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Document 62020CO0089
Order of the Court (Seventh Chamber) of 1 October 2020.#Request for a preliminary ruling from the Županijski sud u Puli.#Reference for a preliminary ruling – Article 53(2) and Article 94 of the Rules of Procedure of the Court of Justice – Convention implementing the Schengen Agreement – Article 54 – Ne bis in idem principle – Scope – Identity of the material facts – Absence of sufficient information concerning the factual background and the reasons justifying the need for an answer to the question referred for a preliminary ruling – Manifest inadmissibility.#Case C-89/20.
Despacho do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 1 de outubro de 2020.
Processo penal contra GR e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Županijski sud u Puli.
Reenvio prejudicial — Artigo 53.o, n.o 2, e artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Convenção de aplicação do Acordo de Schengen — Artigo 54.o — Princípio ne bis in idem — Âmbito de aplicação — Identidade dos factos materiais — Precisões insuficientes quanto ao contexto factual e às razões que justificam a necessidade de uma resposta à questão prejudicial — Inadmissibilidade manifesta.
Processo C-89/20.
Despacho do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 1 de outubro de 2020.
Processo penal contra GR e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Županijski sud u Puli.
Reenvio prejudicial — Artigo 53.o, n.o 2, e artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Convenção de aplicação do Acordo de Schengen — Artigo 54.o — Princípio ne bis in idem — Âmbito de aplicação — Identidade dos factos materiais — Precisões insuficientes quanto ao contexto factual e às razões que justificam a necessidade de uma resposta à questão prejudicial — Inadmissibilidade manifesta.
Processo C-89/20.
Court reports – general
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:771
*A9* Županijski sud u Puli-Pola, Prethodno pitanje od 17/02/2020 (1143599)
DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)
1 de outubro de 2020 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Artigo 53.o, n.o 2, e artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Convenção de aplicação do Acordo de Schengen — Artigo 54.o — Princípio ne bis in idem — Âmbito de aplicação — Identidade dos factos materiais — Precisões insuficientes quanto ao contexto factual e às razões que justificam a necessidade de uma resposta à questão prejudicial — Inadmissibilidade manifesta»
No processo C‑89/20,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Županijski sud u Puli (Tribunal Regional de Pula, Croácia), por Decisão de 17 de fevereiro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de fevereiro de 2020, no processo
GR,
HS,
IT,
Inter Consulting d.o.o., em liquidação,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),
composto por: P. G. Xuereb (relator), presidente de secção, T. von Danwitz e A. Kumin, juízes,
advogado‑geral: J. Richard de la Tour,
secretário: A. Calot Escobar,
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por despacho fundamentado, nos termos do artigo 53.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,
profere o presente
Despacho
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 54.o da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns (JO 2000, L 239, p. 19), assinada em Schengen em 19 de junho de 1990 e que entrou em vigor em 26 de março de 1995 (a seguir «CAAS»). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra GR, HS, ITe Inter Consulting d.o.o., em liquidação, que são acusados de ter cometido, instigado ou ajudado a cometer, na Croácia, factos qualificados de abuso de confiança no âmbito de operações comerciais. |
Quadro jurídico
Direito da União
Ato de adesão
3 |
Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Ato relativo às condições de adesão da República da Croácia e às adaptações do Tratado da União Europeia, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2012, L 112, p. 21, a seguir «Ato de Adesão de 2012»): «As disposições do acervo de Schengen, referidas no Protocolo relativo ao acervo de Schengen integrado no âmbito da União Europeia […], anexo ao TUE e ao TFUE, e os atos nele baseados ou de algum modo com ele relacionados, enumerados no anexo II, bem como quaisquer outros atos adotados antes da data da adesão, vinculam a Croácia e são aplicáveis nesse Estado a partir da data da adesão.» |
