, ser incentivadas a criar SEC em países com regimes de tributação privilegiada e a desviar artificialmente para estes os lucros provenientes de ativos ou de atividades no Reino Unido, este Estado deveria ter adotado regras específicas para evitar que a matéria coletável do imposto sobre as sociedades seja erodida por meio das SEC. As regras aplicáveis a estas últimas permitem determinar, com base em critérios escolhidos pelo Reino Unido, a existência desse desvio, que resulta do facto de os lucros obtidos por uma SEC provirem de ativos ou de atividades no Reino Unido, como este Estado confirmou durante o procedimento administrativo. A tributação do encargo SEC sobre esses lucros permite suprimir a vantagem fiscal resultante desse desvio. |
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80 |
Neste contexto, a Comissão sublinha que o Tribunal Geral não considerou «normal» tributar todos os lucros das SEC, mas salientou que os lucros destas últimas estão sujeitos a um encargo SEC, não obstante o facto de terem sido obtidos por sociedades que não estejam estabelecidas no Reino Unido, quando resultam de um desvio artificial. Também as regras aplicáveis às SEC tornam possível incluir na base tributável no Reino Unido lucros provenientes de ativos situados ou atividades exercidas no Reino Unido que, de outro modo, seriam excluídos. A Comissão deduz daí que o encargo SEC só se aplica em circunstâncias excecionais, nomeadamente, aquelas em que existe um risco suficientemente significativo de desvio artificial. É o caso dos lucros que preenchem os critérios do capítulo 5. |
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81 |
Em segundo lugar, a Comissão alega que foi com razão que o Tribunal Geral considerou que as regras aplicáveis às SEC, por um lado, eram dissociáveis da SGIS, pelo facto de seguirem uma lógica distinta da lógica desta última, e, por outro, eram complementares, ou constituíam o corolário da SGIS, não sendo uma exceção desta, mas um prolongamento. |
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82 |
A este respeito, antes de mais, a Comissão sustenta que o caráter dissociável das regras aplicáveis às SEC resulta não apenas das suas disposições relativas à matéria coletável, ao sujeito passivo do imposto, ao facto gerador do imposto e à taxa de tributação, mas também do facto de essas regras permitirem ter em conta eventuais problemas de dupla tributação, que não são relevantes no âmbito do SGIS. |
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83 |
Em seguida, a Comissão sublinha que esse caráter dissociável não é posto em causa pela presença, nas regras aplicáveis às SEC, de remissões para disposições do SGIS. Com efeito, seria irrealista esperar que essas regras fossem totalmente autónomas. |
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84 |
Por último, o referido caráter dissociável também não está viciado pela alegada existência de uma relação entre as regras aplicáveis às SEC e as regras por força das quais, por um lado, não são tributados os dividendos pagos pelas SEC às sociedades‑mães estabelecidas no Reino Unido e, por outro, estas últimas podem deduzir determinados juros. |
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85 |
Em terceiro lugar, a Comissão alega que os capítulos 5 e 9 não devem ser lidos conjuntamente. Em seu entender, o capítulo 5 enuncia regras gerais, em especial os critérios das FHS no Reino Unido e dos capitais relacionados com o Reino Unido, que permitem identificar as situações em que as autoridades britânicas desse Estado, no exercício do seu poder de apreciação, consideram que existe um risco suficientemente significativo de que os lucros financeiros não comerciais obtidos por uma SEC constituam lucros artificialmente desviados do Reino Unido e devem, assim, ser objeto de um encargo SEC. O capítulo 9, por seu turno, introduz, através das isenções em causa, uma derrogação total ou parcial a esse encargo, para os lucros financeiros não comerciais que as SEC obtêm de acordo com certos tipos de empréstimos, apesar de esses lucros serem normalmente abrangidos pelo capítulo 5. |
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86 |
Neste contexto, a Comissão baseia‑se no artigo 371IA, n.o 1, do capítulo 9, que demonstra que os lucros visados pelas isenções em causa estariam normalmente sujeitos a um encargo SEC ao abrigo do capítulo 5 e constituiriam um subconjunto de lucros abrangidos por este último capítulo. Os n.os 2 e 3 deste artigo corroboram esta tese. Em contrapartida, nenhuma disposição da parte 9 A da TIOPA sustenta a afirmação do Reino Unido segundo a qual os lucros financeiros não comerciais devem, antes de mais, ser examinados segundo os critérios do capítulo 9. Em especial, o artigo 371CB, n.o 8, do capítulo 3, não apoia esta afirmação. Em todo o caso, a interpretação, nos termos da qual o capítulo 5 deve ser aplicado antes do capítulo 9, permanece enquadrada nos limites de uma apreciação razoável das disposições relevantes. Os recorrentes não demonstraram, deste modo, que o Tribunal Geral desvirtuou a legislação nacional. |
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87 |
