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Document 62022CJ0318

Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção) de 16 de novembro de 2023.
GE Infrastructure Hungary Holding Kft. contra Nemzeti Adó- és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Fővárosi Törvényszék.
Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Regime fiscal comum aplicável às fusões, às cisões, às cisões parciais, às entradas de ativos e às permutas de ações — Diretiva 2009/133/CE — Cisão parcial — Situação puramente interna — Inexistência de redução do capital social — Sociedade que detém 100 % do capital da sociedade contribuidora.
Processo C-318/22.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:890

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

16 de novembro de 2023 ( *1 )

[Texto retificado por Despacho de 8 de janeiro de 2024]

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Regime fiscal comum aplicável às fusões, às cisões, às cisões parciais, às entradas de ativos e às permutas de ações — Diretiva 2009/133/CE — Cisão parcial — Situação puramente interna — Inexistência de redução do capital social — Sociedade que detém 100 % do capital da sociedade contribuidora»

No processo C‑318/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), por Decisão de 27 de abril de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de maio de 2022, no processo

GE Infrastructure Hungary Holding Kft.

contra

Nemzeti Adó ‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: O. Spineanu‑Matei, presidente de secção, J.‑C. Bonichot (relator) e L. S. Rossi, juízes,

advogada‑geral: L. Medina,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da GE Infrastructure Hungary Holding Kft., por G. Szimler e Z. Várszegi, ügyvédek,

em representação do Governo Húngaro, por M. Z. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e B. Béres, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, alínea a), e do artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de outubro de 2009, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados‑Membros diferentes e à transferência da sede de uma SE ou de uma SCE de um Estado‑Membro para outro (JO 2009, L 310, p. 34), lidos à luz do considerando 2 desta diretiva.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a GE Infrastructure Hungary Holding Kft. (a seguir «GE Infrastructure») à Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága (Direção de Recursos da Administração Nacional Tributária e Aduaneira, Hungria) a respeito das consequências fiscais, para esta sociedade, de uma operação de cisão parcial com fusão por absorção realizada em sociedades detidas por esta última.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos do considerando 2 da Diretiva 2009/133:

«As fusões, as cisões, as cisões parciais, as entradas de ativos e as permutas de ações entre sociedades de Estados‑Membros diferentes podem ser necessárias para criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno e assegurar deste modo o bom funcionamento daquele mercado interno. Essas operações não deverão ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções resultantes em particular das disposições fiscais dos Estados‑Membros. Importa, por conseguinte, prever, para essas operações, regras fiscais neutras relativamente à concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do mercado interno, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição concorrencial no plano internacional».

4

O artigo 1.o desta diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros aplicam a presente diretiva às seguintes operações:

a)

Operações de fusão, de cisão, de cisão parcial, de entrada de ativos e de permuta de ações que digam respeito a sociedades de dois ou mais Estados‑Membros;

[…]»

5

O artigo 2.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

c)

“Cisão parcial”, uma operação pela qual uma sociedade transfere, sem ser dissolvida, um ou mais ramos da sua atividade para uma ou mais sociedades já existentes ou novas, deixando no mínimo um dos ramos de atividade na sociedade contribuidora, mediante a atribuição aos seus sócios, de acordo com uma regra de proporcionalidade, de títulos representativos do capital social das sociedades beneficiárias dos elementos do ativo e do passivo e, eventualmente, de um pagamento em numerário não superior a 10 % do valor nominal ou, na ausência de um valor nominal, do valor contabilístico desses títulos;

[…]»

6

O artigo 8.o da mesma diretiva dispõe:

«1.   Em caso de fusão, cisão ou permuta de ações, a atribuição de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária ou adquirente a um sócio da sociedade contribuidora ou adquirida, em troca de títulos representativos do capital social desta última, não deve, por si mesma, implicar qualquer tributação sobre o rendimento, os lucros ou as mais‑valias do referido sócio.

2.   Em caso de cisão parcial, a atribuição de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária a um sócio da sociedade contribuidora não deve, por si mesma, implicar qualquer tributação sobre o rendimento, os lucros ou as mais‑valias do referido sócio.

