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Document 62022CJ0351

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 10 de setembro de 2024.
Neves 77 Solutions SRL contra Agenţia Naţională de Administrare Fiscală – Direcţia Generală Antifraudă Fiscală.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunalul Bucureşti.
Reenvio prejudicial — Política externa e de segurança comum (PESC) — Medidas restritivas tendo em conta as ações da Federação da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia — Decisão 2014/512/PESC — Artigo 2.°, n.° 2, alínea a) — Competência do Tribunal de Justiça — Artigo 24.°, n.° 1, segundo parágrafo, último período, TUE — Artigo 275.° TFUE — Artigo 215.° TFUE — Artigo 17.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito de propriedade — Princípios da segurança jurídica e da legalidade das penas — Serviços de corretagem relacionados com equipamento militar — Proibição de prestar tais serviços — Não notificação às autoridades nacionais competentes — Contraordenação — Coima — Perda automática das quantias recebidas como contrapartida da operação proibida.
Processo C-351/22.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:723

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

10 de setembro de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política externa e de segurança comum (PESC) — Medidas restritivas tendo em conta as ações da Federação da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia — Decisão 2014/512/PESC — Artigo 2.o, n.o 2, alínea a) — Competência do Tribunal de Justiça — Artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE — Artigo 275.o TFUE — Artigo 215.o TFUE — Artigo 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito de propriedade — Princípios da segurança jurídica e da legalidade das penas — Serviços de corretagem relacionados com equipamento militar — Proibição de prestar tais serviços — Não notificação às autoridades nacionais competentes — Contraordenação — Coima — Perda automática das quantias recebidas como contrapartida da operação proibida»

No processo C‑351/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunalul Bucureşti (Tribunal Regional de Bucareste, Roménia), por Decisão de 2 de novembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de maio de 2022, no processo

Neves 77 Solutions SRL

contra

Agenţia Naţională de Administrare Fiscală – Direcţia Generală Antifraudă Fiscală,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, K. Jürimäe, T. von Danwitz (relator), Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, S. Rodin, I. Jarukaitis, A. Kumin e M. Gavalec, juízes,

advogada‑geral: T. Ćapeta,

secretária: K. Hötzel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 27 de junho de 2023,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Neves 77 Solutions SRL, por S. Donescu, avocată,

em representação do Governo Romeno, por E. Gane, L. Ghiță e O.‑C. Ichim, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Neerlandês, por M. K. Bulterman, na qualidade de agente,

em representação do Governo Austríaco, por J. Schmoll e. Samoilova, na qualidade de agentes, bem como por M. Meisel, perito,

em representação do Conselho da União Europeia, por M. Bishop e A. Ştefănuc, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por J.‑F. Brakeland, M. Carpus Carcea, L. Gussetti e Y. Marinova, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 23 de novembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), e dos artigos 5.o e 7.o da Decisão 2014/512/PESC do Conselho, de 31 de julho de 2014, que impõe medidas restritivas tendo em conta as ações da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia (JO 2014, L 229, p. 13), conforme alterada pela Decisão 2014/659/PESC do Conselho, de 8 de setembro de 2014 (JO 2014, L 271, p. 54) (a seguir «Decisão 2014/512»), lidos à luz dos princípios da segurança jurídica e da legalidade das penas.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Neves 77 Solutions SRL (a seguir «Neves») à Agenţia Naţională de Administrare Fiscală – Direcţia Generală Antifraudă Fiscală (Agência Nacional da Administração Tributária — Direção‑Geral Antifraude Tributária, Roménia) (a seguir «ANAF») a respeito de um auto de contraordenação que aplica a esta sociedade uma coima e declara a perda das quantias recebidas como contrapartida de uma operação de corretagem por incumprimento, nomeadamente, do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512.

Quadro jurídico

Direito da União

Tratados UE e FUE

3

O título V do Tratado UE tem como epígrafe «Disposições gerais relativas à ação externa da União [Europeia] e disposições específicas relativas à política externa e de segurança comum». No capítulo 2 deste título, sob a epígrafe «Disposições específicas relativas à política externa e de segurança comum», o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, enuncia:

«A política externa e de segurança comum está sujeita a regras e procedimentos específicos. É definida e executada pelo Conselho Europeu e pelo Conselho [da União Europeia], que deliberam por unanimidade, salvo disposição em contrário dos Tratados. Fica excluída a adoção de atos legislativos. Esta política é executada pelo Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e pelos Estados‑Membros, nos termos dos Tratados. Os papéis específicos que cabem ao Parlamento Europeu e à Comissão [Europeia] neste domínio são definidos pelos Tratados. O Tribunal de Justiça da União Europeia não dispõe de competência no que diz respeito a estas disposições, com exceção da competência para verificar a observância do artigo 40.o [TUE] e fiscalizar a legalidade de determinadas decisões a que se refere o segundo parágrafo do artigo 275.o [TFUE].»

4

O artigo 40.o TUE, que também figura neste capítulo 2, prevê:

«A execução da política externa e de segurança comum não afeta a aplicação dos procedimentos e o âmbito respetivo das atribuições das instituições previstos nos Tratados para o exercício das competências da União enumeradas nos artigos 3.o a 6.o [TFUE].

De igual modo, a execução das políticas a que se referem esses artigos também não afeta a aplicação dos procedimentos e o âmbito respetivo das atribuições das instituições previstos nos Tratados para o exercício das competências da União a título do presente capítulo.»

5

A parte V do Tratado FUE respeita à ação externa da União. O artigo 215.o TFUE, que figura no título IV desta parte V, sob a epígrafe «Medidas restritivas», dispõe:

«1.   Quando uma decisão, adotada em conformidade com o capítulo 2 do título V do Tratado [UE], determine a interrupção ou a redução, total ou parcial, das relações económicas e financeiras com um ou mais países terceiros, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta conjunta do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e da Comissão, adota as medidas que se revelarem necessárias. O Conselho informa o Parlamento Europeu desse facto.

2.   Quando uma decisão, adotada em conformidade com o capítulo 2 do título V do Tratado [UE], o permita, o Conselho pode adotar, de acordo com o processo a que se refere o n.o 1, medidas restritivas relativamente a pessoas singulares ou coletivas, a grupos ou a entidades não estatais.

[…]»

6

A parte VI do Tratado FUE contém disposições institucionais e financeiras. O título I desta parte VI tem por epígrafe «Disposições institucionais». A secção 5 deste título I, relativa ao Tribunal de Justiça da União Europeia, contém o artigo 275.o TFUE, que tem a seguinte redação:

«O Tribunal de Justiça da União Europeia não dispõe de competência no que diz respeito às disposições relativas à política externa e de segurança comum, nem no que diz respeito aos atos adotados com base nessas disposições.

Todavia, o Tribunal é competente para controlar a observância do artigo 40.o [TUE] e para se pronunciar sobre os recursos interpostos nas condições do quarto parágrafo do artigo 263.o [TFUE], relativos à fiscalização da legalidade das decisões que estabeleçam medidas restritivas contra pessoas singulares ou coletivas, adotadas pelo Conselho com base no capítulo 2 do título V do Tratado [UE].»

