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Document 62024CC0471
Opinion of Advocate General Medina delivered on 11 September 2025.###
Conclusões da advogada-geral Medina apresentadas em 11 de setembro de 2025.
Conclusões da advogada-geral Medina apresentadas em 11 de setembro de 2025.
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2025:705
Edição provisória
CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL
LAILA MEDINA
apresentadas em 11 de setembro de 2025 (1)
Processo C‑471/24
J.J.
contra
PKO BP S.A.
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy w Częstochowie (Tribunal Regional de Częstochowa, Polónia)]
« Reenvio prejudicial — Cláusulas contratuais abusivas — Diretiva 93/13/CEE — Contrato de mútuo hipotecário com taxa variável — Cláusula contratual que prevê a determinação da taxa de juro baseada num índice de referência na aceção do Regulamento (UE) 2016/1011 — Índice de referência crítico — Índice de referência WIBOR — Requisito de transparência »
1. O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a compatibilidade das cláusulas contratuais que preveem uma taxa de juro variável baseada no índice de referência Warsaw Interbank Offered Rate (Taxa do mercado monetário interbancário de Varsóvia; a seguir «WIBOR»), nos contratos de empréstimo hipotecário, com a Diretiva 93/13/CEE (2). Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe J.J., um consumidor, a PKO BP S.A. (a seguir «PKO»), um banco com sede na Polónia, relativo (i) ao reembolso de uma parte das quantias pagas por esse consumidor a esse banco nos termos de um contrato de mútuo hipotecário com taxa variável; e (ii) à inaplicabilidade ou invalidade de uma cláusula desse contrato relativa à determinação da taxa de juro.
2. A novidade do caso em apreço consiste no facto de o contrato de mútuo hipotecário utilizar um índice de referência crítico nos termos do Regulamento (UE) 2016/1011 (3),nomeadamente, o índice WIBOR. Nas hipotecas subscritas desde 2013, o WIBOR é utilizado como referência em 98,5 % de todos os mútuos concedidos às famílias na Polónia. É evidente que o presente caso reveste particular importância para o setor hipotecário polaco, especialmente visto que esse setor se baseia no WIBOR (4).
I. Quadro jurídico
3. Para efeitos das presentes conclusões, é suficiente fazer referência à Ustawa z dnia 23 marca 2017 r. o kredycie hipotecznym oraz o nadzorze nad pośrednikami kredytu hipotecznego i agentami (Lei de 23 de março de 2017, relativa ao Crédito Hipotecário e à Supervisão dos Intermediários de Crédito Hipotecário e dos Agentes) (5), cujo artigo 29.°, n.os 1 e 2, dispõe o seguinte:
«1. O contrato de crédito hipotecário deve especificar os elementos enumerados no artigo 69.°, n.° 2, da Ustawa z dnia 29 sierpnia 1997 r. – Prawo bankowe [ (6)] e:
[…]
(8) o método e as condições de determinação da taxa de juro com base na qual são calculadas as prestações de capital e de juros;
[...]
2. Quando as partes não acordaram numa taxa de juro fixa para um crédito hipotecário, o método de determinação da taxa de juro referido no n.° 1, ponto 8, deve ser determinado com base no valor do índice de referência e no montante da margem prevista no contrato de crédito hipotecário.»
II. Factos na origem do litígio no processo principal e questões prejudiciais
4. Como resulta da Decisão de reenvio, em 18 de junho de 2019, o demandante no processo principal, J.J., que é um consumidor, contactou a PKO com vista a obter um mútuo hipotecário no montante de 400 000 zlótis polacos (PLN) (cerca de 96 700 euros). Nessa ocasião, J.J. foi informado, nomeadamente, dos riscos associados aos mútuos com taxa variável em geral. J.J. não recebeu nenhuma informação sobre o funcionamento do índice de referência específico aplicável.
5. Em 1 de agosto de 2019, as partes no processo principal celebraram um contrato de mútuo hipotecário no montante total de 413 436,69 PLN (cerca de 100 000 euros), destinado à aquisição de uma habitação, cuja duração é de 20 anos (a seguir «contrato controvertido»). O referido mútuo estava sujeito a uma taxa de juro variável, calculada com base no índice WIBOR 6M, que era de 1,79 % à data da celebração do contrato, acrescido de uma margem fixa de 1,85 %, sendo a taxa variável aplicável ajustada semestralmente em função da evolução deste índice (a seguir «prazo contratual controvertido»).
6. Nos termos e condições gerais do contrato controvertido, o índice WIBOR 6M é descrito como o índice de referência para depósitos em zlótis polacos a seis meses no mercado interbancário polaco, cujo valor é determinado de acordo com as regras relativas, nomeadamente, à WIBOR, e publicado no sítio de informação do «administrador» desse índice (7), a GPW Benchmark S.A. As condições especiais do contrato controvertido referem que a PKO informou o mutuário do risco associado às taxas de juro variáveis que, em caso de aumento do índice de referência, resulta num aumento do montante dos juros a pagar e, por conseguinte, das prestações mensais. Os termos e condições gerais também contêm informações a este respeito.
7. Posteriormente, as partes no processo principal celebraram uma adenda ao contrato controvertido no qual estabeleceram as regras pormenorizadas aplicáveis em caso de alteração substancial do índice WIBOR 6M, ou, em caso de cessação da publicação do índice WIBOR 6M. Após ter apresentado, sem sucesso, uma reclamação sobre a legalidade da cláusula contratual controvertida junto da PKO, J.J. intentou uma ação contra este banco.
8. O Sąd Okręgowy w Częstochowie (Tribunal Regional de Częstochowa, Polónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, declara que, segundo as alegações da J.J., a PKO não lhe prestou informações fiáveis, compreensíveis e completas sobre o risco associado a uma taxa de juro variável nem sobre o método de determinação do índice WIBOR 6M. J.J. alega que tal acontece, em especial, no que diz respeito à influência que os bancos, incluindo a PKO, podem exercer sobre a determinação deste índice, independentemente das condições económicas efetivas prevalecentes no mercado interbancário e da realidade económica, assegurando assim para si próprios uma «margem oculta». Alega que, pelo contrário, as cláusulas relativas às taxas de juro variáveis devem referir‑se apenas a indicadores objetivos, sobre os quais as partes não podem ter nenhuma influência. J.J. entende que, por conseguinte, a PKO tem a possibilidade de influenciar o nível da sua obrigação de pagamento de juros e considera que o banco transferiu todo o risco da taxa para si enquanto consumidor. J.J. também alega que a PKO não lhe prestou informações sobre a substância do índice WIBOR 6M, pelo que não estava em condições de avaliar as consequências económicas dos compromissos que assumia.
9. A PKO contesta as alegações de J.J. relativas à inadequação entre o índice WIBOR 6M e as transações efetivas em que é utilizado, à capacidade de os bancos manipularem este índice e à existência de um acordo anticoncorrencial entre eles para fixar os valores do índice WIBOR. Alega, em substância, que J.J. foi corretamente informado dos riscos relacionados com a celebração de um contrato de mútuo hipotecário com taxa variável.
10. O órgão jurisdicional de reenvio considera que, embora a denominação do indicador de referência não seja expressamente mencionada na Lei relativa ao Crédito Hipotecário, não há dúvida, tendo em conta, nomeadamente, o Regulamento (UE) 2016/1368 (8), que se trata do índice de referência crítico WIBOR que deve ser entendido como «índice de referência» visado no artigo 29.°, n.° 2, dessa lei. É neste contexto que o órgão jurisdicional de reenvio procura esclarecer o alcance da obrigação de informação do mutuante ao consumidor, a fim de determinar se o mutuante deve incluir as seguintes informações: a) o método de determinação do índice de referência; b) os fatores que influenciam o seu valor; c) os eventuais problemas de transparência relacionados com o índice (9); d) a margem de apreciação dos bancos no fornecimento dos dados relevantes; e) os critérios que os bancos utilizam para compilar esses dados; f) o facto de ser o próprio mutuante a fornecer os dados; e g) a forma como o mutuante compila e processa internamente esses dados.
