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Document 62022CJ0583

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 12 de janeiro de 2023.
Processo penal MV.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof.
Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2008/675/JAI — Artigo 3.°, n.° 1 — Princípio da equiparação das condenações anteriores proferidas noutro Estado‑Membro — Obrigação de reconhecer a essas condenações efeitos equivalentes aos das condenações nacionais anteriores — Regras nacionais relativas ao cúmulo jurídico subsequente das penas — Pluralidade de infrações — Determinação de uma pena global — Limite de quinze anos para as penas de prisão de duração determinada — Artigo 3.°, n.° 5 — Exceção — Infração cometida antes da prolação ou da execução das condenações no outro Estado‑Membro.
Processo C-583/22 PPU.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:5

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

12 de janeiro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2008/675/JAI — Artigo 3.o, n.o 1 — Princípio da equiparação das condenações anteriores proferidas noutro Estado‑Membro — Obrigação de reconhecer a essas condenações efeitos equivalentes aos das condenações nacionais anteriores — Regras nacionais relativas ao cúmulo jurídico subsequente das penas — Pluralidade de infrações — Determinação de uma pena global — Limite de quinze anos para as penas de prisão de duração determinada — Artigo 3.o, n.o 5 — Exceção — Infração cometida antes da prolação ou da execução das condenações no outro Estado‑Membro»

No processo C‑583/22 PPU,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha), por Decisão de 29 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de setembro de 2022, no processo penal

MV

sendo intervenientes:

Generalbundesanwalt beim Bundesgerichtshof,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, M. L. Arastey Sahún, F. Biltgen, N. Wahl e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: S. Beer, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 14 de novembro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação de MV, por S. Akay, Rechtsanwalt,

em representação do Generalbundesanwalt beim Bundesgerichtshof, por C. Maslow e L. Otte, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid e M. Wasmeier, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de dezembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.os 1 e 5, da Decisão‑Quadro 2008/675/JAI do Conselho, de 24 de julho de 2008, relativa à tomada em consideração das decisões de condenação nos Estados‑Membros da União Europeia por ocasião de um novo procedimento penal (JO 2008, L 220, p. 32).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso de «Revision» interposto por MV no Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha) contra uma Sentença do Landgericht Freiburg im Breisgau (Tribunal Regional de Freiburg im Breisgau, Alemanha) que o condenou numa pena de prisão de seis anos por atos de violação agravada.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 1 a 5, 8, 9 e 13 da Decisão‑Quadro 2008/675 enunciam:

«(1)

A União Europeia estabeleceu como objetivo manter e desenvolver um espaço de liberdade, segurança e justiça. Este objetivo pressupõe que as informações relativas às decisões de condenação proferidas nos Estados‑Membros possam ser tomadas em consideração fora do Estado‑Membro de condenação, tanto para prevenir novas infrações como por ocasião de um novo procedimento penal.

(2)

Em 29 de novembro de 2000 e em conformidade com as conclusões do Conselho Europeu de Tampere, o Conselho [da União Europeia] aprovou o Programa de medidas destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais estabelecendo que a “aprovação de um ou mais instrumentos jurídicos que consignem o princípio segundo o qual o juiz de um Estado‑Membro deve estar em condições de tomar em consideração as decisões penais transitadas em julgado proferidas nos outros Estados‑Membros para apreciar os antecedentes criminais do delinquente, para ter em conta a reincidência e para determinar a natureza das penas e as regras de execução suscetíveis de serem aplicadas”.

(3)

A presente decisão‑quadro destina‑se a instituir a obrigação mínima de os Estados‑Membros tomarem em consideração condenações proferidas noutros Estados‑Membros. […]

(4)

Alguns Estados‑Membros atribuem efeitos às condenações penais proferidas noutros Estados‑Membros, enquanto outros só tomam em consideração as decisões de condenação nacionais.

(5)

Importa estabelecer o princípio de que uma decisão de condenação proferida num Estado‑Membro deverá ter nos outros Estados‑Membros efeitos equivalentes aos das condenações proferidas de acordo com o direito nacional, independentemente de se tratar de elementos de facto ou de direito processual ou substantivo. Porém, a presente decisão‑quadro não se destina a harmonizar os efeitos atribuídos pelas diferentes legislações nacionais à existência de condenações anteriores, e a obrigação de ter em conta condenações anteriores proferidas noutros Estados‑Membros só existe na medida em que as condenações nacionais anteriores sejam tomadas em consideração nos termos do direito nacional.

[…]

(8)

Quando, por ocasião de um procedimento penal num Estado‑Membro, existam informações sobre uma condenação anterior noutro Estado‑Membro, deverá evitar‑se, tanto quanto possível, que a pessoa em causa seja tratada de forma menos favorável do que se a condenação anterior tivesse sido uma condenação nacional.

(9)

O n.o 5 do artigo 3.o deverá ser interpretado, nomeadamente de acordo com o considerando 8, por forma a que se, no novo procedimento penal, o tribunal nacional, ao ter em conta uma pena anterior proferida noutro Estado‑Membro, considerar que impor determinado nível de pena dentro dos limites da legislação nacional é proporcionalmente severo para o infrator, tendo em conta as circunstâncias e se o objetivo da sanção puder ser alcançado através de uma pena mais branda, poderá reduzir o nível da pena em conformidade, se tal fosse possível em processos de âmbito puramente nacional.