Decisão 2014/512

7

O artigo 2.o da Decisão 2014/512 dispõe:

«1.   São proibidos a venda, o fornecimento, a transferência ou a exportação, diretos ou indiretos, para a Rússia, por nacionais dos Estados‑Membros ou a partir dos territórios dos Estados‑Membros, ou utilizando navios ou aeronaves que arvorem a sua bandeira, de armamento e material conexo de qualquer tipo, incluindo armas e munições, veículos e equipamentos militares, equipamentos paramilitares e respetivas peças sobresselentes, originários ou não daqueles territórios.

2.   É igualmente proibido:

a)

Prestar assistência técnica, serviços de corretagem ou outros serviços relacionados com atividades militares e com o fornecimento, fabrico, manutenção e utilização de armamento e material conexo de qualquer tipo, incluindo armas e munições, veículos e equipamentos militares, equipamentos paramilitares e respetivas peças sobresselentes, direta ou indiretamente, a qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo da Rússia ou para utilização nesse país;

[…]»

8

Nos termos do artigo 5.o desta decisão:

«A fim de maximizar o impacto das medidas referidas na presente decisão, a União incentiva os Estados terceiros a adotarem medidas restritivas semelhantes às nela previstas.»

9

O artigo 7.o da referida decisão dispõe:

«1.   Não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização relativamente a contratos ou transações cuja execução tenha sido afetada, direta ou indiretamente, total ou parcialmente, pelas medidas impostas pela presente decisão, nomeadamente sob a forma de pedidos de indemnização ou qualquer outro pedido deste tipo, tais como um pedido de compensação ou um pedido ao abrigo de uma garantia, em especial um pedido de prorrogação ou de pagamento de uma garantia ou contragarantia, nomeadamente financeira, independentemente da forma que assuma, a pedido de:

a)

Entidades referidas no artigo 1.o, n.o 1, alíneas b) ou c)[,] e no artigo 1.o, n.o 2, alíneas c) ou d), ou enumeradas nos anexos I, II, III ou IV;

b)

Outras pessoas, entidades ou organismos russos; ou

c)

Pessoas, entidades ou organismos que atuem por intermédio de uma das pessoas, entidades ou organismos, ou em seu nome, referidos nas alíneas a) ou b).

2.   Nos procedimentos de execução de um pedido, o ónus da prova de que a satisfação do pedido não é proibida pelo n.o 1 cabe à pessoa que pretende que o pedido seja executado.

3.   O presente artigo não prejudica o direito que assiste às pessoas, entidades e organismos referidos no n.o 1 a uma reapreciação judicial da legalidade do não cumprimento das obrigações contratuais em conformidade com a presente decisão.»

Regulamento (UE) n.o 833/2014

10

O artigo 1.o do Regulamento (UE) n.o 833/2014 do Conselho, de 31 de julho de 2014, que impõe medidas restritivas tendo em conta as ações da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia (JO 2014, L 229, p. 1), dispõe.

«Para efeitos do presente Regulamento, entende‑se por:

[…]

d)

“serviços de corretagem”:

i)

a negociação ou a organização de transações com vista à compra, venda ou fornecimento de bens e tecnologias ou de serviços financeiros e técnicos, nomeadamente de um país terceiro para outro país terceiro, ou

ii)

a venda ou compra de bens e tecnologias ou de serviços financeiros e técnicos, nomeadamente quando se encontrem em países terceiros, com vista à sua transferência para outro país terceiro;

[…]»

11

Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento:

«É proibido:

a)

Prestar, direta ou indiretamente, assistência técnica relativamente aos bens e tecnologias enumerados na Lista Militar Comum […], ou ao fornecimento, fabrico, manutenção e utilização dos bens enumerados nessa lista, a qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo da Rússia ou que se destinem a ser utilizados na Rússia.»

Regulamento (UE) 2023/1214

12

O artigo 1.o, ponto 19, do Regulamento (UE) 2023/1214 do Conselho, de 23 de junho de 2023, que altera o Regulamento (UE) n.o 833/2014 que impõe medidas restritivas tendo em conta as ações da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia (JO 2023, L 159 I, p. 1), substituiu a redação do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 833/2014, acrescentando os termos «e serviços de corretagem», do seguinte modo:

«É proibido:

a)

Prestar, direta ou indiretamente, assistência técnica e serviços de corretagem relativamente aos bens e tecnologias enumerados na Lista Militar Comum […], ou ao fornecimento, fabrico, manutenção e utilização dos bens enumerados nessa lista, a qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo da Rússia ou que se destinem a ser utilizados na Rússia».

Posição Comum 2008/944/PESC

13

Nos termos do artigo 12.o da Posição Comum 2008/944/PESC do Conselho, de 8 de dezembro de 2008, que define regras comuns aplicáveis ao controlo das exportações de tecnologia e equipamento militares (JO 2008, L 335, p. 99):

«Os Estados‑Membros asseguram que a respetiva legislação nacional lhes permite controlar a exportação da tecnologia e do equipamento constantes da Lista Militar Comum da [União Europeia]. A Lista Militar Comum da [União Europeia] funciona como ponto de referência para as listas nacionais de tecnologia e equipamento militares dos Estados‑Membros, mas não as substitui diretamente.»

Lista Militar Comum da União Europeia

14

Em 26 de fevereiro de 2018, o Conselho adotou uma nova versão da Lista Militar Comum da União Europeia (JO 2018, C 98, p. 1), referida no artigo 12.o da Posição Comum 2008/944. Em 18 de fevereiro de 2019, o Conselho adotou uma versão atualizada dessa lista (JO 2019, C 95, p. 1).

15

O ponto «ML 11» da referida lista, nestas duas versões, continha uma enumeração de equipamento eletrónico, de «veículos espaciais» e de componentes, de resto, não referidos na Lista Militar Comum da União Europeia.

Direito romeno

OUG n.o 202/2008

16

O artigo 1.o, n.o 1, do Ordonanța de urgență a Guvernului nr. 202/2008 privind punerea în aplicare a sancțiunilor internaționale (Decreto Urgente do Governo n.o 202/2008, relativo à Aplicação de Sanções Internacionais), de 4 de dezembro de 2008 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 825, de 8 de dezembro de 2008) (a seguir «OUG n.o 202/2008»), dispõe:

«O presente decreto urgente regula as modalidades de aplicação a nível nacional das sanções internacionais aplicadas pelas(os):

a)

resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou outros atos adotados com base no artigo 41.o da Carta das Nações Unidas;

b)

regulamentos, decisões, posições comuns, ações comuns e outros instrumentos jurídicos da União Europeia.»

17

Nos termos do artigo 3.o do OUG n.o 202/2008:

«1.   Os atos a que se refere o artigo 1.o, n.o 1, vinculam, nos termos do direito nacional, todas as autoridades e instituições públicas da Roménia, bem como as pessoas singulares ou coletivas romenas ou situadas no território da Roménia, em conformidade com as regulamentações que estabelecem o regime jurídico de cada categoria de atos.

2.   As disposições legislativas nacionais não podem ser invocadas para justificar a não aplicação das sanções internacionais referidas no artigo 1.o, n.o 1.»

18

O artigo 7.o do OUG n.o 202/2008 prevê:

«1.   Qualquer pessoa que detenha dados e informações relativos a pessoas ou entidades designadas, que detenha ou controle bens ou que possua dados e informações relativos a estes, a transações relacionadas com bens ou em que estejam envolvidas pessoas ou entidades designadas, deve informar a autoridade competente, em conformidade com o presente decreto urgente, logo que tome conhecimento da existência da situação que exige essa informação.

