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Document 62022CJ0139

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção) de 21 de setembro de 2023.
    AM e PM contra mBank S.A.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy dla Warszawy – Śródmieścia w Warszawie.
    Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Mútuo hipotecário indexado a uma moeda estrangeira — Critérios de apreciação do caráter abusivo de uma cláusula de conversão — Registo nacional das cláusulas de condições gerais declaradas ilícitas — Dever de informar.
    Processo C-139/22.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:692

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

    21 de setembro de 2023 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Mútuo hipotecário indexado a uma moeda estrangeira — Critérios de apreciação do caráter abusivo de uma cláusula de conversão — Registo nacional das cláusulas de condições gerais declaradas ilícitas — Dever de informar»

    No processo C‑139/22,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy dla Warszawy‑Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia‑Centro, Polónia), por Decisão de 18 de janeiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de fevereiro de 2022, no processo

    AM,

    PM

    contra

    mBank S.A.,

    sendo intervenientes:

    Rzecznik Finansowy,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

    composto por: L. S. Rossi, presidente de secção, S. Rodin (relator) e O. Spineanu‑Matei, juízes,

    advogado‑geral: A. M. Collins,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de AM e PM, por W. Bochenek e T. Zaremba, radcowie prawni,

    em representação do mBank S.A., por A. Cudna‑Wagner, radca prawny, e B. Miąskiewicz, adwokat,

    em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo Português, por P. Barros da Costa, A. Cunha, B. Lavrador, L. Medeiros e A. Pimenta, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por I. Galindo Martín, S. L. Kalėda, U. Małecka e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe AM e PM, dois consumidores, ao mBank S.A. a respeito da utilização, por este último, de cláusulas de condições gerais inscritas no registo nacional das cláusulas de condições gerais declaradas ilícitas (a seguir «registo nacional das cláusulas ilícitas»).

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    O vigésimo quarto considerando da Diretiva 93/13 enuncia que:

    «[…] as autoridades judiciárias e órgãos administrativos dos Estados‑Membros devem dispor de meios adequados e eficazes para pôr termo à aplicação das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores».

    4

    O artigo 2.o, alínea b), desta diretiva prevê:

    «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

    […]

    b)

    “Consumidor” qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com fins que não pertençam ao âmbito da sua atividade profissional».

    5

    O artigo 3.o da referida diretiva dispõe:

    «1.   Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

    2.   Considera‑se que uma cláusula não foi objeto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.

    O facto de alguns elementos de uma cláusula ou uma cláusula isolada terem sido objeto de negociação individual não exclui a aplicação do presente artigo ao resto de um contrato se a apreciação global revelar que, apesar disso, se trata de um contrato de adesão.

    Se o profissional [sustentar] que uma cláusula normalizada foi objeto de negociação individual, caber‑lhe‑á o ónus da prova.

    3.   O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

    6

    Nos termos do artigo 4.o da mesma diretiva:

    «1.   Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

    2.   A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

    7

    O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 tem a seguinte redação:

    «Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato de mútuo celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

    8

    O artigo 7.o, n.os 1 e 2, desta diretiva prevê:

    «1.   Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

    2.   Os meios a que se refere o n.o 1 incluirão disposições que habilitem as pessoas ou organizações que, segundo a legislação nacional, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor, a recorrer, segundo o direito nacional, aos tribunais ou aos órgãos administrativos competentes para decidir se determinadas cláusulas contratuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não um caráter abusivo, e para aplicar os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas.»

    9

    O artigo 8.o da referida diretiva dispõe:

    «Os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio regido pela presente diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor.»

    Direito polaco

    10

    Nos termos do artigo 76.o da Konstytucja Rzeczypospolitej Polskiej (Constituição da República da Polónia):

    «As autoridades públicas protegem os consumidores, utilizadores e [locatários] de atos que comprometam a sua saúde, privacidade e segurança, e de práticas comerciais desleais. O âmbito desta proteção é definido por lei.»

    11

    O artigo 221 da ustawa — Kodeks cywilny [Lei que aprova o Código Civil], de 23 de abril de 1964 (Dz. U. de 1964, n.o 16, posição 93), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «código civil») prevê:

    «Entende‑se por consumidor qualquer pessoa singular que, para efeitos da celebração e execução de um contrato de consumo, não atua no quadro da sua atividade comercial ou de outra atividade económica.»

