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Document 62023CJ0588

Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 16 de janeiro de 2025.
Scai Srl contra Regione Campania.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale amministrativo regionale della Campania.
Reenvio prejudicial — Recuperação de um auxílio ilegal e incompatível — Regulamento (UE) 2015/1589 — Artigo 16.° — Beneficiário de um auxílio individual identificado na decisão de recuperação da Comissão Europeia — Execução da decisão de recuperação — Transferência do auxílio para outra empresa posteriormente à decisão de recuperação — Continuidade económica — Apreciação — Autoridade competente — Extensão da obrigação de recuperação ao beneficiário efetivo — Princípio do contraditório — Artigos 41.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Processo C-588/23.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2025:23

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

16 de janeiro de 2025 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Recuperação de um auxílio ilegal e incompatível — Regulamento (UE) 2015/1589 — Artigo 16.o — Beneficiário de um auxílio individual identificado na decisão de recuperação da Comissão Europeia — Execução da decisão de recuperação — Transferência do auxílio para outra empresa posteriormente à decisão de recuperação — Continuidade económica — Apreciação — Autoridade competente — Extensão da obrigação de recuperação ao beneficiário efetivo — Princípio do contraditório — Artigos 41.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»

No processo C‑588/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunale amministrativo regionale della Campania (Tribunal Administrativo Regional da Campânia, Itália), por Decisão de 18 de setembro de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de setembro de 2023, no processo

Scai Srl

contra

Regione Campania,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: D. Gratsias, presidente de secção, I. Jarukaitis, presidente da Quarta Secção, e Z. Csehi (relator), juiz,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Scai Srl, por A. Raviele e L. Visone, avvocati,

em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por A. Steiblytė, B. Stromsky e F. Tomat, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 108.o, 263.o e 288.o TFUE, dos artigos 41.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e dos artigos 16.o e 31.o do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Scai Srl à Regione Campania (Região da Campânia, Itália) a respeito da obrigação imposta à Scai de reembolsar o montante correspondente a um auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno de que inicialmente outra sociedade beneficiou.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento 2015/1589

3

O considerando 25 do Regulamento 2015/1589 enuncia:

«Nos casos de auxílios ilegais incompatíveis com o mercado interno, deve ser restabelecida uma concorrência efetiva. Para este efeito, é necessário que o auxílio, acrescido de juros, seja recuperado o mais rapidamente possível. É conveniente que esta recuperação seja efetuada de acordo com o direito processual nacional. A aplicação deste direito processual não deve, ao impedir uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão [Europeia], obstar ao restabelecimento de uma concorrência efetiva. Para obter esse resultado, os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para garantir a eficácia da decisão da Comissão.»

4

No capítulo II deste regulamento, intitulado «Processo aplicável aos auxílios notificados», o artigo 9.o, com a epígrafe «Decisão da Comissão de encerramento do procedimento formal de investigação», dispõe, no seu n.o 5:

«Quando a Comissão considerar que o auxílio notificado é incompatível com o mercado interno, decidirá que o mesmo não pode ser executado (“decisão negativa”).»

5

O capítulo III do referido regulamento, relativo ao processo aplicável aos auxílios ilegais, compreende, nomeadamente, os artigos 16.o e 17.o

6

O artigo 16.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Recuperação do auxílio», prevê:

«1.   Nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário (“decisão de recuperação”). A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito da União.

[…]

3.   Sem prejuízo de uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do artigo 278.o [TFUE], a recuperação será efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado‑Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão. Para o efeito e na eventualidade de um processo nos tribunais nacionais, os Estados‑Membros interessados tomarão as medidas necessárias previstas no seu sistema jurídico, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo da legislação da União.»

7

O artigo 31.o do Regulamento 2015/1589, com a epígrafe «Destinatário das decisões», dispõe:

«1.   As decisões tomadas nos termos do artigo 7.o, n.o 7, do artigo 8.o, n.os 1 e 2, e do artigo 9.o, n.o 9, têm como destinatários a empresa ou associação de empresas em causa. A Comissão notificará imediatamente destas decisões os destinatários e dar‑lhes‑á a oportunidade de indicarem à Comissão quais as informações que consideram abrangidas pelo sigilo profissional.

2.   Todas as outras decisões da Comissão tomadas nos termos dos capítulos II, III, V, VI e IX têm como destinatários os Estados‑Membros em causa. […]»

8

As disposições do Regulamento 2015/1589 mencionadas nos n.os 4 a 7 do presente acórdão reproduzem as que figuravam no Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 734/2013 do Conselho, de 22 de julho de 2013 (JO 2013, L 204, p. 15), que o Regulamento 2015/1589 revogou.