[…]

5.   Os n.os 2 e 3 são aplicáveis apenas se o sócio não atribuir à soma dos títulos recebidos e dos que detenha no capital da sociedade contribuidora um valor fiscal superior àquele que estes últimos tinham imediatamente antes da cisão parcial.

[…]

7.   Para efeitos do presente artigo, por “valor fiscal” entende‑se o valor que serviria de base para o eventual cálculo de um ganho ou de uma perda a considerar para efeitos de determinação da matéria coletável de um imposto sobre o rendimento, os lucros ou as mais‑valias do sócio da sociedade.

[…]»

7

O artigo 15.o da Diretiva 2009/133 prevê:

«1.   Os Estados‑Membros podem recusar aplicar ou retirar o benefício de todas ou parte das disposições dos artigos 4.o a 14.o se for evidente que uma das operações referidas no artigo 1.o:

a)

Tem como principal objetivo, ou como um dos principais objetivos, a fraude ou evasão fiscais; o facto [de a] operação não ser executada por razões comerciais válidas como a reestruturação ou racionalização das atividades das sociedades que participam na operação pode constituir uma presunção de que a operação tem como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a fraude ou evasão fiscais;

[…]»

Direito húngaro

8

Nos termos do artigo 3:45, n.o 1, da Polgári Törvénykönyvről szóló 2013. évi V. törvény (Lei V de 2013 que aprova o Código Civil):

«Uma pessoa coletiva pode ser cindida em várias entidades jurídicas mediante cisão total ou cisão parcial. Em caso de cisão total, a pessoa coletiva deixa de existir e o seu património é transmitido para as várias pessoas coletivas que resultaram da cisão total na qualidade de sucessores legais. Em caso de cisão parcial, a pessoa coletiva continua a existir, mas parte do seu património é transmitido para a pessoa coletiva que resultou da cisão na qualidade de sucessor legal.»

9

O artigo 3:45, n.o 2, alínea b), da Lei V de 2013 que aprova o Código Civil dispõe:

«Uma pessoa coletiva pode também ser objeto de cisão mediante cisão total ou parcial, de modo que os ramos cindidos sejam absorvidos, juntamente com a parte dos ativos da pessoa coletiva a que têm direito, por diferentes pessoas coletivas já existentes (cisão com fusão por absorção) na qualidade de sucessores legais.»

10

Nos termos do artigo 1.o, n.o 5, da társasági adóról és osztalékadóról szóló 1996. évi LXXXI. törvény (Lei LXXXI de 1996, relativa ao Imposto sobre as Sociedades e ao Imposto sobre os Dividendos), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei do Imposto sobre as Sociedades»):

«A presente lei deve ser interpretada tendo em conta as disposições da Lei relativa à Contabilidade e em conformidade com as mesmas. As derrogações às disposições da Lei relativa à Contabilidade, destinadas a garantir o respeito do princípio da imagem fiel não podem ter como consequência a alteração do montante do imposto devido.»

11

O artigo 4.o, n.o 23/a, da Lei do Imposto sobre as Sociedades tem a seguinte redação:

«Transformação dos beneficiários: uma transformação (incluindo, no futuro, uma fusão ou uma cisão) na qual apenas participam as sociedades a que se refere o n.o 32/a, na qualidade quer de antecessores legais quer de sucessores legais, se

a)

através da operação jurídica, o sócio ou acionista do antecessor legal adquirir, no contexto da transformação, fusão ou cisão, uma participação no sucessor legal e uma quantia em dinheiro não superior a 10 % do valor nominal do total da participação adquirida (ou, na falta de valor nominal, do valor determinado na proporção do capital social),

b)

em caso de cisão, os sócios ou acionistas do antecessor legal adquirirem uma participação proporcional — uns em relação aos outros — no sucessor legal,

c)

a sociedade unipessoal for absorvida pelo seu sócio ou sócio único,

desde que a transformação tenha por base fundamentos económicos e comerciais efetivos, devendo o sujeito passivo provar a existência destes fundamentos económicos e comerciais efetivos.»