    12

    O artigo 58.o, n.o 1, do Código Civil dispõe:

    «Um ato jurídico contrário à lei ou destinado a contornar a lei é nulo e não produz efeitos, salvo se a disposição aplicável previr um efeito diferente, nomeadamente que as cláusulas nulas do ato jurídico são substituídas pelas disposições legais pertinentes.»

    13

    Nos termos do artigo 3851, n.os 1 e 3, do referido Código:

    «1.   As cláusulas de um contrato celebrado com um consumidor que não tenham sido acordadas individualmente não são vinculativas para o consumidor se estipularem os seus direitos e obrigações de modo contrário aos bons costumes, prejudicando manifestamente os seus interesses (cláusulas contratuais ilícitas). A presente disposição não é aplicável às cláusulas que definem as principais prestações das partes, incluindo preços ou contraprestações, se as mesmas tiverem uma redação inequívoca.

    […]

    3.   As cláusulas de um contrato celebrado com um consumidor que não tenham sido acordadas individualmente são cláusulas contratuais sobre cujo conteúdo o consumidor não teve uma influência real. [Trata‑se], em especial, [de] cláusulas das condições gerais dos contratos propostas ao consumidor pela outra parte contratante.»

    14

    O artigo 3852 do Código Civil está redigido da seguinte forma:

    «A conformidade de uma cláusula contratual com os bons costumes é apreciada atendendo à situação no momento da celebração do contrato, tendo em conta o seu conteúdo, as circunstâncias da sua celebração e os demais contratos conexos com o contrato cuja cláusula é objeto de apreciação.»

    15

    O artigo 47936 da ustawa — Kodeks postępowania cywilnego (Lei que aprova o Código de Processo Civil), de 17 de novembro de 1964 (Dz. U. n.o 43, posição 296), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código de Processo Civil»), previa:

    «Os processos que têm por objeto a declaração do caráter abusivo das cláusulas das condições gerais dos contratos‑tipo são da competência do Sąd Okręgowy w Warszawie — Sąd Ochrony Konkurencji i Konsumentów (Tribunal Regional de Varsóvia — Tribunal da Concorrência e da Proteção dos Consumidores, Polónia).»

    16

    O artigo 47942, n.o 1, do Código de Processo Civil dispunha:

    «Se for dado provimento ao pedido, o tribunal reproduz, na parte decisória da sua sentença, o conteúdo das cláusulas gerais dos contratos‑tipo declaradas ilícitas e proíbe a sua utilização.»

    17

    O artigo 47943 do Código de Processo Civil tinha a seguinte redação:

    «A sentença transitada em julgado produz efeitos em relação a terceiros a partir da inscrição da cláusula geral do contrato‑tipo declarada ilícita no registo previsto no artigo 47945, n.o 2.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    18

    Em 7 de outubro de 2009, os demandantes no processo principal, casados, celebraram com o mBank um contrato de mútuo hipotecário para pessoas singulares indexado à taxa de câmbio do franco suíço (CHF) (a seguir «contrato de mútuo em causa no processo principal»). Este contrato tinha por objeto um empréstimo correspondente a um montante de 246500 zlótis polacos (PLN) (cerca de 54560 euros). Nele era estipulada uma taxa de juro variável, correspondente à taxa de base da 3 Month London Interbank Offered Rate (LIBOR 3M) para a moeda em que o empréstimo tinha sido concedido, acrescida de uma margem fixa do banco de 2,70 %, durante todo o período do referido empréstimo.

    19

    No âmbito do contrato de mútuo em causa no processo principal, os demandantes no processo principal assinaram uma declaração segundo a qual tinham tomado conhecimento dos riscos que a assinatura desse contrato e das respetivas condições comportava.

    20

    Na data do pedido de empréstimo, AM, titular de um diploma universitário de pós‑graduação, trabalhava no mBank havia três anos e meio. Um funcionário do banco apresentou‑lhe um gráfico histórico da taxa de câmbio CHF/PLN nos três anos anteriores à apresentação do pedido de empréstimo, bem como uma simulação que ilustrava o montante da dívida e das prestações do empréstimo em caso de aumento futuro da taxa de câmbio do CHF/PLN. Em contrapartida, PM, que assinou o pedido de empréstimo e o contrato de mútuo em causa no processo principal, não participou no processo de concessão do mesmo nem nas reuniões organizadas com os funcionários do mBank.