2.   A autoridade ou instituição pública informada nos termos do n.o 1, caso verifique que não é uma autoridade competente por força do presente decreto urgente, transmite a informação à autoridade competente no prazo de 24 horas. Se a autoridade competente não puder ser identificada, a informação é transmitida ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de coordenador do Comité Interinstitucional referido no artigo 13.o

3.   A informação deve conter indicações mínimas que permitam identificar e contactar o seu autor.»

19

O artigo 24.o, n.o 1, do OUG n.o 202/2008 tem a seguinte redação:

«As pessoas singulares ou coletivas que, tendo estabelecido uma relação jurídica ou que se encontrem numa situação de facto relativamente a qualquer bem que seja objeto de sanção internacional, tomem conhecimento da existência de situações que exijam informação ou indicação nos termos, respetivamente, do artigo 7.o ou do artigo 18.o, são obrigadas, sem demora e sem notificação prévia às autoridades competentes, a abster‑se de efetuar qualquer operação em relação a esse bem diferente das previstas no presente decreto urgente e a informar imediatamente as autoridades competentes desse facto.»

20

O artigo 26.o, n.o 1, alínea b), do OUG n.o 202/2008 dispõe:

«As seguintes infrações constituem contraordenações e são puníveis com coima de 10000 a 30000 [leus romenos (RON)], sendo também passíveis de declaração de perda dos bens destinados à infração, utilizados na prática desta ou daí resultantes:

[…]

b)

o incumprimento da obrigação prevista no artigo 24.o, n.o 1, se o ato não constituir uma infração penal.»

Despachos n.o 156/2018 e n.o 901/2019

21

O Ordinul ministrului afacerilor externe nr. 156/2018 pentru aprobarea Listei cuprinzând produsele militare supuse regimului de control al exporturilor, importurilor și altor operațiuni (Despacho do Ministro dos Negócios Estrangeiros n.o 156/2018, que aprova a Lista dos Produtos Militares sujeitos ao Regime de Controlo das Exportações, Importações e outras Operações), de 18 de janeiro de 2018 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 86, de 30 de janeiro de 2018; a seguir «Despacho n.o 156/2018»), em vigor de 5 de março de 2018 a 4 de julho de 2019, foi revogado e substituído pelo Ordinul ministrului afacerilor externe nr. 901/2019 pentru aprobarea Listei cuprinzând produsele militare supuse regimului de control al exporturilor, importurilor și altor operațiuni (Despacho do Ministro dos Negócios Estrangeiros n.o 901/2019, que aprova a Lista dos Produtos Militares sujeitos ao Regime de Controlo das Exportações, Importações e outras Operações), de 4 de junho de 2019 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 477, de 12 de junho de 2019; a seguir «Despacho n.o 901/2019»), em vigor de 5 de julho de 2019 a 6 de outubro de 2021.

22

A categoria «ML 11» desses despachos continha uma lista de equipamento eletrónico, de «veículos espaciais» e de componentes, de resto não referidos na lista estabelecida pelos referidos despachos.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23

A Neves, cuja atividade principal é a corretagem na venda de produtos no domínio da aviação, serviu de intermediária numa transação entre a SFTE Spetstechnoexport (a seguir «SFTE»), sociedade ucraniana, e uma sociedade indiana.

24

Em 4 de janeiro de 2019, a Neves, como vendedora, celebrou com a SFTE, como compradora, um contrato de transferência dos direitos de propriedade de 32 estações de rádio R‑800L2E, que deviam ser entregues nos Emirados Árabes Unidos (a seguir «contrato de 4 de janeiro de 2019»). Em 8 de janeiro de 2019, a Neves comprou a uma sociedade portuguesa essas 32 estações de rádio, 20 das quais foram fabricadas na Rússia e exportadas para os Emirados Árabes Unidos. Em seguida, a pedido da SFTE, a Neves transferiu as referidas 32 estações de rádio para essa sociedade indiana, que as recebeu em 31 de janeiro de 2019.

25

Por ofícios de 26 e 29 de julho de 2019, o Departamentul pentru Controlul Exporturilor (ANCEX) din cadrul Ministerului Afacerilor Externe [Departamento de Controlo das Exportações (ANCEX) do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Roménia] (a seguir «ANCEX») informou a Neves de que as estações de rádio R‑800L2E pertenciam à categoria ML 11 da lista de produtos militares aprovada pelo Despacho n.o 901/2019, de que as operações comerciais a elas respeitantes só podiam ser realizadas com base num registo e em licenças emitidas por este departamento, nos termos do Ordonanța de urgență a Guvernului nr. 158/1999 privind regimul de control al exporturilor, importurilor și altor operațiuni cu produse militare (Decreto Urgente do Governo n.o 158/1999, relativo ao Regime de Controlo das Exportações, Importações e outras Operações com Produtos Militares), e de que a operação de corretagem respeitante a estas estações de rádio estava abrangida pelo âmbito de aplicação da Decisão 2014/512.

26

Em resposta a estes ofícios, a Neves contestou o caráter militar das referidas estações de rádio e argumentou que o Despacho n.o 901/2019 não era aplicável no momento da entrega das mesmas. A Neves acrescentou que o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512 também não era aplicável, uma vez que as mesmas estações de rádio não tinham sido vendidas na Rússia, tendo estas sido entregues na Índia.

27

Em 6 e 9 de agosto de 2019, a Neves recebeu da SFTE, respetivamente, os montantes de 577746,08 euros, a título de sinal, e de 2407215,32 euros, a título de pagamento dos bens entregues nos termos do contrato de 4 de janeiro de 2019.

28

Em 12 de maio de 2020, a ANAF lavrou um auto de contraordenação, em conformidade com o artigo 26.o, n.o 1, alínea b), do OUG n.o 202/2008, decretando em relação à Neves, a título principal, a aplicação de uma coima no montante de 30000 leus romenos (RON) (cerca de 6066 euros) e, a título complementar, a perda do montante total de 14113003 RON (cerca de 2984961,40 euros), recebido em 6 e 9 de agosto de 2019 nos termos do contrato de 4 de janeiro de 2019.

29

A ANAF considerou que a Neves tinha violado o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512, bem como o artigo 3.o, n.o 1, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 24.o, n.o 1, do OUG n.o 202/2008. Em anexo a este auto, a ANAF salientou, nomeadamente, que, pese embora, por carta de 27 de junho de 2019, a Neves tenha informado o ANCEX de que o país de origem das estações de rádio era a Federação da Rússia, continuou a cumprir esse contrato e recebeu esse montante, apesar dos ofícios do ANCEX de 26 e 29 de julho de 2019.

30

A Neves intentou uma ação de anulação do referido auto no Judecătoria Sectorului 1 București (Tribunal de Primeira Instância do Setor 1 de Bucareste, Roménia), que, por Sentença de 2 de novembro de 2020, julgou a ação improcedente.

31

A Neves interpôs recurso dessa sentença para o Tribunalul Bucurel’ti (Tribunal Regional de Bucareste, Roménia), órgão jurisdicional de reenvio. A Neves contesta, a título principal, ter praticado a contraordenação que lhe é imputada pela ANAF e sustenta, a título subsidiário, que a medida de declaração de perda que lhe é aplicada devido a essa contraordenação não é proporcionada e constitui uma violação do seu direito de propriedade, conforme garantido pelo artigo 1.o do Protocolo Adicional n.o 1 à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinado em Paris, em 20 de março de 1952 (a seguir «Primeiro Protocolo Adicional»).