12

O artigo 7.o, n.o 1, alínea dz), desta lei prevê que ao resultado antes de imposto são deduzidas «as mais‑valias geradas durante o exercício fiscal no momento da venda da participação notificada ou do seu desreconhecimento como entrada diferente das entradas em numerário (deduzidas, em ambos os casos, das despesas contabilizadas em resultado do desreconhecimento do goodwill), desde que o sujeito passivo (incluindo o seu antecessor legal) tenha mantido a participação de forma contínua enquanto ativo durante, pelo menos, um ano antes da sua venda (o desreconhecimento devido a uma transformação, fusão ou cisão não constitui uma interrupção da continuidade da detenção), e eventuais desvalorizações que tenham sido recuperadas relativamente à participação notificada durante o exercício fiscal».

13

O artigo 7.o, n.o 1, alínea gy), ponto 1, da referida lei dispõe que ao resultado antes de imposto é deduzida, no que se refere ao sócio (acionista, titular de uma participação), «a parte que excede o valor contabilístico do valor de investimento, na aceção do n.o 10, da participação, deduzida dos rendimentos contabilizados durante o exercício fiscal resultantes de uma participação desreconhecida (parcialmente desreconhecida) — incluindo créditos sobre a sociedade anterior baseados em entradas em espécie, mas excluindo a redução de uma participação numa sociedade estrangeira controlada —, se o investimento indicativo de fundos próprios tiver deixado de existir ou tiver sido reduzido na sequência de uma dissolução sem sucessão legal, de uma redução do capital social por desinvestimento ou de uma transformação dos beneficiários, sem prejuízo do disposto no ponto 2».

14

O artigo 8.o, n.o 1, alínea m), ponto mb), da mesma lei prevê que ao resultado antes de imposto acrescem «as perdas ou menos‑valias (tendo igualmente em conta as despesas contabilizadas na sequência da redução do goodwill) contabilizadas na sequência de uma desvalorização, de uma perda cambial ou da redução de uma participação a qualquer título (com exclusão da contabilização de uma transformação, fusão ou cisão) contabilizada junto do sujeito passivo, relativamente à participação declarada como despesa do exercício fiscal».

15

O artigo 31.o, n.o 1, alínea a), da Lei do Imposto sobre as Sociedades dispõe:

«A presente lei destina‑se a garantir a conformidade com os seguintes atos de direito da União:

a)

[Diretiva 2009/133]

[…]»

16

Nos termos do artigo 84.o, n.o 2, da számvitelről szóló 2000 évi C. (Lei C de 2000, relativa à Contabilidade):

«Devem ser contabilizados como rendimentos ou mais‑valias resultantes das participações:

[…]

d)

do titular da participação (sócio) na sociedade transformada, fundida ou cindida, a diferença entre o valor registado (valor contabilístico) da participação a longo prazo suprimida (ações, participações sociais ou outras participações) na sociedade contribuidora e o valor de investimento — num montante igual ao montante dos fundos próprios no último balanço da sociedade correspondente à participação que deixou de existir, antecessor legal — da participação na sociedade criada por transformação, fusão ou cisão, no dia seguinte ao da transformação, se o valor da participação adquirida for superior (em caso de cisão, o montante dos fundos próprios da sociedade cindida de acordo com o último balanço será tido em conta para o cálculo da diferença).

[…]»

17

O artigo 85.o, n.o 1, alínea d), desta lei dispõe:

«Devem ser consideradas despesas ou menos‑valias decorrentes de participações:

[…]

d)

do titular da participação (sócio) na sociedade transformada, fundida ou cindida, a diferença entre o valor registado (valor contabilístico) da participação a longo prazo suprimida (ações, partes sociais ou outras participações) na sociedade com a qualidade de antecessor legal e o valor de investimento — num montante igual ao montante dos capitais próprios no último balanço da sociedade correspondente à participação que deixou de existir, antecessor legal — da participação na sociedade constituída por transformação, fusão ou cisão, no dia seguinte ao da transformação, se o valor da participação adquirida for inferior (em caso de cisão, o montante dos capitais próprios da sociedade cindida de acordo com o último balanço será tido em conta para o cálculo da diferença).»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

Em 30 de setembro de 2009, a GE Infrastructure, que é a recorrente no processo principal, adquiriu uma participação de 100 % na GE Hungary Kft. O valor nominal das participações sociais detidas ascendia a 100000000 forintes húngaros (HUF) (cerca de 260000 euros). Em 7 de julho de 2016, a GE Hungary constituiu a sociedade GE Aviation Hungary Holding (a seguir «GE Aviation»), que a primeira detinha a 100 %, e cujas participações sociais tinham um valor nominal que ascendia a 3500000 HUF (cerca de 9100 euros).