11. Nestas circunstâncias, o Sąd Okręgowy w Częstochowie (Tribunal Regional de Częstochowa) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«[1)] Deve o artigo 1.°, n.° 2, da [Diretiva 93/13], ser interpretado no sentido de que permite o exame de cláusulas contratuais relativas a uma taxa de juro variável baseada no índice de referência WIBOR?
[2)] Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve o artigo 4.°, n.° 2, da [Diretiva 93/13], ser interpretado no sentido de que permite o exame de cláusulas contratuais relativas a uma taxa de juro variável baseada no índice [WIBOR]?
[3)] Em caso de resposta afirmativa às questões primeira e segunda, deve o artigo 3.°, n.° 1, [Diretiva 93/13], ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual relativa a uma taxa de juro variável baseada no índice [WIBOR] pode ser considerada contrária à exigência de boa‑fé e causar um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes no contrato, em detrimento do consumidor, em razão da informação insuficiente prestada ao consumidor sobre a sua exposição ao risco de uma taxa de juro variável, incluindo, especialmente, o facto de não ter sido indicado o método de determinação do índice de referência em que se baseia a taxa de juro variável e as dúvidas que suscita a sua falta de transparência, bem como a repartição desigual desse risco entre as partes no contrato?
[4)] Em caso de resposta afirmativa às questões precedentes, devem o artigo 6.°, n.° 1, em conjugação com o artigo 3.°, n.os 1 e 2, segundo [parágrafo], e o artigo 2.° da [Diretiva 93/13], ser interpretados no sentido de que, quando uma cláusula contratual relativa a uma taxa de juro variável baseada no índice de referência WIBOR é considerada abusiva, é possível manter em vigor um contrato em que o montante da taxa de juro sobre o montante do capital do empréstimo se baseia num segundo elemento que fixa a taxa de juro prevista no contrato, ou seja, na margem fixa do banco, o que faria com que a taxa de juro do empréstimo passasse de variável a fixa?»
12. Foram apresentadas observações escritas por J.J., PKO e pelos Governos Checo, Polaco e Português, bem como pela Comissão Europeia. Em 11 de junho de 2025, todas estas partes, com exceção do Governo Checo, apresentaram alegações orais numa audiência perante o Tribunal de Justiça.
III. Apreciação
13. Em conformidade com um pedido do Tribunal de Justiça, as presentes conclusões abordam apenas a primeira, a segunda e a terceira questões prejudiciais submetidas.
14. Como observação preliminar, deve ficar claro que, tal como foi confirmado na audiência, J.J. não pretende contestar a compatibilidade do índice WIBOR com a legislação nacional ou da União (ou seja, o Regulamento 2016/1011) enquanto tal. J.J. não questiona a metodologia utilizada para a determinação do valor desse índice, nem contesta, em princípio, a utilização do índice WIBOR nos contratos de mútuo a taxa variável. Pelo contrário, J.J. alega que o facto de o índice WIBOR ser reconhecido como um índice de referência crítico não permite à PKO ignorar o direito do consumidor a receber informações exatas, completas e fiáveis sobre o custo de um empréstimo hipotecário.
A. Introdução
15. A título introdutório, importa explicar que o conceito de «referência» (ou, tal como utilizado nas presentes conclusões, «índice de referência»), na aceção do Regulamento 2016/1011. O artigo 3.°, n.° 1, ponto 3, do referido regulamento define «Índice de referência» como «um índice em relação ao qual o montante a pagar ao abrigo de um instrumento financeiro ou de um contrato financeiro, ou o valor de um instrumento financeiro, é determinado […]». Resulta do artigo 34.°, n.° 1, alínea a), e n.° 6, alínea b), do Regulamento 2016/1011, que a autorização para a administração de índices de referência como o índice WIBOR é concedida por uma decisão administrativa de uma autoridade competente — na Polónia, a Komisja Nadzoru Finansowego (KNF) (Comissão de Supervisão Financeira) — depois de esta ter examinado a conformidade do índice de referência em causa com os requisitos do mesmo regulamento (10). Sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, parece que o intuito da decisão da Comissão de Supervisão Financeira é estabelecer que o processo de fornecimento do índice WIBOR pelo administrador do índice WIBOR (incluindo os Regulamentos WIBOR (11)) cumpre os requisitos do direito da União.
16. Em especial, a metodologia utilizada para determinar as taxas de referência WIBOR (12) estabelece, em substância, que as «taxas de referência» são taxas de juro de referência às quais os bancos selecionados estão dispostos a depositar ou a contrair empréstimos entre si durante períodos de tempo definidos. Essas taxas de referência são fixadas pelo administrador (GPW Benchmark) com base nas «ofertas de preço comprometidas» fornecidas pelos bancos participantes durante um processo denominado «fixação» (13). Para estabelecer uma taxa, são necessárias pelo menos seis ofertas de preço bancárias. As regras pormenorizadas relativas às ofertas de preço, aos critérios de seleção dos participantes e às suas obrigações estão descritas no «Código de Conduta» disponível no sítio Internet do GPW Benchmark (14). A fixação tem lugar todos os dias úteis. As taxas de referência são determinadas para os «períodos de depósito» seguintes: «1 dia útil — overnight (O/N)», «1 dia útil — 24 horas (tomorrow/next) (T/N)», «1 semana (SW)», «2 semanas (2W)», «1 mês (1M)», «3 meses (3M)», «6 meses (6M)» — o período de depósito controvertido no litígio no processo principal, «9 meses (9M)» e «1 ano (1Y)» (15). Em regra, os dados para o cálculo da WIBOR devem envolver transações efetivas, mas se esses dados não estiverem disponíveis ou não forem adequados, podem ser utilizados dados não transacionais verificáveis (ou seja, ofertas de preço ou «taxas de oferta») (16). O índice WIBOR é determinado utilizando um método de média baseado no número de ofertas de preço apresentadas pelos bancos participantes (17). Por último, as taxas WIBOR são publicadas todos os dias úteis e estão disponíveis ao público (18).
B. Quanto à primeira questão: é a Diretiva 93/13 aplicável?
17. Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, deve ser interpretado no sentido de que exclui do âmbito de aplicação desta diretiva uma cláusula contratual contida num contrato de mútuo hipotecário celebrado entre um consumidor e um profissional, que prevê que a taxa de juro aplicável a esse contrato é composta por um índice de referência (no caso vertente, o índice WIBOR) e pela margem fixa do banco.
18. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a própria aplicabilidade da Diretiva 93/13, tendo em conta (i) as suas observações relativas à disposição aplicável do direito nacional (19) e (ii) o facto de o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, excluir do seu âmbito de aplicação, nomeadamente, «cláusulas contratuais decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas».
19. A jurisprudência do Tribunal de Justiça torna claro que a exclusão acima referida deve ser interpretada de forma estrita (20). Para que esta exclusão seja aplicável, devem estar preenchidos dois requisitos: a cláusula contratual decorra de uma disposição legislativa ou regulamentar, e esta disposição seja imperativa. Para determinar se estes requisitos estão preenchidos, o Tribunal de Justiça declarou que incumbe ao juiz nacional apreciar se essa cláusula decorre de disposições de direito nacional imperativamente aplicáveis entre as partes contratantes independentemente da sua escolha, ou de disposições de natureza e, consequentemente, de aplicação supletivas, isto é, na falta de um acordo diferente entre as partes a este respeito (21).