    21

    Em 7 de abril de 2020, AM e PM intentaram uma ação contra o mBank no Sąd Rejonowy dla Warszawy‑Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia‑Centro, Polónia), órgão jurisdicional de reenvio, com fundamento na nulidade de determinadas cláusulas do contrato de mútuo em causa no processo principal. No contexto dessa ação, pedem que o mBank seja condenado a pagar‑lhes a quantia de 37439,70 PLN (cerca de 8290 euros), acrescida de juros legais, a título de restituição das prestações de capital e de juros indevidamente cobradas, e, caso o órgão jurisdicional de reenvio declare o contrato nulo, a quantia de 74768,63 PLN (cerca de 16550 euros), acrescida de juros legais, a título dos fundos cobrados pelo demandado no processo principal.

    22

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, em 5 de agosto de 2014, o Prezes Urzędu Ochrony Konkurencji i Konsumentów (Presidente da Autoridade para a Proteção da Concorrência e dos Consumidores, Polónia) inscreveu a cláusula do contrato‑tipo utilizada pelo mBank no registo nacional das cláusulas ilícitas, nos termos da qual: «[as] prestações de capital e juros e os juros são reembolsados em zlótis [polacos] após a sua conversão à taxa de câmbio de venda do [franco suíço] estabelecida na tabela de câmbios do […] Bank S.A. em vigor na data do reembolso às 14 h 50».

    23

    Além disso, em 25 de maio de 2021, o Presidente da Autoridade da Concorrência e dos Consumidores inscreveu as cláusulas do contrato‑tipo utilizadas pelo mBank no registo nacional das cláusulas ilícitas, nos termos das quais: «[o] câmbio compra/venda de moedas vigente em determinado dia útil pode variar. A decisão de alterar o montante das taxas, assim como a frequência dessa alteração, é tomada pelo banco tendo em conta os fatores enunciados no n.o 6» e «[o] câmbio de compra/venda das moedas bem como o valor do spread cambial são determinados tendo em conta os seguintes fatores: 1) as flutuações atuais das taxas de câmbio no mercado interbancário, 2) a oferta e a procura da moeda no mercado nacional, 3) as diferenças entre as taxas de juro e as taxas de inflação no mercado nacional, 4) a liquidez no mercado cambial, 5) a situação do balanço de pagamento e do balanço comercial».

    24

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os tribunais polacos declararam abusivas cláusulas contratuais análogas ou idênticas às que foram inscritas no registo nacional das cláusulas ilícitas, em 5 de agosto de 2014 e em 25 de maio de 2021, pelo facto de as mesmas atribuírem aos bancos em causa o direito de determinar livremente a taxa de câmbio da moeda estrangeira de referência e, por conseguinte, de determinar livremente o montante da prestação do mutuário, e tal apesar de, ao mesmo tempo, o mesmo estar obrigado a reembolsar o empréstimo apenas em zlótis polacos.

    25

    O órgão jurisdicional constata, além disso, que as cláusulas do contrato de mútuo em causa no processo principal têm o mesmo conteúdo que as cláusulas inscritas no registo nacional das cláusulas ilícitas mencionadas no n.o 23 do presente acórdão.

    26

    O referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se a simples constatação de que um contrato contém uma cláusula cujo conteúdo corresponde a uma cláusula inscrita no registo nacional das cláusulas ilícitas é suficiente para concluir que essa cláusula constitui uma cláusula contratual ilícita, sem que seja necessário examinar e determinar as circunstâncias que rodearam a celebração desse contrato.

    27

    Embora o contrato de mútuo em causa no processo principal contenha cláusulas que estipulam que o empréstimo é reembolsado em zlótis polacos e que o mBank converterá esta moeda em francos suíços à sua própria taxa de câmbio, o referido contrato também contém uma cláusula, resultante da nova redação das condições gerais do mBank, datada de 1 de julho de 2009, que prevê a possibilidade de os demandantes no processo principal reembolsarem o referido empréstimo diretamente em francos suíços. Assim, estes últimos podem converter o montante a reembolsar mensalmente segundo a taxa de câmbio da instituição bancária da sua escolha e já não dependem da taxa de câmbio fixada pelo mBank.

    28

    A jurisprudência nacional diverge quanto à questão de saber se uma cláusula de um contrato pode deixar de ser abusiva pelo facto de outra cláusula desse contrato a tornar facultativa.

    29

    Sem prejuízo da questão de saber se as duas cláusulas em causa devem ser automaticamente declaradas abusivas, o órgão jurisdicional de reenvio deve, pelo menos, apreciar o caráter abusivo da cláusula que estipula que o contrato de mútuo em causa no processo principal está indexado ao franco suíço, uma vez que tal cláusula nunca foi inscrita no registo nacional das cláusulas ilícitas.