Comunicação sobre a recuperação

9

A secção 4.3 da Comunicação da Comissão, de 23 de julho de 2019, relativa à recuperação de auxílios estatais ilegais e incompatíveis (JO 2019, C 247, p. 1, a seguir «Comunicação sobre a recuperação»), relativa à «[i]dentificação dos beneficiários junto dos quais o auxílio deve ser recuperado», enuncia, no seu ponto 83:

«O auxílio ilegal considerado incompatível com o mercado interno deve ser recuperado junto dos beneficiários que efetivamente beneficiaram do mesmo […]. Quando os beneficiários do auxílio não estão identificados na decisão de recuperação, o Estado‑Membro em causa deve analisar a situação individual de cada empresa em causa […]»

10

A secção 4.3.2 da Comunicação sobre a recuperação, intitulada «Extensão da ordem de recuperação; continuidade económica», contém a seguinte passagem:

«89.

Se, na fase de execução de uma decisão de recuperação, o auxílio não puder ser recuperado junto do beneficiário original e se tiver sido transferido para outra empresa, o Estado‑Membro deverá estender a recuperação à empresa que efetivamente usufrui da vantagem na sequência da transferência de atividades e assegurar que a obrigação de recuperação não é contornada […].

90.

O Tribunal de Justiça estabeleceu uma distinção entre dois meios para transferir as atividades de uma empresa. São estes i) a venda da totalidade ou parte dos seus ativos, após a qual a atividade deixa de ser exercida pela mesma entidade jurídica (“acordo de cessão de ativos”); e ii) a venda das suas ações, após a qual a empresa que beneficiou do auxílio mantém a sua personalidade jurídica e continua a exercer as suas atividades (“acordo de cessão de ações”) […].

4.3.2.1 Acordo de cessão de ativos

91.

No caso em que o beneficiário de auxílio incompatível cria uma nova sociedade ou transfere os seus ativos para outra empresa para prosseguir parte ou a totalidade das suas atividades, a continuidade dessas atividades poderá prolongar a distorção da concorrência causada pelo auxílio. Por conseguinte, a empresa recém‑criada ou o comprador dos ativos pode, se mantiver a vantagem, ser obrigado a restituir o auxílio em questão.

92.

Num cenário de cessão de ativos, a Comissão afere a existência de uma continuidade económica entre as empresas numa base casuística, utilizando um conjunto de critérios não cumulativos. Em particular, a Comissão pode ter em consideração os seguintes critérios […]: i) o âmbito da transferência (ativos […] e passivos, manutenção da mão‑de‑obra e/ou gestão), ii) o preço da transferência […], iii) a identidade dos acionistas ou dos proprietários do vendedor e do comprador, iv) o momento em que a transferência ocorre (durante a investigação preliminar nos termos do artigo 4.o do Regulamento Processual ou a investigação formal nos termos do artigo 6.o do referido regulamento, ou após a adoção da decisão de recuperação), v) a lógica económica da operação […]»

Direito italiano

11

O artigo 48.o da legge n.o 234 — Norme generali sulla partecipazione dell’Italia alla formazione e all’attuazione della normativa delle politiche dell’Unione europea (Lei n.o 234, que contém Normas Gerais sobre a Participação da Itália na Elaboração e Aplicação da Regulamentação e das Políticas da União Europeia), de 24 de dezembro de 2012 (GURI n.o 3, de 4 de janeiro de 2013), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Lei n.o 234/2012»), sob a epígrafe «Procedimentos de recuperação», enuncia, nos seus n.os 1 a 3:

«1.   A sociedade Equitalia SpA cobra os montantes devidos por força das decisões de recuperação referidas no artigo 16.o do Regulamento [2015/1589], independentemente da forma do auxílio e da entidade que o concedeu.

2.   Após a notificação de uma decisão de recuperação referida no n.o 1, o ministro competente na matéria pode designar, através de decreto a adotar no prazo de quarenta e cinco dias a contar da data de notificação da decisão, as pessoas obrigadas ao reembolso do auxílio, fixar os montantes devidos e determinar as modalidades e os prazos de pagamento. Havendo várias administrações competentes, o presidente do Conselho de Ministros deve nomear, por decreto, no prazo de quinze dias a contar da data de notificação da decisão de recuperação, um administrador extraordinário, a identificar no seio das administrações que concederam os auxílios objeto da decisão de recuperação ou dos que são territorialmente afetados pelas medidas de auxílio, e definir as modalidades de execução da decisão de recuperação referida no n.o 1. O administrador extraordinário deve identificar, por decisão própria, nos quarenta e cinco dias seguintes ao decreto de nomeação, as pessoas obrigadas ao reembolso do auxílio, fixar os montantes devidos e determinar as modalidades e os prazos de pagamento. As administrações que tenham concedido o auxílio objeto do procedimento de recuperação devem fornecer sem demora ao administrador extraordinário, a seu pedido, os dados e quaisquer outros elementos necessários à boa execução da decisão de recuperação referida no n.o 1. O administrador extraordinário não tem direito a remuneração. O administrador extraordinário exerce as atividades ligadas à função que lhe foi confiada com os recursos humanos, financeiros e materiais das administrações competentes, previstos na legislação em vigor. O decreto do ministro competente, a decisão do administrador extraordinário e a decisão referida no n.o 3 constituem títulos executivos contra os seus destinatários.