20. Segundo a jurisprudência, para que uma cláusula contratual «decorra» de uma disposição legislativa ou regulamentar imperativa (e, portanto, não seja abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13) quando se possa considerar que exprime, de forma concreta, a mesma norma jurídica que é visada nesta disposição imperativa (22).
21. No que diz respeito a um índice de referência, o Tribunal de Justiça já decidiu que a exclusão prevista no artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 não é aplicável se a legislação nacional se limitar a estabelecer um quadro geral para a determinação da taxa de juro do contrato de mútuo e permitir ao profissional uma margem de apreciação tanto no que respeita à escolha do índice de referência dessa taxa, como ao valor da margem fixa que pode ser acrescida à referida taxa (23).
22. Resulta da Decisão de reenvio que, no âmbito do contrato controvertido, a taxa de juro se baseava no índice WIBOR 6M, acrescido de uma margem fixa de 1,85 % (24).
23. Coloca‑se a questão de saber se esta cláusula contratual pode ser considerada como uma disposição imperativa na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça (referida no n.° 19 das presentes conclusões). O artigo 29.°, n.° 2, da Lei relativa ao Crédito Hipotecário prevê que, se as partes não tiverem acordado uma taxa de juro fixa para um mútuo hipotecário, o método de determinação da taxa de juro é estabelecido com base no valor do índice de referência e no montante da margem fixados no contrato de mútuo hipotecário. Estabelece, assim, um quadro geral para a fixação da taxa de juro de um contrato de mútuo hipotecário com taxa variável, uma vez que prevê que a taxa de juro variável é composta por um índice de referência e pela margem fixa do banco, sem que o índice específico a aplicar seja prescrito na referida lei. Esta disposição não parece impor a utilização do índice de referência WIBOR. A escolha do legislador nacional de uma formulação geral para determinar as regras de utilização de uma taxa de juro variável, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, parece indicar que o artigo 29.°, n.° 2, da Lei relativa ao Crédito Hipotecário deve ser tratado como uma disposição geral que deixa uma certa margem de apreciação aos intervenientes no mercado para adotarem um determinado índice, a sua taxa e a margem fixa efetiva. Para o efeito, a cláusula contratual controvertida, que especifica que a taxa de juro se baseia no índice WIBOR e na taxa 6M, em conjugação com uma margem fixa de 1,85 %, não parece reproduzir literalmente o conteúdo da disposição nacional acima referida. Por último, não existe nenhuma obrigação nos termos do direito da União de utilizar um índice específico. O próprio Regulamento 2016/1011 não impõe a utilização de um índice específico e, em particular, do índice WIBOR 6M.
24. Por estas razões e reservassem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 29.°, n.° 2, da Lei relativa ao Crédito Hipotecário não parece estabelecer, de forma clara e inequívoca, a utilização de um índice de referência específico e da sua taxa e, em particular, do índice WIBOR 6M. Não impõe aos mutuantes a utilização obrigatória do WIBOR nos contratos de mútuo hipotecário nem, aliás, de qualquer outra taxa de referência específica. Como também foi alegado pela Comissão na audiência, parece que os mutuantes não enfrentam nenhum obstáculo jurídico à utilização de um índice diferente do WIBOR e que, embora o índice WIBOR seja dominante no mercado polaco, não é o único índice disponível. Mais uma vez sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, parecem existir outros índices que poderiam potencialmente ter sido utilizados, como o índice (25) Warsaw Interest Rate Overnight (a seguir «WIRON»), o índice de referência POLONIA (26) ou mesmo qualquer outro índice, aprovado pela autoridade competente. Por conseguinte, no momento da celebração do contrato, a PKO dispunha de uma certa margem de apreciação, nomeadamente no que diz respeito ao índice de referência e à sua taxa, quando incluía nesse contrato uma cláusula contratual que contém uma taxa de juro variável.
25. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio considera que não há dúvida de que o índice de referência referido no artigo 29.°, n.° 2, da Lei relativa ao Crédito Hipotecário deve ser entendido como sendo o índice WIBOR. Explica ainda que até 90 % dos contratos de crédito ao consumo na Polónia se baseiam numa taxa variável e utilizam o índice WIBOR como índice de referência.
26. Como já foi referido supra, uma cláusula contratual é excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 93/13 se decorrer de uma disposição legislativa ou regulamentar imperativa. Para este efeito, o Tribunal de Justiça decidiu que, como resulta do décimo terceiro considerando da Diretiva 93/13, a exclusão do âmbito de aplicação desta diretiva, prevista no seu artigo 1.°, n.° 2, abrange as disposições de direito nacional aplicáveis entre as partes no contrato, independentemente da sua escolha. Esta exclusão justifica‑se pelo facto de ser legítimo presumir que o legislador nacional estabeleceu um equilíbrio entre todos os direitos e obrigações das partes em determinados contratos, equilíbrio esse que o legislador da União quis expressamente preservar (27).
27. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que só uma opção clara do legislador de introduzir uma disposição imperativa específica é suscetível — para efeitos do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 — de justificar uma presunção de que é efetivamente preservado o equilíbrio entre todos os direitos que o direito da União pretende ver protegidos. A prática dos profissionais ativos no mercado, mesmo que essa prática seja dominante, não pode produzir tais efeitos.
28. Tal como explicado no n.° 16 das presentes conclusões, o índice de referência é estabelecido não só pela seleção de um índice mas também pela escolha do tipo da sua taxa de referência. Nos termos do Regulamento 2016/1011, o administrador do índice de referência publica ou disponibiliza, nomeadamente, os principais elementos da metodologia que utiliza para estabelecer os índices de referência (28). De acordo com as informações publicamente disponíveis, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, o administrador do índice WIBOR estabeleceu uma metodologia para diferentes taxas de referência WIBOR, incluindo a WIBOR 1M, a WIBOR 3M, a WIBOR 6M e a WIBOR 1Y (29). Por conseguinte, a metodologia adotada pelo administrador do índice de referência, para implementar os requisitos do Regulamento 2016/1011, deixa aos mutuantes uma certa margem de apreciação no que diz respeito à escolha do índice de referência específico e/ou da taxa específica do índice.
29. Resulta das considerações precedentes e, como bem observou o Governo Checo, uma vez que a exclusão prevista no artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, deve ser interpretada de forma estrita, não é possível excluir do âmbito de aplicação desta diretiva outras situações além daquelas em que a cláusula contratual decorre de uma disposição legal ou regulamentar imperativa (30).. A circunstância de o índice WIBOR estar incluído na lista dos índices de referência críticos nos termos do artigo 20.°, n.° 1, do Regulamento 2016/1011 (31) não justifica, por si só, a exclusão do âmbito de aplicação da Diretiva 93/13 da cláusula contratual que faz referência ao índice WIBOR. Esta inclusão é um reconhecimento da importância do índice WIBOR no mercado (32) e não uma expressão da escolha legislativa do legislador nacional na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça acima analisada.
30. Além disso, decorre do artigo 1.° do Regulamento 2016/1011 e do seu considerando 6 que um dos principais objetivos da criação de um quadro regulamentar comum para os índices de referência (índices de referência) a nível da União foi assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores («garantir a precisão e a integridade dos índices utilizados como índices de referência no quadro de […] contratos financeiros»). Seria contrário a esse objetivo se a utilização desse índice de referência, numa situação em que o mutuante conserva uma certa margem de apreciação quanto à escolha do índice específico e à taxa desse índice a utilizar na cláusula contratual controvertida, impedisse a fiscalização jurisdicional do caráter potencialmente abusivo de uma tal cláusula contratual.