19

[Conforme retificado por Despacho de 8 de janeiro de 2024] Em 31 de maio de 2017, no contexto da reorganização global do grupo a que pertencem, estas três sociedades celebraram um acordo de cisão com fusão por absorção, que entrou em vigor em 30 de setembro de 2017. Nesse contexto, os ramos de atividade «energias renováveis» e «aviação» da GE Hungary cindiram‑se desta última para serem absorvidos pela GE Aviation. O valor de mercado dos ramos de atividade transmitidos nestes moldes ascendia a 397025000000 HUF (cerca de 1032000000 euros). Esta operação traduziu‑se, designadamente, na aquisição, pela GE Infrastructure, de uma participação na GE Aviation correspondente ao valor dos ramos de atividade absorvidos.

20

Na sequência da operação, o capital social da GE Aviation aumentou para 25000000 HUF (cerca de 65000 euros), no qual a GE Infrastructure detinha uma participação direta de 99,6 %. Os restantes 0,4 % eram detidos indiretamente pela GE Infrastructure, por intermédio da GE Hungary, que, por seu turno, continuava a ser, ela própria, detida a 100 % pela GE Infrastructure.

21

[Conforme retificado por Despacho de 8 de janeiro de 2024] A GE Infrastructure esclarece que os ativos transferidos para a GE Aviation foram computados por esta no valor líquido contabilístico inscrito nas contas da GE Hungary, isto é, 83474000000 HUF (cerca de 217000000 euros). Este valor era claramente inferior ao valor de mercado destes ativos, que ascendia a 397025000000 HUF (cerca de 1032000000 euros), conforme referido no n.o 19 do presente acórdão. Segundo a GE Infrastructure, a operação, que tinha como objetivo principal preparar a eventual venda dos ramos de atividade em causa, teve assim um impacto negativo no seu balanço, sob a forma de perdas.

22

[Conforme retificado por Despacho de 8 de janeiro de 2024] Quanto ao capital social da GE Hungary, este permaneceu inalterado, em 100000000 HUF (cerca de 260000 euros), uma vez que o impacto da cisão parcial de 83474000000 HUF (cerca de 217000000 euros) só se repercutiu nos fundos próprios desta sociedade, através de uma diminuição das suas reservas de lucros.

23

[Conforme retificado por Despacho de 8 de janeiro de 2024] Segundo a GE Infrastructure, a cessão dos ramos de atividade teve, contudo, um impacto no valor efetivo da sua participação na GE Hungary. A recorrente no processo principal estima que este valor tenha diminuído em 397025000000 HUF (cerca de 1032000000 euros), o que corresponde ao valor dos ramos de atividade inscrito nos seus registos contabilísticos, ao passo que os ramos adquiridos pela GE Aviation foram apenas contabilizados num montante de 83474000000 HUF (cerca de 217000000 euros), o que corresponde ao valor contabilístico destes ativos no momento da sua entrada. No conjunto, a recorrente no processo principal estima que o valor contabilístico combinado da GE Aviation e da GE Hungary era inferior em mais de 313000000000 HUF (cerca de 813800000 euros) ao valor contabilístico da GE Hungary antes da operação.

24

[Conforme retificado por Despacho de 8 de janeiro de 2024] Por seu turno, a Administração Tributária considerou que a operação tinha gerado contribuições ou mais‑valias tributáveis no montante de 83331000000 HUF (cerca de 217000000 euros) no património da GE Infrastructure (correspondente ao valor contabilístico da participação de 99,6 % detida pela GE Infrastructure na GE Aviation), e que a recorrente no processo principal não podia beneficiar do mecanismo de diferimento da tributação previsto no artigo 7.o, n.o 1, alínea gy), da Lei do Imposto sobre as Sociedades, uma vez que a cisão parcial não tinha culminado numa redução do capital social da GE Hungary e que a GE Infrastructure continuava a deter esta última sociedade a 100 %.

