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Document 62022CJ0125

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 9 de novembro de 2023.
X e o. contra Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Den Haag, zittingsplaats 's-Hertogenbosch.
Reenvio prejudicial – Política comum em matéria de asilo e proteção subsidiária – Diretiva 2011/95/UE – Artigo 15.° – Condições de concessão da proteção subsidiária – Tomada em consideração dos elementos relativos à situação e às circunstâncias pessoais do requerente, bem como à situação geral no país de origem – Circunstâncias humanitárias.
Processo C-125/22.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:843

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

9 de novembro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política comum em matéria de asilo e proteção subsidiária — Diretiva 2011/95/UE — Artigo 15.o — Condições de concessão da proteção subsidiária — Tomada em consideração dos elementos relativos à situação e às circunstâncias pessoais do requerente, bem como à situação geral no país de origem — Circunstâncias humanitárias»

No processo C‑125/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Bois‑le‑Duc, Países Baixos), por Decisão de 22 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de fevereiro de 2022, no processo

X,

Y,

e os seus 6 filhos menores

contra

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi (relatora), juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Lamote, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 23 de março de 2023,

vistas as observações apresentadas:

em representação de Y, X e dos seus 6 filhos menores, por S. Rafi, P. J. Schüller e J. W. J. van den Broek, advocaten,

em representação do Governo Neerlandês, por K. Bulterman, H. S. Gijzen, A. Hanje e J. M. Hoogveld, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Belga, por M. Jacobs e M. Van Regemorter, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Alemão, por J. Möller e A. Hoesch, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Francês, por R. Bénard, A.‑L. Desjonquères e J. Illouz, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Azéma e F. Wilman, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de junho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.o da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe X, Y e os seus 6 filhos menores, nacionais líbios, ao Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos) (a seguir «Secretário de Estado»), a respeito das decisões de indeferimento, por parte deste, dos pedidos de proteção internacional dos recorrentes.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 12, 16 e 34 da Diretiva 2011/95 enunciam:

«(12)

O principal objetivo da presente diretiva consiste em assegurar, por um lado, que os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional e, por outro, que exista em todos os Estados‑Membros um nível mínimo de benefícios à disposição dessas pessoas.

[…]

(16)

A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [a seguir “Carta”]. Em especial, a presente diretiva procura assegurar o respeito integral da dignidade humana e o direito de asilo dos requerentes de asilo e dos membros da sua família acompanhantes, e promover a aplicação dos artigos 1.o, 7.o, 11.o, 14.o, 15.o, 16.o, 18.o, 21.o, 24.o, 34.o e 35.o da Carta, e, por conseguinte, deverá ser aplicada em conformidade.

[…]

(34)

É necessário estabelecer os critérios comuns a preencher pelos requerentes de proteção internacional para poderem beneficiar de proteção subsidiária. Tais critérios deverão ser estabelecidos com base nas obrigações internacionais previstas em instrumentos relativos aos direitos humanos e em práticas existentes nos Estados‑Membros.»

4

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Proteção internacional”, o estatuto de refugiado e o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas e) e g);

b)

“Beneficiário de proteção internacional”, uma pessoa a quem foi concedido o estatuto de refugiado ou o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas e) e g);

[…]

f)

“Pessoa elegível para proteção subsidiária”, o nacional de um país terceiro ou um apátrida que não possa ser considerado refugiado, mas em relação ao qual se verificou existirem motivos significativos para acreditar que, caso volte para o seu país de origem ou, no caso de um apátrida, para o país em que tinha a sua residência habitual, correria um risco real de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 15.o, e ao qual não se aplique o artigo 17.o, n.os 1 e 2, e que não possa ou, em virtude dos referidos riscos, não queira pedir a proteção desse país;

g)

“Estatuto de proteção subsidiária”, o reconhecimento por parte de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como pessoa elegível para proteção subsidiária;

h)

“Pedido de proteção internacional”, um pedido de proteção apresentado a um Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida que deem a entender que pretendem beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e não solicitem expressamente outra forma de proteção não abrangida pelo âmbito de aplicação da presente diretiva e suscetível de ser objeto de um pedido separado;

i)

“Requerente”, um nacional de um país terceiro ou um apátrida que tenha apresentado um pedido de proteção internacional em relação ao qual ainda não foi tomada uma decisão definitiva;

[…]»

5

O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Apreciação dos factos e circunstâncias», que consta do capítulo II da mesma, relativo à «[a]preciação do pedido de proteção internacional», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional. Incumbe ao Estado‑Membro apreciar, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes do pedido.

[…]

3.   A apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta:

a)

Todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido […];

b)

As declarações e a documentação pertinentes apresentadas pelo requerente, incluindo informações sobre se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;

c)

A situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a sua história pessoal, sexo e idade, por forma a apreciar, com base na situação pessoal do requerente, se os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição ou ofensa grave;

[…]

4.   O facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição, ou de ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, constitui um indício sério do receio fundado do requerente de ser perseguido ou do risco real de sofrer ofensa grave, a menos que haja motivos sérios para considerar que essa perseguição ou ofensa grave não se repetirá.

5.   Caso os Estados‑Membros apliquem o princípio segundo o qual incumbe ao requerente justificar o seu pedido de proteção internacional e caso existam elementos das declarações do requerente não sustentados por provas documentais ou de outra natureza, esses elementos não têm de ser confirmados se estiverem reunidas as seguintes condições:

a)

For autêntico o esforço envidado pelo requerente para justificar o seu pedido;

b)

Tenham sido apresentados todos os elementos pertinentes ao dispor do requerente e tenha sido dada uma explicação satisfatória para a eventual falta de outros elementos pertinentes;

c)

As declarações do requerente tenham sido consideradas coerentes e plausíveis, não contradizendo informações gerais ou particulares disponíveis pertinentes para o seu pedido;

d)

O requerente tenha apresentado o pedido de proteção internacional com a maior brevidade possível, a menos que possa motivar seriamente por que o não fez; e

e)

Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.»

6

O artigo 8.o, n.o 2, da mesma diretiva, sob a epígrafe «Proteção interna», tem a seguinte redação:

«Ao examinarem se um requerente tem receio fundado de ser perseguido ou se encontra perante um risco real de ofensa grave, ou tem acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave numa parte do país de origem em conformidade com o n.o 1, os Estados‑Membros devem, no momento em que tomam a decisão sobre o pedido, ter em conta as condições gerais nessa parte do país e a situação pessoal do requerente, em conformidade com o artigo 4.o Para esse efeito, os Estados‑Membros devem obter informações precisas e atualizadas junto de fontes relevantes, designadamente o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e o Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo.»