[…]

(13)

A presente decisão‑quadro respeita as diversas soluções e procedimentos nacionais necessários para ter em conta uma condenação anterior proferida noutro Estado‑Membro. […]»

4

O artigo 1.o, n.o 1, desta decisão‑quadro dispõe:

«A presente decisão‑quadro tem por objetivo definir as condições em que, por ocasião de um procedimento penal num Estado‑Membro contra determinada pessoa, são tidas em consideração condenações anteriores contra ela proferidas noutro Estado‑Membro por factos diferentes.»

5

O artigo 3.o da referida decisão‑quadro, com a epígrafe «Tomada em consideração, por ocasião de um novo procedimento penal, de uma condenação proferida noutro Estado‑Membro», prevê:

«1.   Cada Estado‑Membro assegura que, por ocasião de um procedimento penal contra determinada pessoa, as condenações anteriores contra ela proferidas por factos diferentes noutros Estados‑Membros, sobre as quais tenha sido obtida informação ao abrigo dos instrumentos aplicáveis em matéria de auxílio judiciário mútuo ou por intercâmbio de informação extraída dos registos criminais, sejam tidas em consideração na medida em que são condenações nacionais anteriores e lhes sejam atribuídos efeitos jurídicos equivalentes aos destas últimas, de acordo com o direito nacional.

2.   O n.o 1 é aplicável na fase que antecede o processo penal, durante o processo penal propriamente dito ou na fase de execução da condenação, nomeadamente no que diz respeito às regras processuais aplicáveis, inclusive as que dizem respeito à prisão preventiva, à qualificação da infração, ao tipo e ao nível da pena aplicada, ou ainda às normas que regem a execução da decisão.

[…]

5.   Se a infração que levou à instauração do novo procedimento tiver sido cometida antes de ser proferida ou integralmente executada a condenação anterior, o disposto nos n.os 1 e 2 não deve ter por efeito obrigar os Estados‑Membros a aplicarem as respetivas normas nacionais ao imporem sentenças, caso a aplicação dessas normas a condenações estrangeiras limite o juiz na imposição da pena no âmbito do novo procedimento.

Os Estados‑Membros asseguram, contudo, a possibilidade de, nesses casos, os seus tribunais tomarem em consideração as condenações anteriores proferidas noutros Estados‑Membros.»

Direito alemão

6

As disposições que regem o cúmulo jurídico das penas figuram nos §§ 53 a 55 do Strafgesetzbuch (Código Penal), de 13 de novembro de 1998 (BGBl. 1998 I, p. 3322), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «StGB»).

7

O § 53 do StGB, que visa o concurso real de infrações, dispõe, no seu n.o 1:

«Quando uma pessoa tiver praticado vários crimes que devam ser julgados simultaneamente, e por esse motivo lhe tiverem sido aplicadas várias penas de prisão ou várias sanções pecuniárias, será ordenada uma pena conjunta.»

8

O § 54 do StGB, que rege o cúmulo jurídico das penas, prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Se uma das penas individuais for de prisão perpétua, será aplicada uma pena conjunta de prisão perpétua. Em todos os outros casos, a pena conjunta é fixada mediante a majoração da pena individual mais grave e, em caso de penas de diferente natureza, mediante a majoração da pena mais grave por natureza. Para esse efeito, os factos e a personalidade do agente são considerados globalmente.

2.   A pena conjunta não pode exceder a soma das penas individuais. Não pode exceder 15 anos em caso de penas de prisão de duração determinada e, em caso de sanção pecuniária, 720 dias de multa.»

9

O § 55 do StGB, que diz respeito ao cúmulo jurídico subsequente das penas, dispõe, no seu n.o 1:

«Os §§ 53 e 54 são igualmente aplicáveis quando uma pessoa já condenada por sentença transitada em julgado ainda não executada, prescrita ou aplicada, for condenada por outro crime cometido antes da condenação anterior. Considera‑se condenação anterior a sentença proferida no processo anterior no qual a matéria de facto subjacente foi apreciada pela última vez.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

Em 10 de outubro de 2003, MV, cidadão francês, raptou uma estudante num campus universitário na Alemanha e violou‑a.

11

Antes dessa data, MV nunca tinha sido objeto de uma condenação penal na Alemanha. Em contrapartida, o seu registo criminal em França comporta 25 inscrições. MV foi, nomeadamente, objeto de cinco condenações, todas proferidas por órgãos jurisdicionais franceses após a referida data e relativas a atos cometidos entre agosto de 2002 e setembro de 2003.

12

Em 30 de setembro de 2004, MV foi condenado pelo tribunal de grande instance de Guéret (Tribunal de Primeira Instância de Gueret, França) a uma pena de prisão de dois anos.

13

Em 29 de fevereiro de 2008, a cour d’assises du Loir‑et‑Cher à Blois (Tribunal de Júri de Loir‑et‑Cher em Blois, França) aplicou a MV uma pena de prisão de 15 anos. Esta pena absorveu as condenações ulteriores do interessado, proferidas em 16 de maio de 2008, pela cour d’assises de Loire‑Atlantique à Nantes (Tribunal de Júri de Loire‑Atlantique em Nantes, França), a uma pena de prisão de seis anos, por um lado, e em 23 de abril de 2012, pela cour d’appel de Grenoble (Tribunal de Recurso de Grenoble, França), a uma pena de prisão de um ano e seis meses, por outro lado.