3.   Nos casos em que a autoridade competente não seja o Estado, a decisão que identifica as pessoas obrigadas a reembolsar o auxílio, estabelece os montantes devidos e determina as modalidades e os prazos de pagamento é adotada pela Região, pela província autónoma ou pela autoridade territorial competente. As atividades referidas no n.o 1 são exercidas pelo concessionário que efetua a cobrança das receitas da entidade territorial em causa.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

A Buonotourist Srl era uma sociedade privada que efetuava a exploração dos serviços de transporte público locais com base em concessões regionais e municipais.

13

Por Decisão de 7 de novembro de 2012, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália) reconheceu o direito da Buonotourist a receber uma compensação adicional de serviço público pela prestação de serviços de transporte de passageiros por autocarro com base em concessões adjudicadas pela Região da Campânia, relativamente aos anos de 1996 a 2002, quantificada em 1111572,00 euros com juros.

14

Em 5 de dezembro de 2012, as autoridades italianas notificaram à Comissão, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, um auxílio de Estado que consistia na concessão à Buonotourist da compensação adicional referida no número anterior, em execução da Decisão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) de 7 de novembro de 2012. A Região da Campânia pagou o auxílio à Buonotourist em 21 de dezembro de 2012.

15

Por ofício de 20 de fevereiro de 2014, a Comissão notificou a República Italiana da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

16

Em 19 de janeiro de 2015, a Comissão adotou a Decisão (UE) 2015/1075 relativa ao auxílio de Estado SA.35843 (2014/C) (ex 2012/NN) concedido pela Itália — Compensação adicional de serviço público a favor da Buonotourist (JO 2015, L 179, p. 128), na qual declarou que a compensação adicional concedida à Buonotourist, em execução da Decisão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) de 7 de novembro de 2012, constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, incompatível com o mercado interno, concedido a esta sociedade em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, e ordenou às autoridades italianas a sua recuperação junto desta última (a seguir «Decisão da Comissão de 19 de janeiro de 2015»).

17

A Buonotourist interpôs, no Tribunal Geral da União Europeia, um recurso de anulação da decisão da Comissão de 19 de janeiro de 2015. Foi negado provimento a este recurso por Acórdão de 11 de julho de 2018, Buonotourist/Comissão (T‑185/15, EU:T:2018:430). O Tribunal de Justiça, por Acórdão de 4 de março de 2020, Buonotourist/Comissão (C‑586/18 P, EU:C:2020:152), negou provimento ao recurso interposto pela Buonotourist da decisão do Tribunal Geral.

18

Por em 21 de julho de 2011 ter ocorrido um ato de cisão parcial de empresa, a Buonotourist TPL substituiu a Buonotourist no âmbito de um contrato de adjudicação provisória de uma linha de transporte regional por autocarro. Por em 21 de outubro de 2013 ter ocorrido outro ato de cisão de empresa, a Autolinee Buonotourist TPL Srl substituiu a Buonotourist TPL no âmbito do mesmo contrato de adjudicação provisória. Ao abrigo de um contrato de cessão de exploração celebrado em 10 de maio de 2019, que terminou em 1 de julho de 2021, a Autolinee Buonotourist TPL cedeu à Scai o ramo de atividade que incluía, entre outros, os contratos de prestação de serviços, o pessoal e os autocarros para a exploração dos serviços mínimos de transporte público local. Com o objetivo de prosseguir o serviço de transporte público local, a Região da Campânia confiou a execução do serviço à AIR Campania, que detém parcialmente. Esta sociedade adquiriu à Scai os meios necessários à execução do serviço.

19

A Buonotourist, a Buonotourist TPL e a Autolinee Buonotourist TPL foram declaradas insolventes durante o período de 2018‑2020.

20

Depois de em vão ter tentado recuperar o auxílio de Estado objeto da decisão da Comissão de 19 de janeiro de 2015 junto da Buonotourist, da Buonotourist TPL e da Autolinee Buonotourist TPL, a Região da Campânia ordenou à Scai, por Decreto de 7 de fevereiro de 2023, que reembolsasse este auxílio, baseando‑se na existência de uma continuidade económica entre a Buonotourist e esta última (a seguir «ordem de recuperação»).