7

Nos termos do artigo 15.o da Diretiva 2011/95, sob a epígrafe «Ofensas graves», que consta do capítulo V da mesma, relativo às «[c]ondições de elegibilidade para proteção subsidiária»:

«São ofensas graves:

a)

A pena de morte ou a execução; ou

b)

A tortura ou a pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou

c)

A ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno.»

8

O artigo 18.o desta diretiva, sob a epígrafe «Concessão do estatuto de proteção subsidiária», dispõe:

«Os Estados‑Membros concedem o estatuto de proteção subsidiária ao nacional de um país terceiro ou ao apátrida elegível para proteção subsidiária nos termos dos capítulos II e V.»

Direito neerlandês

9

O artigo 29.o da Vreemdelingenwet 2000 (Lei dos Estrangeiros de 2000), de 23 de novembro de 2000 (Stb. 2000, n.o 495), na versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe, no seu n.o 1:

«1.   Pode ser concedida uma autorização de residência por tempo determinado […] a um cidadão estrangeiro que:

a)

Tenha o estatuto de refugiado; ou

b)

Demonstre de modo bastante que existem razões válidas para admitir que, em caso de expulsão, corre um risco real de ser sujeito a ofensas graves, nomeadamente:

1.o

a pena de morte ou a execução;

2.o

a tortura, penas ou tratamentos desumanos ou degradantes; ou

3.o

a ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado interno ou internacional.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

Em 28 de janeiro de 2018, X e Y, dois cônjuges de nacionalidade líbia, apresentaram, em seu nome bem como em nome dos seus seis filhos menores, pedidos de proteção internacional ao Secretário de Estado, alegando que, caso voltem para a Líbia, correm um risco real de sofrer «ofensas graves», na aceção do artigo 15.o, alíneas b) e/ou c), da Diretiva 2011/95.

11

Para fundamentar os seus pedidos de proteção internacional, X e Y invocaram factos relativos tanto às suas circunstâncias pessoais como à situação geral do seu país de origem, nomeadamente ao nível geral de violência na Líbia e às circunstâncias humanitárias daí resultantes.

12

Mais especificamente, X declarou ter trabalhado em Trípoli (Líbia) de 2012 até junho de 2017 como guarda‑costas de altos responsáveis políticos, nomeadamente dois primeiros‑ministros, um vice‑primeiro‑ministro e vários ministros. Alega ter sido vítima de um tiroteio fora do seu horário de trabalho, no qual foi atingido na cabeça e recebeu estilhaços de bala na sua bochecha esquerda, tendo, em seguida, sido alvo de ameaças de morte em conversas telefónicas ocorridas, respetivamente, cerca de cinco meses e de um a dois anos após a data desse tiroteio. X tem suspeitas quanto à identidade dos responsáveis por esses atos, mas não as pode provar. Além disso, X invocou o facto de o seu irmão lhe ter relatado que as milícias se tentavam apropriar de um terreno que havia herdado do seu pai e ameaçavam matar qualquer pessoa que a tal se opusesse. Por último, X declarou que a sua partida da Líbia se deveu também às difíceis condições de vida em Trípoli, nomeadamente à falta de combustível, água potável e eletricidade. Por sua vez, Y baseou o seu pedido de proteção internacional no receio decorrente da experiência pessoal de X, bem como da situação geral de insegurança na Líbia, que também lhe provocou problemas de saúde.

13

Através de Decisões separadas datadas de 24 de dezembro de 2020, o Secretário de Estado indeferiu os pedidos de proteção internacional apresentados por X e Y por carecerem de fundamento. Por um lado, considerou que os requerentes não tinham de recear uma ofensa grave, na aceção do artigo 15.o, alínea b), da Diretiva 2011/95. Com efeito, considerou que as duas ameaças alegadas não eram credíveis e que X não demonstrou que o tiroteio de que foi vítima era especificamente dirigido contra si, nem que havia uma ligação entre essa violência e a sua atividade profissional de guarda‑costas de altos responsáveis políticos. Por outro lado, o Secretário de Estado considerou que lhe competia identificar os grupos de risco e determinar se existe uma situação de risco como a prevista no artigo 15.o, alínea c), desta diretiva. Ora, concluiu que os requerentes também não tinham de recear uma ofensa grave, na aceção desta segunda disposição, uma vez que não considerou necessário apreciar a situação geral de segurança na Líbia.

14

X e Y interpuseram recursos dessas decisões no rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Bois‑le‑Duc, Países Baixos).

15

Antes de mais, este órgão jurisdicional sublinha que os pedidos de proteção internacional em causa no processo principal se baseiam tanto em circunstâncias individuais e pessoais dos recorrentes como na referência à situação geral de violência e às circunstâncias humanitárias resultante dessa violência no país de origem. Observa, contudo, que não se afigura que esses elementos, considerados separadamente, atinjam o grau de individualização da ofensa grave e o limiar de gravidade da violência indiscriminada necessário para beneficiar da proteção subsidiária conferida, respetivamente, no artigo 15.o, alínea b), e no artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95.

16

Segundo o referido órgão jurisdicional, coloca‑se, por conseguinte, a questão de saber se o artigo 15.o desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que as manifestações de ofensas graves referidas neste artigo 15.o devem ser apreciadas de modo estritamente separado, com a consequência de que os factos e as circunstâncias alegados pelo requerente só seriam pertinentes para justificar o receio de uma dessas ofensas graves, ou, em contrapartida, de que é necessário proceder a uma apreciação integral e global de todos os elementos pertinentes, relativos tanto à situação individual e às circunstâncias pessoais do requerente como à situação geral no país de origem, antes de apurar qual a manifestação de ofensa grave que esses factos e essas circunstâncias permitem comprovar.

17

O órgão jurisdicional de reenvio considera, a este respeito, que o ponto de partida da apreciação da existência de um risco real de ofensa grave é a necessidade de proteção do requerente e que a primeira interpretação do artigo 15.o da Diretiva 2011/95, resumida no número anterior, implica uma lacuna na proteção oferecida por esta disposição, colocando em causa o efeito útil do regime de proteção subsidiária nela previsto. A segunda interpretação deste artigo 15.o, resumida no número anterior, seria, por sua vez, conforme com a sistemática desta diretiva e com os objetivos por ela prosseguidos, bem como com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa à interpretação do artigo 3.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), que deve ser tida em conta na interpretação do artigo 4.o da Carta, por força do seu artigo 52.o, n.o 3.