4 |
O anexo II do Ato de Adesão sob a epígrafe «Lista das disposições do acervo de Schengen integrado no âmbito da União Europeia e dos atos nele baseados ou de algum modo com ele relacionados que vinculam a República da Croácia e são aplicáveis nesse Estado a partir da data da adesão (a que se refere o artigo 4.o, n.o 1, do Ato de Adesão)». A este título, o ponto 2 deste anexo refere «[a]s disposições seguintes da [CAAS], a respetiva Ata final e declarações comuns […], alteradas por alguns dos atos enumerados no ponto 8 do presente anexo: […] artigos 54.o a 58.o […]» |
CAAS
5 |
O artigo 54.o da CAAS figura no capítulo 3 da mesma convenção, sob a epígrafe «Aplicação do princípio ne bis in idem». Este artigo prevê: «Aquele que tenha sido definitivamente julgado por um tribunal de uma parte contratante não pode, pelos mesmos factos, ser submetido a uma ação judicial intentada por uma outra parte contratante, desde que, em caso de condenação, a sanção tenha sido cumprida ou esteja atualmente em curso de execução ou não possa já ser executada, segundo a legislação da parte contratante em que a decisão de condenação foi proferida.» |
Direito croata
6 |
O artigo 31.o, n.o 2, da Constituição da República da Croácia estabelece: «Ninguém pode ser julgado novamente ou objeto de uma ação penal relativa a um ato pelo qual já foi absolvido ou condenado por decisão definitiva de um tribunal proferida nos termos da lei.» |
7 |
O artigo 246.o, n.os 1 e 2, do Cazneni zakon (Código Penal), na versão aplicável aos factos no processo principal, classifica o abuso de confiança nas operações comerciais como infração penal de caráter económico. |
Litígio no processo principal e questão prejudicial
8 |
Na época dos factos no processo principal, GR era membro do conselho de gerência da Skiper Hoteli d.o.o. e da Interco Umag d.o.o., Umag (a seguir «Interco»), posteriormente Inter Consulting. Tinha também a qualidade de associado na Rezidencija Skiper d.o.o. e detinha participações sociais na Alterius d.o.o. Por seu turno, HS era presidente do conselho de gerência da Interco e detinha também participações sociais na Alterius, enquanto IT realizava avaliações de bens imóveis. |
9 |
Em 28 de setembro de 2015, o Županijsko državno odvjetvo u Puli (Procuradoria‑geral distrital de Pula, Croácia, a seguir «Procuradoria de Pula») proferiu uma acusação contra GR, HS, IT e a Interco. Nesse ato, acusava, por um lado, GR e a Interco de terem cometido um crime de abuso de confiança em operações comerciais, na aceção do artigo 246.o, n.os 1 e 2, do Código Penal, na versão aplicável aos factos do processo principal, e, por outro, HS e IT de, respetivamente, terem incitado e ajudado a cometer essa infração. |
10 |
Resulta da referida acusação, reproduzida no pedido de decisão prejudicial, que, entre dezembro de 2004 e junho de 2006, GR e HS atuaram para que a Interco comprasse bens imóveis situados em várias parcelas de terreno adjacentes no município de Savudrija (Croácia), local previsto pela Skiper Hoteli para aí realizar um projeto imobiliário de alojamentos turísticos. Em seguida, essas mesmas pessoas fizeram com que a Skiper Hoteli comprasse esses bens imóveis a um preço claramente superior ao do mercado, de modo que a Interco beneficiasse de uma vantagem ilícita com prejuízo da Skiper Hoteli. |
11 |
Além disso, a mesma acusação indica que, entre novembro de 2004 e novembro de 2005, GR e HS atuaram igualmente com o objetivo de GR e outras sociedades representadas por este último venderem à Skiper Hoteli, a um preço claramente mais elevado do que o correspondente ao seu valor real, as participações sociais detidas por GR e essas outras sociedades na Alterius, sendo a entrada de ativos inicial desta última sociedade constituída por imóveis construídos em parcelas de terreno adjacentes situadas no território do município de Savudrija. Para este efeito, GR e HS mandaram realizar, através da Rezidencija Skiper e com a cumplicidade de IT, uma avaliação que sobreavaliava o valor dos imóveis em causa. |
12 |
A acusação da Procuradoria de Pula foi confirmada por Decisão de 5 de maio de 2016 da secção penal do órgão jurisdicional de reenvio, o Županijski sud u Puli (Tribunal Regional de Pula, Croácia). |
13 |