14

Por último, em 24 de janeiro de 2013, a cour d’asises du Maine‑et‑Loire à Angers (Tribunal de Júri de Maine‑et‑Loire em Angers, França) condenou MV numa nova pena de prisão de sete anos.

15

Em 20 de outubro de 2003, a MV foi detido nos Países Baixos, por força de um mandado de detenção emitido pelas autoridades francesas, e mantido em detenção para efeitos de extradição. Em 17 de maio de 2004, foi entregue às autoridades francesas. MV esteve preso em França sem interrupção até 23 de julho de 2021, pelo que, nesta última data, as penas de prisão identificadas nos n.os 12 a 14 do presente acórdão tinham sido executadas em 17 anos e 9 meses.

16

Em 23 de julho de 2021, as autoridades francesas entregaram MV às autoridades alemãs. MV foi colocado em prisão preventiva na Alemanha por força de um mandado de detenção emitido pelo Amtsgericht Freiburg im Breisgau (Tribunal de Primeira Instância de Freiburg im Breisgau, Alemanha).

17

Em 21 de fevereiro de 2022, o Landgericht Freiburg im Breisgau (Tribunal Regional de Freiburg im Breisgau) julgou MV pelos atos cometidos em 10 de outubro de 2003 na Alemanha, declarou‑o culpado de violação agravada e condenou‑o numa pena de prisão de seis anos. Esse órgão jurisdicional considerou que a pena «verdadeiramente proporcionada» tendo em conta os factos cometidos por MV na Alemanha era uma pena de prisão de sete anos. No entanto, tendo em conta a impossibilidade de proceder a um cúmulo jurídico subsequente com as penas proferidas em França, o referido órgão jurisdicional reduziu esta pena em um ano «a título de compensação».

18

MV interpôs recurso de «Revision» contra essa sentença no Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal), o órgão jurisdicional de reenvio.

19

Por duas ordens de razões distintas, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade, com as disposições da Decisão‑Quadro 2008/675, da Sentença proferida pelo Landgericht Freiburg im Breisgau (Tribunal Regional de Freiburg im Breisgau).

20

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que a possibilidade de aplicar uma pena de prisão executória contra MV, pelo crime de violação agravada que é objeto do processo principal, depende da interpretação do princípio da equiparação das condenações penais proferidas noutros Estados‑Membros, consagrado no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/675, e da exceção a este princípio, prevista no artigo 3.o, n.o 5, primeiro parágrafo, desta decisão‑quadro.

21

O órgão jurisdicional de reenvio constata que as condenações proferidas em França contra MV seriam, em princípio, suscetíveis de ser objeto de cúmulo jurídico, de acordo com o § 55, n.o 1, do StGB, se fossem equiparadas a condenações proferidas na Alemanha.

22

A finalidade prosseguida pelo § 55, n.o 1, do StGB, que prevê o cúmulo jurídico subsequente das penas não é tratar de forma diferente o autor de várias infrações consoante essas infrações sejam objeto de um procedimento único, caso em que essa pessoa beneficiaria do cúmulo jurídico das penas ao abrigo do § 53, n.o 1, do StGB, ou de vários procedimentos distintos, hipótese do cúmulo jurídico subsequente das penas previsto no § 55, n.o 1, do StGB.

23

O órgão jurisdicional de reenvio precisa ainda que, no âmbito do cúmulo jurídico subsequente das penas há que ter em conta o limite máximo de 15 anos previsto no § 54, n.o 2, do StGB para as penas de prisão de duração determinada. Ora, em caso de equiparação das condenações proferidas em França contra MV, este limite já teria sido atingido com a condenação do interessado a 15 anos de prisão proferida em 29 de fevereiro de 2008 pela cour d’assises du Loir‑et‑Cher à Blois (Tribunal de Júri de Loir‑et‑Cher em Blois).

24

Consequentemente, em caso de equiparação das condenações proferidas em França a condenações proferidas na Alemanha, poderia, é certo, ser proferida uma pena individual contra MV pelo crime de violação agravada de que foi declarado culpado. Todavia, em aplicação do § 54, n.o 2, do StGB, a pena global não pode exceder o limite de 15 anos de prisão, pelo que, na prática, a pena proferida não pode ser executada contra a MV.

25

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que não pode ser ordenado o cúmulo jurídico subsequente com penas proferidas noutro Estado com base no § 55.o, n.o 1, do StGB, e isto por razões de direito internacional público. Com efeito, o cúmulo jurídico das penas, neste contexto transfronteiriço, colidiria simultaneamente com a força de caso julgado da condenação estrangeira e com a soberania desse Estado no que respeita à execução dessa condenação.

26

Tendo em conta tal impossibilidade de ordenar, com fundamento no direito alemão, o cúmulo jurídico subsequente das penas em relação às condenações proferidas noutro Estado‑Membro, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a interpretação a dar ao artigo 3.o da Decisão‑Quadro 2008/675.

27

Fazendo referência à jurisprudência do Tribunal de Justiça, esse órgão jurisdicional salienta que o artigo 3.o, n.o 1, desta decisão‑quadro impõe que os Estados‑Membros assegurem que sejam reconhecidos às condenações anteriores proferidas noutro Estado‑Membro efeitos equivalentes aos atribuídos às condenações nacionais anteriores por força do direito nacional.