18

Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que esclareça de que forma os motivos específicos das circunstâncias pessoais do requerente, conforme identificados no Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji (C‑465/07, EU:C:2009:94), devem ser tidos em conta na apreciação feita à luz do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95. Neste contexto, este órgão de jurisdição pretende, nomeadamente, que o Tribunal de Justiça esclareça se a tomada em consideração da situação e das circunstâncias pessoais de um requerente de proteção internacional vai além da condição de individualização, tal como resulta do Acórdão do TEDH de 17 de julho de 2008, NA. c. Reino Unido (CE:ECHR:2008:0717JUD002590407, § 115), a saber, se as circunstâncias individuais, além do simples facto de ser proveniente de uma zona de um determinado país onde se verificam os «casos mais extremos de violência geral», na aceção deste último acórdão, podem justificar um receio de ofensa grave definida nessa disposição.

19

Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que esclareça se, por um lado, devem ser tidos em conta os fatores pessoais ou o risco de ser vítima de uma «violência penal» devido a uma situação de violência indiscriminada e, por outro, as circunstâncias individuais não pessoais, como o exercício de determinadas profissões e/ou os locais onde são exercidas, ou o facto de terem de se deslocar a locais para beneficiar de serviços essenciais.

20

Este órgão jurisdicional também pretende saber de que modo o nível de violência indiscriminada no país de origem do requerente, conforme previsto no artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, deve ser tido em conta na apreciação da existência de ofensas graves, na aceção deste artigo 15.o, alíneas a) e b). Em especial, pretende saber se a correlação inversa entre a capacidade do requerente em demonstrar que é especificamente afetado em razão de elementos próprios das suas circunstâncias pessoais e o grau de violência indiscriminada requerido para poder beneficiar da proteção subsidiária, resultante da jurisprudência proveniente do Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji (C‑465/07, EU:C:2009:94, n.o 39), também se aplica à apreciação relativa às ofensas graves referidas no artigo 15.o, alínea b), quando exista um nível elevado de violência geral no país de origem do requerente, mas este nível não seja suficiente, por si só, para justificar a concessão de proteção subsidiária.

21

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, e em que condições, as circunstâncias humanitárias que, contrariamente às que estão em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 18 de dezembro de 2014, M’Bodj (C‑542/13, EU:C:2014:2452), são a consequência direta ou indireta dos atos de violência cometidos por um agente de ofensas graves produzidas no âmbito de um conflito armado internacional ou interno, e que é suscetível de implicar uma violação dos artigos 1.o, 4.o e 19.o, n.o 2, da Carta, devem ser tidas em conta para apreciar um pedido de proteção subsidiária. Esse órgão jurisdicional precisa, a este respeito, que se refere tanto às circunstâncias humanitárias deliberadamente criadas pelo agente da ofensa grave, como às que seriam causadas pela atitude indiferente desse agente em relação às consequências de um conflito armado para a população civil.

22

Foi nestas circunstâncias que o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ‘s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Bois‑le‑Duc) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 15.o da Diretiva [2011/95], em conjugação com o artigo 2.o, alínea g), e o artigo 4.o [desta diretiva], bem como com o artigo 4.o e o artigo 19.o, n.o 2, da [Carta], ser interpretado no sentido de que, para determinar se um requerente necessita de proteção subsidiária, devem ser sempre examinados e apreciados integral e globalmente todos os elementos pertinentes relativos à [situação] e às circunstâncias pessoais do requerente, bem como à situação geral no país de origem, antes de apurar de que modo a ofensa grave que se teme venha a produzir‑se ser justificada pelos referidos elementos?

2)

Em caso de resposta negativa do Tribunal de Justiça à primeira questão, a apreciação da situação e das circunstâncias pessoais do requerente à luz do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva [2011/95], em relação às quais o Tribunal de Justiça já declarou que devem ser tidas em consideração para este efeito, é mais ampla do que a apreciação à luz da exigência de individualização prevista no Acórdão do [TEDH], [de 17 de julho de 2008] N.A. c. Reino Unido [(CE:ECHR:2008:0717JUD002590407)]? Podem estes elementos ser tomados em consideração em relação ao mesmo pedido de proteção subsidiária tanto na apreciação à luz do artigo 15.o, alínea b), como na apreciação à luz do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva [2011/95]?

3)

Deve o artigo 15.o da Diretiva [2011/95] ser interpretado no sentido de que, para avaliar da necessidade de proteção subsidiária, também deve ser aplicada a denominada “escala móvel”, em relação à qual o Tribunal de Justiça já precisou que deve ser aplicada na apreciação de um suposto receio de ofensa grave, na aceção do artigo 15.o, alínea c), d[esta diretiva], na apreciação de um suposto receio de ofensa grave na aceção do artigo 15.o, alínea b), d[esta]?

4)

Deve o artigo 15.o da Diretiva [2011/95], em conjugação com os artigos 1.o, 4.o e 19.o, n.o 2, da [Carta], ser interpretado no sentido de que as circunstâncias humanitárias que são a consequência direta ou indireta de atos e/ou omissões do agente da ofensa grave devem ser tomadas em consideração na apreciação da questão de saber se o requerente necessita de [uma] proteção subsidiária?»

23

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 8 de abril de 2022, a instância no presente processo foi suspensa, em aplicação do artigo 55.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, até que seja proferida a decisão que porá termo à instância no processo, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Conceito de ameaça grave e individual) (C‑579/20).

24

Tendo sido retirado o pedido de decisão prejudicial nesse processo e tendo este sido cancelado do registo por Despacho de 18 de maio de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Conceito de ameaça grave e individual) (C‑579/20, EU:C:2022:416), a tramitação do presente processo foi consequentemente retomada em 20 de maio de 2022.

Quanto ao pedido de tramitação acelerada

25

O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial acelerada, ao abrigo do artigo 105.o do Regulamento de Processo.

26

Para fundamentar o seu pedido, este órgão jurisdicional alegou, em substância, que, embora os recorrentes estejam em situação regular até que se pronuncie definitivamente sobre o litígio no processo principal, os filhos menores de X e Y se encontram numa situação de insegurança. A este respeito, o referido órgão jurisdicional referiu que cinco dos seis filhos menores de X e de Y passaram a receber assistência educativa a partir de 22 de abril de 2020 e que o seu desenvolvimento está gravemente ameaçado e o seu crescimento tem lugar num contexto educativo perigoso e instável, no qual são testemunhas e vítimas de agressões e sofrem de um sentimento de abandono emocional e físico. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio sublinhou que, segundo X e Y, o contexto de insegurança em questão também resulta da duração do processo principal e da incerteza quanto ao seu resultado.