Na audiência preliminar no órgão jurisdicional de reenvio, GR e HS pediram a suspensão do processo penal, com o fundamento de que o princípio ne bis in idem se opunha à ação penal de que são alvo nesse órgão jurisdicional. A este respeito, alegaram que já tinham sido objeto de um processo penal pelos mesmos factos na Áustria e que esse processo penal tinha sido encerrado por sentença transitada em julgado. |
14 |
Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio indica que as autoridades penais austríacas tinham, com efeito, intentado ações penais contra dois antigos membros da comissão executiva da Hypo Alpe Adria Bank International AG (a seguir «Hypo Alpe Adria Bank»), uma instituição bancária situada na Áustria, bem como contra GR e HS enquanto cúmplices desses dois antigos membros. Segundo a acusação redigida pelo Staatsanwaltschaft Klagenfurt (Ministério Público de Klagenfurt, Áustria), deduzida no Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt, Áustria) em 9 de janeiro de 2015, os referidos antigos membros do conselho de administração eram acusados de terem cometido um crime de abuso de confiança, na aceção do Strafgesetzbuch (Código Penal austríaco), por terem aprovado, entre setembro de 2002 e julho de 2005, a concessão de créditos à Rezidencija Skiper e à Skiper Hoteli, num montante total de 105 milhões de euros, não tendo nem respeitado os requisitos relativos ao reforço de capitais próprios adequados e ao controlo da utilização dos capitais, nem tido em conta, por um lado, a falta de documentação relativa à concretização dos projetos que justificassem a concessão desses créditos e, por outro, a insuficiência tanto dos instrumentos de garantia de pagamento como da capacidade de reembolso das sociedades em causa. Além disso, GR e HS foram acusados de, ao pedirem a concessão dos referidos créditos, ter instigado esses antigos membros a cometer a infração imputada ou para tal ter contribuído. |
15 |
Na sequência de um pedido de HS, o Ministério Público de Klagenfurt confirmou, por ofício de 16 de julho de 2015 dirigido aos seus advogados, que, no que respeita aos processos instaurados contra GR e HS, a acusação que tinha deduzido abrangia igualmente a venda de bens imóveis à Skiper Hoteli por intermédio da Alterius por um preço excessivamente elevado e o pagamento duvidoso de despesas de gestão do projeto. |
16 |
Por Sentença do Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt), proferida em 3 de novembro de 2016, os dois antigos membros da comissão executiva da Hypo Alpe Adria Bank foram declarados parcialmente culpados dos factos que lhes eram imputados e condenados por terem aprovado um dos créditos concedidos à Skiper Hoteli, num montante superior a 70 milhões de euros. Em contrapartida, GR e HS foram absolvidos quanto à acusação de terem, respetivamente, instigado ou contribuído para a prática das infrações penais imputadas aos antigos membros da comissão executiva da Hypo Alpe Adria Bank. Esta sentença transitou em julgado na sequência da negação de provimento, em 4 de março de 2019, ao recurso interposto para o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria) |
17 |
Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a Procuradoria de Pula, também chamada a pronunciar‑se sobre outras infrações penais relacionadas com a Hypo Alpe Adria Bank, pediu, por diversas vezes em 2014, ao Ministério Público de Klagenfurt que verificasse se, na Áustria, este último dirigia um processo paralelo ao instaurado na Croácia. Tendo em conta as informações prestadas pelo Ministério Público de Klagenfurt, idênticas, no essencial, às posteriormente expostas no dispositivo do despacho de acusação do Ministério Público de Klagenfurt referido no n.o 14 do presente despacho, a Procuradoria de Pula considerou que os factos examinados pelo Ministério Público de Klagenfurt e pelo Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt) não eram juridicamente pertinentes para efeitos da caracterização da infração penal objeto do processo penal no processo principal, não apresentavam qualquer relação com os factos constantes da sua acusação de 28 de setembro de 2015, e, portanto não deviam, ser considerados como julgados. |
18 |