    30

    Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o mBank também devia ter sido obrigado a fornecer informações sobre o risco cambial a AM, sua funcionária à data do pedido de empréstimo, tendo em conta a sua formação e experiência profissional.

    31

    Em caso de resposta negativa, ou seja, na hipótese de, quando um profissional celebra um contrato único com dois consumidores, a intensidade da obrigação de informação que incumbe a esse profissional poder variar consoante o consumidor que estiver em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre as consequências que daí poderiam resultar, particularmente quanto à possibilidade de declarar o caráter abusivo de uma cláusula, ou até a nulidade desse contrato, apenas em relação a um dos dois consumidores.

    32

    Nestas condições, o Sąd Rejonowy dla Warszawy‑Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia‑Centro) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Devem os artigos 3.o, n.o 1, 7.o, n.os 1 e 2, e 8.o da Diretiva [93/13], bem como o princípio da efetividade, ser interpretados no sentido de que, para que uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual possa ser qualificada de abusiva, é suficiente declarar que o conteúdo dessa cláusula corresponde a uma condição geral da contratação inscrita no registo de cláusulas abusivas?

    2)

    Deve o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva [93/13], ser interpretado no sentido de que se opõe a uma interpretação judicial de disposições nacionais segundo a qual uma cláusula contratual abusiva perde o seu caráter abusivo se o consumidor puder optar por cumprir as suas obrigações resultantes do contrato com base noutra cláusula contratual que seja justa?

    3)

    Devem os artigos 3.o, n.o 1, e 4.o, n.o 1, da Diretiva [93/13], ser interpretados no sentido de que o profissional é obrigado a informar sobre as características essenciais do contrato e os riscos inerentes ao contrato de qualquer consumidor, mesmo que o consumidor designado tenha um conhecimento adequado do domínio em causa?

    4)

    Devem os artigos 3.o, n.o 1, 6.o [n.o 1] e 7.o, n.o 1, da Diretiva [93/13], ser interpretados no sentido de que, em caso de celebração do mesmo contrato por vários consumidores com o mesmo profissional, é possível declarar que as mesmas cláusulas são abusivas para o primeiro consumidor e justas para o segundo consumidor e, na afirmativa, pode isso ter por consequência que o contrato seja declarado nulo para o primeiro consumidor mas válido para o segundo ficando este [último], por conseguinte, sujeito a todas as obrigações dele resultantes?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    33

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, o artigo 7.o, n.os 1 e 2, e o artigo 8.o da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma cláusula contratual que não foi objeto de negociação individual seja considerada abusiva pelas autoridades nacionais em causa pelo simples facto de o seu conteúdo ser equivalente ao de uma cláusula de um contrato‑tipo inscrita no registo nacional das cláusulas ilícitas.

    34

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o sistema de proteção instituído pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade face ao profissional no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação (Acórdão de 4 de maio de 2023, BRD Groupe Societé Générale e Next Capital Solutions, C‑200/21, EU:C:2023:380, n.o 24 e jurisprudência referida).

    35

    Por conseguinte, antes de mais, por força do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva, uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem, em detrimento do consumidor em causa, a um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes desse contrato, sendo que, por força do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva, tal cláusula abusiva não vincula o referido consumidor. Esta última disposição destina‑se a substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e as obrigações dos contratantes por um equilíbrio real que possa restabelecer a igualdade entre eles (v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2023, BRD Groupe Societé Générale e Next Capital Solutions, C‑200/21, EU:C:2023:380, n.o 25 e jurisprudência referida).

    36

    Além disso, tendo em conta a natureza e a importância do interesse público correspondente à proteção dos consumidores que se encontram nessa situação de inferioridade, o artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva, lido em conjugação com o seu vigésimo quarto considerando, impõe que os Estados‑Membros prevejam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional (Acórdão de 4 de maio de 2023, BRD Groupe Societé Générale e Next Capital Solutions, C‑200/21, EU:C:2023:380, n.o 27 e jurisprudência referida).

    37

    Como resulta do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, os meios acima referidos incluem a possibilidade de as pessoas ou as organizações que tenham um interesse legítimo em proteger os consumidores recorrerem aos tribunais para que estes determinem se as cláusulas redigidas com vista a uma utilização generalizada têm caráter abusivo e, se necessário, obterem a sua proibição (Acórdão de 26 de abril de 2012, Invitel, C‑472/10, EU:C:2012:242, n.o 36).