27

O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada, em derrogação das disposições do presente regulamento.

28

No caso em apreço, em 20 de maio de 2022, ouvidos a juíza‑relatora e o advogado‑geral, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu indeferir o pedido referido no n.o 25 do presente acórdão.

29

Com efeito, importa recordar que a tramitação acelerada constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária (Acórdão de 13 de julho de 2023, Azienda Ospedale‑Università di Padova, C‑765/21, EU:C:2023:566, n.o 26 e jurisprudência referida).

30

Ora, o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu todos os elementos que permitam apreciar a existência dessa situação de urgência extraordinária e, nomeadamente, os riscos incorridos se esse pedido de reenvio seguir o processo ordinário. Embora esse órgão jurisdicional tenha referido os riscos para o desenvolvimento dos filhos menores de X e de Y decorrentes do contexto familiar, social e educativo em que estão inseridos, não demonstrou, contudo, que existe um nexo entre a duração do processo no Tribunal de Justiça e o prolongamento da situação de insegurança em que se encontram os seus filhos. Além disso, o referido órgão jurisdicional também não expôs as razões pelas quais a aplicação da tramitação acelerada ao presente processo permitiria evitar tais riscos ou resolver essa situação de insegurança, uma vez que a incerteza jurídica que afeta as referidas crianças quanto ao desfecho do processo principal não é, por si só, suscetível de justificar o recurso a uma tramitação acelerada (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 27 de junho de 2016, S.,C‑283/16, EU:C:2016:482, n.o 11 e jurisprudência referida).

31

Por outro lado, embora não seja determinante em si mesmo, o período de tempo significativo que decorreu entre, por um lado, a apresentação dos pedidos de proteção internacional dos requerentes e as decisões do Secretário de Estado que indeferiram esses pedidos, e, por outro, a apresentação do presente reenvio prejudicial não justifica a adoção de uma decisão que sujeite esse reenvio a tramitação acelerada (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 27 de junho de 2016, S.,C‑283/16, EU:C:2016:482, n.o 12).

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

32

Antes de responder às questões submetidas, importa, a título preliminar, recordar que, antes de mais, a Diretiva 2011/95, adotada com fundamento, nomeadamente, no artigo 78.o, n.o 2, alínea b), TFUE, visa, entre outros, instituir um regime uniforme de proteção subsidiária. A este respeito, decorre dos considerandos 12 e 34 desta diretiva que um dos seus principais objetivos consiste em assegurar que os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de uma proteção internacional, oferecendo‑lhes um estatuto adequado [v., neste sentido, Acórdãos de 23 de maio de 2019, Bilali,C‑720/17, EU:C:2019:448, n.o 35 e jurisprudência referida, e de 10 de junho de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Conceito de ameaça grave e individual), C‑901/19, EU:C:2021:472, n.os 22 e 34].

33

Em seguida, resulta do artigo 18.o da Diretiva 2011/95, lido em conjugação com a definição dos termos «[p]essoa elegível para proteção subsidiária», constante do artigo 2.o, alínea f), desta diretiva, e a dos termos do «[e]statuto de proteção subsidiária», constante do artigo 2.o, alínea g), desta, que o estatuto de proteção subsidiária a que se refere a diretiva em questão deve, em princípio, ser concedido a qualquer nacional de um país terceiro ou apátrida que, caso volte para o seu país de origem ou para o país da sua residência habitual, corre um risco real de sofrer ofensas graves na aceção do artigo 15.o da referida diretiva [Acórdão de 10 de julho de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Conceito de ameaça grave e individual), C‑901/19, EU:C:2021:472, n.o 23 e jurisprudência referida].

34

Por último, a Diretiva 2011/95 revogou e substituiu, com efeitos a partir de 21 de dezembro de 2013, a Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L 304, p. 12). Ora, uma vez que esta alteração de norma não deu lugar a nenhuma alteração do regime jurídico da concessão da proteção subsidiária nem da numeração das disposições em causa, considera‑se que a jurisprudência relativa à Diretiva 2004/83 é pertinente para interpretar a Diretiva 2011/95. Em especial, sendo a redação do artigo 15.o da Diretiva 2011/95 análoga à do artigo 15.o da Diretiva 2004/83, a jurisprudência relativa a esta segunda disposição é transponível para a primeira [v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Conceito de ameaça grave e individual), C‑901/19, EU:C:2021:472, n.o 24].

Quanto à primeira questão

35

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar se um requerente de proteção internacional pode beneficiar da proteção subsidiária, a autoridade nacional competente deve examinar todos os elementos pertinentes, relativos tanto à situação e às circunstâncias pessoais do requerente como à situação geral no país de origem, antes de apurar qual o tipo de ofensa grave que pode ser eventualmente justificado pelos referidos elementos.

36

Em primeiro lugar, há que salientar que este artigo 15.o prevê três tipos de «ofensas graves» suscetíveis de justificar a concessão da proteção subsidiária em benefício da pessoa que, em caso de regresso ao seu país de origem ou ao país em que tinha a sua residência habitual, correria um risco real de as sofrer.

37

Primeiro, no que respeita aos motivos que constam na alínea a) do referido artigo 15.o, a saber, o risco de «pena de morte ou [de] execução», e na alínea b) deste, a saber, o risco de «tortura […] ou [de] tratamento desumano ou degradante», estas «ofensas graves» cobrem situações em que o requerente da proteção subsidiária está especificamente exposto ao risco de uma ofensa deste tipo particular, pressupondo um grau de individualização claro [Acórdãos de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji,C‑465/07, EU:C:2009:94, n.os 32 e 38, e de 10 de junho de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Conceito de ameaça grave e individual), C‑901/19, EU:C:2021:472, n.o 25 e jurisprudência referida].

38

Daqui resulta que a concessão de proteção subsidiária nos termos do artigo 15.o, alíneas a) e b), da Diretiva 2011/95 pressupõe a existência de motivos sérios para acreditar que o requerente, caso volte para o seu país de origem ou para o país em que tinha a sua residência habitual, ficaria exposto, específica e individualmente, a um risco real de ser sujeito à pena de morte, à execução, à tortura, ou aos tratamentos ou sanções desumanos ou degradantes.