31. Tendo em conta o que precede, proponho que se responda à primeira questão submetida que o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual de um contrato de mútuo hipotecário celebrado entre um consumidor e um profissional, que prevê que a taxa de juro aplicável ao mútuo seja uma taxa variável baseada no índice de referência WIBOR 6M, é abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva, quando a legislação nacional não contempla a aplicação imperativa deste índice e da sua taxa específica, independentemente da escolha das partes no contrato.
C. Quanto à segunda questão: requisito de transparência das cláusulas contratuais
32. Se o Tribunal de Justiça seguir a minha proposta de resposta à primeira questão submetida, será necessário examinar a segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, permite apreciar o caráter abusivo de uma cláusula contida num contrato de mútuo hipotecário celebrado entre um consumidor e um profissional que prevê a aplicação a esse contrato de uma taxa de juro variável baseada no índice de referência WIBOR.
33. O artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 prevê que a avaliação do caráter abusivo das cláusulas contratuais não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio pode fiscalizar o caráter abusivo de uma cláusula relativa à definição do objeto principal do contrato se essa cláusula não for clara e compreensível (33).
34. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 estabelece uma exceção ao mecanismo de fiscalização substancial das cláusulas abusivas, conforme previsto no âmbito do sistema de proteção dos consumidores instituído por esta diretiva, e que, consequentemente, esta disposição deve ser objeto de interpretação estrita (34). Por conseguinte, para que o órgão jurisdicional de reenvio possa proceder à avaliação do eventual caráter abusivo de uma cláusula contratual, há que determinar se essa cláusula está abrangida pelo conceito de «objeto principal do contrato» e se o requisito de transparência (linguagem clara e compreensível) está preenchido.
1. Conceito de «objeto principal do contrato»
35. No que respeita, em especial, à categoria das cláusulas contratuais abrangidas pelo conceito de «objeto principal do contrato», na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, o Tribunal de Justiça declarou que essas cláusulas devem ser entendidas como sendo as que fixam as prestações essenciais desse contrato e que, como tais, o caracterizam. Em contrapartida, as cláusulas que revestem caráter acessório relativamente às que definem a própria essência da relação contratual não podem ser abrangidas por este conceito (35).
36. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar, tendo em conta a natureza, a sistemática geral e as cláusulas do contrato controvertido, bem como o contexto jurídico e factual em que este contrato se inscreve, se as cláusulas referidas por este órgão jurisdicional na sua questão constituem um elemento essencial da prestação do devedor, que consiste no reembolso do montante disponibilizado pelo mutuante (36). Dito isto, incumbe, porém, ao Tribunal de Justiça extrair do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 os critérios aplicáveis a um tal exame (37).
37. As prestações essenciais de um contrato de mútuo consistem, em primeiro lugar, em o mutuante se comprometer a colocar à disposição do mutuário um determinado montante em dinheiro, comprometendo‑se este último, a reembolsar, regra geral com juros, esse montante nos prazos previstos (38). Num contrato de mútuo hipotecário que fixa uma taxa de juro variável, a prestação essencial do mutuário de reembolsar o montante em dinheiro disponibilizado pelo mutuante é determinada por referência a essa taxa de juro. Por conseguinte, o reembolso do mútuo por referência a uma taxa de juro variável está, em princípio, diretamente relacionado com a própria natureza da prestação do devedor, constituindo assim um elemento essencial do contrato de mútuo hipotecário.
38. A cláusula contratual controvertida prevê que o contrato de mútuo hipotecário seja remunerado por juros calculados com base numa taxa variável que tem como referência o índice WIBOR. O órgão jurisdicional de reenvio refere que o artigo 69.°, n.° 2, ponto 5, da Lei de 29 de agosto de 1997, relativa ao Direito Bancário, menciona expressamente que as cláusulas relativas à taxa de juro e qualquer das suas alterações devem fazer parte de um contrato de mútuo. Além disso, o Governo Polaco explicou nas suas observações escritas que, nos termos do artigo 29.°, n.° 1, ponto 8, da Lei relativa ao Crédito Hipotecário, um contrato de mútuo hipotecário deve especificar o método e as condições de determinação da taxa de juro com base na qual são calculadas as prestações de capital e de juros.
39. Sem prejuízo de verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, a cláusula contratual controvertida pode ser considerada abrangida pelo conceito de «objeto principal do contrato» e, por conseguinte, faz parte das prestações essenciais do mutuário nesse contrato.
2. Conceito de «linguagem clara e compreensível» e o requisito de transparência
40. Importa, no entanto, recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o requisito de uma redação clara e compreensível se aplica mesmo quando uma cláusula está abrangida pelo conceito de «objeto principal do contrato», na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13. As cláusulas visadas no artigo 4.°, n.° 2, escapam somente à avaliação do seu caráter abusivo na medida em que o órgão jurisdicional nacional competente considere, após uma apreciação do caso concreto, que foram redigidas pelo profissional de forma clara e compreensível (39) (requisito de transparência das cláusulas contratuais).
41. No que diz respeito ao requisito de transparência das cláusulas contratuais, o Tribunal de Justiça declarou que este requisito, o qual é reiterado no artigo 5.° da Diretiva 93/13, não pode ficar reduzido apenas ao caráter compreensível nos planos formal e gramatical. Dado que o sistema de proteção instituído pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade em relação ao profissional, no que respeita designadamente ao nível de informação, este requisito de redação clara e compreensível das cláusulas contratuais e, por conseguinte, o requisito de transparência imposto pela mesma diretiva, devem ser entendidos de maneira extensiva (40).
42. No Acórdão Gómez del Moral Guasch I, o Tribunal de Justiça analisou o requisito de transparência relativamente a uma cláusula contratual que, no âmbito de um contrato de mútuo hipotecário, estipulava a remuneração desse mútuo através de juros calculados com base numa taxa variável estabelecida por referência a um índice oficial. O Tribunal de Justiça considerou que o requisito de transparência deve, assim, ser entendido no sentido de que impõe não só que a cláusula em causa seja compreensível para o consumidor nos planos formal e gramatical mas também que um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, esteja em condições de compreender o funcionamento concreto do método de cálculo dessa taxa e avaliar, assim, com base em critérios claros e compreensíveis, as consequências económicas potencialmente significativas dessa cláusula para as suas obrigações financeiras (41).
43. Dado que a competência do Tribunal de Justiça incide apenas sobre a interpretação das disposições do direito da União — no caso em apreço, designadamente, a Diretiva 93/13 —, cabe exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às verificações de facto necessárias, à luz de todos os elementos factuais pertinentes, entre os quais promocional publicidade e a informação facultada pelo mutuante no âmbito da negociação do contrato controvertido. Em especial, incumbe ao juiz nacional, quando analisa as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato, verificar se, no processo em causa, foram comunicados ao consumidor todos os elementos suscetíveis de ter incidência no alcance do seu compromisso que lhe permitam avaliar , designadamente, o custo total do seu empréstimo (42).
44. No Acórdão Gómez del Moral Guasch I, o Tribunal de Justiça considerou relevante, para efeitos desta análise, o facto de os elementos essenciais relativos ao cálculo do índice de referência aplicável ao contrato controvertido serem facilmente acessíveis a qualquer pessoa que pretendesse contrair um mútuo hipotecário (43). O Tribunal de Justiça também considerou relevante, para efeitos da apreciação da transparência da cláusula contratual controvertida no referido processo, o facto de, nos termos da legislação nacional em vigor, as instituições de crédito estarem obrigadas a informar os consumidores sobre a evolução do índice em causa (44).
45. O Tribunal de Justiça concluiu que competia ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, no âmbito da celebração do contrato controvertido no referido processo, a instituição de crédito tinha cumprido efetivamente todas as obrigações de informação previstas na legislação nacional (45).