32

O órgão jurisdicional de reenvio considera que, na sua jurisprudência, nomeadamente no Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236), o Tribunal de Justiça ainda não interpretou o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512, e que é necessário clarificar, em particular, se esta decisão permite uma medida de declaração de perda total como a que está em causa no processo principal. O referido órgão jurisdicional também se interroga sobre a sua proporcionalidade, nomeadamente à luz da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

33

Nestas circunstâncias, o Tribunalul București (Tribunal Regional de Bucareste) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Pode a [Decisão 2014/512], em especial os artigos 5.o e 7.o, à luz dos princípios da segurança jurídica e [da legalidade das penas (nulla poena sine lege)], ser interpretada no sentido de que permite (a título de sanção civil) uma medida nacional que autoriza a perda total dos montantes resultantes de uma operação, como a referida no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da [Decisão 2014/512], quando se verifique a prática de um facto qualificado de contraordenação pela lei nacional?

2)

Deve o artigo 5.o da [Decisão 2014/512] ser interpretado no sentido de que permite que os Estados‑Membros adotem medidas nacionais que prevejam a perda automática de todos os montantes que resultem da violação da obrigação de notificar uma operação abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da [Decisão 2014/512]?

3)

A proibição prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão [2014/512] é aplicável quando os bens que constituem equipamento militar, que foram objeto das operações de corretagem, não tenham sido materialmente importados para o território do Estado‑Membro?»

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

34

Os Governos Romeno e Neerlandês, bem como o Conselho, consideram que, por força do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e do artigo 275.o TFUE, o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar uma disposição de alcance geral abrangida pela política externa e de segurança comum (PESC) que serve de fundamento a medidas nacionais sancionatórias, como o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512. Por seu turno, a Neves, o Governo Austríaco e a Comissão consideram que o Tribunal de Justiça é competente para interpretar tal disposição.

35

A este respeito, importa recordar que, em conformidade com o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e com o artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça não é, em princípio, competente no que respeita às disposições relativas à PESC e aos atos adotados com base nessas disposições. Estas disposições introduzem uma derrogação à regra da competência geral que o artigo 19.o TUE confere ao Tribunal de Justiça para assegurar o respeito pelo direito na interpretação e aplicação dos Tratados, pelo que devem ser interpretadas restritivamente (Acórdãos de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho, C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.os 69 e 70; de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o., C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.os 39 e 40, e de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho, C‑134/19 P, EU:C:2020:793, n.os 26 e 32).

36

Além disso, o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e o artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE estabelecem expressamente duas exceções a este princípio, a saber, a competência do Tribunal de Justiça para fiscalizar, por um lado, a observância do artigo 40.o TUE e, por outro, a legalidade das decisões do Conselho, adotadas com fundamento nas disposições relativas à PESC, que preveem medidas restritivas contra pessoas singulares ou coletivas (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.os 60 e 81).

37

O Tribunal de Justiça esclareceu que, no que respeita a atos adotados com base nas disposições relativas à PESC, é a natureza individual desses atos que, nos termos do artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE, dá acesso aos órgãos jurisdicionais da União (Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 103 e jurisprudência referida).

38

Todavia, o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512, cujo âmbito de aplicação não é definido por referência a pessoas singulares ou coletivas identificadas, mas sim a critérios objetivos, constitui, em todo o caso, uma medida de alcance geral não abrangida pelas medidas restritivas previstas no artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE (v., por analogia, Acórdãos de 28 de novembro de 2013, Conselho/Manufacturing Support & Procurement Kala Naft, C‑348/12 P, Colet., EU:C:2013:776, n.o 99, e de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.os 97 e 98).

39

Além disso, em conformidade com jurisprudência constante, a competência do Tribunal de Justiça não é de modo nenhum limitada no caso de um regulamento adotado com base no artigo 215.o TFUE, que dá execução às posições da União aprovadas no contexto da PESC. Com efeito, tais regulamentos constituem atos da União adotados com base no Tratado FUE e em relação aos quais os órgãos jurisdicionais da União dispõem de todas as competências que lhes são conferidas pelo direito primário da União (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 106 e jurisprudência referida).

40

É o caso, nomeadamente, do Regulamento n.o 833/2014 (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.os 105 e 107).

41

Não obstante, uma vez que a proibição de prestar serviços de corretagem prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512, que serve de fundamento às medidas nacionais sancionatórias aplicadas à Neves, não tinha sido implementada no Regulamento n.o 833/2014 à data dos factos em causa no processo principal, coloca‑se a questão de saber se o Tribunal de Justiça é competente para interpretar este artigo 2.o, n.o 2, alínea a).

42

Neste contexto, importa examinar se o Tribunal de Justiça é competente para interpretar uma medida restritiva de alcance geral, como o referido artigo 2.o, n.o 2, alínea a), na hipótese de essa medida, que serve de fundamento a medidas nacionais sancionatórias aplicadas a uma pessoa singular ou coletiva, dever ter sido implementada num regulamento ao abrigo do artigo 215.o TFUE, para assegurar uma aplicação uniforme da referida medida à escala da União.

43

Em primeiro lugar, no que se refere à competência do Tribunal de Justiça para fiscalizar a observância do artigo 40.o TUE, cabe salientar que os Tratados não preveem uma modalidade específica de realização dessa fiscalização jurisdicional. Nestas condições, a referida fiscalização resulta da competência geral que o artigo 19.o TUE confere ao Tribunal de Justiça para assegurar o respeito pelo direito na interpretação e aplicação dos Tratados (Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 62). Ao prever esta competência geral, o artigo 19.o, n.o 3, alínea b), TUE dispõe, por outro lado, que o Tribunal de Justiça decide a título prejudicial, a pedido dos órgãos jurisdicionais nacionais, sobre a interpretação do direito da União ou sobre a validade dos atos adotados pelas instituições da União.

44

No âmbito da referida fiscalização, em conformidade com o artigo 40.o, primeiro parágrafo, TUE, incumbe ao Tribunal de Justiça velar por que a execução da PESC pelo Conselho não afete a aplicação dos procedimentos e o âmbito respetivo das atribuições das instituições previstos nos Tratados para o exercício das competências da União enumeradas no Tratado FUE.

45

Isto implica, concretamente, assegurar que, no que diz respeito à aplicação do artigo 215.o TFUE, que estabelece uma ponte entre os objetivos do Tratado UE em matéria de PESC e as ações da União que contêm medidas restritivas abrangidas pelo Tratado FUE (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de julho de 2012, Parlamento/Conselho, C‑130/10, EU:C:2012:472, n.o 59, e de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho, C‑134/19 P, EU:C:2020:793, n.o 38), o Conselho não possa eludir a competência do Tribunal de Justiça, tratando‑se de um regulamento baseado neste artigo.

46

A este respeito, resulta da redação clara do artigo 215.o, n.o 1, TFUE, especialmente da utilização do verbo «adota», que se distingue dos termos «pode adotar» utilizados no n.o 2 deste artigo, que incumbe ao Conselho adotar as medidas necessárias previstas neste n.o 1, para tornar eficaz uma decisão PESC que estabelece a posição da União relativamente à interrupção ou à redução das relações económicas e financeiras com um país terceiro. Esta instituição encontra‑se, portanto, na hipótese abrangida por este último número, numa situação de competência vinculada.