39

No entanto, os elementos relativos à situação geral do país em causa, entre os quais, nomeadamente, os relativos ao nível geral de violência e de insegurança nesse país, também devem ser examinados na avaliação da existência desse risco. Com efeito, esse contexto geral permite apreciar, de forma mais precisa, em que medida o requerente está realmente exposto a um risco de sofrer as ofensas graves definidas no artigo 15.o, alíneas a) ou b), da Diretiva 2011/95.

40

Segundo, no que respeita à ofensa definida no artigo 15.o, alínea c), desta diretiva, que consiste na «ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física» do requerente, há que salientar que esta disposição cobre um risco de ofensa «mais geral» do que os previstos nas alíneas a) e b) do mesmo artigo. É, assim, mais genericamente visada a «ameaça […] contra a vida ou a integridade física» de um civil, do que as violências determinadas. Além disso, tal ameaça é inerente a uma situação geral de conflito armado que origine «violência indiscriminada», o que implica que pode afetar pessoas independentemente das suas circunstâncias pessoais e respetiva identidade, quando essa violência seja de um nível tão elevado, que haja motivos sérios para acreditar que um civil que volte para o país em causa ou, eventualmente, para a região em causa poderia correr, pelo simples facto de se encontrar no território destes, um risco real de sofrer tais ameaças [v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Conceito de ameaça grave e individual), C‑901/19, EU:C:2021:472, n.os 26 e 28 e jurisprudência referida].

41

Daqui resulta que, no âmbito de uma situação excecional, como a descrita no número anterior do presente acórdão, a constatação da existência de um risco de «ameaça grave e individual», na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, não está subordinada à condição de este fazer prova de que é visado especificamente em razão de elementos próprios das suas circunstâncias pessoais [v., neste sentido, Acórdãos de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji,C‑465/07, EU:C:2009:94, n.o 43, e de 10 de junho de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Conceito de ameaça grave e individual), C‑901/19, EU:C:2021:472, n.o 27].

42

Contudo, noutras situações menos excecionais, os elementos relativos à situação e às circunstâncias pessoais do requerente são pertinentes. Assim, quanto mais o requerente puder eventualmente demonstrar que é especificamente afetado em razão de elementos próprios da sua situação e circunstâncias pessoais, menos elevado será o grau de violência indiscriminada requerido para poder beneficiar da proteção subsidiária, nos termos do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji,C‑465/07, EU:C:2009:94, n.o 39, e de 30 de janeiro de 2014, Diakite, C‑285/12, EU:C:2014:39, n.o 31).

43

Neste sentido, o artigo 15.o da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que tanto as circunstâncias relacionadas com a situação geral no país de origem, nomeadamente o nível geral de violência e de insegurança nesse país, como as relativas à situação e às circunstâncias pessoais do requerente são suscetíveis de constituir elementos pertinentes para a apreciação de qualquer pedido de proteção subsidiária pela autoridade nacional competente, independentemente do tipo específico de ofensas graves, na aceção desse artigo 15.o, que é objeto dessa avaliação.

44

A este respeito, há que salientar ainda que, embora cada um dos tipos de ofensas graves referidas nas alíneas a) a c) do artigo 15.o da Diretiva 2011/95 constitua um motivo autónomo de reconhecimento da proteção subsidiária, cujas condições devem estar plenamente preenchidas para que essa proteção seja concedida, não deixa de ser certo, como salientou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 30, 40 e 41 das suas conclusões, que este artigo não institui uma ordem hierárquica entre estes diferentes tipos de ofensas graves e não impõe nenhuma ordem na apreciação da existência de um risco real de sofrer uma dessas ofensas graves. Com efeito, por um lado, um mesmo pedido de proteção internacional pode revelar a existência de um risco de o requerente ser exposto a vários tipos de ofensas graves em caso de regresso ao seu país de origem ou ao país em que tinha a sua residência habitual. Por outro lado, um mesmo elemento pode servir para demonstrar a existência de um risco real de sofrer várias dessas ofensas graves.

45

Em segundo lugar, a interpretação do artigo 15.o da Diretiva 2011/95, mencionada no n.o 43 do presente acórdão, é corroborada pelo contexto normativo em que este artigo 15.o se insere.

46

A este respeito, resulta, antes de mais, do artigo 4.o desta diretiva — que figura no seu capítulo II, relativo à «[a]preciação do pedido de proteção internacional», e, por conseguinte, aplicável tanto aos pedidos de concessão do estatuto de refugiado como aos que visam a obtenção de proteção subsidiária, na aceção da referida diretiva — que a apreciação dos factos e das circunstâncias que fundamentam um pedido de proteção internacional se processa em duas etapas distintas. A primeira etapa diz respeito ao apuramento das circunstâncias factuais suscetíveis de constituir os elementos de prova em apoio do pedido, ao passo que a segunda etapa é relativa à apreciação jurídica desses elementos, e consiste em decidir se, atendendo aos factos que caracterizam um caso concreto, estão preenchidos os requisitos materiais previstos no artigo 15.o da mesma diretiva para a concessão da proteção subsidiária [v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2022, Secretary of State for the Home Department (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑349/20, EU:C:2022:151, n.o 63 e jurisprudência referida].

47

Embora, por força do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, os Estados‑Membros possam exigir que o requerente apresente, durante a primeira dessas fases, o mais rapidamente possível, todos os elementos necessários para justificar o seu pedido de proteção, não é menos verdade que as autoridades dos Estados‑Membros devem, se necessário, cooperar ativamente com este para determinar e completar os elementos pertinentes do pedido, uma vez que estas autoridades estão, aliás, frequentemente mais bem colocadas do que o requerente para aceder a certo tipo de documentos [v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2022, Secretary of State for the Home Department (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑349/20, EU:C:2022:151, n.o 64 e jurisprudência referida], entendendo‑se que, sempre que haja elementos das declarações do requerente que não sejam sustentados por provas documentais ou de outra natureza, esses elementos não têm de ser confirmados quando estejam reunidos os requisitos cumulativos fixados no artigo 4.o, n.o 5, alíneas a) a e), desta diretiva (Acórdão de 2 de dezembro de 2014, A e o., C‑148/13 a C‑150/13, EU:C:2014:2406, n.o 58).