46. No Acórdão Kutxabank (46), o Tribunal de Justiça considerou que a informação sobre certos aspetos contratuais necessária aos candidatos mutuários para compreender o alcance da aceitação de uma proposta de contrato de mútuo, pode resultar de elementos não fornecidos diretamente pelo mutuante profissional, desde que esses elementos estejam publicamente disponíveis e acessíveis, eventualmente em resultados de certas indicações dadas ao consumidor para o efeito por esse profissional.
47. No que respeita, em especial, à acessibilidade dos elementos não diretamente fornecidos pelo profissional, é necessário que esse profissional forneça indicações suficientemente precisas e exatas aos candidatos mutuários para que estes possam tomar conhecimento desses elementos sem levar a cabo diligências que não podem razoavelmente ser esperadas de um consumidor médio (47).
48. No litígio no processo principal, a cláusula contratual controvertida faz referência a uma taxa de juro variável baseada no índice WIBOR 6M. Como já foi explicado no n.° 10 das presentes conclusões e, em particular, na nota de pé de página 8 destas, o índice WIBOR está incluído na lista de índices de referência críticos ao abrigo do artigo 20.°, n.° 1, do Regulamento 2016/1011. O processo de reconhecimento do índice WIBOR como índice de referência crítico é regido pelo referido regulamento, o qual, de acordo com o artigo 1.° do mesmo regulamento, foi adotado para garantir a exatidão, a solidez e a integridade dos índices de referência relevantes utilizados nos contratos financeiros.
49. O Regulamento 2016/1011 tem em consideração a desigualdade do poder negocial dos consumidores face aos mutuantes e a utilização de cláusulas contratuais gerais nos contratos de mútuo hipotecário e de crédito ao consumo que utilizam um índice de referência. O considerando 71 do Regulamento 2016/1011 estabelece que, em tais situações, os consumidores podem ter uma capacidade limitada de escolha do índice de referência a utilizar. No âmbito do esforço de equilíbrio, o legislador da União considera necessário garantir, pelo menos, que os mutuantes forneçam informações adequadas aos consumidores. Para o efeito, os artigos 56.° e 57.° do Regulamento 2016/1011 alteram em conformidade a Diretiva 2008/48/CE (48) e a Diretiva 2014/17/UE (49).
50. Em especial, o Regulamento 2016/1011 acrescenta um novo elemento de informação [novo artigo 13.°, n.° 1, alínea e‑A), da Diretiva 2014/17] que deve ser prestado aos consumidores antes da celebração de um contrato de mútuo hipotecário que utilize um índice de referência. A informação geral fornecida pelos mutuantes no âmbito da celebração de tais contratos deve incluir «o nome do índice de referência e dos seus administradores e as potenciais implicações para o consumidor».
51. No caso do contrato controvertido, o órgão jurisdicional de reenvio refere que este contrato incluía informações relativas à entidade que estabelece o índice de referência e à base em que esse índice é estabelecido, ao seu período de depósito e também à forma como a taxa de juro é determinada com base nesse índice. No entanto, o referido órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à questão de saber se também deveria conter uma explicação sobre o método de determinação do próprio índice WIBOR e sobre os fatores que influenciam a variação do seu nível. Esta questão prende‑se com as alegações apresentadas no órgão jurisdicional de reenvio por J.J., que se queixou de não ter recebido nenhuma explicação sobre o método de determinação do índice de referência WIBOR, bem como sobre o facto de este índice ser determinado com base em dados fornecidos pelos próprios bancos e de estes disporem de uma certa margem de apreciação no fornecimento desses dados.
52. A este respeito, é de salientar que o Regulamento 2016/1011 rege a metodologia para o estabelecimento de índices de referência, a fim de garantir a sua fiabilidade e precisão. Do seu considerando 26 resulta que o legislador da União está consciente do risco de manipulação que pode ser exercido no fornecimento de dados de cálculo. Reconhece que, regra geral, os administradores de índices de referência devem ser obrigados a utilizar dados de cálculo transacionais. No entanto, podem ser utilizados outros dados, tal como estabelecido no referido regulamento, nos casos em que os dados transacionais sejam insuficientes ou inadequados para assegurar a integridade e a exatidão do índice de referência. Isto reflete‑se no artigo 11.° do Regulamento 2016/1011, que estabelece os requisitos relativos aos dados de cálculo para o fornecimento de um índice de referência (devem, nomeadamente, ser «suficientes para representar, com precisão e fiabilidade, a realidade de mercado ou a realidade económica que o índice de referência pretende aferir» e ser «verificáveis»).
53. O considerando 27 do Regulamento 2016/1011 sublinha a necessidade de adotar uma metodologia transparente que assegure a fiabilidade e a precisão do índice de referência. Este considerando afirma que a transparência não deve ser entendida como a publicação da fórmula aplicada para determinar um dado índice de referência, mas antes como a divulgação dos elementos suficientes para permitir às partes interessadas compreender o modo como este índice de referência é determinado e avaliar a sua representatividade, relevância e adequação para a sua utilização pretendida. Isto está refletido no artigo 13.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Transparência da metodologia», que impõe ao administrador (na aceção do Regulamento 2016/1011) a publicação ou a disponibilização de certas informações enumeradas nesse artigo.
54. Resulta das considerações precedentes que as informações, as quais permitem às partes interessadas, incluindo os consumidores, compreender a metodologia utilizada para o fornecimento de um índice de referência nos termos do Regulamento 2016/1011, devem fazer parte das informações que o administrador é obrigado a publicar ou a disponibilizar. De acordo com o quadro comum estabelecido pelo Regulamento 2016/1011, esta responsabilidade incumbe ao administrador do índice.
55. Além disso, o Regulamento 2016/1011 estabelece, nos artigos 7.°, 8.° e 9.° deste regulamento, um mecanismo de tratamento de reclamações que, segundo o considerando 23, deve «permitir às partes interessadas notificar as suas reclamações ao administrador do índice de referência e assegurar que o administrador [do índice de referência] avalie objetivamente o mérito dessas reclamações». Este mecanismo estabelece uma via administrativa específica para que as partes interessadas, incluindo os consumidores, possam dar início a um processo de reclamação em caso de dúvidas quanto à conformidade da determinação do índice com as disposições pertinentes da legislação da União.
56. Quando um mutuante propõe aos consumidores um contrato de mútuo hipotecário que utiliza um índice de referência, a obrigação de fornecer informações que incumbe a esse mutuante está especificamente prevista no artigo 13.°, n.° 1, alínea e‑A), da Diretiva 2014/17. Como já foi referido, o mutuante deve informar o consumidor sobre «o nome do índice de referência e dos seus administradores e as potenciais implicações para o consumidor». Essa informação deve ser fornecida aos potenciais mutuários de forma suficientemente precisa e exata para que um consumidor médio possa ter acesso à informação relevante disponível ao público e familiarizar‑se com os principais elementos relativos à metodologia subjacente ao fornecimento do índice de referência. As potenciais implicações relevantes para o consumidor são as que decorrem de fatores suscetíveis de influenciar o grau de compromisso do consumidor, incluindo, nomeadamente, o risco relacionado com as flutuações da taxa de juro variável e a informação sobre os principais elementos que provocam essas flutuações.
57. Decorre da análise do âmbito do índice de referência estabelecido pelo Regulamento 2016/1011 que o requisito de transparência nos termos da Diretiva 93/13, lido em conjugação com esse regulamento, não obriga o mutuante a fornecer diretamente informações mais pormenorizadas sobre a metodologia de determinação do índice de referência do que as requeridas nos termos do Regulamento 2016/1011. De facto, as informações gerais sobre a metodologia utilizada constam do Regulamento 2016/1011 e as informações específicas devem ser publicadas ou disponibilizadas ao público pelo administrador.