Quanto à aplicação do encargo SEC apenas aos lucros financeiros que apresentam um risco suficientemente significativo de desvio artificial, a Comissão alega que o legislador do Reino Unido concebeu as regras aplicáveis às SEC a partir da premissa fundamental segundo a qual estas abrangem os lucros decorrentes dos ativos e dos riscos que são geridos e controlados no Reino Unido. Assim, essas regras têm um amplo âmbito de aplicação e podem visar situações em que é provável que a SEC tenha sido criada por verdadeiras razões comerciais e que o risco de desvio artificial de lucros do Reino Unido seja reduzido. Todavia, para ter em conta estas situações, as autoridades do Reino Unido inseriram, por um lado, no capítulo 3, critérios para determinar se os lucros obtidos pelas SEC devem ser examinados à luz dos capítulos seguintes e, por outro, as isenções enumeradas no considerando 19 da decisão controvertida. |
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88 |
Daqui resulta que, se os lucros financeiros não comerciais de uma SEC não estiverem dispensados desse exame e não estiverem abrangidos por essas isenções, apesar de preencherem um dos critérios estabelecidos no capítulo 5, deve considerar‑se, por força do sistema concebido pelo próprio Reino Unido, que estes apresentam um risco de desvio artificial suficientemente elevado para desencadear a imposição de um encargo SEC. Assim, este capítulo permite tributar apenas os lucros que foram desviados, sem que seja exigido outro ajustamento em aplicação do capítulo 9 para evitar a tributação de lucros que não tenham sido desviados. |
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89 |
Por outro lado, a Comissão admite que a base tributável no Reino Unido pode também ser erodida de outra forma que não por desvios artificiais, designadamente através da dedução de juros, mas sustenta que a luta contra os outros riscos de erosão desta base não faz parte do objetivo das regras aplicáveis às SEC e que medidas específicas podem ser, ou foram, adotadas para esse fim. |
– Apreciação do Tribunal de Justiça
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90 |
Há que recordar que, segundo jurisprudência constante, as intervenções dos Estados‑Membros nos domínios que não foram objeto de harmonização no direito da União não estão excluídas do âmbito de aplicação das disposições do Tratado FUE relativas ao controlo dos auxílios de Estado. Os Estados‑Membros devem assim abster‑se de adotar qualquer medida fiscal que possa constituir um auxílio de Estado que seja incompatível com o mercado interno (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 65 e jurisprudência referida). |
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91 |
A este respeito, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, requer que estejam preenchidos todos os seguintes requisitos. Primeiro, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou ser proveniente de recursos estatais. Segundo, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Terceiro, deve conferir uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Quarto, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 66 e jurisprudência referida). |
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92 |
No que respeita ao requisito relativo à seletividade da vantagem, este impõe que se determine se, no âmbito de um determinado regime jurídico, a medida nacional em causa é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras, que se encontrem, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, numa situação factual e jurídica comparável e que estão assim sujeitas a um tratamento diferenciado que pode, em substância, ser qualificado de discriminatório (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 67 e jurisprudência referida). |
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93 |
A este respeito, importa recordar que, para qualificar uma medida fiscal nacional de «seletiva», a Comissão deve identificar, num primeiro momento, o quadro de referência, a saber, o regime fiscal «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, e demonstrar, num segundo momento, que a medida fiscal em causa derroga este quadro de referência, uma vez que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, atendendo ao objetivo prosseguido por este último, numa situação factual e jurídica comparável. O conceito de «auxílio de Estado» não visa, contudo, as medidas que introduzem uma diferenciação entre empresas que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa, numa situação factual e jurídica comparável e, por conseguinte, a priori seletivas, quando o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar, num terceiro momento, que esta diferenciação se justifica, no sentido de que resulta da natureza ou da estrutura do sistema em que estas medidas se inscrevem (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 68 e jurisprudência referida). |
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94 |