48

Por conseguinte, como o advogado‑geral considerou nos n.os 34 e 41 das suas conclusões, a autoridade nacional competente para avaliar um pedido de proteção internacional deve examinar, durante a primeira fase dessa avaliação, todas as circunstâncias factuais pertinentes do caso concreto suscetíveis de constituir elementos de prova, antes de determinar, durante a segunda fase da referida avaliação, qual o tipo de ofensa grave, definida no artigo 15.o desta diretiva, que esses elementos permitem eventualmente fundamentar, sem poder afastar elementos potencialmente pertinentes para a avaliação desse pedido pelo simples facto de o requerente os ter apresentado em apoio de um único tipo de ofensa grave definida neste artigo 15.o

49

Em seguida, resulta do artigo 4.o, n.o 3, da referida diretiva que, entre os elementos pertinentes que essa autoridade deve ter em conta quando procede à apreciação de cada pedido de proteção internacional, constam, nomeadamente, «[t]odos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem», na aceção da alínea a) desta disposição, como a «situação e as circunstâncias pessoais do requerente», na aceção da alínea c) da mesma.

50

Foi assim que o Tribunal de Justiça decidiu que, ainda que num pedido de proteção internacional, apresentado ao abrigo do artigo 15.o, alínea c), da mesma diretiva, não sejam invocados elementos específicos da situação do requerente, decorre do seu artigo 4.o, n.o 3, que o referido pedido deve ser objeto de uma avaliação individual, para efeitos da qual deve ser tida em conta toda uma série de elementos enumerados nesta disposição, no âmbito de uma ponderação global de todas as circunstâncias pertinentes do caso concreto [v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Conceito de ameaça grave e individual), C‑901/19, EU:C:2021:472, n.os 40 e 41].

51

Além disso, nos termos do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2011/95, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição, ou de ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave pode, em princípio, constituir um indício sério do risco real de o requerente sofrer ofensa grave, pelo que essas circunstâncias pessoais do requerente devem ser sempre tidas em conta na apreciação da existência de um risco real de sofrer uma das ofensas graves definidas no artigo 15.o da mesma diretiva, seja ela qual for.

52

Por último, a exigência de se proceder à avaliação de um pedido de proteção internacional que tome em conta todos os elementos pertinentes, entre os quais os recordados no n.o 49 do presente acórdão, e de cooperar ativamente com o requerente para esse efeito, é confirmada no artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2012, M.,C‑277/11,EU:C:2012:744, n.o 67), uma vez que obriga as autoridades nacionais competentes, quando examinam se um requerente de proteção internacional tem acesso a proteção contra, nomeadamente, qualquer tipo de ofensa grave numa parte do país de origem, em conformidade com o n.o 1 desta disposição, a terem em conta tanto as condições gerais nessa parte do país como as circunstâncias pessoais do requerente.

53

Em terceiro e último lugar, a interpretação do artigo 15.o da Diretiva 2011/95, desenvolvida nos n.os 43 e 48 do presente acórdão, está em conformidade com os objetivos prosseguidos por esta diretiva, conforme recordados no n.o 32 do presente acórdão. Com efeito, uma apreciação dos pedidos de proteção internacional que não tivesse em conta todas as circunstâncias pertinentes do caso concreto e, nomeadamente, todos os elementos enumerados no artigo 4.o, n.o 3, desta diretiva, antes de apurar qual o tipo de ofensa grave definida no seu artigo 15.o que podem ser eventualmente justificados pelos referidos elementos, conduziria a uma violação da obrigação que a referida diretiva impõe aos Estados‑Membros de identificar as pessoas que necessitam verdadeiramente da referida proteção [v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Conceito de ameaça grave e individual), C‑901/19, EU:C:2021:472, n.o 44].

54

Esta interpretação é, por outro lado, conforme com o artigo 4.o e o artigo 19.o, n.o 2, da Carta, relativos, respetivamente, à proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes e à proteção em caso de afastamento, expulsão e extradição, evocados pelo órgão jurisdicional de reenvio. A este respeito, há, no entanto, que observar que, embora os direitos fundamentais garantidos por estas disposições devam ser efetivamente respeitados na aplicação da Diretiva 2011/95 e, por isso, também na apreciação dos pedidos de proteção subsidiária à luz do seu artigo 15.o, as referidas disposições não fornecem, no âmbito da resposta à presente questão prejudicial, nenhum ensinamento específico suplementar quanto ao alcance da exigência de proceder sistematicamente à análise de todos os elementos pertinentes, relativos tanto à situação e às circunstâncias pessoais do requerente como à situação geral no país de origem, aquando dessa avaliação (v., por analogia, Acórdãos de 25 de julho de 2018, Alheto,C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 129, e de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova,C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 64).

55

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 15.o da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar se um requerente de proteção internacional pode beneficiar da proteção subsidiária, a autoridade nacional competente deve examinar todos os elementos pertinentes, relativos tanto à situação e às circunstâncias pessoais do requerente como à situação geral no país de origem, antes de apurar qual o tipo de ofensa grave que pode ser eventualmente justificado pelos referidos elementos.

Quanto à segunda questão

56

A segunda questão só é colocada para o caso de ser dada resposta negativa à primeira questão. No entanto, embora a resposta à segunda parte da segunda questão decorra, efetivamente, da resposta afirmativa dada à primeira questão, no sentido de que as circunstâncias relativas à situação e às circunstâncias pessoais do requerente se podem revelar pertinentes para a apreciação do mérito de um pedido de proteção internacional à luz tanto do artigo 15.o, alínea b), como do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, a verdade é que a primeira parte da segunda questão continua a ser pertinente.

57

Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, para apreciar a existência de um risco real de sofrer uma «ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física», na aceção do artigo 15.o, alínea c), desta diretiva, a autoridade nacional competente deve ter em conta, além dos diversos elementos pertinentes relativos à situação e às circunstâncias pessoais do requerente, outros elementos suplementares além da mera circunstância de o requerente ser proveniente de uma zona de um determinado país onde ocorrem os «casos mais extremos de violência geral», na aceção da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nomeadamente do seu Acórdão de 17 de julho de 2008, NA. c. Reino Unido (CE:ECHR:2008:0717JUD002590407, § 115), a saber, da zona onde o grau de violência atinge um nível tão elevado, que a expulsão de uma pessoa para esse país constitui uma violação da proibição da tortura e dos tratamentos desumanos ou degradantes, garantida pelo artigo 3.o da CEDH.

58

Nestas circunstâncias, há que considerar que, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, para apreciar se existe um risco real de sofrer uma ofensa grave, conforme definida nesta disposição, a autoridade nacional competente deve poder ter em conta elementos relativos à situação e às circunstâncias pessoais do requerente, além da mera circunstância de ser proveniente de uma zona de um determinado país onde se verificam os «casos mais extremos de violência geral», na aceção do Acórdão do TEDH de 17 de julho de 2008, NA. c. Reino Unido (CE:ECHR:2008:0717JUD002590407, § 115).