28

Todavia, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre o alcance da exceção estabelecida no artigo 3.o, n.o 5, primeiro parágrafo, da referida decisão‑quadro. Considera que só pode ser proferida uma pena executória contra MV, pelos atos de violação agravada que são objeto do processo principal, na hipótese de esta disposição dever ser interpretada no sentido de que obsta à tomada em consideração das condenações proferidas noutros Estados‑Membros, prevista no artigo 3.o, n.o 1, da mesma decisão‑quadro, quando essa tomada em consideração implique que seja excedido o limite de 15 anos previsto no § 54.o, n.o 2, do StGB para as penas de prisão de duração determinada.

29

Em segundo lugar, no caso de o artigo 3.o, n.o 5, primeiro parágrafo, da Decisão‑Quadro 2008/675 dever ser interpretado no sentido de que o princípio da equiparação das condenações penais proferidas noutros Estados‑Membros, enunciado no artigo 3.o, n.o 1, desta decisão‑quadro, não é aplicável nas circunstâncias do processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a interpretação a dar ao artigo 3.o, n.o 5, segundo parágrafo, da referida decisão‑quadro.

30

A este respeito, interroga‑se sobre a questão de saber se a tomada em consideração da pena proferida noutro Estado‑Membro, em aplicação do artigo 3.o, n.o 5, segundo parágrafo, da Decisão‑Quadro 2008/675, implica que a desvantagem resultante da impossibilidade de ordenar o cúmulo jurídico subsequente das penas previsto no § 55.o, n.o 1, do StGB, seja «demonstrada e justificada em concreto» quando da determinação da pena aplicada pelo crime cometido no território nacional.

31

Esse órgão jurisdicional explica que, quando da transposição da Decisão‑Quadro 2008/675 para o direito alemão, o legislador alemão não considerou necessário adotar uma medida de transposição para o artigo 3.o desta decisão‑quadro. A ideia de as condenações proferidas noutro Estado não poderem, é certo, ser formalmente objeto de um cúmulo jurídico subsequente das penas, mas o condenado não dever, tanto quanto possível, ser afetado por isso, corresponde à redução que os órgãos jurisdicionais alemães aplicam «a título de compensação» quando as condenações anteriores foram proferidas no estrangeiro.

32

O órgão jurisdicional de reenvio indica que, segundo a sua própria jurisprudência sobre este aspeto, a desvantagem resultante da impossibilidade de ordenar o cúmulo jurídico subsequente das penas, no que se refere às condenações proferidas noutro Estado‑Membro, é normalmente tomada em consideração, no âmbito da determinação da pena, mediante a concessão de uma redução não quantificada, «a título de compensação», deixada à apreciação do juiz que conhece do mérito. A este respeito, basta que esse juiz tenha em consideração a impossibilidade de ordenar o cúmulo jurídico subsequente das penas enquanto elemento a favor da pessoa condenada.

33

No entanto, esse órgão jurisdicional considera que só uma compensação claramente justificada e quantificada da desvantagem resultante da impossibilidade de ordenar o cúmulo jurídico subsequente das penas é conforme com as regras do artigo 3.o, n.os 1 e 5, da Decisão‑Quadro 2008/675.

34

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à aplicação desta decisão‑quadro que o modo como as condenações anteriores proferidas noutro Estado‑Membro são tomadas em consideração deve aproximar‑se tanto quanto possível do modo como as condenações anteriores nacionais são tomadas em consideração. Ora, para se aproximar tanto quanto possível do regime do cúmulo jurídico das penas, tal como estabelecido nos §§ 53 a 55 do StGB, que exige o cálculo quantificado de uma pena global, o órgão jurisdicional de reenvio entende que é necessário que o juiz que conhece do mérito identifique concretamente a desvantagem resultante da impossibilidade de ordenar um cúmulo jurídico das penas e a deduza da nova pena global a proferir.

35

Esse órgão jurisdicional acrescenta que uma compensação justificada e quantificada da desvantagem resultante da impossibilidade de ordenar o cúmulo jurídico subsequente das penas é indispensável não só por razões de transparência mas também para permitir ao juiz que aprecia o recurso de «Revision» exercer a sua fiscalização sobre a determinação da pena proferida.

36

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, no âmbito do processo principal, o Landgericht Freiburg im Breisgau (Tribunal Regional de Freiburg im Breisgau) determinou a pena proferida sem ter em conta o facto de que, com uma pena de prisão de seis anos, seria excedido o limite de 15 anos previsto no artigo 54.o, n.o 2, do StGB para as penas de prisão de duração determinada. Além disso, esse tribunal não se referiu a um critério preciso que o tivesse orientado no modo de tomar em consideração as condenações proferidas em França, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 5, segundo parágrafo, da Decisão‑Quadro 2008/675.