21

A Scai interpôs recurso da ordem de recuperação no Tribunale amministrativo regionale della Campania (Tribunal Administrativo Regional da Campânia, Itália), que é o órgão jurisdicional de reenvio, invocando, nomeadamente, a violação dos artigos 108.o, 109.o e 288.o TFUE, a violação do artigo 48.o da Lei n.o 234/2012, abuso de poder e a violação da Comunicação sobre a recuperação.

22

Como fundamento do seu recurso, a Scai começou por alegar que a Região da Campânia, ao ter emitido a ordem de recuperação, exerceu ilegalmente as competências atribuídas à Comissão. Com efeito, enquanto a Decisão da Comissão de 19 de janeiro de 2015 era dirigida, segundo a Scai, a destinatários precisos, a saber, a República Italiana e a Buonotourist, a Região da Campânia alargou o seu âmbito de aplicação, violando assim o artigo 288.o TFUE e a Comunicação sobre a recuperação.

23

A Scai acrescentou que, ao tê‑lo feito, a ordem de recuperação foi adotada com referência a um procedimento que correu perante a Comissão e no qual não participou. Além disso, considerou que foi privada do direito à tutela jurisdicional efetiva, uma vez que não lhe foi reconhecida legitimidade para interpor no Tribunal Geral recurso da Decisão da Comissão de 19 de janeiro de 2015, de que não era destinatária. Sublinha que não se pôde pronunciar nem sobre a existência do auxílio em causa no processo principal, nem sobre a compatibilidade deste último com o mercado interno, nem sobre a legalidade da extensão da ordem de recuperação.

24

Em seguida, a Scai rejeitou a existência de uma continuidade económica entre ela própria e a Autolinee Buonotourist TPL, não podendo esta continuidade ser deduzida, em seu entender, da circunstância de esta última sociedade lhe ter cedido a exploração de um ramo de atividade.

25

A Scai contestou ainda a ideia de que obteve, através do contrato de cessão de exploração, uma vantagem anticoncorrencial, uma vez que não se constatou a existência de uma aquisição de bens ou de serviços em condições mais favoráveis do que as do mercado. Em especial, a cessão da exploração do ramo de atividade da Autolinee Buonotourist TPL, que já tinha terminado em 2021, foi celebrada por uma remuneração razoável, tendo em conta o objeto limitado do contrato de cessão de exploração, e, no final do contrato, a Scai não conservou nenhum bem material ou imaterial do cedente.

26

Em sua defesa, a Região da Campânia sustenta perante o órgão jurisdicional de reenvio que era competente para adotar a ordem de recuperação em relação à recorrente no processo principal, uma vez que havia indícios objetivos e subjetivos que demonstravam a existência de uma continuidade económica entre as sociedades anteriormente mencionadas e a Scai, como decorre dos seus contactos com a Comissão. Com efeito, a Scai obteve, nos termos do contrato de cessão de exploração, o direito de utilizar todos os ativos corpóreos e incorpóreos necessários ao exercício da atividade da sociedade que beneficiou inicialmente do auxílio, bem como um direito de opção e de preferência, que lhe assegurava, sob certas condições, ser privilegiada em caso de venda da Autolinee Buonotourist TPL.

27

A Região da Campânia esclareceu que podia alargar o alcance subjetivo da Decisão da Comissão de 19 de janeiro de 2015, uma vez que do artigo 48.o, n.os 2 e 3, da Lei n.o 234/2012 resulta que, na sequência de uma decisão de recuperação da Comissão, o ministro competente na matéria ou a autoridade territorial competente podem designar as pessoas obrigadas ao reembolso do auxílio.

28

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a conformidade com os artigos 108.o e 288.o TFUE e com o Regulamento 2015/1589 de uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite às autoridades nacionais competentes, quando a Comissão tenha identificado na sua decisão de recuperação a empresa que deve reembolsar o auxílio em causa, estender a qualidade de beneficiário do auxílio pelo facto de existir uma continuidade económica entre a empresa identificada na decisão de recuperação e a empresa relativamente à qual esta extensão é realizada. Com efeito, uma legislação nacional deste tipo iria interferir com as competências da Comissão previstas pelo direito da União, visto que, no caso de esta instituição ter dirigido uma decisão de recuperação a um determinado destinatário, só a referida instituição poderia decidir sobre uma eventual extensão justificada por uma continuidade económica.

29

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que se a adoção da decisão de extensão fosse deixada à competência das autoridades nacionais, no caso de o destinatário da decisão de recuperação ter sido exatamente identificado pela Comissão, esta possibilidade iria além da simples execução das decisões da Comissão, pelo que o juiz nacional, que está encarregado da fiscalização da legalidade do ato nacional de recuperação, viria indiretamente fiscalizar questões que são da competência exclusiva da Comissão.