Neste contexto, há que recordar que a determinação do quadro de referência reveste uma importância acrescida no caso das medidas fiscais, porque a existência de uma vantagem económica, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, só pode ser afirmada em relação a uma tributação dita «normal». Assim, a determinação de todas as empresas que se encontram numa situação factual e jurídica comparável depende da definição prévia do regime jurídico à luz de cujo objetivo deve, sendo caso disso, ser examinada a comparabilidade da situação factual e jurídica respetiva das empresas que são beneficiadas pela medida em causa e daquelas que não o são (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 69 e jurisprudência referida). |
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95 |
A determinação do quadro de referência, que deve ser efetuada no termo de um debate contraditório com o Estado‑Membro em causa, deve decorrer de um exame objetivo do conteúdo, da articulação e dos efeitos concretos das normas aplicáveis por força do direito nacional desse Estado. Para o efeito, a seletividade de uma medida fiscal não pode ser apreciada com base num quadro de referência constituído por algumas disposições do direito nacional do Estado‑Membro em causa que foram extraídas artificialmente de um quadro legislativo mais alargado. Por conseguinte, quando a medida fiscal em questão é indissociável do sistema geral de tributação do Estado‑Membro em causa, é a esse sistema que deve ser feita referência. Em contrapartida, quando se afigura que essa medida é claramente dissociável deste sistema geral, não é de excluir que o quadro de referência a ter em conta seja mais restrito do que o referido sistema geral, ou até que o mesmo se identifique com a própria medida, quando esta se apresente como uma regra dotada de uma lógica jurídica autónoma e seja impossível identificar um conjunto normativo coerente fora dessa medida (Acórdão de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão, C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.os 62 e 63 e jurisprudência referida). |
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96 |
Há também que recordar que, fora dos domínios nos quais o direito fiscal da União é objeto de harmonização, é o Estado‑Membro em causa que determina, através do exercício das suas competências próprias em matéria de fiscalidade direta e no respeito da sua autonomia fiscal, as características constitutivas do imposto, as quais definem, em princípio, o quadro de referência ou o regime fiscal «normal», a partir do qual há que analisar o requisito relativo à seletividade. É o que sucede, nomeadamente, com a determinação da matéria coletável do imposto, o seu facto gerador e eventuais isenções a que está sujeito (Acórdão de 5 de dezembro de 2023, Luxemburgo e o./Comissão, C‑451/21 P e C‑454/21 P, EU:C:2023:948, n.o 112 e jurisprudência referida). |
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97 |
Resulta do exposto que, ao determinar o quadro de referência com vista à aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE a medidas fiscais, a Comissão tem, em princípio, de aceitar a interpretação das disposições pertinentes do direito nacional dada pelo Estado‑Membro em causa no âmbito do debate contraditório referido no n.o 95 do presente acórdão, desde que esta interpretação seja compatível com a redação dessas disposições (Acórdão de 5 de dezembro de 2023, Luxemburgo e o./Comissão, C‑451/21 P e C‑454/21 P, EU:C:2023:948, n.o 120). |
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98 |
A Comissão só se pode afastar da referida interpretação se conseguir demonstrar que prevalece outra interpretação na jurisprudência ou na prática administrativa desse Estado‑Membro, baseando‑se, para o efeito, em elementos fiáveis e concordantes, que estão sujeitos a esse debate contraditório (Acórdão de 5 de dezembro de 2023, Luxemburgo e o./Comissão, C‑451/21 P e C‑454/21 P, EU:C:2023:948, n.o 121). |
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99 |
Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, o referido Estado‑Membro está vinculado por um dever de cooperação leal durante todo o procedimento relativo ao exame de uma medida ao abrigo das disposições do direito da União em matéria de auxílios de Estado. Este dever implica, nomeadamente, que esse Estado‑Membro forneça de boa‑fé à Comissão todas as informações pertinentes solicitadas por esta última relativas à interpretação das disposições do direito nacional pertinentes para determinar o quadro de referência, resultante da jurisprudência ou da prática administrativa nacionais (Acórdão de 5 de dezembro de 2023, Luxemburgo e o./Comissão, C‑451/21 P e C‑454/21 P, EU:C:2023:948, n.o 122). |
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100 |
É à luz destes princípios que há que verificar se os recorrentes demonstraram que o Tribunal Geral confirmou erradamente que, tal como a Comissão considerou na decisão controvertida, o quadro de referência no caso em apreço estava limitado às regras aplicáveis às SEC. |
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101 |