25

Este diferendo culminou num litígio que foi submetido ao Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), o órgão jurisdicional de reenvio. Este órgão jurisdicional considera que, para decidir do litígio, lhe cabe determinar se o artigo 7.o, n.o 1, alínea gy), da Lei do Imposto sobre as Sociedades, conforme interpretada pela Administração Tributária, é conforme com as disposições da Diretiva 2009/133, à qual se refere esta lei.

26

Nestas circunstâncias, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve a Diretiva [2009/133] ser interpretada no sentido de que está em conformidade com o seu considerando 2.o e com o seu artigo 1.o, alínea a), a legislação (ou disposição) nacional, ou a interpretação e aplicação na prática dessa legislação (ou disposição), segundo a qual a Diretiva não se aplica às transformações nacionais, mas apenas às transformações internacionais e transfronteiriças, sendo que as disposições da Diretiva foram transpostas pela [Lei do Imposto sobre as Sociedades] de tal modo que, embora o direito comunitário não regule diretamente essa questão, o legislador nacional estabeleceu no artigo 31.o, n.o 1, alínea a), dessa lei que a mesma tem por objetivo a sua harmonização com os atos do direito da União, entre eles a [referida] Diretiva?

2)

Deve o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva [2009/133] ser interpretado no sentido de que está em conformidade com esse preceito uma legislação (ou disposição) nacional, ou a interpretação e aplicação na prática dessa legislação (ou disposição), segundo a qual, no âmbito de uma cisão parcial de empresas sediadas no mesmo Estado‑Membro, o sócio da sociedade transmitente é obrigado a reduzir o valor nominal da sua participação na sociedade transmitente (capital subscrito da sociedade transmitente) com vista a reduzir o valor da sua participação (das suas participações sociais) na mesma, em termos contabilísticos, uma vez que a administração tributária exige essa redução do valor contabilístico como requisito prévio para a aplicação do tratamento fiscal previsto no artigo 8.o, n.o 2, d[esta] Diretiva, incluindo numa situação em que a cisão parcial dê origem a prejuízos para o sócio da sociedade transmitente?

3)

Deve o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva [2009/133] ser interpretado no sentido de que está em conformidade com esse preceito uma legislação (ou disposição) nacional, ou a interpretação e aplicação na prática dessa legislação (ou disposição), segundo a qual o tratamento fiscal para efeitos do imposto sobre as sociedades previsto nessa legislação (ou disposição) não é aplicável à cisão parcial quando a sociedade transmitente é uma sociedade comercial unipessoal, ou seja, se em resultado da cisão parcial, o fundador da sociedade transmitente mantiver inalterada a propriedade da sua participação de 100 % nessa sociedade ou se o capital subscrito da sociedade comercial transmitente se mantiver inalterado?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

27

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, alínea a), da Diretiva 2009/133, lido à luz do seu considerando 2, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o legislador nacional trate da mesma forma as operações puramente internas e as operações que envolvam sociedades de Estados‑Membros diferentes, quando esse legislador não tenha previsto nenhuma distinção entre estas duas categorias de operações nas disposições adotadas para transpor a referida diretiva.

28

A resposta a esta questão pressupõe que se determine previamente se o Tribunal de Justiça é competente para interpretar uma diretiva, com base no artigo 267.o TFUE, nos casos em que, embora esta não regule diretamente a situação em causa, o legislador nacional tenha optado, ao transpor para o direito nacional as disposições dessa diretiva, por tratar da mesma forma as situações puramente internas e as situações abrangidas pelo âmbito de aplicação desta última.

29

Para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio há que, por conseguinte, reformular a primeira questão no sentido de que, com a mesma, este órgão jurisdicional pergunta, em substância, se, ao transpor uma diretiva, o legislador nacional pode optar por aplicar o mesmo tratamento às situações reguladas por essa diretiva e às situações puramente internas e se o Tribunal de Justiça é competente para interpretar as disposições da referida diretiva com base no artigo 267.o TFUE quando a situação em causa no processo principal reveste um caráter puramente interno.