30

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, até hoje os acórdãos do Tribunal de Justiça pronunciaram‑se sobre o princípio da continuidade económica, mas não sobre a questão de saber qual é a autoridade competente para apreciar a existência desta continuidade económica. No entanto, o Tribunal de Justiça refere‑se a certas decisões adotadas pela Comissão que alargam o âmbito dos beneficiários devido a uma transferência de ativos e salienta, a este respeito, que essas decisões demonstram que, quando, como no caso em apreço, a continuidade económica é deduzida de um acordo de cessão de ativos, a Comissão adotou sempre a decisão de extensão correspondente. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio especifica que não questiona se o requisito da continuidade económica está preenchido no caso em apreço.

31

O órgão jurisdicional de reenvio observa que, no caso em apreço, o facto de terem sido realizados contactos entre a autoridade nacional competente e a Comissão não significa que esta tenha exercido o seu poder de apreciação, porquanto esses contactos não assumiram a forma de atos vinculativos, mas de simples notas redigidas, aliás, em termos dubitativos e que remetem para a necessidade de uma investigação factual mais aprofundada.

32

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a conformidade de uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal com as garantias processuais previstas no direito da União, em especial com o princípio do contraditório e o respeito pelos direitos de defesa, consagrados, em seu entender, no artigo 41.o da Carta, bem como com o direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.o desta. Salienta que, perante si, a Scai sustentou que, devido ao desrespeito pelas competências da Comissão, ficou privada das garantias processuais, tanto no que respeita à decisão inicial da Comissão, como quando ela própria foi visada pela obrigação de recuperação do auxílio, visto que o seu único interlocutor foi a autoridade nacional. O órgão jurisdicional de reenvio é da opinião de que a possibilidade de uma parte na situação da Scai impugnar perante o juiz nacional os atos da autoridade nacional não basta para assegurar ao interessado o respeito pelas garantias processuais consagradas pelo direito da União e uma tutela jurisdicional efetiva, dado que isso implicaria decidir sobre a existência de uma continuidade económica, o que pertence ao âmbito do poder de apreciação da Comissão.

33

Nestas circunstâncias, o Tribunale amministrativo regionale della Campania (Tribunal Administrativo da Campânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Opõem‑se os artigos 108.o TFUE, 288.o TFUE, bem como 16.o e 31.o do Regulamento [2015/1589] a uma [legislação] nacional, como o artigo 48.o da [Lei n.o 234/2012], que permite à autoridade nacional, na fase executiva [de uma decisão de] recuperação, alargar o âmbito das pessoas obrigadas a restituir auxílios ilegais, através de uma apreciação da continuidade económica entre empresas, sem afastar esse poder no caso de a Comissão já ter identificado os destinatários diretos, excluindo assim a competência da Comissão em matéria de auxílios de Estado?

2)

Opõem‑se os artigos 263.o TFUE, 288.o TFUE, 41.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 16.o e 31.o do Regulamento [2015/1589] a uma [legislação] nacional como a do artigo 48.o da Lei [n.o 234/2012], relativa aos auxílios de Estado, na parte em que — ao prever que o Estado, em sede de execução de uma decisão de recuperação, identifique se necessário as pessoas obrigadas a restituir o auxílio — permite que a decisão também seja executada relativamente a uma pessoa que não foi um dos destinatários da decisão e dotada de autonomia, que não participou no procedimento perante a Comissão, não beneficiou das garantias do contraditório e, consequentemente, não tem legitimidade para impugnar a referida decisão no Tribunal Geral da União Europeia?»

Quanto às questões prejudiciais

34

Com as suas duas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 108.o e o artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE, os artigos 16.o e 31.o do Regulamento 2015/1589, bem como os artigos 41.o e 47.o da Carta devem ser interpretados no sentido de que, numa situação na qual uma decisão da Comissão ordena a recuperação de um auxílio de Estado junto de um beneficiário que identifica, estes artigos se opõem a uma legislação nacional por força da qual as autoridades nacionais competentes, no âmbito das suas atribuições de execução dessa decisão, podem ordenar a recuperação desse auxílio junto de outra empresa devido à existência de uma continuidade económica entre esta última e o beneficiário do auxílio identificado na referida decisão.

35

Em primeiro lugar, há que salientar que o artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE prevê que uma decisão «é obrigatória em todos os seus elementos» e que, quando «designa destinatários», só é obrigatória para estes.