Para este efeito, importa recordar que, no n.o 80 do acórdão recorrido, no que respeita à lógica subjacente às regras aplicáveis às SEC, o Tribunal Geral observou que o SGIS se baseia no princípio da territorialidade, «por força do qual unicamente são tributados os lucros [obtidos] no Reino Unido, a saber, os lucros [obtidos] por sociedades que aí estão estabelecidas ou os lucros [obtidos] por sociedades estrangeiras gerados por atividades efetuadas no Reino Unido através de um estabelecimento permanente neste Estado». |
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102 |
No n.o 81 desse acórdão, o Tribunal Geral sublinhou que, por força das regras aplicáveis às SEC, «certos lucros [obtidos] por SEC que, seguindo o princípio da territorialidade, não seriam normalmente tributados no Reino Unido podem, no entanto, sê‑lo quando são considerados artificialmente desviados do Reino Unido». Daí retirou a consequência, no n.o 82 do referido acórdão, de que as regras aplicáveis às SEC assentavam numa lógica distinta da do [SGIS]», ao especificar que «[e]sta lógica constitui[u], é certo, [u]m complemento ou […] um corolário do [SGIS] que assenta no princípio da territorialidade, mas que dele [era] dissociável». |
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103 |
No n.o 83 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral acrescentou, antes de mais, que as regras aplicáveis às SEC «não constitu[íam] uma exceção à [SGIS], na medida em que pod[iam] ser antes consideradas o seu prolongamento», em seguida, que essas regras «visa[vam] tributar lucros que [tinham sido] artificialmente desviados do Reino Unido e que, por essa razão, [tinham] aumenta[do] artificialmente os lucros da SEC, a qual, posteriormente, distribui[ria] dividendos que não [eram] tributáveis no Reino Unido» e, por último, que «a lógica das [referidas] regras […] [estava] ligada ao desvio dos lucros para as SEC, de maneira a que, na prática, [fossem obtidos] fora do Reino Unido». Concluiu que esta lógica era «distinta daquela […] subjacente ao [SGIS], que assenta[va] em lucros [obtidos] no Reino Unido». |
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104 |
A este respeito, importa salientar que um elemento qualificado de «corolário», de «complemento» ou de «prolongamento» de um elemento principal dificilmente pode ser considerado claramente dissociável deste último elemento ou que respeite uma lógica juridicamente autónoma na aceção da jurisprudência referida no n.o 95 do presente acórdão. |
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105 |
Com efeito, devido à relação estreita que, normalmente, existe entre estes dois elementos, o facto de se proceder a uma separação entre estes equivale, em princípio, a artificialmente excluir certas disposições do direito nacional do Estado‑Membro em causa do quadro legislativo mais amplo de que fazem parte, em violação dos princípios recordados no n.o 95 do presente acórdão. |
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106 |
No caso em apreço, é facto assente que o SGIS é predominantemente territorial, no sentido de que, salvo raras exceções, prevê tributar os lucros mundiais das sociedades estabelecidas no Reino Unido ou os lucros obtidos por sociedades estrangeiras provenientes das suas atividades exercidas no Reino Unido por intermédio de um estabelecimento estável nesse Estado. Assim, não sendo complementada por outras regras, o SGIS não permite tributar os lucros obtidos pelas SEC das sociedades do Reino Unido, e isto, apesar do facto, salientado pelo Tribunal Geral, de estas últimas receberem dividendos das suas SEC, que não são tributáveis no Reino Unido, por força de disposições abrangidas pelo SGIS. |
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107 |
Segundo os recorrentes, em substância, as regras aplicáveis às SEC são uma exceção ao princípio da territorialidade que caracteriza predominantemente o SGIS, e visam complementá‑lo, com vista a tributar, através do encargo SEC, ao qual estão sujeitas as sociedades do Reino Unido que controlam as SEC, os lucros destas últimas da mesma forma que teriam sido se tivessem sido obtidos por essas sociedades do Reino Unido, quando existe um risco suficientemente significativo de que esses lucros decorram de expedientes que resultem em desvios artificiais de lucros ou na erosão da base tributável do imposto sobre as sociedades no Reino Unido. Em contrapartida, as isenções em causa permitem que, na ausência de um risco suficientemente significativo, os lucros em causa não sejam onerados com nenhum encargo SEC, da mesma forma que não teriam sido tributados por força do SGIS, ou que esse encargo só se aplique a uma parte desses lucros, de acordo com uma estimativa fixa dos efeitos desses expedientes sobre a base tributável. |
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108 |