47

Em segundo lugar, também resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no que respeita aos atos da União que produzem efeitos jurídicos em relação a terceiros, a fiscalização jurisdicional conferida ao Tribunal de Justiça pelos Tratados não está limitada pela qualificação, natureza ou forma desses atos. Assim, em relação ao recurso de anulação previsto no artigo 263.o TFUE, uma vez que este recurso se destina a assegurar o respeito pelo direito na interpretação e aplicação dos Tratados, o mesmo pode ser exercido relativamente a todas as disposições adotadas pelas instituições, órgãos e organismos da União, independentemente da sua natureza ou forma, que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos [v., neste sentido, Acórdãos de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho, 22/70, EU:C:1971:32, n.os 40, 42 e 55, e de 14 de julho de 2022, Parlamento/Conselho (Sede da Autoridade Europeia do Trabalho),C‑743/19, EU:C:2022:569, n.o 36 e jurisprudência referida].

48

Decorre das considerações expostas que a competência conferida ao Tribunal de Justiça pelos Tratados para assegurar a proteção jurisdicional de terceiros não pode ser limitada pela circunstância de o Conselho não ter tomado todas as medidas necessárias com base no artigo 215.o, n.o 1, TFUE, quando, como foi sublinhado no n.o 46 do presente acórdão, a sua competência a este título é vinculada.

49

Por conseguinte, a possibilidade de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial prevista nos Tratados, relativamente a regulamentos adotados com base no artigo 215.o, n.o 1, TFUE deve existir para todas as disposições que incumba ao Conselho incluir nesses regulamentos e que sirvam de fundamento a uma medida nacional sancionatória adotada em relação a terceiros (v., por analogia, Acórdão de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho, 22/70, EU:C:1971:32, n.os 38 a 40).

50

Esta interpretação é corroborada pelo objetivo essencial do artigo 267.o TFUE, que é assegurar a aplicação uniforme do direito da União pelos órgãos jurisdicionais nacionais. Com efeito, tratando‑se de medidas de alcance geral que incumba ao Conselho implementar num regulamento nos termos do artigo 215.o TFUE, as divergências entre os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros quanto à interpretação de tais medidas de alcance geral são suscetíveis de comprometer a própria unidade do ordenamento jurídico da União e de prejudicar a exigência fundamental de segurança jurídica (v., por analogia, Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 80).

51

A interpretação adotada no n.o 49 do presente acórdão também permite assegurar a necessária coerência do sistema de proteção jurisdicional previsto no direito da União. Com efeito, como resulta tanto do artigo 2.o TUE, que figura nas disposições comuns do Tratado UE, como do artigo 21.o TUE, relativo à ação externa da União, para o qual remete o artigo 23.o TUE, relativo à PESC, a União baseia‑se, designadamente, no valor do Estado de direito. A própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o cumprimento das disposições do direito da União é inerente à existência de um Estado de direito (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho, C‑134/19 P, EU:C:2020:793, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida).

52

Ora, o processo de reenvio prejudicial, previsto no artigo 19.o, n.o 3, alínea b), TUE e no artigo 267.o TFUE, que constitui a pedra angular do sistema jurisdicional da União, contribui de forma essencial para a preservação deste valor [v., neste sentido, Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.o 176 e jurisprudência referida).]

53

Há por conseguinte que considerar que, tendo em conta os artigos 19.o, 24.o e 40.o TUE, bem como o artigo 215.o, n.o 1, TFUE, lidos à luz dos artigos 2.o e 21.o TUE, o Tribunal de Justiça é competente para decidir a título prejudicial, nos termos do artigo 267.o TFUE, sobre a interpretação de uma medida de alcance geral de um ato adotado com fundamento nas disposições relativas à PESC na hipótese de incumbir ao Conselho implementar essa medida, que serve de fundamento a medidas nacionais sancionatórias aplicadas a uma pessoa singular ou coletiva, num regulamento nos termos do artigo 215.o TFUE.

54

É à luz destas considerações que há que apreciar a competência do Tribunal de Justiça para interpretar o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512.

55

Assim, cumpre verificar se a proibição de prestar serviços de corretagem relacionados com equipamento militar, prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512, se enquadra nas medidas necessárias, na aceção do artigo 215.o, n.o 1, TFUE, que incumbe ao Conselho adotar, como resulta do n.o 46 do presente acórdão, quando essa decisão prevê a interrupção ou a redução, total ou parcial, das relações económicas e financeiras com um ou mais países terceiros, para tornar eficaz essa decisão.

56

A este respeito, basta constatar que esta proibição visa restringir a capacidade de os operadores económicos realizarem operações abrangidas pelo âmbito de aplicação do Tratado FUE, pelo que só pode ser executada à escala da União se for seguida pela adoção de um regulamento nos termos do artigo 215.o TFUE, a fim de garantir a sua aplicação uniforme em todos os Estados‑Membros (v., por analogia, Acórdão de 1 de março de 2016, National Iranian Oil Company/Conselho, C‑440/14 P, EU:C:2016:128, n.o 54).

57

Com efeito, as armas e o equipamento militar referidos no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512, tal como os serviços conexos, estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do Tratado FUE. Em especial, como a Comissão referiu na audiência, o comércio dessas armas, desse equipamento e desses serviços é da competência da União por força dos artigos 114.o e 207.o TFUE. As referidas armas e o equipamento, que figuram na Lista Militar Comum da União Europeia referida no artigo 12.o da Posição Comum 2008/944 e que serve de referência às listas nacionais de tecnologia e equipamento militares dos Estados‑Membros, estão assim sujeitos à pauta aduaneira comum, como confirma o Regulamento (CE) n.o 150/2003 do Conselho, de 21 de janeiro de 2003, que suspende os direitos de importação relativos a determinado armamento e equipamento militar (JO 2003, L 25, p. 1).

58

Por outro lado, esta conclusão não pode ser posta em causa pela faculdade que o artigo 346.o, n.o 1, alínea b), TFUE confere aos Estados‑Membros, que permite que, em determinadas condições, qualquer Estado‑Membro tome as medidas que considere necessárias à proteção dos interesses essenciais da sua segurança e que estejam relacionadas com a produção ou o comércio de armas, munições e material de guerra. Como a Comissão alegou na audiência, esta faculdade não é suscetível de limitar a competência vinculada do Conselho, decorrente do artigo 215.o, n.o 1, TFUE, para tomar as medidas necessárias à execução, na União, da interrupção ou da redução das relações económicas e financeiras com um país terceiro prevista na decisão que adota a posição da União a este respeito.

59

De resto, importa observar que, com a adoção do Regulamento 2023/1214, o Conselho implementou a proibição de prestar serviços de corretagem relacionados com equipamento militar prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512, o que tende a confirmar que tal medida faz parte das medidas que devem ser adotadas num regulamento baseado no artigo 215.o, n.o 1, TFUE.

60

Daqui resulta que esta proibição de prestar serviços de corretagem relacionados com equipamento militar faz parte das medidas necessárias, na aceção do artigo 215.o, n.o 1, TFUE, para tornar esta decisão eficaz à escala da União, que incumbia ao Conselho implementar no Regulamento n.o 833/2014.