36

Por outro lado, decorre do artigo 31.o do Regulamento 2015/1589 que as decisões que declaram a incompatibilidade do auxílio notificado com o mercado interno («decisões negativas»), adotadas nos termos do artigo 9.o, n.o 5, deste regulamento, bem como as decisões que ordenam a recuperação do auxílio, adotadas ao abrigo do artigo 16.o do referido regulamento, são dirigidas ao Estado‑Membro em causa, o que resulta também da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 24 de setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão, C‑74/00 P e C‑75/00 P, EU:C:2002:524, n.os 81 a 83).

37

Resulta das considerações precedentes que, no caso em apreço, a Decisão da Comissão de 19 de janeiro de 2015 tem como único destinatário a República Italiana e que a Buonotourist, designada nesta decisão como sendo a beneficiária do auxílio de Estado em causa, não é destinatária dessa decisão.

38

Em segundo lugar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o Estado‑Membro destinatário de uma decisão que o obrigue a recuperar os auxílios ilegais deve, por força do artigo 288.o TFUE, tomar todas as medidas adequadas para garantir o cumprimento da referida decisão [Acórdão de 15 de setembro de 2022, Fossil (Gibraltar), C‑705/20, EU:C:2022:680, n.o 39 e jurisprudência referida].

39

A este respeito, resulta do considerando 25 e do artigo 16.o, n.o 3, primeiro período, do Regulamento 2015/1589 que a recuperação será efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado‑Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão. Para este efeito, os Estados‑Membros em causa tomarão, de acordo com o artigo 16.o, n.o 3, último período, deste regulamento, «as medidas necessárias» previstas no seu sistema jurídico, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo da legislação da União (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de maio de 2010, Scott e Kimberly Clark, C‑210/09, EU:C:2010:294, n.o 28, e de 11 de setembro de 2014, Comissão/Alemanha,C‑527/12, EU:C:2014:2193, n.o 38). O Estado‑Membro deve obter uma recuperação efetiva dos montantes devidos (Acórdão de 5 de maio de 2011, Comissão/Itália,C‑305/09, EU:C:2011:274, n.o 27).

40

Além disso, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, sendo o principal objetivo visado pelo reembolso de um auxílio de Estado pago ilegalmente o de eliminar a distorção da concorrência provocada pela vantagem concorrencial proporcionada pelo auxílio ilegal, este auxílio deve ser recuperado junto da sociedade que prossegue a atividade económica da empresa que inicialmente beneficiou desse auxílio quando se demonstre que esta sociedade mantém o gozo efetivo da vantagem concorrencial associada ao benefício do referido auxílio (Acórdão de 7 de março de 2018, SNCF Mobilités/Comissão,C‑127/16 P, EU:C:2018:165, n.os 104 e 106 e jurisprudência referida). É, aliás, o que recorda o ponto 83, primeiro período, da Comunicação sobre a recuperação.

41

As considerações expostas nos n.os 38 a 40 do presente acórdão opõem‑se assim a uma interpretação do artigo 288.o TFUE no sentido de que os Estados‑Membros só estariam obrigados a recuperar um auxílio de Estado declarado ilegal e incompatível por uma decisão da Comissão junto do beneficiário do auxílio em causa identificado nessa decisão.

42

Com efeito, no que respeita a uma decisão de recuperação que identifica com precisão, como no caso em apreço, o beneficiário de um auxílio individual, há que salientar que esta identificação corresponde apenas, como sublinha a Comissão nas suas observações, a uma avaliação da situação efetuada no momento da adoção dessa decisão, em função das informações de que essa instituição dispõe nesse preciso momento.

43

Portanto, a referida identificação faz parte da identificação do auxílio objeto da decisão da Comissão. Por conseguinte, esta última decisão não pode ser interpretada no sentido de que impede o Estado‑Membro em causa de recuperar o auxílio em causa junto de outra empresa quando, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 40 do presente acórdão, essa outra empresa prossiga a atividade económica do beneficiário do auxílio e conserve o gozo efetivo da vantagem concorrencial associada ao benefício do auxílio.

44

Com efeito, pode acontecer que a vantagem concorrencial associada ao benefício de um auxílio individual seja transmitida a outra empresa posteriormente à adoção da decisão de recuperação pela Comissão, por exemplo, por ocasião de uma cessão de ativos, como recordam os pontos 89 a 92 da Comunicação sobre a recuperação.

45

No que se refere ao caso de uma transferência de ativos, a continuidade económica entre as sociedades parte numa transferência de ativos é apreciada em função do objeto da transferência, a saber, os ativos e passivos, a continuidade da força de trabalho e os ativos bundled, do preço da transferência, da identidade dos acionistas ou proprietários da empresa adquirente e da original, do momento em que a transferência é realizada, a saber, após o início das investigações, do início do procedimento ou da decisão final, ou ainda da lógica económica da operação (Acórdão de 7 de março de 2018, SNCF Mobilités/Comissão,C‑127/16 P, EU:C:2018:165, n.o 108 e jurisprudência referida).