Se esta interpretação das regras aplicáveis às SEC e da sua articulação com o SGIS fosse acolhida, deve considerar‑se que essas regras seguem a mesma lógica que este último. Com efeito, em virtude da referida interpretação, por um lado, essas regras introduzem uma exceção ao princípio da territorialidade que caracteriza, em larga medida, o SGIS, para evitar que os lucros que, na ausência de desvio ou de erosão da base tributável, teriam sido tributados por força desse sistema escapem às autoridades fiscais do Reino Unido. Por outro lado, através das isenções em causa, estas regras inserem‑se no caráter predominantemente territorial do SGIS, no sentido de que o encargo SEC não seja, ou não seja na íntegra, aplicável quando o risco de desvio artificial de lucros ou de erosão da base tributável do imposto sobre as sociedades no Reino Unido não seja suficientemente significativo. Por outras palavras, seguindo a interpretação dos recorrentes, o SGIS e as regras aplicáveis às SEC são inseparáveis na aceção da jurisprudência recordada no n.o 95 do presente acórdão. |
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109 |
Importa, portanto, determinar qual é a interpretação do direito nacional que deve prevalecer: aquela em que se baseia a decisão controvertida, confirmada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido ou a defendida pelo Estado‑Membro em causa. |
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110 |
Neste contexto, importa salientar que decorre dos princípios consagrados pela jurisprudência referida nos n.os 97 a 99 do presente acórdão que, quando a Comissão não disponha, relativamente a um regime de auxílios, de jurisprudência ou de práticas administrativas do Estado‑Membro em causa que fundamentem a sua própria interpretação do direito nacional, quando esse Estado‑Membro lhe tenha confirmado, durante o procedimento administrativo, que não existe jurisprudência ou prática nesse sentido, esta interpretação só pode prevalecer sobre a defendida pelo referido Estado‑Membro se a Comissão puder demonstrar que esta última interpretação é incompatível com a redação das disposições relevantes. |
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111 |
Quanto ao debate entre a Comissão e o Reino Unido sobre a correta interpretação das regras aplicáveis às SEC, em especial no que respeita à interação entre o capítulo 5 e o capítulo 9, decorre do que foi dito no n.o 110 do presente acórdão que deve ser examinada a questão de saber se a interpretação defendida pelo Reino Unido, que é o autor destas regras, é compatível com a redação das disposições relevantes das mesmas. |
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112 |
Importa salientar que, como resulta do considerando 72 da decisão controvertida, o Reino Unido tinha alegado que os capítulos 5 e 9 refletiam uma abordagem baseada nos riscos e no impacto de diferentes mecanismos na matéria coletável no Reino Unido. Do mesmo modo, no Tribunal Geral, o Reino Unido criticou claramente a Comissão por não ter lido conjuntamente estes capítulos, que permitiriam identificar os expedientes que apresentam um risco suficientemente elevado de abuso ou de desvio artificial. |
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113 |
A este respeito, primeiro, o artigo 371BB do capítulo 2, após ter indicado, no seu n.o 1, quais as etapas a seguir para determinar, em conformidade com o capítulo 3, se e, em caso afirmativo, em que casos os capítulos 4 a 8 da parte 9 A da TIOPA se aplicam aos lucros de uma SEC (etapa 1), bem como em que medida esses lucros se enquadram num desses capítulos (etapa 2), indica, no seu n.o 2, que o seu n.o 1 é aplicável «sob reserva», nomeadamente, do capítulo 9. |
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114 |
Nada nestes números, lidos em conjunto, se opõe à interpretação das regras aplicáveis às SEC defendida pelo Reino Unido, segundo a qual os capítulos 5 e 9 se complementam mutuamente e definem, em conjunto, o âmbito de aplicação do encargo SEC, tendo em conta a avaliação do risco de que os lucros financeiros não comerciais decorrem de expedientes que resultam em desvios artificiais de lucros ou na erosão da base tributável do imposto sobre as sociedades no Reino Unido. Deste modo, desde que os lucros preencham as condições do capitulo 9, não há que os examinar à luz dos outros capítulos da parte 9 A da TIOPA. Assim, quando o capítulo 9 é aplicável, não é necessário verificar se os lucros em causa preenchem um dos critérios do capítulo 5, uma vez que, quer seja ou não esse o caso, esses lucros podem, mediante pedido, ser isentos segundo as regras resultantes do capítulo 9. |
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115 |
Segundo, o artigo 371CB do capítulo 3, que descreve o modo como importa verificar se o capítulo 5 é aplicável, precisa, no seu n.o 8, que «[n]o caso de uma sociedade sujeita a imposto que apresente um pedido ao abrigo do capítulo 9, as referências constantes no presente artigo e no capítulo 5 aos lucros financeiros não comerciais de uma SEC dizem respeito a esses lucros, excluindo, deste modo, os lucros provenientes de empréstimos elegíveis (tal como são definidos no capítulo 9)». |
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116 |
Como foi confirmado na audiência, a utilização do advérbio «também» no artigo 371CB, n.o 8, do capítulo 3, deve‑se ao facto de os n.os 2 a 7 deste artigo enunciarem regras que permitem excluir do âmbito de aplicação do referido artigo e do capítulo 5 alguns outros lucros. |