61

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça é competente para responder às questões prejudiciais.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à terceira questão

62

Com a terceira questão, que importa tratar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512 deve ser interpretado no sentido de que a proibição de prestar serviços de corretagem enunciada nesta disposição é aplicável ainda que o equipamento militar que foi objeto da operação de corretagem em causa nunca tenha sido importado para o território de um Estado‑Membro.

63

Nos termos desta disposição, «[é] igualmente proibido [p]restar assistência técnica, serviços de corretagem ou outros serviços relacionados com atividades militares e com o fornecimento, fabrico, manutenção e utilização de armamento e material conexo de qualquer tipo, incluindo armas e munições, veículos e equipamentos militares, equipamentos paramilitares e respetivas peças sobresselentes, direta ou indiretamente, a qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo da Rússia ou para utilização nesse país».

64

Resulta da redação da referida disposição, em especial da utilização dos termos «direta ou indiretamente», que a proibição nela prevista se aplica em grande medida, designadamente quando os serviços de corretagem relacionados com equipamento militar são prestados a uma pessoa, a uma entidade ou a um organismo na Rússia, sem que essa redação preveja uma condição que exija a importação desse equipamento para o território de um Estado‑Membro. De acordo com a referida redação, basta, contrariamente ao que sustenta a Neves, que esses serviços sejam prestados, direta ou indiretamente, a um operador na Rússia, independentemente do destino final do referido equipamento.

65

O contexto e os objetivos da regulamentação em que se inscreve o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512 corroboram esta interpretação.

66

A este respeito, embora esta decisão não contenha uma disposição que defina o conceito de «serviços de corretagem», o Regulamento n.o 833/2014, que aplica esta decisão à escala da União, define este conceito no seu artigo 1.o, n.o 1, alínea d), cuja redação revela claramente que não é imposta nenhuma condição relativa à importação dos bens objeto da operação de corretagem em causa no território de um Estado‑Membro.

67

Com efeito, segundo esta disposição, os serviços de corretagem incluem a negociação ou a organização de transações com vista à compra, venda ou fornecimento de bens, «nomeadamente de um país terceiro para outro país terceiro», ou a venda ou compra de bens «nomeadamente quando se encontrem em países terceiros, com vista à sua transferência para outro país terceiro».

68

Além disso, o Tribunal de Justiça sublinhou a importância dos objetivos prosseguidos pela Decisão 2014/512 e pelo Regulamento n.o 833/2014, a saber, a proteção da integridade territorial, da soberania e da independência da Ucrânia, bem como a promoção de uma resolução pacífica da crise neste país, que se inscrevem no objetivo mais amplo de manutenção da paz e da segurança internacional (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 150).

69

Ora, a interpretação do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), desta decisão segundo a qual a proibição enunciada nesta disposição se aplica mesmo quando os serviços de corretagem em causa incidem sobre armas e equipamento militar que, independentemente do seu destino final, não foram importados no território de um Estado‑Membro, permite assegurar o efeito útil dessa proibição e contribui para a realização dos objetivos da referida decisão, recordados no número anterior do presente acórdão. Com efeito, essa proibição poderia ser facilmente contornada se bastasse, para escapar à mesma, que essas armas e equipamento militar transitassem sem passar pelo território da União.

70

A interpretação que figura no n.o 64 do presente acórdão também permite assegurar a coerência da interpretação do direito da União, conferindo o mesmo alcance ao conceito de «serviços de corretagem» que figura em diferentes atos do domínio da PESC.

71

Segue‑se que há que responder à terceira questão que o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512 deve ser interpretado no sentido de que a proibição de prestar serviços de corretagem enunciada nesta disposição é aplicável ainda que o equipamento militar que foi objeto da operação de corretagem em causa nunca tenha sido importado para o território de um Estado‑Membro.

Quanto à primeira e segunda questões

72

A título preliminar, há que salientar, por um lado, que, com a primeira e segunda questões, que importa tratar em conjunto e em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio se referiu tanto ao artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512 como aos artigos 5.o e 7.o desta decisão. Todavia, resulta do pedido de decisão prejudicial que estes artigos 5.o e 7.o são irrelevantes face aos factos em causa no processo principal.

73

Com efeito, o referido artigo 5.o limita‑se a indicar que a União incentiva os Estados terceiros a adotarem medidas restritivas semelhantes às previstas na referida decisão. Quanto ao referido artigo 7.o, este diz respeito a eventuais pedidos relativos a qualquer contrato ou operação, cuja execução tenha sido afetada pelas medidas instituídas por força da Decisão 2014/512, que sejam apresentados por uma das categorias de pessoas e de entidades enumeradas no mesmo artigo 7.o, n.o 1, alíneas a) a c). Ora, segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o litígio no processo principal não tem por objeto semelhante pedido e a Neves não se enquadra em nenhuma dessas categorias.

74

Por outro lado, resulta do pedido de decisão prejudicial que esse órgão jurisdicional também se interroga sobre a conformidade de uma medida de declaração de perda, como a aplicada à Neves, com o direito de propriedade garantido pelo artigo 1.o do Primeiro Protocolo Adicional e consagrado, na ordem jurídica da União, no artigo 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

75

Por conseguinte, há que considerar que, com a primeira e segunda questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512, lido à luz do direito de propriedade consagrado no artigo 17.o da Carta e dos princípios da segurança jurídica e da legalidade das penas, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma medida nacional de declaração de perda da totalidade do produto de uma operação de corretagem referida nesse artigo 2.o, n.o 2, alínea a), adotada, de forma automática, na sequência da verificação, pelas autoridades nacionais competentes, de uma violação da proibição de efetuar essa operação e da obrigação de a notificar.

76

A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que, na falta de harmonização da legislação da União no domínio das sanções aplicáveis em caso de desrespeito das condições previstas num regime instituído por essa legislação, os Estados‑Membros, embora mantenham a possibilidade de escolher as sanções, devem velar por que as violações do direito da União sejam punidas em condições substantivas e processuais análogas às aplicáveis às violações do direito nacional de natureza e importância semelhantes e que, de qualquer forma, confiram à sanção um caráter efetivo, proporcionado e dissuasivo (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2015, Chmielewski, C‑255/14, EU:C:2015:475, n.o 21, e de 2 de maio de 2018, Scialdone, C‑574/15, EU:C:2018:295, n.o 28 e jurisprudência referida).

77

Em especial, as medidas sancionatórias previstas numa legislação nacional não devem ir além do que é adequado e necessário à realização dos objetivos legitimamente prosseguidos por essa legislação nem ser desproporcionadas em relação a esses objetivos e o rigor das sanções deve igualmente ser adequado à gravidade das violações que reprimem, nomeadamente assegurando um efeito realmente dissuasivo (v., neste sentido, Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Agenzia delle dogane e dei monopoli e Ministero dell’Economia e delle Finanze, C‑452/20, EU:C:2022:111, n.os 37 a 39 e jurisprudência referida).

78

Em segundo lugar, no que respeita ao direito de propriedade consagrado no artigo 17.o da Carta, há que recordar que, nos termos do n.o 1 deste artigo, «[t]odas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral».

79

Como o Tribunal de Justiça já declarou, o artigo 17.o da Carta constitui uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares [Acórdão de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Usufruto sobre terrenos agrícolas),C‑235/17, EU:C:2019:432, n.o 68 e jurisprudência referida].