37

Nestas condições, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

À luz do princípio da igualdade de tratamento decorrente do artigo 3.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro [2008/675] e tendo em conta o artigo 3.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro [2008/675], perante uma situação de cúmulo jurídico de penas por condenações proferidas na Alemanha e noutro Estado‑Membro da União, pode aplicar‑se uma pena pelo crime praticado no território nacional mesmo no caso de a soma teórica da pena aplicada pelo outro Estado‑Membro da União ter como consequência que fosse ultrapassado o limite máximo admitido no direito alemão para a pena conjunta no caso de penas de prisão de duração determinada?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

Deve a consideração da pena aplicada pelo outro Estado‑Membro da União, prevista no artigo 3.o, n.o 5, segundo período, da Decisão‑Quadro [2008/675], ser efetuada de maneira a que a desvantagem decorrente da impossibilidade de fixação subsequente de uma pena conjunta, em conformidade com os princípios do cúmulo jurídico das penas vigentes no direito alemão, deva ser demonstrada e justificada em concreto quando da determinação da pena pelo crime cometido no território nacional?»

Quanto à aplicação da tramitação prejudicial urgente

38

Fazendo uso do poder que lhe é conferido pelo artigo 107.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o presidente do Tribunal de Justiça convidou a Segunda Secção a examinar a necessidade de submeter oficiosamente o presente processo à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 23.o‑A, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

39

Há que declarar que os requisitos previstos para a aplicação desta tramitação estão preenchidos no âmbito do presente processo.

40

Em primeiro lugar, importa recordar que, nos termos do artigo 107.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, só podem ser submetidos a tramitação urgente os reenvios prejudiciais que suscitem uma ou várias questões relativas aos domínios objeto do título V da parte III do Tratado FUE, sendo este título V consagrado ao espaço de liberdade, segurança e justiça.

41

Entre os domínios objeto do referido título V figura, nomeadamente, a cooperação judiciária em matéria penal.

42

No caso em apreço, o reenvio prejudicial diz respeito à interpretação da Decisão‑Quadro 2008/675, que rege a tomada em consideração, por ocasião de um novo procedimento penal, das condenações penais proferidas noutros Estados‑Membros por factos diferentes.

43

Além disso, esta decisão‑quadro foi adotada com base no artigo 31.o TUE, que foi substituído pelos artigos 82.o, 83.o e 85.o TFUE. Ora, estes artigos do Tratado FUE estão formalmente inseridos no capítulo relativo à cooperação judiciária em matéria penal.

44

Resulta do exposto que o reenvio prejudicial suscita várias questões relativas a um dos domínios objeto do título V da parte III do Tratado FUE, a saber, a cooperação judiciária em matéria penal, e, portanto, é suscetível de ser submetido a tramitação urgente.

45

Em segundo lugar, no que respeita ao critério relativo à urgência, resulta de jurisprudência constante que este critério está preenchido quando a pessoa em causa no processo principal está, à data da apresentação do pedido de decisão prejudicial, privada de liberdade e a sua manutenção em detenção depende da decisão do litígio no processo principal [v., recentemente, Acórdãos de 28 de abril de 2022, C e CD (Obstáculos jurídicos à execução de uma decisão de entrega), C‑804/21 PPU, EU:C:2022:307, n.o 39 e jurisprudência referida].

46

No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que MV está efetivamente privado de liberdade e que a decisão do litígio no processo principal é suscetível de influenciar a questão da sua manutenção em detenção.

47

O órgão jurisdicional de reenvio explicou que, na hipótese de o artigo 3.o, n.os 1 e 5, da Decisão‑Quadro 2008/675 dever ser interpretado no sentido de que há que reconhecer às condenações anteriores proferidas em França efeitos equivalentes aos atribuídos às condenações nacionais, já não seria possível proferir uma pena suscetível de ser executada contra MV, em razão de ser excedido o limite de 15 anos previsto no artigo 54.o, n.o 2, do StGB para as penas de prisão de duração determinada.

48

Nestas condições, mediante proposta da juíza‑relatora, ouvido o advogado‑geral, a Segunda Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 27 de setembro de 2022, submeter oficiosamente o reenvio prejudicial a tramitação urgente.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

49

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.os 1 e 5, da Decisão‑Quadro 2008/675 deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro é obrigado, por ocasião de um procedimento penal instaurado contra uma pessoa, a atribuir às condenações anteriores proferidas noutro Estado‑Membro, contra essa pessoa e por factos diferentes, efeitos equivalentes aos atribuídos às condenações nacionais anteriores de acordo com as regras do direito nacional em causa relativas ao cúmulo jurídico das penas quando, por um lado, a infração que deu origem a esse procedimento foi cometida antes de essas condenações anteriores terem sido proferidas e, por outro, a tomada em consideração das referidas condenações anteriores de acordo com essas regras do direito nacional impediria o juiz nacional que conhece do referido procedimento de proferir uma pena suscetível de ser executada contra a pessoa em causa.

50

A Decisão‑Quadro 2008/675 destina‑se, como resulta dos seus considerandos 5 a 8, a que cada Estado‑Membro assegure que as condenações penais anteriores proferidas noutro Estado‑Membro produzem efeitos jurídicos equivalentes aos atribuídos às condenações nacionais anteriores de acordo com o seu direito nacional [Acórdão de 15 de abril de 2021, AV (Sentença global), C‑221/19, EU:C:2021:278, n.o 49].