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117 |
Por conseguinte, nada no artigo 371CB do capítulo 3 se opõe à interpretação defendida pelo Reino Unido, segundo a qual, em substância, os seus n.os 1 e 8 significam que o capítulo 9 se pode aplicar sem considerar o capítulo 5. |
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118 |
Terceiro, o artigo 371EA, n.o 1, do capítulo 5 prevê que, para efeitos da etapa 2 do artigo 371BB, n.o 1, do capítulo 2, os lucros de uma SEC abrangida pelo capítulo 5, desde que preencham os critérios deste capítulo, são os seus lucros financeiros não comerciais. O n.o 2 deste artigo 371EA precisa que «[a]s referências […] aos lucros financeiros não comerciais devem ser lidas em conformidade com o artigo 371CB, n.o 2, e desde que seja aplicável, no artigo 371CB, n.o 8». |
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119 |
Uma vez que este artigo 371EA remete para o artigo 371CB, n.o 8, do capítulo 3, que, segundo o seu próprio título, é a «regra de base» do capítulo 5, consagrado aos lucros financeiros não comerciais das SEC, pode ser interpretado no sentido de que subordina a aplicação dos critérios enunciados nesse capítulo ao facto de os lucros financeiros não comerciais a examinar não estarem abrangidos pelo capítulo 9, pelo que a redação do referido artigo é compatível com a interpretação defendida pelo Reino Unido. |
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120 |
Quarto, o artigo 371IA do capítulo 9 prevê, no seu n.o 1, alínea a), que este capítulo se aplica se, «com exceção do presente capítulo, o capítulo 5 […] [for] aplicável» aos lucros de uma SEC. O n.o 2 deste artigo acrescenta que «uma sociedade tributável […] pode apresentar um pedido […] para que a etapa 2 do artigo 371BB, n.o 1 (o alcance do encargo SEC), seja aplicável […] sob reserva do presente capítulo». O n.o 3 do referido artigo precisa que se essa sociedade apresentar um pedido, «os lucros provenientes de empréstimos elegíveis são abrangidos pelo encargo SEC desde que (e apenas desde que) não estejam isentos ao abrigo do presente capítulo». |
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121 |
Segundo a Comissão, este artigo demonstra que os lucros financeiros não comerciais referidos no capítulo 9 são os que, na ausência da isenção prevista nesse capítulo, seriam sujeitos ao encargo SEC em conformidade com o capítulo 5. |
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122 |
Não se pode deixar de observar que esta interpretação implica que o capítulo 9 preveja uma isenção do imposto devido, se for caso disso, ao abrigo do capítulo 5, o qual, segundo o artigo 371IA, n.o 3, do capítulo 9, pode implicar a tributação dos lucros financeiros não comerciais que não sejam, ou que não sejam integralmente, abrangidos pelo capítulo 9. Ora, a aplicação das isenções em causa a lucros financeiros não comerciais suscetíveis de preencher, além das condições previstas no capítulo 9, um dos critérios do capítulo 5 não está em contradição com a interpretação defendida pelo Reino Unido, sintetizada no n.o 114 do presente acórdão. Com efeito, quando e desde que os lucros financeiros não comerciais de uma SEC preencham os requisitos do capítulo 9, estes podem ser isentos, no todo ou em parte, do encargo SEC, ainda que preencham um dos critérios do capítulo 5, e isto pelo facto de, segundo a avaliação feita pelo legislador do Reino Unido, o facto de essas condições estarem preenchidas permite excluir a existência de um risco suficientemente elevado de que esses lucros decorram de expedientes que resultem em desvios artificiais de lucros ou na erosão da base tributável do imposto sobre as sociedades no Reino Unido. |
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123 |
Por conseguinte, as disposições do artigo 371IA do capítulo 9 invocadas pela Comissão também não permitem considerar que a interpretação das regras aplicáveis às SEC invocada pelo Reino Unido é incompatível com a redação dessas regras. |
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124 |
Por outro lado, a ITV sustenta, em substância, que a interpretação das regras aplicáveis às SEC deve ter em conta os ensinamentos do Acórdão de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, EU:C:2006:544). |
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125 |
Resulta da parte decisória deste Acórdão que os artigos 49.o e 54.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à incorporação, na matéria coletável de uma sociedade residente estabelecida num Estado‑Membro, dos lucros obtidos por uma SEC noutro Estado‑Membro quando esses lucros são aí sujeitos a um nível de tributação inferior ao aplicável no primeiro Estado, a menos que tal incorporação diga apenas respeito aos expedientes puramente artificiais destinados a contornar o imposto nacional normalmente devido. Por conseguinte, a aplicação dessa medida de tributação deve ser afastada quando se verificar, com base em elementos objetivos e comprováveis por terceiros, que, não obstante a existência de razões de natureza fiscal, a referida SEC está realmente implantada no Estado‑Membro de acolhimento e aí exerce atividades económicas efetivas. |