Nestas circunstâncias, o Županijski sud u Puli (Tribunal Regional de Pula) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «Uma violação do princípio ne bis in idem diz apenas respeito aos factos decisivos indicados no dispositivo da acusação da procuradoria de Pula de 28 de setembro de 2015 relativamente aos factos decisivos referidos no dispositivo da acusação do Ministério Público de Klagenfurt de 9 de janeiro de 2015 e no dispositivo da sentença do Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt) de 3 de novembro de 2016, confirmada pelo Acórdão do Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) de 4 de março de 2019, ou a referida violação também diz respeito a outra constatação relativa:
|
Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial
19 |
Nos termos do artigo 53.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se um pedido de decisão prejudicial for manifestamente inadmissível, o Tribunal, ouvido o advogado‑geral, pode, a qualquer momento, decidir pronunciar‑se por despacho fundamentado, pondo assim termo à instância. |
20 |
Há que aplicar essa disposição no presente processo. |
21 |
A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução dos litígios que lhes cabe decidir (Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny, C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 44 e jurisprudência referida). |
22 |
No âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 4 de junho de 2020, Kancelaria Medius, C‑495/19, EU:C:2020:431, n.o 21 e jurisprudência referida). |
23 |
Daqui decorre que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 4 de junho de 2020, Kancelaria Medius, C‑495/19, EU:C:2020:431, n.o 22 e jurisprudência referida). |
24 |
Assim, uma vez que a decisão de reenvio serve de fundamento ao processo seguido no Tribunal de Justiça, é indispensável que o órgão jurisdicional nacional explicite, nessa decisão, o quadro factual e regulamentar em que se inscreve o litígio no processo principal e forneça um mínimo de explicações sobre as razões da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação solicita e sobre o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe foi submetido [Acórdão de 4 de junho de 2020, C. F. (Inspeção fiscal), C‑430/19, EU:C:2020:429, n.o 23 e jurisprudência referida]. |
25 |
Estas exigências cumulativas relativas ao conteúdo de um pedido de decisão prejudicial figuram expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo, que é suposto o órgão jurisdicional de reenvio conhecer e respeitar escrupulosamente (Acórdão de 7 de novembro de 2019, UNESA e o., C‑80/18 a C‑83/18, EU:C:2019:934, n.o 33 e jurisprudência referida). As referidas exigências estão refletidas designadamente nas Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1). |
26 |
Por fim, há que recordar que as informações fornecidas nas decisões de reenvio servem não apenas para permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis mas igualmente para dar aos Governos dos Estados‑Membros e aos outros interessados a possibilidade de apresentarem observações em conformidade com o artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Incumbe ao Tribunal de Justiça providenciar por que esta possibilidade seja salvaguardada, tendo em conta que, nos termos desse artigo, só as decisões de reenvio são notificadas às partes interessadas (v., designadamente, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Asociación Profesional Elite Taxi, C‑434/15, EU:C:2017:981, n.o 25, e Despacho de 15 de maio de 2019, MC, C‑827/18, não publicado, EU:C:2019:416, n.o 35). |
27 |
No caso em apreço, há que constatar que o pedido de decisão prejudicial não cumpre os requisitos recordados nos n.os 15 a 25 do presente despacho. |
28 |
Com efeito, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 54.o da CAAS deve ser interpretado no sentido de que, para determinar se o princípio ne bis in idem é violado devido à identidade dos factos materiais no âmbito de processos penais instaurados em dois Estados‑Membros, as autoridades competentes do Estado‑Membro no qual o processo penal ainda corre termos devem ter em conta não só os factos mencionados na acusação formulada pelas autoridades competentes do outro Estado‑Membro e na parte decisória da sentença transitada em julgado, aí proferida, mas também os mencionados nos fundamentos dessa sentença e aqueles sobre os quais incidiu a instrução mas que não foram retomados na acusação. |
29 |