51

Em conformidade com este objetivo, o artigo 3.o, n.o 1, desta decisão‑quadro, lido à luz do seu considerando 5, impõe aos Estados‑Membros a obrigação de assegurarem que, por ocasião de um novo procedimento penal instaurado contra determinada pessoa, as condenações anteriores contra ela proferidas por factos diferentes noutros Estados‑Membros, sobre as quais tenha sido obtida informação ao abrigo dos instrumentos aplicáveis em matéria de auxílio judiciário mútuo ou por intercâmbio de informação extraída dos registos criminais, por um lado, sejam tomadas em consideração na medida em que o são as condenações nacionais anteriores por força do direito nacional e, por outro, lhes sejam atribuídos efeitos equivalentes aos destas últimas condenações, de acordo com esse direito, quer se tratem de efeitos factuais ou de efeitos de direito processual ou substantivo.

52

O artigo 3.o, n.o 2, da referida decisão‑quadro precisa que esta obrigação se aplica na fase que antecede o processo penal, durante o processo penal propriamente dito ou na fase de execução da condenação, nomeadamente no que diz respeito às regras relativas ao tipo e ao nível da pena aplicada, ou ainda às normas que regem a execução da decisão.

53

O Tribunal de Justiça declarou que a Decisão‑Quadro 2008/675 é aplicável a um procedimento nacional que tem por objeto a aplicação, para efeitos de execução, de uma pena privativa da liberdade unitária que toma em consideração a pena aplicada a uma pessoa pelo juiz nacional, bem como a pena aplicada no quadro de uma condenação anterior proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro contra a mesma pessoa por factos diferentes [Acórdão de 15 de abril de 2021, AV (Sentença global), C‑221/19, EU:C:2021:278, n.o 52 e jurisprudência referida].

54

No caso em apreço, resulta das explicações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, resumidas nos n.os 21 a 24 do presente acórdão, que, se, nas circunstâncias do litígio no processo principal, as condenações anteriores proferidas por órgãos jurisdicionais franceses contra MV fossem equiparadas a condenações proferidas por órgãos jurisdicionais alemães em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, desta decisão‑quadro, o juiz que conhece do mérito seria obrigado a proceder a um cúmulo jurídico das penas de acordo com as regras previstas nos §§ 53 a 55 do StGB. Nesse caso, não seria possível proferir uma pena suscetível de ser executada contra MV, em razão de ser excedido o limite de 15 anos previsto no § 54.o, n.o 2, do StGB para as penas de prisão de duração determinada.

55

Todavia, há que salientar que, nos termos do artigo 3.o, n.o 5, primeiro parágrafo, da Decisão‑Quadro 2008/675, se a infração que levou à instauração do novo procedimento tiver sido cometida antes de ser proferida ou integralmente executada a condenação anterior, o artigo 3.o, n.os 1 e 2, desta decisão‑quadro não obriga os Estados‑Membros a aplicarem as respetivas normas nacionais em matéria de imposição de penas, caso a aplicação dessas normas a condenações estrangeiras limite o juiz na imposição da pena no âmbito do novo procedimento.

56

No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, no âmbito do procedimento penal instaurado nos órgãos jurisdicionais alemães, MV foi declarado culpado de um crime de violação agravada por atos cometidos em 10 de outubro de 2003. Por outro lado, as condenações que devem ser tomadas em consideração no âmbito desse procedimento foram proferidas por órgãos jurisdicionais franceses após essa data. Por conseguinte, há que concluir que o requisito de ordem temporal que figura no artigo 3.o, n.o 5, primeiro parágrafo, da Decisão‑Quadro 2008/675 está preenchido nas circunstâncias do litígio no processo principal.

57

Consequentemente, as circunstâncias do litígio no processo principal são suscetíveis de ser abrangidas pela exceção estabelecida nesta disposição.

58

No que respeita ao alcance dessa exceção, o artigo 3.o, n.o 5, primeiro parágrafo, desta decisão‑quadro isenta os Estados‑Membros da obrigação de aplicarem as respetivas «normas nacionais [em matéria de imposição de penas]» às condenações anteriores proferidas noutro Estado‑Membro, caso a aplicação dessas normas «limite o juiz na imposição da pena no âmbito do novo procedimento».

59

No caso em apreço, há que declarar, por um lado, que as regras do direito alemão relativas ao cúmulo jurídico das penas previstas nos §§ 53 a 55 do StGB, invocadas no processo principal, constituem «normas nacionais [em matéria de imposição de penas]», na aceção do artigo 3.o, n.o 5, primeiro parágrafo, da referida decisão‑quadro. Com efeito, estas normas do direito alemão regulam o poder do juiz penal de proferir uma pena em caso de pluralidade de infrações, quer estas sejam objeto de um procedimento único quer de vários procedimentos distintos.

60

Por outro lado, como salientado no n.o 54 do presente acórdão, a aplicação dessas regras no que respeita às condenações anteriores proferidas em França impede o juiz nacional de proferir uma pena suscetível de ser executada no âmbito do processo principal.

61

Portanto, nas circunstâncias do litígio no processo principal, o facto de se atribuir às condenações anteriores proferidas em França efeitos equivalentes aos atribuídos às condenações nacionais anteriores teria como consequência «limit[ar] o juiz na imposição da pena no âmbito do novo procedimento», na aceção do artigo 3.o, n.o 5, primeiro parágrafo, da Decisão‑Quadro 2008/675.

62

Resulta do que precede que a exceção estabelecida nesta disposição é efetivamente aplicável nas circunstâncias do litígio no processo principal e tem por efeito isentar o juiz nacional da obrigação de atribuir às condenações anteriores proferidas em França efeitos equivalentes aos atribuídos às condenações nacionais de acordo com as regras relativas ao cúmulo jurídico das penas previstas nos §§ 53 a 55 do StGB.