59

A este respeito, importa desde já salientar que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é, em princípio, relevante para a interpretação do artigo 15.o da Diretiva 2011/95. Com efeito, por um lado, resulta do artigo 6.o, n.o 3, TUE que o direito fundamental garantido no artigo 3.o da CEDH faz parte dos princípios gerais do direito da União cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem deve, por isso, ser tomada em consideração para a interpretação do alcance de tal direito na ordem jurídica da União (v., neste sentido, Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji,C‑465/07, EU:C:2009:94, n.o 28).

60

Por outro lado, resulta do considerando 16 da Diretiva 2011/95 que a interpretação das disposições desta deve ser efetuada com respeito pelos direitos fundamentais reconhecidos pela Carta, entre os quais, nomeadamente, o seu artigo 4.o [v., neste sentido, Acórdão de 24 de abril de 2018, MP (Proteção subsidiária de uma vítima de atos de tortura passados), C‑353/16, EU:C:2018:276, n.o 36]. Ora, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, uma vez que os direitos garantidos no artigo 4.o desta correspondem aos garantidos pelo artigo 3.o da CEDH, o sentido e o alcance destes direitos são iguais aos conferidos pelo referido artigo 3.o [v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Afastamento – Canábis terapêutica), C‑69/21, EU:C:2022:913, n.o 60 e jurisprudência referida], o que, no entanto, não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla aos referidos direitos. Por conseguinte, na interpretação do artigo 4.o da Carta, há que ter em conta o artigo 3.o da CEDH, conforme interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, enquanto limiar de proteção mínima [v., por analogia, Acórdão de 22 de junho de 2023, K.B. e F.S. (Conhecimento oficioso no domínio penal), C‑660/21, EU:C:2023:498, n.o 41 e jurisprudência referida].

61

Além disso, resulta das Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17) que o direito que consta no artigo 19.o, n.o 2, desta, nos termos do qual ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a torturas ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes, incorpora a jurisprudência pertinente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 3.o da CEDH, ao qual este artigo 19.o, n.o 2, corresponde, em substância (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de dezembro de 2014, M’Bodj, C‑542/13, EU:C:2014:2452, n.o 38 e jurisprudência referida, e de 18 de dezembro de 2014, Abdida,C‑562/13, EU:C:2014:2453, n.o 47). Esta jurisprudência é, por isso, igualmente relevante para a interpretação deste direito.

62

No entanto, o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 15.o, alínea b), da Diretiva 2011/95 corresponde, em substância, ao artigo 3.o da CEDH. Em contrapartida, o artigo 15.o, alínea c), desta diretiva é uma disposição cujo conteúdo é distinto do conteúdo do artigo 3.o da CEDH e cuja interpretação deve, por isso, ser feita de modo autónomo, a fim de, nomeadamente, garantir um âmbito de aplicação próprio desta disposição, de forma a respeitar os direitos fundamentais tal como garantidos na Carta e na CEDH (v., neste sentido, Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji,C‑465/07, EU:C:2009:94 , n.os 28 e 36).

63

A este respeito, há que salientar que o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 abrange, é certo, a situação excecional em que o grau de violência indiscriminada resultante de um conflito armado interno ou internacional é tal, que existem motivos sérios para acreditar que um civil que volte para o país ou para a região em causa correria, pelo simples facto de estar presente no território desse país ou dessa região, um risco real de sofrer ameaças graves e individuais contra a sua vida ou a sua integridade física.

64

Contudo, como foi salientado no n.o 42 do presente acórdão, esta disposição é suscetível de abranger igualmente outras situações, nas quais a combinação, por um lado, de um grau de violência indiscriminada menos elevado do que a que caracteriza essa situação excecional e, por outro, de elementos próprios das circunstâncias pessoais do requerente é suscetível de concretizar o risco real de sofrer uma ameaça grave e individual, na aceção da referida disposição.

65

Daqui resulta que, nas outras situações, os elementos relativos à situação e às circunstâncias pessoais do requerente que a autoridade nacional competente deve ter em conta vão necessariamente além do facto de ser proveniente de uma zona de um determinado país onde se verificam os «casos mais extremos de violência geral», na aceção da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e nomeadamente do seu Acórdão de 17 de julho de 2008, NA. c. Reino Unido (CE:ECHR:2008:0717JUD 002590407, § 115).

66

Assim, mantendo‑se inteiramente compatível com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 3.o da CEDH (v., neste sentido, Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji,C‑465/07, EU:C:2009:94, n.o 44), a interpretação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, desenvolvida pelo Tribunal de Justiça, concede aos requerentes de proteção internacional uma proteção mais ampla do que a oferecida pelo referido artigo 3.o

67

Tendo em conta as questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio e recordadas no n.o 19 do presente acórdão, importa ainda precisar que a lista de elementos pertinentes relativos à situação e às circunstâncias pessoais do requerente, enunciada no artigo 4.o, n.o 3, alínea c), desta diretiva, não tem caráter exaustivo, pelo que, nas situações referidas no n.o 64 do presente acórdão, a autoridade nacional competente para a concessão da proteção subsidiária deve proceder a uma apreciação casuística, tendo em conta, se for caso disso, qualquer outro elemento relativo à situação e às circunstâncias pessoais do requerente suscetível de contribuir para a concretização do risco real de sofrer uma ofensa grave, tal como definida no artigo 15.o, alínea c), da referida diretiva, tendo em conta o grau de violência indiscriminada no país ou na região em causa. Neste contexto, podem nomeadamente ser considerados pertinentes os elementos próprios da vida privada, familiar ou profissional do requerente em relação aos quais se possa razoavelmente presumir que aumentarão o risco de este sofrer uma ofensa grave, caso volte para o seu país de origem ou para o país em que tinha a sua residência habitual.

68

Além disso, cabe à autoridade nacional competente, como foi recordado no n.o 51 do presente acórdão e em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2011/95, ter em conta a circunstância de o requerente já ter sido diretamente ameaçado de perseguição, ou de ter sofrido ou sido diretamente ameaçado, a menos que haja motivos sérios para considerar que essa perseguição ou ofensa grave não se repetirá.