46

Por conseguinte, no âmbito da sua função de recuperação do auxílio e para garantir a plena eficácia de uma decisão de recuperação da Comissão que identifique precisamente o beneficiário do auxílio e eliminar efetivamente a distorção da concorrência causada pela vantagem concorrencial associada ao recebimento do auxílio, as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a identificar uma empresa diferente da identificada nessa decisão de recuperação, na hipótese de a vantagem associada ao auxílio em causa ter sido efetivamente transferida para a outra empresa, posteriormente à adoção da referida decisão de recuperação.

47

A existência deste tipo de obrigação por parte das autoridades nacionais é confirmada por jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, que recorda que os órgãos jurisdicionais nacionais e a Comissão desempenham papéis complementares e distintos (Acórdão de 7 de dezembro de 2023, RegioJet e STUDENT AGENCY, C‑700/22, EU:C:2023:960, n.o 13), e que os órgãos jurisdicionais nacionais podem, em matéria de auxílios de Estado, ser chamados a conhecer de litígios que os obriguem a interpretar e a aplicar o conceito de «auxílio», previsto no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, mas não são competentes para decidir sobre a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado interno, sendo esta última apreciação da competência exclusiva da Comissão, que atua sob a fiscalização do juiz da União (v., neste sentido, Acórdão de 4 de março de 2020, Buonotourist/Comissão,C‑586/18 P, EU:C:2020:152, n.o 90 e jurisprudência referida).

48

No que se refere às dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio relativas à natureza decisória ou não das notas e das instruções informais fornecidas pelos serviços da Comissão às autoridades nacionais para efetuar a análise da continuidade económica, o Tribunal de Justiça declarou que tais tomadas de posição não figuram entre os atos que podem ser adotados com base no Regulamento 2015/1589 e não podem ser consideradas vinculativas para o juiz nacional. Contudo, o Tribunal de Justiça precisou que, dado que os elementos contidos nas referidas tomadas de posição, bem como nos pareceres da Comissão eventualmente solicitados pelo juiz nacional, visam facilitar o cumprimento da função das autoridades nacionais no âmbito da execução imediata e efetiva da decisão de recuperação, e atendendo ao princípio da cooperação leal enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, o juiz nacional deve tê‑los em consideração enquanto elemento de apreciação no âmbito do litígio nele pendente e fundamentar a sua decisão à luz de todos os documentos dos autos que lhe foram submetidos (v., neste sentido, Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Mediaset,C‑69/13, EU:C:2014:71, n.os 26, 28 e 31).

49

Em terceiro lugar, à luz das indicações do órgão jurisdicional de reenvio, resumidas no n.o 32 do presente acórdão, no que respeita aos artigos 41.o e 47.o da Carta, importa distinguir entre, por um lado, a possibilidade de uma empresa, colocada na situação da recorrente no processo principal, participar no procedimento de investigação de um auxílio de Estado pela Comissão e, sendo caso disso, contestar a decisão desta última que declara esse auxílio ilegal e incompatível, e, por outro, a possibilidade de essa empresa participar no procedimento perante uma autoridade nacional, suscetível de conduzir a uma decisão que declare a existência de uma continuidade económica entre a referida empresa e o beneficiário do auxílio identificado na decisão da Comissão, e que obrigue a mesma empresa a restituir o auxílio em causa, bem como, se for caso disso, a possibilidade de contestar essa decisão nacional.

50

Primeiro, no que respeita ao procedimento na Comissão, há que observar que o procedimento de controlo dos auxílios de Estado é, tendo em conta a sua economia geral, um procedimento instaurado ao Estado‑Membro responsável, atendendo às suas obrigações por força do direito da União, pela concessão do auxílio. Neste procedimento, as partes interessadas, com exclusão do Estado‑Membro em causa, não podem exigir a participação num debate contraditório com a Comissão, como o que é aberto a favor desse Estado‑Membro. O referido procedimento não é um procedimento instaurado contra o beneficiário ou os beneficiários dos auxílios que implique que este ou estes possam valer‑se de direitos tão amplos quanto o direito de defesa enquanto tal (v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo, C‑56/18 P, EU:C:2020:192, n.os 73 a 75).

51

No que respeita à hipótese de o beneficiário efetivo de um auxílio, designado como tal num ato nacional de recuperação devido à existência de uma continuidade económica com o beneficiário anterior, não ter legitimidade para interpor um recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o TFUE contra a decisão da Comissão que declara esse auxílio ilegal e incompatível e ordena a sua recuperação, há que observar que, no entanto, o direito da União garante a este beneficiário efetivo a tutela jurisdicional.