63

Tal interpretação é, por outro lado, corroborada tanto pelo contexto do artigo 3.o da Decisão‑Quadro 2008/675 como pelos objetivos prosseguidos pelo artigo 3.o, n.o 5, desta decisão‑quadro.

64

No que respeita ao contexto em que se inscreve o artigo 3.o da Decisão‑Quadro 2008/675, recorde‑se que, nos termos do seu considerando 5, esta decisão‑quadro não se destina a harmonizar os efeitos atribuídos pelas diferentes legislações nacionais à existência de condenações anteriores. Resulta igualmente do seu considerando 3 que a referida decisão‑quadro se limita a estabelecer a obrigação mínima de os Estados‑Membros tomarem em consideração, por ocasião de um novo procedimento penal, as condenações proferidas noutros Estados‑Membros.

65

Além disso, segundo o seu considerando 13, a Decisão‑Quadro 2008/675 respeita as diversas soluções e procedimentos nacionais necessários para tomar em consideração uma condenação anterior proferida noutro Estado‑Membro. Assim, esta decisão‑quadro contribui para a constituição de um espaço de liberdade, segurança e justiça na União, no respeito dos diferentes sistemas e tradições jurídicas dos Estados‑Membros, em conformidade com o artigo 67.o, n.o 1, TFUE.

66

Por conseguinte, o princípio da equiparação das condenações anteriores proferidas noutro Estado‑Membro, estabelecido no artigo 3.o, n.o 1, desta decisão‑quadro, deve ser conciliado com a necessidade de respeitar a diversidade das tradições e dos sistemas penais dos Estados‑Membros. Como precisa o considerando 8 da referida decisão‑quadro, é apenas «tanto quanto possível» que se deve evitar que a pessoa em causa seja tratada de forma menos favorável do que se a condenação anterior tivesse sido uma condenação nacional.

67

No que respeita ao objetivo prosseguido pelo artigo 3.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2008/675, resulta explicitamente da sua redação que esta disposição visa preservar o poder do «juiz na imposição da pena» para punir uma infração cometida no território nacional antes de as condenações noutro Estado‑Membro terem sido proferidas ou executadas.

68

Como o Generalbundesanwalt beim Bundesgerichtshof (Procurador‑Geral junto do Supremo Tribunal de Justiça Federal) e a Comissão Europeia alegam, em substância, num contexto caracterizado pela diversidade das tradições e dos sistemas penais dos Estados‑Membros, nomeadamente no que respeita aos níveis de penas e às suas modalidades de execução, não está excluído que a tomada em consideração de condenações proferidas noutro Estado‑Membro possa obstar à aplicação de uma pena suscetível de execução, com vista a punir uma infração cometida no território do Estado‑Membro em causa, mesmo antes de essas condenações terem sido proferidas ou executadas.

69

No caso em apreço, resulta das explicações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, no contexto do litígio no processo principal, o facto de se reconhecer, às condenações anteriores proferidas em França, efeitos equivalentes aos das condenações nacionais no âmbito do cúmulo jurídico subsequente das penas, previsto no § 55, n.o 1, do StGB, obstaria à aplicação de uma pena suscetível de ser executada por atos de violação agravada cometidos na Alemanha antes de essas condenações terem sido proferidas.

70

Ora, o objetivo prosseguido pelo artigo 3.o, n.o 5, primeiro parágrafo, da Decisão‑Quadro 2008/675 consiste precisamente em preservar o poder dos órgãos jurisdicionais nacionais de aplicarem uma pena nesse caso, no respeito da diversidade das tradições e dos sistemas penais dos Estados‑Membros, isentando‑os da obrigação de equipararem as condenações anteriores proferidas noutro Estado‑Membro às condenações nacionais anteriores, prevista no artigo 3.o, n.o 1, desta decisão‑quadro.

71

Importa ainda precisar que, no entanto, nada impede os Estados‑Membros de concederem às condenações proferidas noutro Estado‑Membro efeitos equivalentes aos atribuídos às condenações nacionais no caso previsto no artigo 3.o, n.o 5, primeiro parágrafo, da Decisão‑Quadro 2008/675. Como precisa o seu considerando 3, esta decisão‑quadro visa estabelecer a obrigação mínima de tomada em consideração das condenações proferidas noutro Estado‑Membro, de modo que os Estados‑Membros sejam livres de ter em conta essas condenações nos casos em que não estejam vinculados por força da referida decisão‑quadro.

72

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 3.o, n.os 1 e 5, da Decisão‑Quadro 2008/675 deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro não é obrigado, por ocasião de um procedimento penal instaurado contra uma pessoa, a atribuir às condenações anteriores proferidas noutro Estado‑Membro, contra essa pessoa e por factos diferentes, efeitos equivalentes aos atribuídos às condenações nacionais anteriores de acordo com as regras do direito nacional em causa relativas ao cúmulo jurídico das penas, quando, por um lado, a infração que deu origem a esse procedimento foi cometida antes de essas condenações anteriores terem sido proferidas e, por outro, a tomada em consideração das referidas condenações anteriores de acordo com essas regras do direito nacional impediria o juiz nacional que conhece do referido procedimento de proferir uma pena suscetível de ser executada contra a pessoa em causa.