Para responder a esta questão, há que recordar que o critério pertinente para efeitos da aplicação do artigo 54.o da CAAS é aplicável é o da identidade dos factos materiais, entendido no sentido de que os factos materiais subjacentes aos processos penais instaurados nos dois Estados‑Membros em causa devem constituir um conjunto de factos indissociavelmente ligados no tempo, no espaço e pelo seu objeto (v., nesse sentido, designadamente, Acórdão de 18 de julho de 2007, Kraaijenbrink, C‑367/05, EU:C:2007:444, n.os 26 a 28). |
30 |
Para que o Tribunal de Justiça possa dar uma resposta útil à questão submetida, é necessário que as circunstâncias factuais subjacentes aos processos penais instaurados, respetivamente, na Croácia e na Áustria, bem como as razões pelas quais o órgão jurisdicional de reenvio poderia ser levado a considerar que estas circunstâncias estão indissociavelmente ligadas entre si sejam expostas com um grau de clareza e de precisão suficiente no pedido de decisão prejudicial, e isto sem prejuízo de, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no número anterior, não caber ao Tribunal de Justiça, mas unicamente ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se há ou não identidade dos factos materiais. |
31 |
Ora, no caso em apreço, por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio não indica, ainda que de forma sumária mas precisa, a relação que unia os factos examinados no âmbito desses processos penais respetivos, os factos mencionados nos fundamentos da sentença definitiva proferida em 3 de novembro de 2016 pelo Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt), os factos que foram examinados pelo Ministério Público de Klagenfurt mas que não foram formalmente considerados na acusação deduzida por este último, bem como as razões pelas quais a Procuradoria de Pula procedeu a inquérito sobre infrações que já tinham sido objeto de um processo penal na Áustria. Por outro lado, o referido órgão jurisdicional limita‑se a reproduzir o conteúdo das acusações deduzidas por estas duas procuradorias nacionais, bem como o dispositivo da sentença do Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt), sem explicitar os factos de forma a permitir uma visão de conjunto lógica e compreensível. Daqui resulta que o órgão jurisdicional de reenvio não expôs com um nível de clareza e de precisão suficiente todos os factos pertinentes ou os dados factuais em que a questão se baseia e não cumpriu, assim, a exigência que figura no artigo 94.o, alínea a), do Regulamento de Processo. |
32 |
Além disso, ao limitar‑se a reproduzir sumariamente as pretensões de GR e de HS relativas a uma alegada violação do princípio ne bis in idem, sem explicar, à luz dos documentos invocados por estas mesmas pessoas, em que medida se poderia eventualmente concluir por uma identidade dos factos materiais e, por outro lado, ao não explicitar o teor da questão submetida, tanto quanto ao direito como quanto aos factos pertinentes, bem como as dúvidas que tem quanto à aplicação do princípio ne bis in idem em relação ao critério da identidade dos factos e, eventualmente, à jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria, o órgão jurisdicional de reenvio não expôs com suficiente clareza e precisão as razões que o levaram a submeter essa questão e, portanto, não cumpriu a exigência que consta do artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo. |
33 |
Tendo em consideração o exposto, há que concluir, nos termos do artigo 53.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, que o presente pedido de decisão prejudicial é manifestamente inadmissível. |
34 |
Posto isto, há que recordar que o órgão jurisdicional de reenvio conserva a faculdade de submeter um novo pedido de decisão prejudicial quando estiver em condições de fornecer ao Tribunal de Justiça o conjunto dos elementos que permitam a este último pronunciar‑se sobre a questão apresentada (v., nesse sentido, Despachos de 23 de maio de 2019, Trapeza Peiraios, C‑105/19, não publicado, EU:C:2019:452, n.o 17, e de 11 de julho de 2019, Jadransko osiguranje, C‑651/18, não publicado, EU:C:2019:613, n.o 31). |
Quanto às despesas
35 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) decide: |
O pedido de decisão prejudicial submetido pelo Županijski sud u Puli (Tribunal Regional de Pula, Croácia), por Decisão de 17 de fevereiro de 2020, é manifestamente inadmissível. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: croata.