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126 |
A interpretação das regras aplicáveis às SEC enunciadas na parte 9 A da TIOPA invocada pelos recorrentes reflete estes princípios, uma vez que, através dos capítulos 5 e 9, esta parte visa tributar os lucros que decorrem de práticas abusivas, como os expedientes puramente artificiais, concedendo aos contribuintes a possibilidade de apresentarem um pedido para evitar ou para reduzir essa tributação quando estejam preenchidas certas condições que, na opinião do legislador nacional, eliminam ou reduzem o risco da existência de tais expedientes. |
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127 |
Daqui resulta que, como a advogada‑geral salientou, em substância, nos n.os 87 a 90 das suas conclusões, as regras aplicáveis às SEC, consideradas no seu conjunto, e particularmente, no que respeita aos lucros financeiros não comerciais, as regras enunciadas nos capítulos 5 e 9, vêm completar o SGIS, obedecendo à mesma lógica, predominantemente baseada no princípio da territorialidade. Com efeito, o encargo SEC não é aplicado, ou é aplicado de forma parcial, aos lucros financeiros não comerciais das SEC, como os provenientes dos empréstimos elegíveis, que não tenham um nexo territorial bastante com o Reino Unido e que não constituam, portanto, lucros artificialmente desviados ou uma erosão da base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido. |
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128 |
Esta conclusão não pode ser posta em causa pelas considerações tecidas nos n.os 85 a 90 do acórdão recorrido. O Tribunal Geral, para considerar que as regras aplicáveis às SEC seriam constitutivas de um corpo completo, distinto do SGIS, sublinhou, antes de mais, as diferenças que existiriam entre o SGIS e essas regras quanto à matéria coletável, o sujeito passivo do imposto, o facto gerador do imposto e a taxa de tributação, em seguida, a presença na parte 9 A da TIOPA de disposições específicas relativas ao encargo SEC e, por último, a existência, nessa parte, de um mecanismo destinado a evitar a dupla tributação. |
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129 |
A este respeito, primeiro, quanto à matéria coletável, como salienta o Reino Unido, o Tribunal Geral, erradamente, distingue entre lucros obtidos nesse Estado e lucros que tenham sido artificialmente desviados deste, para os considerar constitutivos de matérias coletáveis diferentes. Com efeito, em ambos os casos, a matéria coletável corresponde aos lucros obtidos. |
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130 |
Segundo, no que respeita aos sujeitos passivos do imposto, há que salientar que os sujeitos passivos do encargo SEC são as sociedades‑mães estabelecidas no Reino Unido, a saber, as sociedades que também estão sujeitas ao imposto sobre as sociedades no Reino Unido. É verdade que se trata de um subconjunto de sociedades estabelecidas no Reino Unido, uma vez que nem todas essas sociedades controlam, necessariamente, SEC cujos lucros desencadeiam um encargo SEC. Contudo, o facto é que, nesse subgrupo, as mesmas sociedades estão sujeitas quer ao imposto sobre as sociedades quer ao encargo SEC. Por conseguinte, o Tribunal Geral errou ao considerar que existia uma distinção relevante entre os sujeitos passivos do encargo SEC e os sujeitos passivos do imposto resultante do SGIS. |
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131 |
Terceiro, no que respeita ao facto gerador, o Tribunal Geral considerou que um encargo SEC é aplicável quando as SEC obtêm lucros fora do Reino Unido resultantes de expedientes ou de desvios puramente artificiais de recursos ou de lucros que deveriam ter sido tributados no Reino Unido. Considerou que o facto gerador desse encargo não correspondia à obtenção de lucros tributáveis em sede do SGIS no Reino Unido. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral interpretou incorretamente o conceito de facto gerador, uma vez que, em ambos os casos, o acontecimento que justifica a sujeição de uma pessoa ao imposto é a obtenção de lucros por esta. |
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132 |
Quarto, quanto à taxa do encargo SEC, este é o mesmo que para o imposto previsto pelo SGIS, como admitiu o Tribunal Geral. É certo que este último acrescentou que, no que respeita ao encargo SEC, existe um mecanismo de cálculo específico que pode implicar que se faça a média de várias taxas de imposto aplicáveis aos lucros tributáveis da sociedade no Reino Unido. No entanto, como alega o Reino Unido, sem ser desmentido pela Comissão, a possibilidade de a taxa de imposto corresponder à média de várias taxas existe tanto para o encargo SEC como para o imposto sobre as sociedades estabelecidas no Reino Unido. Com efeito, o artigo 8.o, n.o 5, do Corporation Tax Act 2009 (Lei relativa ao Imposto sobre as Sociedades de 2009) prevê um mecanismo equivalente ao que decorre do artigo 371BC do capítulo 2, mencionado pelo Tribunal Geral no n.o 88 do acórdão recorrido. |
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133 |