Quanto à segunda questão

73

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 5, segundo parágrafo, da Decisão‑Quadro 2008/675 deve ser interpretado no sentido de que a tomada em consideração das condenações anteriores proferidas noutro Estado‑Membro, na aceção desta disposição, exige que o juiz nacional demonstre e justifique em concreto a desvantagem resultante da impossibilidade de ordenar o cúmulo jurídico subsequente das penas previsto para as condenações nacionais anteriores.

74

Resulta da redação desta disposição que, em qualquer procedimento penal abrangido pela exceção estabelecida no artigo 3.o, n.o 5, primeiro parágrafo, desta decisão‑quadro, os Estados‑Membros devem assegurar «a possibilidade de […] os seus tribunais tomarem em consideração [de outro modo] as condenações anteriores proferidas noutros Estados‑Membros».

75

Para cumprir esta obrigação, basta que os Estados‑Membros prevejam, no respeito do direito da União e dos objetivos prosseguidos pela referida decisão‑quadro, a possibilidade de os seus órgãos jurisdicionais nacionais terem em conta, de outro modo, as condenações anteriores proferidas noutros Estados‑Membros.

76

Em contrapartida, não se pode deduzir desta disposição nenhuma obrigação no que respeita às modalidades concretas, de direito substantivo ou processual, que devem ser respeitadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais quando tomam efetivamente em consideração condenações anteriores proferidas noutros Estados‑Membros.

77

Na falta de precisões mais amplas nas próprias disposições da Decisão‑Quadro 2008/675, há que concluir que esta deixa aos Estados‑Membros uma margem de apreciação quanto às modalidades concretas de execução no que respeita à possibilidade de os órgãos jurisdicionais nacionais tomarem em consideração condenações anteriores proferidas noutros Estados‑Membros em aplicação do artigo 3.o, n.o 5, segundo parágrafo, desta decisão‑quadro.

78

Consequentemente, não se pode deduzir do artigo 3.o, n.o 5, segundo parágrafo, da Decisão‑Quadro 2008/675 uma obrigação de o juiz que conhece do mérito proceder, nas circunstâncias do litígio no processo principal, a um cálculo quantificado da desvantagem resultante da impossibilidade de aplicar as regras nacionais relativas ao cúmulo jurídico das penas previstas para as condenações nacionais e de, em seguida, conceder uma redução de pena baseada nesse cálculo.

79

Como salientou o advogado‑geral nos n.os 85 e 86 das suas conclusões, a única exigência que pode ser deduzida desta disposição diz respeito à existência de uma possibilidade de os órgãos jurisdicionais nacionais tomarem em consideração condenações anteriores proferidas noutros Estados‑Membros, sem que, todavia, as modalidades concretas dessa tomada em consideração tenham sido estabelecidas pelo legislador da União.

80

No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o Landgericht Freiburg im Breisgau (Tribunal Regional de Freiburg im Breisgau) tomou efetivamente em consideração as condenações anteriores proferidas em França. Com efeito, na sua Sentença de 21 de fevereiro de 2022, esse órgão jurisdicional concedeu uma redução da pena de um ano «a título de compensação», sobre uma pena inicial de prisão de sete anos, para ter em conta a impossibilidade de proceder a um cúmulo jurídico subsequente das penas com as condenações proferidas em França.

81

Em face do exposto, há que responder à segunda questão que o artigo 3.o, n.o 5, segundo parágrafo, da Decisão‑Quadro 2008/675 deve ser interpretado no sentido de que a tomada em consideração das condenações anteriores proferidas noutro Estado‑Membro, na aceção desta disposição, não exige que o juiz nacional demonstre e justifique em concreto a desvantagem resultante da impossibilidade de ordenar o cúmulo jurídico subsequente das penas previsto para as condenações nacionais anteriores.

Quanto às despesas

82

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 3.o, n.os 1 e 5, da Decisão‑Quadro 2008/675/JAI do Conselho, de 24 de julho de 2008, relativa à tomada em consideração das decisões de condenação nos Estados‑Membros da União Europeia por ocasião de um novo procedimento penal,

deve ser interpretado no sentido de que:

um Estado‑Membro não é obrigado, por ocasião de um procedimento penal instaurado contra uma pessoa, a atribuir às condenações anteriores proferidas noutro Estado‑Membro, contra essa pessoa e por factos diferentes, efeitos equivalentes aos atribuídos às condenações nacionais anteriores de acordo com as regras do direito nacional em causa relativas ao cúmulo jurídico das penas, quando, por um lado, a infração que deu origem a esse procedimento foi cometida antes de essas condenações anteriores terem sido proferidas e, por outro, a tomada em consideração das referidas condenações anteriores de acordo com essas regras do direito nacional impediria o juiz nacional que conhece do referido procedimento de proferir uma pena suscetível de ser executada contra a pessoa em causa.

 

2)

O artigo 3.o, n.o 5, segundo parágrafo, da Decisão‑Quadro 2008/675

deve ser interpretado no sentido de que:

a tomada em consideração das condenações anteriores proferidas noutro Estado‑Membro, na aceção desta disposição, não exige que o juiz nacional demonstre e justifique em concreto a desvantagem resultante da impossibilidade de ordenar o cúmulo jurídico subsequente das penas previsto para as condenações nacionais anteriores.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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