    38

    No caso em apreço, não há que responder à primeira questão à luz do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, uma vez que os demandantes no processo principal apresentaram um pedido relativo a um contrato específico no órgão jurisdicional de reenvio.

    39

    Por último, de acordo com o décimo segundo considerando desta diretiva, esta última apenas procede a uma harmonização parcial e mínima das legislações nacionais relativas às cláusulas abusivas, deixando aos Estados‑Membros a possibilidade de, no respeito pelo Tratado FUE, assegurarem um nível de proteção mais elevado do consumidor em causa através de disposições nacionais mais rigorosas do que as da referida diretiva. Além disso, ao abrigo do artigo 8.o da mesma diretiva, os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio por ela regido, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado desse consumidor (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Trapeza Peiraios, C‑243/20, EU:C:2021:1045, n.o 54 e jurisprudência referida).

    40

    Ora, no que respeita ao registo nacional das cláusulas ilícitas, o Tribunal de Justiça já declarou, por um lado, que um mecanismo como o registo em causa, que consiste em estabelecer uma lista de cláusulas que devem ser consideradas abusivas, é abrangido pelas disposições mais rigorosas que os Estados‑Membros podem adotar ou manter ao abrigo do artigo 8.o da Diretiva 93/13 (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Matei, C‑143/13, EU:C:2015:127, n.o 61) e que, em princípio, esse registo serve o interesse da proteção dos consumidores (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Biuro podróży Partner, C‑119/15, EU:C:2016:987, n.o 36).

    41

    Com efeito, a declaração do caráter abusivo de uma cláusula contratual controvertida com base numa comparação do seu conteúdo com o de uma cláusula inscrita no registo nacional das cláusulas ilícitas pode rapidamente contribuir para que as cláusulas abusivas que são utilizadas num grande número de contratos deixem de produzir efeitos em relação aos consumidores que são partes nesses contratos.

    42

    Foi assim, aliás, que o Tribunal de Justiça considerou, ainda com base no artigo 8.o da Diretiva 93/13, que os Estados‑Membros podem alargar a proteção prevista no artigo 3.o, n.os 1 e 3, desta diretiva, lido em conjugação com o ponto 1 do seu anexo, declarando abusivas com caráter geral as cláusulas‑tipo enumeradas nesse ponto, sem exigir uma análise complementar segundo os critérios que figuram no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 (Acórdão de 19 de setembro de 2019, Lovasné Tóth, C‑34/18, EU:C:2019:764, n.o 47).

    43

    Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que, desde que o registo nacional das cláusulas ilícitas seja gerido de forma transparente, não só no interesse dos consumidores mas também dos profissionais, e esteja atualizado, no respeito do princípio da segurança jurídica, a sua criação é compatível com o direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Biuro podróży Partner, C‑119/15, EU:C:2016:987, n.os 36 a 39 e 43).

    44

    Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que a aplicação do mecanismo do registo de cláusulas ilícitas pressupõe que o órgão jurisdicional nacional competente aprecie a equivalência entre a cláusula contratual impugnada e uma cláusula contratual geral declarada ilícita e que figura nesse registo, sendo que o profissional em causa pode contestar essa equivalência perante um órgão jurisdicional nacional, para determinar se, tendo em conta as circunstâncias relevantes próprias de cada caso concreto, essa cláusula contratual é materialmente idêntica à inscrita no referido registo, atendendo nomeadamente aos efeitos que produz (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Biuro podróży Partner, C‑119/15, EU:C:2016:987, n.os 40 a 42).

    45

    Por outro lado, importa igualmente recordar que, embora em conformidade com o artigo 8.o da Diretiva 93/13 os Estados‑Membros continuem a ter a liberdade de prever no seu direito interno um exame ex officio mais amplo do que aquele que deve ser efetuado pelos seus órgãos jurisdicionais ao abrigo desta diretiva, ou até procedimentos simplificados de apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual, como o que está em causa no processo principal, regra geral, o juiz nacional continua, todavia, obrigado a informar as partes no litígio dessa apreciação e a convidá‑las a discutir a mesma num debate contraditório que assuma a forma prevista para o efeito pelas regras processuais nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2020, Lintner, C‑511/17, EU:C:2020:188, n.os 41 e 42).

    46

    Assim sendo, importa responder à primeira questão que o artigo 3.o, n.o 1, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 8.o da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma cláusula contratual que não foi objeto de negociação individual seja considerada abusiva pelas autoridades nacionais em causa pelo simples facto de o seu conteúdo ser equivalente ao de uma cláusula de um contrato‑tipo inscrita no registo nacional das cláusulas ilícitas.