80

Em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, na parte em que esta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por esta Convenção. Esta disposição não obsta, porém, a que o direito da União confira uma proteção mais ampla. Daqui resulta que, para efeitos da interpretação do artigo 17.o da Carta, há que tomar em consideração a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos relativa ao artigo 1.o do Primeiro Protocolo Adicional, que consagra a proteção do direito de propriedade, como limiar de proteção mínima [v., neste sentido, Acórdão de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Usufruto sobre terrenos agrícolas),C‑235/17, EU:C:2019:432, n.o 72 e jurisprudência referida].

81

Conforme reiteradamente declarado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a respeito do artigo 1.o do Primeiro Protocolo Adicional, há que especificar que o artigo 17.o, n.o 1, da Carta contém três normas distintas. A primeira, expressa no primeiro período desta última disposição e que reveste um caráter geral, concretiza o princípio do respeito pela propriedade. A segunda, que figura no segundo período da referida disposição, visa a privação da propriedade e submete‑a a certas condições. Quanto à terceira, que figura no terceiro período da mesma disposição, reconhece aos Estados o poder, nomeadamente, de regulamentar a utilização dos bens na medida do necessário ao interesse geral. Não são, contudo, regras sem relação entre si. A segunda e terceira regras dizem respeito a exemplos particulares de violação do direito de propriedade e devem ser interpretadas à luz do princípio consagrado na primeira destas regras (Acórdão de 5 de maio de 2022, BPC Lux 2 e o., C‑83/20, EU:C:2022:346, n.o 38).

82

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que as medidas de declaração de perda relativas ao produto de uma infração ou de uma atividade ilegal ou um instrumento que serviu para uma infração que não pertence a um terceiro de boa‑fé estão abrangidas, de maneira geral, pelas regras da utilização dos bens, mesmo que, pela sua própria natureza, privem a pessoa da sua propriedade (v., nomeadamente, TEDH, de 24 de outubro de 1986, AGOSI c. Reino Unido, CE:ECHR:1986:1024JUD000911880, § 51; TEDH, de 12 de maio de 2015, Gogitidze e o. c. Geórgia, CE:ECHR:2015:0512JUD003686205, § 94, e TEDH, de 15 de outubro de 2020, Karapetyan c. Geórgia, CE:ECHR:2020:1015JUD006123312, § 32).

83

No caso em apreço, a medida de declaração de perda aplicada à Neves incidiu sobre um montante em dinheiro que lhe tinha sido depositado a título de pagamento pela entrega, em cumprimento do contrato de 4 de janeiro de 2019, de estações de rádio consideradas como equipamento militar. Esta medida destina‑se a fazer cumprir a proibição de prestação de serviços de corretagem relacionados com equipamento militar prevista na Decisão 2014/512, a título de medida restritiva de alcance geral em resposta às ações da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia. Assim, a referida medida está ligada à proibição de compra e venda de armamento e de material militar à Rússia também prevista nesta decisão, bem como, mais genericamente, à regulamentação relativa ao comércio de armas.

84

Nestas condições, tal medida de declaração de perda constitui uma restrição ao exercício do direito de propriedade, abrangida pela regulamentação da utilização dos bens, na aceção do artigo 17.o, n.o 1, terceiro período, da Carta.

85

A este respeito, importa recordar que o direito de propriedade garantido pelo artigo 17.o da Carta não é uma prerrogativa absoluta e que o seu exercício pode ser objeto de restrições justificadas por objetivos de interesse geral prosseguidos pela União (Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.o 69).

86

Todavia, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades por ela reconhecidos deve ser prevista por lei, respeitar o respetivo conteúdo essencial e, na observância do princípio da proporcionalidade, ser necessária e corresponder efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

87

Ora, primeiro, uma medida de declaração de perda como a aplicada à Neves está prevista por lei, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta. Com efeito, esta medida assenta no OUG n.o 202/2008 e na Lista Nacional de Tecnologia e Equipamento Militar referida no artigo 12.o da Posição Comum 2008/944 e estabelecida, no que respeita à Roménia, pelos Despachos n.o 156/2018 e n.o 901/2019.

88

Segundo, uma vez que, como decorre da jurisprudência referida no n.o 82 do presente acórdão, esta medida está abrangida pela regulamentação da utilização dos bens, na aceção do artigo 17.o, n.o 1, terceiro período, da Carta e não constitui uma privação da propriedade, na aceção deste artigo 17.o, n.o 1, segundo período, a mesma respeita o conteúdo essencial do direito de propriedade (v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 2022, BPC Lux 2 e o., C‑83/20, EU:C:2022:346, n.o 53).

89

Terceiro, a referida medida visa a realização dos objetivos prosseguidos pela Decisão 2014/512, cuja importância foi sublinhada pelo Tribunal de Justiça, como recordado no n.o 68 do presente acórdão, e corresponde, assim, a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

90

Quarto, quanto ao respeito pelo princípio da proporcionalidade, verifica‑se, antes de mais, que a restrição ao exercício do direito de propriedade decorrente da mesma medida é adequada para alcançar esses objetivos.

91

Com efeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que a medida de declaração de perda em causa no processo principal, acessória a uma medida de coima, foi adotada na sequência da verificação, pelas autoridades romenas competentes, do incumprimento da proibição de efetuar uma operação relativamente a um bem que é objeto de uma sanção internacional, resultante, no caso em apreço, da Decisão 2014/512, e da obrigação de informar imediatamente essas autoridades dessa operação. A aplicação desta medida de declaração de perda é suscetível de dissuadir os operadores em causa de efetuarem essas operações e de os incentivar a respeitarem tanto essa proibição como essa obrigação de informação, que facilita o controlo, pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros, das operações relativas aos produtos em causa, neste caso, equipamento militar.

92

Em seguida, no que respeita à necessidade dessa medida de declaração de perda, há que salientar que o montante máximo da coima prevista a título de sanção principal na regulamentação nacional em causa no processo principal é de 30000 RON (cerca de 6066 euros). Tendo em conta o reduzido limite máximo desta coima em comparação com o benefício económico potencialmente esperado das operações de corretagem relativas a equipamento militar, a simples aplicação desta coima não basta para dissuadir os operadores económicos de infringirem a proibição de prestar serviços de corretagem relacionados com esse equipamento e incumprirem a obrigação de informar as autoridades nacionais competentes desse facto. O que é ilustrado pelas circunstâncias do processo principal, uma vez que, segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a contrapartida da operação de corretagem em causa no processo principal ascendia a um montante de cerca de três milhões de euros.

93

Nestas circunstâncias, a declaração de perda da contrapartida integral do produto da operação de corretagem proibida afigura‑se, assim, necessária para dissuadir realmente e de forma eficaz os operadores económicos de infringirem a proibição de prestar serviços de corretagem relacionados com equipamento militar.

94

Do mesmo modo, é necessário o facto de uma medida de declaração de perda ser tomada de forma automática, através de um auto de notícia elaborado pela autoridade administrativa competente, para assegurar a plena eficácia da punição de uma violação tanto da proibição de efetuar uma operação de corretagem abrangida pelo artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512 como da obrigação de a notificar, sem prejuízo do direito a uma ação efetiva para obter a fiscalização da regularidade desse auto e, se for caso disso, a restituição dos montantes declarados perdidos, nomeadamente se, em última análise, se revelar que a operação em causa não é abrangida por essa proibição.