58. No entanto, como já foi referido, o facto é que o mutuante deve fornecer ao consumidor as informações relevantes sobre o nome do índice de referência e do seu administrador e as implicações para o consumidor de forma precisa e exata. Na minha opinião, se o mutuante indicar apenas alguns dos elementos da metodologia subjacente utilizada, o que faz com que essa metodologia e os principais elementos que provocam a flutuação da taxa do índice não sejam divulgados na íntegra, ou deem uma imagem distorcida da natureza do índice de referência, isso será contrário aos requisitos de transparência e de boa‑fé previstos na Diretiva 93/13.
59. Na audiência, J.J. alegou que foi levado a crer que o índice de referência WIBOR era composto por dados transacionais relativos aos empréstimos interbancários, quando, na realidade, 98,27 % dos dados subjacentes eram constituídos por estimativas (ofertas de preço) fornecidas pelos bancos que participavam no processo de fixação (50). J.J. também afirmou que a PKO lhe forneceu informações contrárias à legislação aplicável e à realidade económica. A PKO contestou firmemente estas alegações. Na audiência, afirmou que forneceu informações exatas e precisas. Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima exposta (51), cabe ao juiz nacional, quando analisa as circunstâncias que rodeiam a celebração do contrato, verificar se foram comunicados ao consumidor todos os elementos suscetíveis de ter incidência no alcance do seu compromisso de forma suficientemente precisa e exata que lhe permitam avaliar, designadamente, o custo total do seu empréstimo.
60. Daqui resulta que a resposta à segunda questão submetida deve ser que o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que permite apreciar o caráter abusivo de uma cláusula contida num contrato de mútuo hipotecário celebrado entre um consumidor e um profissional, que prevê a aplicação a esse contrato de uma taxa de juro variável baseada no índice de referência WIBOR 6M, quando essa cláusula não esteja redigida em termos claros e compreensíveis (requisito de transparência). Para cumprir este requisito, o profissional deve informar o consumidor de forma suficientemente precisa e exata sobre o nome do índice de referência utilizado e do seu administrador, bem como sobre as potenciais implicações para o consumidor decorrentes da utilização desse índice, de modo a permitir‑lhe avaliar, designadamente, o custo total do seu empréstimo. A forma como a informação é fornecida, direta ou indiretamente, pelo mutuante deve ser tal que, consequentemente, essa informação revele na íntegra a metodologia subjacente e os principais elementos que provocam a flutuação da taxa do índice e não dê uma imagem distorcida da natureza do índice.
D. Quanto à terceira questão prejudicial: caráter abusivo da cláusula contratual controvertida
61. Tendo em conta que a apreciação do requisito de transparência pelo órgão jurisdicional de reenvio pode conduzir à conclusão de uma falta de transparência relativamente à cláusula contratual controvertida, o Tribunal de Justiça deve pronunciar‑se sobre a terceira questão submetida. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se uma cláusula contratual que incorpora uma taxa de juro variável baseada no índice de referência WIBOR pode ser abusiva, na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, devido à prestação de informações insuficientes ao consumidor pelo banco e à repartição desigual do risco entre as partes contratuais (52).
62. Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, uma cláusula contratual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato. A este respeito, o Tribunal de Justiça salientou que, ao remeter para os conceitos de «boa‑fé» e de «desequilíbrio significativo» em detrimento do consumidor, entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato, o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 define em abstrato os elementos que conferem caráter abusivo a uma cláusula contratual que não foi objeto de negociação individual (53).
63. Para saber se uma cláusula cria, em detrimento do consumidor, um «desequilíbrio significativo» entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato, há que ter em conta, designadamente, as regras de direito nacional aplicáveis na falta de acordo das partes nesse sentido, a fim de avaliar se e, sendo caso disso, em que medida o contrato coloca esse consumidor numa situação jurídica menos favorável do que a prevista no direito nacional em vigor. No que diz respeito a uma cláusula relativa ao cálculo dos juros no âmbito de um contrato de mútuo, é igualmente pertinente comparar o método de cálculo da taxa previsto nesta cláusula e o montante efetivo da taxa daí resultante com a taxa de juro legal e as taxas de juro praticadas no mercado à data da celebração do contrato em causa para mútuos de valor e de duração equivalentes aos do contrato de mútuo em causa (54).
64. No que respeita à questão de saber em que circunstâncias foi criado esse desequilíbrio «a despeito da exigência de boa‑fé», atendendo ao décimo sexto considerando da Diretiva 93/13, o juiz nacional deve verificar, para o efeito, se o profissional, agindo de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que este aceitasse essa cláusula na sequência de uma negociação individual (55).
65. Além disso, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, desta diretiva, o caráter abusivo de uma cláusula contratual deve ser apreciado em função da natureza dos bens ou dos serviços objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento da celebração do contrato, rodearam a sua celebração. Daqui decorre que, nesta perspetiva, devem igualmente ser apreciadas as consequências que a referida cláusula pode ter no âmbito do direito aplicável ao contrato, o que implica um exame do sistema jurídico nacional (56).
66. A este respeito, segundo a jurisprudência, a competência do Tribunal de Justiça na matéria abrange a interpretação do conceito de «cláusula abusiva», referido no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 e no seu anexo, assim como os critérios que o juiz nacional pode ou deve aplicar na apreciação de uma cláusula contratual à luz das disposições da mesma diretiva. Compete, por conseguinte, a esse juiz pronunciar‑se, tendo em conta os referidos critérios, sobre a qualificação concreta de uma cláusula contratual particular em função das circunstâncias próprias do caso em apreço. Conclui‑se daqui que o Tribunal de Justiça se deve limitar a fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio as indicações que este deve ter em conta para apreciar o caráter abusivo da cláusula contratual em causa (57).
67. No litígio no processo principal, a questão do caráter abusivo de uma cláusula contratual coloca‑se no âmbito da prestação de informações insuficientes ou inexatas pelo mutuante ao consumidor e da repartição desigual do risco entre as partes contratantes que daí, designadamente, decorre. No entanto, o simples facto de uma cláusula não cumprir o requisito de transparência que, como já foi referido, requer a prestação de informações suficientes e exatas ao consumidor, não é, por si só, suscetível de a tornar abusiva na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 (58). Para demonstrar o caráter abusivo de uma cláusula contratual, o órgão jurisdicional de reenvio deve proceder a uma apreciação completa dos critérios decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça.
68. A este respeito, importa salientar que as dúvidas expressas pelo órgão jurisdicional de reenvio parecem centrar‑se em duas questões diferentes: (i) a prestação de informações adequadas ao consumidor sobre o risco resultante da utilização da taxa variável no mútuo em causa; e (ii) a prestação de informações adequadas e precisas sobre a determinação do índice WIBOR.
69. No entanto, embora os órgãos jurisdicionais nacionais possam, em processos cíveis como o do processo principal, apreciar, nos termos da Diretiva 93/13, as cláusulas contratuais baseadas em índices de referência como o índice WIBOR (59), não podem examinar a metodologia de determinação desses índices uma vez que esse exame não âmbito é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13. Além disso, tal como acima explicado (60), o Regulamento 2016/1011 estabeleceu um mecanismo específico de tratamento de reclamações destinado a garantir uma via administrativa específica para que as partes interessadas, incluindo os consumidores, possam dar início a um processo de reclamação em caso de dúvidas quanto à conformidade da determinação do índice com as disposições pertinentes da legislação nacional e/ou do direito da União. Como a Comissão salientou, permitir que os órgãos jurisdicionais civis nacionais revejam a metodologia de determinação do índice de referência crítico através de uma apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual nos termos da Diretiva 93/13 prejudicaria o sistema de gestão específico dos índices de referência críticos estabelecido pelo legislador da União nos termos do Regulamento 2016/1011.