30

A este respeito, importa recordar que o legislador nacional se pode conformar, no que respeita às soluções que prevê para as situações puramente internas, com as soluções adotadas pelo direito da União. Em tal caso, existe um interesse manifesto da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos do direito da União sejam interpretados de maneira uniforme, independentemente das condições em que devem ser aplicados (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.o 37, e de 17 de julho de 1997, Leur‑Bloem, C‑28/95, EU:C:1997:369, n.o 32).

31

Por outro lado, há que recordar que, no âmbito da repartição de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça prevista no artigo 267.o TFUE, compete apenas ao órgão jurisdicional nacional apreciar o alcance exato da remissão, se for caso disso, feita pelo direito nacional para o direito da União. Com efeito, a tomada em consideração dos limites que o legislador nacional estabeleceu para a aplicação do direito da União a situações puramente internas releva do direito interno e, por conseguinte, é da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em causa (Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.os 41 e 42, e de 17 de julho de 1997, Leur‑Bloem, C‑28/95, EU:C:1997:369, n.o 33).

32

Por força do artigo 1.o, alínea a), da Diretiva 2009/133, esta diretiva apenas se aplica às operações, designadamente de cisão parcial, que digam respeito a sociedades de dois ou mais Estados‑Membros.

33

No entanto, resulta do pedido de decisão prejudicial que o legislador húngaro não fez uma distinção, nas disposições adotadas para transpor a Diretiva 2009/133, entre o tratamento fiscal a que estão sujeitas as operações de cisão parcial realizadas num contexto puramente interno e o tratamento fiscal a que estão sujeitas estas operações quando envolvem sociedades de Estados‑Membros diferentes. O órgão jurisdicional de reenvio considera que, ao fazê‑lo, o referido legislador alargou o regime previsto nesta diretiva às operações puramente internas, o que, aliás, foi confirmado pelo Governo Húngaro nas suas observações escritas.

34

Resulta do exposto que, quando transpõe uma diretiva, o legislador nacional pode optar por aplicar o mesmo tratamento às situações reguladas por essa diretiva e às situações puramente internas, sendo então o Tribunal de Justiça competente, ao abrigo do artigo 267.o TFUE, para interpretar as disposições da referida diretiva num caso no qual a situação em causa no processo principal revista um caráter puramente interno.

Quanto à segunda e terceira questões

35

Com a sua segunda e terceira questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2009/133 deve ser interpretado no sentido de que permite sujeitar a aplicação do regime de neutralidade fiscal previsto nesta diretiva em caso de cisão parcial a requisitos relativos à diminuição da participação do sócio da sociedade contribuidora nesta sociedade ou à redução do capital social da mesma.

36

Por força do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2009/133, constitui cisão parcial uma operação pela qual uma sociedade transfere, sem ser dissolvida, um ou mais ramos da sua atividade para uma ou mais sociedades já existentes ou novas, deixando no mínimo um dos ramos de atividade na sociedade contribuidora, mediante a atribuição aos seus sócios, de acordo com uma regra de proporcionalidade, de títulos representativos do capital social das sociedades beneficiárias da entrada e, eventualmente, de um pagamento em numerário.

37

O artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva prevê, por seu turno, que, em caso de cisão parcial, a atribuição de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária da entrada a um sócio da sociedade contribuidora não deve, por si mesma, implicar qualquer tributação sobre o rendimento, os lucros ou as mais‑valias do referido sócio.

38

Nem estas disposições nem as restantes disposições da Diretiva 2009/133 sujeitam a aplicação do regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva à diminuição do valor nominal ou da percentagem de participação do sócio da sociedade contribuidora nesta última sociedade, ou ao requisito de que a operação de cisão parcial implique uma redução do capital social desta e não uma diminuição das suas reservas de lucros.