52

Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a fiscalização, pelo juiz nacional, de um ato nacional que visa a recuperação de um auxílio de Estado ilegal e incompatível deve ser considerada uma mera emanação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 20 de maio de 2010, Scott e Kimberly Clark, C‑210/09, EU:C:2010:294, n.o 25 e jurisprudência referida).

53

Neste contexto, o beneficiário efetivo pode também impugnar perante o juiz nacional a validade da decisão da Comissão que declarou o auxílio ilegal e incompatível, quando este beneficiário efetivo não teria tido, sem dúvida nenhuma, legitimidade para interpor recurso direto, ao abrigo do artigo 263.o TFUE, contra esta decisão (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de fevereiro de 2011, Bolton Alimentari,C‑494/09, EU:C:2011:87, n.os 22 e 23 e jurisprudência referida, e de 25 de julho de 2018, Georgsmarienhütte e o., C‑135/16, EU:C:2018:582, n.o 17 e jurisprudência referida). É certo que o juiz nacional não é competente para declarar ele próprio a invalidade de tal decisão, estando apenas o Tribunal de Justiça habilitado a declarar a invalidade dos atos da União (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2007, Lucchini,C‑119/05, EU:C:2007:434, n.o 53 e jurisprudência referida). Todavia, quando um órgão jurisdicional nacional julga procedentes um ou vários fundamentos de invalidade de um ato da União invocados pelas partes ou ex officio, deve suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre a validade de um ato da União, sendo este último o único competente para declarar a invalidade de um ato da União (Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 96 e jurisprudência referida).

54

Segundo, quanto ao respeito dos direitos do beneficiário efetivo de um auxílio no âmbito de um procedimento perante uma autoridade nacional, suscetível de conduzir a uma decisão que declara a existência de uma continuidade económica e ordena a recuperação do auxílio junto deste beneficiário efetivo, importa observar, desde logo, que, como resulta do n.o 32 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que a declaração da existência de uma continuidade económica é apenas do âmbito do poder de apreciação da Comissão. Ora, resulta dos n.os 41 e 43 deste acórdão que esta premissa está errada.

55

Em todo o caso, embora resulte da redação do artigo 41.o da Carta que este não se dirige aos Estados‑Membros (Acórdão de 17 de julho de 2014, YS e o., C‑141/12 e C‑372/12, EU:C:2014:2081, n.o 67), não é menos verdade que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a obrigação de respeitar os direitos de defesa dos destinatários de decisões que afetem sensivelmente os seus interesses incumbe também, em princípio, às Administrações dos Estados‑Membros sempre que estas tomam decisões abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União (Acórdão de 10 de setembro de 2013, G. e R., C‑383/13 PPU, EU:C:2013:533, n.o 35). Incumbe, portanto, à autoridade nacional que pretenda adotar uma decisão de recuperação de um auxílio declarado ilegal junto do beneficiário efetivo desse auxílio garantir o respeito pelos direitos de defesa deste último.

56

Além disso, resulta do n.o 52 do presente acórdão que o beneficiário efetivo do auxílio deve dispor da possibilidade de obter a fiscalização dessa decisão por um órgão jurisdicional nacional, o qual, se tiver dúvidas quanto à interpretação do direito da União, pode ou, consoante o caso, deve submeter ao Tribunal de Justiça um processo de reenvio prejudicial, em conformidade com o artigo 267.o TFUE.

57

Tendo em conta o que precede, há que responder às questões submetidas que o artigo 108.o e o artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE, os artigos 16.o e 31.o do Regulamento 2015/1589, bem como os artigos 41.o e 47.o da Carta devem ser interpretados no sentido de que, numa situação na qual uma decisão da Comissão ordena a recuperação de um auxílio de Estado junto de um beneficiário que identifica, estes artigos não se opõem a uma legislação nacional por força da qual as autoridades nacionais competentes, no âmbito das suas atribuições de execução dessa decisão, podem ordenar a recuperação desse auxílio junto de outra empresa devido à existência de uma continuidade económica entre esta última e o beneficiário do auxílio identificado na referida decisão.

Quanto às despesas

58

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

O artigo 108.o e o artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE, os artigos 16.o e 31.o do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE], bem como os artigos 41.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

 

devem ser interpretados no sentido de que:

 

numa situação na qual uma decisão da Comissão Europeia ordena a recuperação de um auxílio de Estado junto de um beneficiário que identifica, estes artigos não se opõem a uma legislação nacional por força da qual as autoridades nacionais competentes, no âmbito das suas atribuições de execução dessa decisão, podem ordenar a recuperação desse auxílio junto de outra empresa devido à existência de uma continuidade económica entre esta última e o beneficiário do auxílio identificado na referida decisão.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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