Quinto, embora seja facto assente que a parte 9 A da TIOPA contém disposições específicas relativas ao cálculo do encargo SEC, essas regras são, em substância, idênticas às do SGIS em vários aspetos, como sustenta o Reino Unido e como admite a Comissão. |
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134 |
Sexto, no que respeita à dupla tributação, o Reino Unido e a ITV alegam, com razão, que a parte 2 da TIOPA é consagrada a esta problemática, pelo que o Tribunal Geral considerou erradamente que a existência de um mecanismo destinado a evitar a dupla tributação era uma especificidade das regras aplicáveis às SEC. |
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135 |
Decorre de todas estas considerações que as regras aplicáveis às SEC fazem parte integrante do SGIS, que complementam, seguindo a mesma lógica que este último, segundo a qual os lucros que apresentem um nexo territorial bastante com o Reino Unido estão sujeitos ao imposto. Por conseguinte, como alegam os recorrentes na sua primeira contestação referida no n.o 53 do presente acórdão, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao confirmar que, como a Comissão tinha considerado na decisão controvertida, o quadro de referência para efeitos do exame da seletividade das isenções em causa à luz do artigo 107.o, n.o 1, TFUE era constituído apenas pelas regras aplicáveis às SEC, enunciadas na parte 9 A da TIOPA. |
Conclusão quanto aos presentes recursos
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136 |
Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, constituindo a determinação do quadro de referência o ponto de partida do exame comparativo que deve ser realizado no contexto da apreciação da seletividade, um erro cometido no momento em que esta determinação é efetuada vicia necessariamente toda a análise da condição relativa à seletividade (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 71 e jurisprudência referida). |
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137 |
Por conseguinte, o erro de direito constatado no n.o 135 do presente acórdão é suficiente para anular o acórdão recorrido na sua totalidade, sem que seja necessário examinar as outras contestações mencionadas no n.o 53 do presente acórdão. |
Quanto aos recursos interpostos no Tribunal Geral
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138 |
Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. |
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139 |
É o que acontece no caso em apreço, uma vez que os fundamentos dos recursos de anulação da decisão controvertida que foram objeto de debate contraditório no Tribunal Geral e o seu exame não exigem medidas suplementares de organização do processo nem medidas de instrução. |
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140 |
A este respeito, basta salientar que, pelos motivos enunciados nos n.os 90 a 135 do presente acórdão, a decisão controvertida deve ser anulada, visto que a Comissão cometeu um erro de direito ao declarar a existência de uma vantagem seletiva com base num quadro de referência limitado às regras aplicáveis às SEC inscritas na parte 9 A da TIOPA, quando essas regras são indissociáveis do SGIS. |
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141 |
Deste modo, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 136 do presente acórdão, semelhante erro na determinação das regras efetivamente aplicáveis ao abrigo do direito nacional relevante e, por conseguinte, na identificação da tributação dita «normal» à luz da qual as isenções em causa deviam ser examinadas vicia, necessariamente, todo o raciocínio relativo à existência de uma vantagem seletiva. |
Quanto às despesas
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142 |
Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá, também, sobre as despesas. |
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143 |
O artigo 138.o, n.o 1, e o artigo 140.o, n.o 1, desse regulamento, aplicáveis aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, dispõem, por um lado, que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido, e, por outro, que os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. |
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144 |
No caso em apreço, no que respeita aos presentes recursos interpostos nos processos C‑555/22 P, C‑556/22 P e C‑564/22 P, o Reino Unido, a ITV e a LSEGH, tendo cada um obtido ganho de causa, há que condenar a Comissão, em conformidade com os seus pedidos, a suportar, além das suas despesas, as despesas efetuadas pelos recorrentes no recurso de decisão do Tribunal Geral. |
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145 |
Por outro lado, tendo os recursos interpostos no Tribunal Geral sido julgados procedentes, a Comissão é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Reino Unido no processo T‑363/19, bem como as efetuadas pela ITV e pela LSEGH no processo T‑456/19. |
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146 |
O Reino Unido suportará as suas próprias despesas no processo T‑456/19. |
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Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: inglês.