70. Por conseguinte, no litígio no processo principal, a apreciação do órgão jurisdicional de reenvio deve limitar‑se à cláusula contratual controvertida e a todas as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato, excluindo do âmbito dessa apreciação as questões relacionadas com o sistema de gestão dos índices de referência estabelecido pelo Regulamento 2016/1011.
71. Em especial, compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se o profissional comunicou ao consumidor todos os elementos pertinentes que lhe permitam avaliar as consequências económicas da cláusula contratual controvertida para as suas obrigações financeiras. Ao fazê‑lo, importa recordar que o caráter transparente de uma cláusula contratual, como requerido pela Diretiva 93/13, é um dos elementos a ter em conta na apreciação do caráter abusivo dessa cláusula (61).
72. Na Decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio refere que as cláusulas contratuais relativas à taxa variável baseada no índice WIBOR podem ser consideradas contrárias às exigências de boa‑fé e criar, em detrimento do consumidor, um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes contratantes, pelo facto de o consumidor não ter sido devidamente informado da sua exposição ao risco relacionado com uma taxa variável e de esse risco ter sido repartido de forma desigual entre as partes. Também afirma que a PKO, enquanto mutuante, conhecia o método de determinação do índice WIBOR e estava consciente das dúvidas quanto à transparência da determinação dessa taxa, mas que optou por não informar o consumidor desse facto. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, este facto pode ser considerado como uma fonte de desequilíbrio entre as partes contratantes relativamente a todos os aspetos relacionados com este contrato (62).
73. Nestas condições, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se a cláusula contratual controvertida é abusiva, na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, procedendo a uma apreciação completa dos critérios decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Esta apreciação deve incluir, nomeadamente, a questão de saber se houve falta de informação clara suscetível de prejudicar a capacidade de J.J. de compreender as consequências económicas da cláusula contratual controvertida. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar se a falta de informações exatas e suficientes é suscetível de alterar o equilíbrio a favor do banco, a ponto de provocar um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes no âmbito do contrato controvertido, em detrimento do consumidor. O órgão jurisdicional de reenvio deve apreciar, para o efeito, se o mutuante (PKO), ao tratar de forma leal e equitativa com o consumidor (J.J.), podia razoavelmente esperar que este aceitasse essa cláusula na sequência de uma negociação individual (63). Para o efeito, importa verificar se o consumidor deu o seu consentimento quanto ao risco relacionado com a utilização da cláusula contratual controvertida após ter recebido informações completas e exatas.
74. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio deve apreciar se as informações fornecidas pelo mutuante ao consumidor foram apresentadas de forma neutra e objetiva, sem levar o consumidor a crer que a escolha da cláusula contratual controvertida e do índice WIBOR lhe era favorável, quando, na realidade, não o era.
75. Daqui resulta que a resposta à terceira questão submetida deve ser que o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional nacional deve apreciar se a cláusula contratual relativa à taxa de juro variável baseada no índice de referência WIBOR cria — contrariamente à exigência de boa‑fé — um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato em detrimento do consumidor. Ao fazê‑lo, o órgão jurisdicional nacional, no âmbito da sua apreciação global do caráter abusivo de uma cláusula contratual, deve verificar se o mutuante, ao tratar de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que este aceitasse essa cláusula na sequência de uma negociação individual. Para o efeito, importa verificar se o consumidor deu o seu consentimento quanto ao risco relacionado com a utilização da cláusula contratual controvertida após ter recebido informações completas e exatas. Contudo, esta apreciação não pode incidir sobre o índice WIBOR enquanto tal nem sobre o seu método de determinação.
IV. Conclusão
76. À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira, segunda e terceira questões prejudiciais submetidas pelo Sąd Okręgowy w Częstochowie (Tribunal Regional de Częstochowa, Polónia) do seguinte modo:
1) O artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores,
deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual de um contrato de mútuo hipotecário celebrado entre um consumidor e um profissional, que prevê que a taxa de juro aplicável ao mútuo seja uma taxa variável baseada no índice de referência WIBOR 6M, é abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva quando a legislação nacional não contempla a aplicação imperativa deste índice e da sua taxa específica, independentemente da escolha das partes no contrato.
2) O artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13
deve ser interpretado no sentido de que permite apreciar o caráter abusivo de uma cláusula contida num contrato de mútuo hipotecário celebrado entre um consumidor e um profissional, que prevê a aplicação a esse contrato de uma taxa de juro variável baseada no índice de referência WIBOR 6M, quando essa cláusula não esteja redigida em termos claros e compreensíveis (requisito de transparência). Para cumprir este requisito, o profissional deve informar o consumidor de forma suficientemente precisa e exata sobre o nome do índice de referência utilizado e do seu administrador, bem como sobre as potenciais implicações para o consumidor decorrentes da utilização desse índice, de modo a permitir‑lhe avaliar, designadamente, o custo total do seu empréstimo. A forma como a informação é fornecida, direta ou indiretamente, pelo mutuante deve ser tal que, consequentemente, essa informação revele na íntegra a metodologia subjacente e os principais elementos que provocam a flutuação da taxa do índice e não dê uma imagem distorcida da natureza do índice.
3) O artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13
deve ser interpretado no sentido de que impõe que o órgão jurisdicional nacional deve apreciar se a cláusula contratual relativa à taxa de juro variável baseada no índice de referência WIBOR cria — contrariamente à exigência de boa‑fé — um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato em detrimento do consumidor. Ao fazê‑lo, o órgão jurisdicional nacional, no âmbito da sua apreciação global do caráter abusivo de uma cláusula contratual, deve verificar se o mutuante, ao tratar de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que este aceitasse essa cláusula na sequência de uma negociação individual. Para o efeito, importa verificar se o consumidor deu o seu consentimento quanto ao risco relacionado com a utilização da cláusula contratual controvertida após ter recebido informações completas e exatas. Contudo, esta apreciação não pode incidir sobre o índice WIBOR enquanto tal nem sobre o seu método de determinação.
1 Língua original: inglês.
2 Diretiva do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).
3 Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativo aos índices utilizados como índices de referência no quadro de instrumentos financeiros e contratos financeiros ou para aferir o desempenho de fundos de investimento e que altera as Diretivas 2008/48/CE e 2014/17/UE e o Regulamento (UE) n.° 596/2014 (JO 2016, L 171, p. 1).
4 V. considerando 10 do Regulamento de Execução (UE) 2019/482 da Comissão, de 22 de março de 2019, que altera o Regulamento de Execução (UE) 2016/1368 da Comissão que estabelece uma lista de índices de referência críticos utilizados nos mercados financeiros, em conformidade com o Regulamento 2016/1011 (JO 2019, L 82, p. 26).
5 Dz. U. de 2017, posição 819, conforme alterada; a seguir «Lei relativa ao Crédito Hipotecário».
6 Lei de 29 de agosto de 1997, relativa ao Direito Bancário (Dz. U. 2023, posição 2488, conforme posteriormente alterada).
7 Entende‑se por «administrador» uma pessoa singular ou coletiva que assume o controlo da elaboração de um índice de referência. V. artigo 3.°, n.° 1, ponto 6, do Regulamento 2016/1011.
8 Regulamento de Execução da Comissão de 11 de agosto de 2016 que estabelece uma lista dos índices de referência críticos utilizados nos mercados financeiros, em conformidade com o Regulamento 2016/1011 (JO 2016, L 217, p. 1). Em 22 de março de 2019, a WIBOR foi inscrita no Regulamento 2019/482 como índice de referência crítico, em conformidade com o artigo 20.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento 2016/1011.
9 A este respeito, remete para o facto de o índice WIBOR 6M se basear em dados não transacionais fornecidos pelos próprios bancos, ou seja, que estes não efetuam quaisquer transações efetivas entre si com base nesses dados.