39

O artigo 8.o, n.o 5, da Diretiva 2009/133 apenas impõe ao sócio da sociedade contribuidora, para poder beneficiar do artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva, que não atribua à soma dos títulos recebidos e dos títulos que detenha na sociedade contribuidora um valor fiscal superior ao valor que os títulos detidos no capital da sociedade contribuidora tinham imediatamente antes da cisão parcial, o que compete, se for caso disso, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

40

Em particular, saliente‑se que, ao contrário do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2009/133, que diz respeito às operações de fusão, de cisão e de permuta de ações, o artigo 2.o, alínea c), e o artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva, que se referem especificamente às operações de cisão parcial, apenas fazem referência à atribuição ao sócio da sociedade contribuidora de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária da entrada, correspondente aos ativos e aos passivos transferidos. Em contrapartida, estas disposições não referem as consequências desta operação na participação detida por este sócio na sociedade contribuidora ou no capital social da sociedade contribuidora.

41

Além disso, como a Comissão Europeia sublinhou nas suas observações escritas, sujeitar a possibilidade de beneficiar do regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2009/133 à diminuição da percentagem de participação do sócio da sociedade contribuidora nessa sociedade equivaleria a excluir a aplicação deste regime no caso de a referida sociedade ser detida por um único sócio, ao passo que esta diretiva não prevê semelhante exclusão.

42

Resulta do exposto que o regime de neutralidade fiscal de que devem beneficiar todas as operações de cisão parcial abrangidas pelo disposto na Diretiva 2009/133 não pode ser sujeito a um requisito não previsto nesta diretiva, como a diminuição da percentagem de participação do sócio da sociedade contribuidora nesta sociedade ou a redução do capital social da mesma.

43

Com efeito, contrariamente ao que sustenta o Governo Húngaro, sem prejuízo do disposto no artigo 15.o da Diretiva 2009/133 e, especialmente, do caso — a que se refere o artigo 15.o, n.o 1, alínea a), da mesma — das operações que têm como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a fraude ou a evasão fiscais, em que os Estados‑Membros podem recusar aplicar, no todo ou em parte, disposições desta diretiva ou afastar a possibilidade de beneficiarem das mesmas, situação que não é objeto das questões submetidas ao Tribunal de Justiça no presente processo, o artigo 8.o, n.o 2, da referida diretiva não deixa aos Estados‑Membros margem de manobra, aquando da sua transposição, que lhes permita fazer depender a possibilidade de beneficiar do regime de neutralidade fiscal nela previsto a requisitos adicionais aos enunciados no capítulo II da mesma diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2008, A.T., C‑285/07, EU:C:2008:705, n.o 26).

44

Esta conclusão não é contrariada pelo Acórdão de 22 de março de 2018, Jacob e Lassus (C‑327/16 e C‑421/16, EU:C:2018:210), citado pelo Governo Húngaro nas suas observações escritas, no qual o Tribunal de Justiça reconheceu que os Estados‑Membros dispõem, no respeito do direito da União, de uma certa margem de manobra quanto à implementação de medidas fiscais para efeitos de aplicação do artigo 8.o da Diretiva 2009/133. Com efeito, basta observar que a legislação nacional em causa nesse acórdão não sujeitava a operação de permuta de títulos, objeto do litígio no processo principal, a um requisito suplementar para poder beneficiar do regime de neutralidade fiscal previsto nesta diretiva, mas visava, pelo contrário, garantir a neutralidade fiscal dessa operação, ao tributar apenas as mais‑valias relativas aos títulos recebidos em troca à data da sua posterior cessão.

45

Logo, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2009/133 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que sujeita a possibilidade de beneficiar desta disposição a requisitos relativos à diminuição da participação do sócio da sociedade contribuidora nesta sociedade ou à redução do capital social da mesma, que não estão previstos nesta diretiva.

Quanto às despesas

46

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

1)

O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente, ao abrigo do artigo 267.o TFUE, para interpretar o direito da União quando este não regule diretamente a situação em causa, mas o legislador nacional tenha optado, quando da transposição para o direito nacional das disposições de uma diretiva, por aplicar às situações puramente internas o mesmo tratamento que aplica às situações reguladas por esta última, conforme pode fazer.

 

2)

O artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de outubro de 2009, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados‑Membros diferentes e à transferência da sede de uma SE ou de uma SCE de um Estado‑Membro para outro,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional que sujeita a possibilidade de beneficiar desta disposição a requisitos relativos à diminuição da participação do sócio da sociedade contribuidora nesta sociedade ou à redução do capital social da mesma, que não estão previstos nesta diretiva.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.

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