    Quanto à segunda questão

    47

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de um contrato que deva ser considerada abusiva em razão das condições de execução de certas obrigações do consumidor em causa nela previstas pode deixar de revestir caráter abusivo com fundamento noutra cláusula do mesmo contrato que preveja a possibilidade de esse consumidor cumprir essas obrigações em condições diferentes.

    48

    Segundo jurisprudência constante, a competência do Tribunal de Justiça na matéria abrange a interpretação do conceito de «cláusula abusiva», referido no artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva e no seu anexo, bem como os critérios que o juiz nacional pode ou deve aplicar quando aprecia uma cláusula contratual à luz das disposições da referida diretiva, sendo certo que compete a esse juiz pronunciar‑se, tendo em conta esses critérios, a respeito da qualificação concreta de uma cláusula contratual específica em função das circunstâncias próprias do caso concreto. Daqui resulta que o Tribunal de Justiça se deve limitar a fornecer ao juiz nacional indicações que este último deve ter em conta para apreciar o caráter abusivo da cláusula em questão (Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Caisse régionale de Crédit mutuel de Loire‑Atlantique et du Centre Ouest, C‑600/21, EU:C:2022:970, n.o 38).

    49

    A este respeito, importa recordar que, quando da apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual, incumbe ao juiz nacional determinar, tendo em conta os critérios enunciados no artigo 3.o, n.o 1, e no artigo 5.o da Diretiva 93/13, se, tendo em conta as circunstâncias próprias do caso concreto, essa cláusula satisfaz as exigências de boa‑fé, de equilíbrio e de transparência impostas por esta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.o 50 e jurisprudência referida).

    50

    É certo que, para apreciar o caráter eventualmente abusivo da cláusula contratual que fundamenta o pedido de que é chamado a conhecer, o juiz nacional deve ter em conta todas as demais cláusulas do contrato em causa (Acórdão de 27 de janeiro de 2021, Dexia Nederland, C‑229/19 e C‑289/19, EU:C:2021:68, n.o 58 e jurisprudência referida), dado que, em função do conteúdo desse contrato, pode ser necessário avaliar o efeito cumulativo de todas as suas cláusulas (v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2020, Lintner, C‑511/17, EU:C:2020:188, n.o 47 e jurisprudência referida).

    51

    Todavia, o Tribunal de Justiça especificou que, no contexto da apreciação do caráter abusivo de uma cláusula, o juiz nacional só se deve situar na data da celebração do contrato em causa e avaliar, nomeadamente, à luz de todas as circunstâncias que rodearam essa celebração, se a referida cláusula é, por si só, geradora de um desequilíbrio entre os direitos e as obrigações das partes que beneficie o profissional em causa, ainda que o referido desequilíbrio só se possa verificar se determinadas circunstâncias se concretizarem ou se, perante outras circunstâncias, a referida cláusula puder até beneficiar o consumidor em causa (v., neste sentido, Acórdão de 27 de janeiro de 2021, Dexia Nederland, C‑229/19 e C‑289/19, EU:C:2021:68, n.os 54 e 55).

    52

    No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o contrato de mútuo em causa no processo principal contém cláusulas cujo conteúdo é equivalente ao das cláusulas inscritas no registo nacional das cláusulas ilícitas que obrigam os mutuários a reembolsar empréstimos indexados a uma moeda estrangeira unicamente em moeda nacional convertida segundo uma taxa de câmbio livremente determinada pelo banco em questão.

    53

    Por outro lado, o contrato de mútuo em causa no processo principal também inclui outras cláusulas que permitem que os demandantes no processo principal reembolsem o empréstimo diretamente em francos suíços, o que tem como consequência que estes últimos podem obter o montante a reembolsar mensalmente nessa moeda numa instituição à sua escolha, não permitindo assim que o mBank determine livremente esse montante. Como sublinhou a Comissão Europeia nas suas observações escritas, essas outras cláusulas constituem, por conseguinte, um modo alternativo de reembolso do empréstimo pelo consumidor em causa em relação ao previsto nas cláusulas referidas no número anterior.