69

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, para apreciar se existe um risco real de sofrer uma ofensa grave, conforme definida nesta disposição, a autoridade nacional competente deve poder ter em conta elementos relativos à situação e às circunstâncias pessoais do requerente, além da mera circunstância de ser proveniente de uma zona de um determinado país onde se verificam os «casos mais extremos de violência geral», na aceção do Acórdão do TEDH de 17 de julho de 2008, NA. c. Reino Unido (CE:ECHR:2008:0717JUD002590407, § 115).

Quanto à terceira questão

70

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o, alínea b), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que a intensidade da violência indiscriminada que existe no país de origem do requerente é suscetível de enfraquecer o requisito de individualização das ofensas graves definidas nesta disposição.

71

A este respeito, há que recordar que, como foi salientado nos n.os 37 a 42 do presente acórdão, as ofensas graves definidas no artigo 15.o, alínea b), da Diretiva 2011/95 pressupõem um grau de individualização claro.

72

Com efeito, como foi recordado no n.o 38 do presente acórdão, as ofensas relativas ao risco de «pena de morte ou [de] execução» e de «tortura ou [de] tratamento desumanos ou degradante», previstas no artigo 15.o, alíneas a) e b), da referida diretiva, abrangem situações em que o requerente da proteção subsidiária está exposto, específica e individualmente, ao risco de um tipo particular de ofensa.

73

Embora, como foi sublinhado no n.o 39 do presente acórdão, os elementos pertinentes relativos à situação geral do país de origem do requerente, incluindo, designadamente, os relativos ao nível geral de violência e de insegurança nesse país, devam também ser examinados nessas hipóteses, não é menos verdade que a existência, no referido país, de um determinado nível de violência e de insegurança, por mais importante que seja, não pode enfraquecer o alcance do requisito segundo o qual, para que exista um risco real de ofensas graves, na aceção do artigo 15.o, alíneas a) e b), da Diretiva 2011/95, deve ser demonstrado, tendo em conta, se for caso de um nível tal de violência, que o requerente corre o risco de estar realmente exposto, específica e individualmente, a essas ofensas em caso de regresso ao mesmo país.

74

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o artigo 15.o, alínea b), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que a intensidade da violência indiscriminada existente no país de origem do requerente não é suscetível de enfraquecer o requisito de individualização das ofensas graves definidas nesta disposição.

Quanto à quarta questão

75

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, lido em conjugação com os artigos 1.o e 4.o e com o artigo 19.o, n.o 2, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que as circunstâncias humanitárias que são a consequência direta ou indireta dos atos e/ou das omissões de um agente de ofensas graves infligidas no âmbito de um conflito armado internacional ou interno devem ser tidas em conta na avaliação de um pedido de proteção internacional, na aceção desse artigo 15.o, alínea c).

76

A Comissão Europeia sustenta que esta questão é inadmissível, alegando, em substância, que, tendo em conta os elementos que sustentam os pedidos de proteção internacional em causa no processo principal, a resposta à referida questão não é necessária para resolver o litígio no processo principal e que, em todo o caso, a decisão de reenvio não contém as informações e precisões necessárias para esse efeito.

77

Segundo jurisprudência constante, embora as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozem de presunção de pertinência, não é menos verdade que o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução dos litígios que lhes cabe decidir. Um reenvio prejudicial não se justifica com a emissão de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas com a necessidade inerente à efetiva decisão de um litígio. Como decorre dos próprios termos do artigo 267.o TFUE, a decisão prejudicial pedida deve ser «necessária» para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio «proferir a sua decisão» no processo que lhe foi submetido (Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 167 e jurisprudência referida).

78

Assim, é nomeadamente indispensável, como refere o artigo 94.o, alínea a), do Regulamento de Processo, que a decisão de reenvio contenha uma descrição sumária dos factos pertinentes, conforme apurados pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou, no mínimo, uma exposição dos dados factuais em que as questões assentam (Acórdão de 3 de dezembro de 2019, Iccrea Banca,C‑414/18, EU:C:2019:1036, n.o 28 e jurisprudência referida).

79

No caso em apreço, como salientado nos n.os 11, 12 e 15 do presente acórdão, os elementos em que os pedidos de proteção internacional em causa no processo principal se baseiam, conforme foram apresentados pelos recorrentes e demonstrados pela autoridade nacional competente, bem como pelo órgão jurisdicional de reenvio, são factos relativos ao nível geral de violência e de insegurança na Líbia, às difíceis condições de vida em Trípoli, bem como às «circunstâncias humanitárias» daí resultantes.

80

No entanto, não decorre de modo nenhum dos referidos elementos, conforme expostos no pedido de decisão prejudicial, que essas circunstâncias humanitárias sejam a consequência direta ou indireta dos atos e/ou das omissões de um agente de ofensas graves infligidas no âmbito de um conflito armado interno ou internacional, na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95.

81

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio não indicou quem seria o agente dos atos e/ou das omissões em questão nem em que consistiriam esses atos e/ou omissões.

82

Daqui resulta que o órgão jurisdicional de reenvio não demonstrou suficientemente de que forma uma resposta à quarta questão seria necessária para lhe permitir resolver o litígio no processo principal, nem expôs de forma suficiente os dados factuais em que se baseia essa questão.

83

Nestas circunstâncias, a quarta questão deve ser julgada inadmissível.

Quanto às despesas

84

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 15.o da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida,

deve ser interpretado no sentido de que:

para determinar se um requerente de proteção internacional pode beneficiar da proteção subsidiária, a autoridade nacional competente deve examinar todos os elementos pertinentes, relativos tanto à situação e às circunstâncias pessoais do requerente como à situação geral no país de origem, antes de apurar qual o tipo de ofensa grave que pode ser eventualmente justificado pelos referidos elementos.

 

2)

O artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95

deve ser interpretado no sentido de que:

para apreciar se existe um risco real de sofrer uma ofensa grave, conforme definida nesta disposição, a autoridade nacional competente deve poder ter em conta elementos relativos à situação e às circunstâncias pessoais do requerente, além da mera circunstância de ser proveniente de uma zona de um determinado país onde se verificam os «casos mais extremos de violência geral», na aceção do Acórdão do TEDH de 17 de julho de 2008, NA. c. Reino Unido (CE:ECHR:2008:0717JUD002590407, § 115).

 

3)

O artigo 15.o, alínea b), da Diretiva 2011/95

deve ser interpretado no sentido de que:

a intensidade da violência indiscriminada existente no país de origem do requerente não é suscetível de enfraquecer o requisito de individualização das ofensas graves definidas nesta disposição.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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