95

Quanto a essa ação, importa salientar que resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos relativa ao artigo 1.o do Primeiro Protocolo Adicional que, nos casos em que uma sanção de declaração de perda é aplicada independentemente de uma condenação penal, é necessário que o processo no seu todo dê ao interessado a possibilidade de se defender tanto perante as autoridades nacionais que lhe aplicaram essa sanção como perante os órgãos jurisdicionais chamados a conhecer da ação de impugnação das decisões dessas autoridades, para poderem proceder a um exame global dos vários interesses em presença (v., neste sentido, TEDH, de 15 de outubro de 2020, Karapetyan c. Geórgia, CE:ECHR:2020:1015JUD006123312, § 35).

96

A este respeito, deve ser dada à pessoa em causa a oportunidade adequada de, nomeadamente, expor a sua causa às autoridades competentes, para permitir uma contestação efetiva das medidas em causa (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 368).

97

Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio certificar‑se de que a Neves beneficia de garantias processuais suficientes no âmbito do processo principal, designadamente quanto à determinação da materialidade da infração administrativa que lhe é imputada. Em especial, visto que esta sociedade contesta a natureza de equipamento militar das estações de rádio em causa no processo principal, esse órgão jurisdicional deve certificar‑se de que essas estações de rádio estão abrangidas pela Lista Militar Comum da União Europeia, prevista no artigo 12.o da Posição Comum 2008/944, que serviu de referência à lista nacional deste equipamento estabelecida pelas Despachos n.o 156/2018 e n.o 901/2019.

98

Sob reserva do cumprimento destas condições, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, uma medida de declaração de perda como a que está em causa no processo principal não parece ir além do que é necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos.

99

Por último, no que respeita à proporcionalidade stricto sensu de tal medida, nomeadamente à adequação do seu rigor em relação à gravidade da infração que visa punir, importa salientar que, embora a referida medida incida sobre a totalidade do produto da operação de corretagem proibida e seja aplicada de forma automática, o montante da coima acessória à mesma medida é, em contrapartida, modulável. Além disso, essas sanções só se aplicam às pessoas que tomaram conhecimento de que se encontravam numa situação que exige informação ou indicação às autoridades nacionais competentes, relativa a um bem que é objeto de uma sanção internacional, como resulta do artigo 24.o, n.o 1, e do artigo 26.o, n.o 1, alínea b), do OUG n.o 202/2008. Nessa situação, essas pessoas são obrigadas, sem demora e sem notificação prévia a essas autoridades, a abster‑se de efetuar qualquer operação em relação a esse bem, além das previstas nesse decreto. Assim, são visadas apenas as pessoas que, com conhecimento de causa, se abstiveram de proceder a essa indicação ou que, apesar de tudo, efetuaram tal operação.

100

Resulta destes elementos que o rigor das sanções previstas numa regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal se afigura adequado à gravidade da infração que visam reprimir, tendo em conta a importância dos objetivos legítimos prosseguidos.

101

Assim, a restrição ao exercício do direito de propriedade decorrente dessa medida de declaração de perda parece respeitar o princípio da proporcionalidade e, por conseguinte, ser justificada à luz das condições previstas no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

102

Em terceiro lugar, quanto ao princípio geral da segurança jurídica, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, este princípio exige que as normas jurídicas sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos. Embora este princípio se oponha a que uma norma jurídica nova seja aplicada retroativamente, a saber, a uma situação ocorrida antes da sua entrada em vigor, o referido princípio exige que qualquer situação de facto seja, em regra, e salvo indicação expressa em contrário, apreciada à luz das normas jurídicas que são suas contemporâneas (v., neste sentido, Acórdão de 25 de janeiro de 2022, VYSOČINA WIND, C‑181/20, EU:C:2022:51, n.o 47 e jurisprudência referida).

103

Quanto ao princípio da legalidade dos crimes e das penas, que constitui uma expressão particular do princípio geral da segurança jurídica e que está consagrado no artigo 49.o da Carta, este implica, nomeadamente, que a lei defina claramente as infrações e as penas que as reprimem a fim de assegurar a previsibilidade no que respeita tanto à definição da infração como à determinação da pena [v., neste sentido, Acórdãos de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.o 47, e de 24 de julho de 2023, Lin, C‑107/23 PPU, EU:C:2023:606, n.o 104 e jurisprudência referida].

104

Relativamente a estes princípios, o órgão jurisdicional de reenvio limitou‑se a indicar que a Neves alegava que o Despacho n.o 901/2019, que estabeleceu, no que respeita à Roménia, a Lista Nacional de Tecnologia e Equipamento Militar referida no artigo 12.o da Posição Comum 2008/944, não estava em vigor à data dos factos no processo principal, pelo que não era aplicável às estações de rádio em causa no processo principal, não podendo assim ser consideradas equipamento militar pertencente à categoria ML 11 desta lista.

105

A este respeito, há que salientar que, nessa data, estavam em vigor o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512, que proíbe a prestação de serviços de corretagem relacionados com esse equipamento, e a Lista Militar Comum da União Europeia mencionada no n.o 14 do presente acórdão. Segundo as indicações que figuram na decisão de reenvio, parece que a categoria ML 11 do Despacho n.o 901/2019, que revogou e substituiu o Despacho n.o 156/2018, em vigor de 5 de março de 2018 a 4 de julho de 2019, era idêntica à categoria ML 11 deste último despacho, pelo que, como observou a Comissão, não se afigura que esteja em causa a aplicação retroativa de uma norma jurídica nova na aceção da jurisprudência referida no n.o 102 do presente acórdão.

106

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, em conformidade com as regras do direito romeno aplicáveis à data dos factos do litígio no processo principal, cuja determinação e apreciação são da exclusiva competência desse órgão jurisdicional, se as disposições desse direito que contêm essa lista estavam em vigor nessa data e se as exigências de clareza e de previsibilidade recordadas nos n.os 102 e 103 do presente acórdão foram respeitadas.

107

Atendendo ao exposto, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512, lido à luz do direito de propriedade consagrado no artigo 17.o da Carta e dos princípios da segurança jurídica e da legalidade das penas, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma medida nacional de declaração de perda da totalidade do produto de uma operação de corretagem referida neste artigo 2.o, n.o 2, alínea a), adotada, de forma automática, na sequência da verificação, pelas autoridades nacionais competentes, de uma violação da proibição de efetuar essa operação e da obrigação de a notificar.

Quanto às despesas

108

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512/PESC do Conselho, de 31 de julho de 2014, que impõe medidas restritivas tendo em conta as ações da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia, conforme alterada pela Decisão 2014/659/PESC do Conselho, de 8 de setembro de 2014,

deve ser interpretado no sentido de que:

a proibição de prestar serviços de corretagem enunciada nesta disposição é aplicável ainda que o equipamento militar que foi objeto da operação de corretagem em causa nunca tenha sido importado para o território de um Estado‑Membro.

 

2)

O artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2014/512, conforme alterada pela Decisão 2014/659, lido à luz do artigo 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e dos princípios da segurança jurídica e da legalidade das penas,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a uma medida nacional de declaração de perda da totalidade do produto de uma operação de corretagem referida neste artigo 2.o, n.o 2, alínea a), adotada, de forma automática, na sequência da verificação, pelas autoridades nacionais competentes, de uma violação da proibição de efetuar essa operação e da obrigação de a notificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.

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