    54

    Ora, resulta do n.o 23 do presente acórdão que estas últimas cláusulas foram consideradas abusivas pelo facto de conferirem ao banco em causa o direito de determinar livremente a taxa de câmbio e, portanto, o montante da prestação a pagar, e que, por esse facto, tais cláusulas criam, por si só, um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes em benefício do profissional em causa. Por conseguinte, a circunstância de esse desequilíbrio poder não se verificar, pelo facto de o consumidor em causa, durante a execução do contrato, decidir recorrer a modos alternativos de reembolso do empréstimo previstos nesse mesmo contrato, não tem, como salientado no n.o 51 do presente acórdão, incidência na apreciação do caráter abusivo destas últimas cláusulas enquanto tais.

    55

    Importa acrescentar que o facto de, num contrato celebrado com um consumidor, serem incluídas duas cláusulas alternativas respeitantes ao cumprimento da mesma obrigação por parte do consumidor em questão, sendo uma das cláusulas abusiva e a outra lícita, permite que o profissional em causa especule a respeito do facto de, por falta de informação, desatenção ou incompreensão, o consumidor vir a cumprir a obrigação em causa de acordo com uma cláusula que cria, em seu detrimento, um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes. Por conseguinte, tal mecanismo contratual é, em si mesmo, suscetível de ter caráter abusivo.

    56

    Por outro lado, não declarar a nulidade de uma cláusula abusiva poderia prejudicar a realização do objetivo a longo prazo previsto no artigo 7.o da Diretiva 93/13, que consiste em pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

    57

    Assim sendo, há que responder à segunda questão que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de um contrato que deva ser considerada abusiva em razão das condições de execução de certas obrigações do consumidor em causa nela previstas não pode deixar de revestir caráter abusivo com fundamento noutra cláusula do mesmo contrato que preveja a possibilidade de esse consumidor cumprir essas obrigações em condições diferentes.

    Quanto à terceira questão

    58

    A terceira questão, que tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, e do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, diz respeito à exigência de transparência que impende sobre um profissional antes da celebração de um contrato de crédito indexado a uma moeda estrangeira em relação a um candidato mutuário nos casos em que este último for seu funcionário. Esta exigência de transparência está prevista no artigo 4.o, n.o 2, desta diretiva, no que respeita a cláusulas como as que estão em causa no processo principal, sendo que o conceito de «consumidor» está definido no artigo 2.o, alínea b), da referida diretiva.

    59

    Por conseguinte, há que considerar que, com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea b), da mesma, deve ser interpretado no sentido de que um profissional está obrigado a informar o consumidor em causa das características essenciais do contrato celebrado e dos riscos associados a esse contrato, ainda que esse consumidor seja seu funcionário e tenha conhecimentos relevantes no domínio abrangido pelo referido contrato.

    60

    Importa recordar que a exigência de transparência das cláusulas contratuais, prevista no artigo 4.o, n.o 2, desta diretiva, deve ser entendida no sentido de que impõe não só que a cláusula em questão seja inteligível para o consumidor nos planos formal e gramatical mas também que um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, esteja em condições de compreender o funcionamento concreto dessa cláusula e assim avaliar, com base em critérios precisos e inteligíveis, as consequências económicas, potencialmente significativas, dessa cláusula nas suas obrigações financeiras (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 64 e jurisprudência referida).

    61

    Esta referência ao consumidor médio constitui um critério objetivo. O conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, tem aliás caráter objetivo e é independente dos conhecimentos concretos que a pessoa em questão possa ter, ou das informações de que essa pessoa realmente dispõe (v., neste sentido, Acórdão de 21 de março de 2019, Pouvin e Dijoux, C‑590/17, EU:C:2019:232, n.o 24 e jurisprudência referida).

    62

    No que respeita, mais especificamente, a contratos de mútuo indexados a uma moeda estrangeira, como os que estão em causa no processo principal, a exigência de transparência das cláusulas contratuais implica nomeadamente que um profissional deve informar claramente o consumidor em causa do facto de que, ao celebrar esse contrato, este se expõe a um risco cambial que poderá, eventualmente, vir a ser‑lhe difícil assumir economicamente em caso de desvalorização da moeda em que recebe os seus rendimentos. Além disso, o profissional deve expor a este consumidor as possíveis variações das taxas de câmbio e os riscos inerentes à celebração desse contrato (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 71 e jurisprudência referida).

    63

    As informações comunicadas pelo referido profissional devem permitir que um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado não só compreenda que, em função das variações da taxa de câmbio, a evolução da paridade entre a moeda de conta e a moeda de pagamento pode acarretar consequências desfavoráveis face às suas obrigações financeiras mas também compreender, no contexto da celebração de um contrato de mútuo indexado a uma moeda estrangeira, o risco real a que esse consumidor se expõe, durante toda a vigência desse contrato de mútuo, em caso de desvalorização significativa da moeda em que recebe os seus rendimentos relativamente à moeda de conta (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 72).