10 A Comissão de Supervisão Financeira adotou uma tal decisão a respeito da WIBOR em 16 de dezembro de 2020, concluindo que o processo de determinação da WIBOR pelo administrador cumpre os requisitos da legislação da União.
11 V. sítio Internet do GPW Benchmark, em particular os «Regulations for the WIBID and WIBOR Reference Rates» (Regulamentos relativos aos índices de referência WIBID e WIBOR), Varsóvia, 30 de novembro de 2017 (para efeitos das presentes conclusões; a seguir «Regulamentos WIBOR»), disponível em: https://gpwbenchmark.pl/pub/BENCHMARK/files/Regulations_for_WIBID_and_WIBOR_Reference_Rates.pdf.
12 A WIBOR é um «índice de referência de taxas de juro» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, pontos 22 e 25, do Regulamento 2016/2011. O índice WIBID é também utilizado na Polónia e significa Warsaw Interbank Bid Rate (Taxa interbancária de proposta em Varsóvia). Baseio‑me nas informações disponíveis na parte «Regulamentos» do sítio Internet do GPW Benchmark.
13 O artigo 11.° do Regulamento 2016/1011 estabelece os requisitos relativos aos dados de cálculo para a elaboração de um índice de referência (v. também o n.° 52 das presentes conclusões). O artigo 12.° do referido regulamento enuncia os requisitos relativos à metodologia de determinação de índices de referência como o índice WIBOR.
14 O artigo 15.° do Regulamento 2016/1011 regula o Código de Conduta a respeitar pelos fornecedores (por exemplo, os bancos), que deve incluir, nomeadamente, a política a seguir no que respeita ao exercício da margem de apreciação no fornecimento de dados subjacentes. Se forem necessárias alterações significativas ao método ou à definição das taxas de referência, o administrador procede a consultas públicas que envolvem as partes interessadas, como os utilizadores das taxas, as autoridades competentes e o Banco Central polaco.
15 Regulamentos WIBOR, p. 9.
16 V. M. Kosiorowski e A. Szczęsna, «WIBOR litigation, part 1: Can the WIBOR benchmark be challenged as the basis for setting variable interest rates?», in principle, 12 de junho de 2025, disponível em: https://codozasady.pl/en/p/wibor‑litigation‑part‑1‑can‑the‑wibor‑benchmark‑be‑challenged‑as‑the‑basis‑for‑setting‑variable‑interest‑rates‑.
17 O método é o seguinte: (i) no caso de 10 ou mais ofertas de preço: média das taxas após exclusão das duas taxas mais elevadas e das duas taxas mais baixas; (ii) no caso de 8 ou 9 ofertas de preço: média após exclusão da taxa mais elevada e da taxa mais baixa; (iii) no caso de 6 ou 7 ofertas de preço: média simples de todas as ofertas de preço; e (iv) no caso de 5 ou menos ofertas de preço: o índice WIBOR não será fixado para esse período.
18 As taxas de referência num determinado dia útil são publicadas no sítio Internet do administrador, v. Regulamentos WIBOR, cláusula 7.1.
19 V. n.° 10 das presentes conclusões.
20 V. Acórdão de 30 de maio de 2024, Raiffeisen Bank (C‑176/23, EU:C:2024:443, n.° 22 e jurisprudência referida).
21 Acórdão de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch (C‑125/18; a seguir «Acórdão Gómez del Moral Guasch I», EU:C:2020:138, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida).
22 V. Acórdão de 30 de maio de 2024, Raiffeisen Bank (C‑176/23, EU:C:2024:443, n.° 27 e jurisprudência referida).
23 Ibid., n.° 33. V. também o n.° 36 do referido acórdão.
24 V. p. 5 da Decisão de reenvio (versão em língua francesa; a seguir, esta versão é designada simplesmente por «Decisão de reenvio»).
25 V. K. Sampławski, «WIBOR pod lupą TSUE — analiza prawna pytań prejudycjalnych — pytanie nr 1.» (O índice WIBOR sob o escrutínio do Tribunal de Justiça — Uma análise jurídica das questões prejudiciais — Primeira questão prejudicial), 11 de setembro de 2024, disponível em: https://www.bankowebezprawie.pl/wibor‑pod‑lupa‑tsue‑analiza‑prawna‑pytan‑prejudycjalnych‑pytanie‑nr‑1/.
26 Tal como defendido por J.J. nas suas observações perante o Tribunal de Justiça.
27 Acórdão de 10 de junho de 2021, Prima banka Slovensko (C‑192/20, EU:C:2021:480, n.° 32 e jurisprudência referida).
28 Artigo 13.° do Regulamento 2016/1011, sob a epígrafe «Transparência da metodologia».
29 V. n.° 15 das presentes conclusões.
30 V. n.° 19 das presentes conclusões.
31 Por meio do Regulamento 2019/482.
32 V. considerando 10 do Regulamento 2019/482.
33 Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance (C‑609/19, EU:C:2021:469, n.° 27).
34 Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance (C‑609/19, EU:C:2021:469, n.° 28).
35 Acórdão de 21 de março de 2024, Profi Credit Bulgaria (Serviços acessórios a um contrato de crédito) (C‑714/22, EU:C:2024:263, n.° 60).
36 Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance (C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.° 53).
37 Ibid., n.° 54.
38 Acórdão de 21 de março de 2024, Profi Credit Bulgaria (Serviços acessórios a um contrato de crédito) (C‑714/22, EU:C:2024:263, n.° 61).
39 V., a este respeito, Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o. (C‑186/16, EU:C:2017:703, n.° 43).
40 Acórdão Gómez del Moral Guasch I, n.° 50.
41 Acórdão Gómez del Moral Guasch I, n.° 51.
42 Ibid., n.° 52.
43 Acórdão Gómez del Moral Guasch I, n.° 53.
44 Ibid., n.° 54.
45 Ibid., n.° 55.
46 Acórdão de 12 de dezembro de 2024, Kutxabank (C‑300/23, EU:C:2024:1026, n.° 83).
47 V., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2024, Kutxabank (C‑300/23, EU:C:2024:1026, n.os 84 e 90).
48 Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa aos contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008, L 133, p. 66).
49 Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação e que altera as Diretivas 2008/48 e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.° 1093/2010 (JO 2014, L 60, p. 34).
50 V. n.° 16 das presentes conclusões.
51 V. nota de pé de página 43 das presentes conclusões.
52 V., em particular, secção 8, n.° 1, da Decisão de reenvio, p. 26.
53 Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2017:60, n.° 58 e jurisprudência referida; a seguir «Acórdão Banco Primus»).
54 V., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2023, Banco Santander (Referência a um índice oficial) (C‑265/22, EU:C:2023:578, n.° 65 e jurisprudência referida).
55 Acórdão Banco Primus, n.° 60 e jurisprudência referida.
56 Ibid., n.° 61 e jurisprudência referida.
57 Acórdão Banco Primus, n.° 57 e jurisprudência referida.
58 Despacho de 17 de novembro de 2021, Gómez del Moral Guasch (C‑655/20, EU:C:2021:943, n.° 37).
59 Isto deve‑se às respostas que proponho à primeira e à segunda questões submetidas. Continua a ser possível que, noutros Estados‑Membros, devido ao quadro legislativo nacional em vigor, condições contratuais semelhantes estejam de facto excluídas do âmbito de aplicação da Diretiva 93/13.
60 N.° 55 das presentes conclusões.
61 Acórdão de 13 de julho de 2023, Banco Santander (Referência a um índice oficial) (C‑265/22, EU:C:2023:578, n.° 66).
62 Decisão de reenvio, p. 26, n.os 1 e seguintes.
63 V. n.° 64 das presentes conclusões e jurisprudência referida.