    64

    Incumbe ao juiz nacional verificar, tendo em conta as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato, se foram comunicados ao consumidor em causa todos os elementos suscetíveis de ter incidência no alcance do seu compromisso que lhe permitam avaliar as consequências financeiras do mesmo [Acórdão de 12 de janeiro de 2023, D.V. (Honorários de advogado — Princípio do valor por hora), C‑395/21, EU:C:2023:14, n.o 38 e jurisprudência referida].

    65

    No caso em apreço, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que AM, que celebrou um contrato de mútuo indexado a uma moeda estrangeira conjuntamente com PM, tinha sido funcionária do mBank e que, devido à sua formação e experiência profissional, tinha conhecimentos sobre as características essenciais e riscos associados a esse contrato de mútuo que correspondiam aos de um consumidor mais avisado do que o consumidor médio.

    66

    Resulta, todavia, dos n.os 60 e 61 do presente acórdão que a observância da exigência de transparência deve ser aferida pelo padrão objetivo do consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, padrão esse a que não correspondem, nomeadamente, nem o consumidor menos avisado nem o consumidor mais avisado do que o consumidor médio.

    67

    Por outro lado, resulta da redação do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13 que a proteção concedida por esta diretiva depende dos fins para os quais a pessoa singular atua, a saber, fins que não pertençam ao âmbito da sua atividade profissional, e não dos conhecimentos específicos de que essa pessoa dispõe.

    68

    Esta conceção ampla do conceito de «consumidor» permite assegurar que a proteção prevista nesta diretiva é concedida a todas as pessoas singulares que se encontrem numa situação de inferioridade relativamente a um profissional, não apenas no que respeita ao nível de informação mas também quanto ao poder de negociação, situação que conduz essas pessoas singulares a aderir às condições redigidas previamente por esse profissional sem poderem exercer nenhuma influência sobre o seu conteúdo (v., neste sentido, Acórdão de 21 de março de 2019, Pouvin e Dijoux, C‑590/17, EU:C:2019:232, n.os 25 e 28).

    69

    Assim, o facto de uma pessoa singular celebrar, com o seu empregador, um contrato que não seja um contrato de trabalho não obsta, enquanto tal, a que seja qualificada de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13 (Acórdão de 21 de março de 2019, Pouvin e Dijoux, C‑590/17, EU:C:2019:232, n.o 29).

    70

    Assim sendo, há que responder à terceira questão que o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea b), da mesma, deve ser interpretado no sentido de que um profissional está obrigado a informar o consumidor em causa das características essenciais do contrato celebrado com esse consumidor e dos riscos associados a esse contrato, ainda que o consumidor seja seu funcionário e tenha conhecimentos relevantes no domínio abrangido pelo referido contrato.

    Quanto à quarta questão

    71

    Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições da Diretiva 93/13 devem ser interpretadas no sentido de que, quando dois consumidores celebram o mesmo contrato com um profissional, as mesmas cláusulas contratuais podem ser consideradas abusivas relativamente ao primeiro consumidor e equitativas em relação ao segundo.

    72

    Como resulta do n.o 31 do presente acórdão, esta questão só foi submetida se a resposta à terceira questão fosse negativa. Uma vez que tal não se verifica, não há que responder à quarta questão.

    Quanto às despesas

    73

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 3.o, n.o 1, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 8.o da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma cláusula contratual que não foi objeto de negociação individual seja considerada abusiva pelas autoridades nacionais em causa pelo simples facto de o seu conteúdo ser equivalente ao de uma cláusula de um contrato‑tipo inscrita no registo nacional das cláusulas de condições gerais declaradas ilícitas.

     

    2)

    O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de um contrato que deva ser considerada abusiva em razão das condições de execução de certas obrigações do consumidor em causa nela previstas não pode deixar de revestir caráter abusivo com fundamento noutra cláusula do mesmo contrato que preveja a possibilidade de esse consumidor cumprir essas obrigações em condições diferentes.

     

    3)

    O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea b), da mesma, deve ser interpretado no sentido de que um profissional está obrigado a informar o consumidor em causa das características essenciais do contrato celebrado com esse consumidor e dos riscos associados a esse contrato, ainda que o consumidor seja seu funcionário e tenha conhecimentos relevantes no domínio abrangido pelo referido contrato.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: polaco.

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