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Document 62019CC0748

Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 20 de maio de 2021.
Processos penais contra WB e o.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Sąd Okręgowy w Warszawie.
Reenvio prejudicial — Estado de direito — Independência do poder judicial — Artigo 19.º, n.° 1, segundo parágrafo, TUE — Regulamentação nacional que prevê a possibilidade de o ministro da Justiça destacar juízes para órgãos jurisdicionais de grau superior e revogar esses destacamentos — Formações de julgamento em matéria penal que incluem juízes destacados pelo ministro da Justiça — Diretiva (UE) 2016/343 — Presunção de inocência.
Processos apensos C-748/19 a C-754/19.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:403

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 20 de maio de 2021 ( 1 )

Processos apensos C‑748/19 a C‑754/19

Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim

contra

WB (C‑748/19)

e

Prokuratura Rejonowa Warszawa‑Żoliborz w Warszawie

contra

XA,

YZ (C‑749/19)

e

Prokuratura Rejonowa Warszawa — Wola w Warszawie

contra

DT (C‑750/19)

e

Prokuratura Rejonowa w Pruszkowie

contra

ZY (C‑751/19)

e

Prokuratura Rejonowa Warszawa — Ursynów w Warszawie

contra

AX (C‑752/19)

e

Prokuratura Rejonowa Warszawa — Wola w Warszawie

contra

BV (C‑753/19)

e

Prokuratura Rejonowa Warszawa — Wola w Warszawie

contra

CU (C‑754/19),

sendo interveniente:

Pictura Sp. z o.o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia)]

«Reenvio prejudicial — Princípios de direito da União — Independência do poder judicial — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Diretiva (UE) 2016/343 — Composição de formações de julgamento em processos penais que incluem juízes destacados pelo ministro da Justiça — Admissibilidade de pedidos de decisão prejudicial — Independência da formação de julgamento que procede ao reenvio prejudicial — Limites do artigo 19.o, n.o 1, TUE — Conceito de “órgão jurisdicional” na aceção do artigo 267.o TFUE — Pertinência e necessidade da questão — Presunção de inocência»

I. Introdução

1.

Os presentes processos levantam questões cruciais relativas à admissibilidade de questões prejudiciais sobre o requisito da independência do poder judicial nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. O Tribunal de Justiça é convidado a esclarecer os limites do artigo 19.o, n.o 1, TUE, nomeadamente à luz das decisões recentemente proferidas nos Acórdãos A. K. e o., Miasto Łowicz, Maler e Land Hessen ( 2 ).

2.

Os presentes processos suscitam igualmente uma questão de fundo significativa: o direito da União proíbe disposições nacionais segundo as quais o ministro da Justiça, que é simultaneamente o procurador‑geral, pode, com base em critérios que não são tornados públicos, destacar juízes para tribunais superiores por um período indefinido e, a todo o tempo e de forma discricionária, pôr termo a esse destacamento?

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

3.

O artigo 2.o TUE dispõe o seguinte:

«A União funda‑se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados‑Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.»

4.

Nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, «[o]s Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União».

5.

Segundo o artigo 267.o TFUE, apenas um «órgão jurisdicional» de um dos Estados‑Membros pode apresentar ao Tribunal de Justiça da União Europeia um pedido de decisão prejudicial.

6.

No título VI da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), sob a epígrafe «Justiça», inclui‑se o artigo 47.o, sob a epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial», que estabelece o seguinte:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. […]

[…]»

7.

O considerando 22 da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal ( 3 ), tem a seguinte redação:

«O ónus da prova da culpa dos suspeitos e dos arguidos recai sobre a acusação, e qualquer dúvida deverá ser interpretada em favor do suspeito ou do arguido. A presunção de inocência seria violada caso houvesse uma inversão do ónus da prova, sem prejuízo […] da independência dos órgãos judiciais na apreciação da culpa do suspeito ou do arguido […]»

8.

Nos termos do artigo 6.o da Diretiva 2016/343, sob a epígrafe «Ónus da prova»:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que recai sobre a acusação o ónus da prova da culpa do suspeito ou do arguido […]

2.   Os Estados‑Membros asseguram que toda e qualquer dúvida quanto à questão da culpa deve beneficiar o suspeito ou o arguido, mesmo quando o tribunal aprecia se a pessoa em causa deve ser absolvida.»

B. Direito polaco

9.

O artigo 77.o da Ustawa z dnia 27 lipca 2001 r. — Prawo o ustroju sądów powszechnych (Lei de 27 de julho de 2001 Relativa à Organização dos Tribunais Comuns) (a seguir «Lei Relativa à Organização dos Tribunais Comuns») ( 4 ) tem a seguinte redação:

«§ 1   O ministro da Justiça pode destacar um juiz, com o seu consentimento, para o exercício de funções judiciais ou de tarefas administrativas:

1)

para outro tribunal do mesmo grau ou de grau inferior ou, em casos devidamente justificados, para um tribunal superior, tendo em conta a afetação racional dos funcionários dos tribunais comuns e as necessidades resultantes do volume de trabalho dos vários tribunais,

[…]

por um período fixo, que não pode exceder dois anos, ou por um período indefinido.

[…]

§ 4   Quando um juiz é destacado, com base no § 1, pontos 2 a 2b, e no § 2a, por um período indefinido, o destacamento desse juiz pode ser revogado ou a pessoa em causa pode renunciar ao cargo para o qual foi destacada, mediante um pré‑aviso de três meses. Noutros casos em que um juiz é destacado, essa revogação ou renúncia não exige aviso prévio.

[…]»

10.

Nos termos do artigo 30.o, § 2, da Ustawa z dnia 6 czerwca 1997 r. — Kodeks postępowania karnego (Lei de 6 de junho de 1997 — Código de Processo Penal) (a seguir «Código de Processo Penal») ( 5 ), «o tribunal de recurso decide em formação de juiz singular, ou em formação de três juízes quando a decisão recorrida não foi proferida por um tribunal em formação de juiz singular ou quando, devido à especial complexidade do processo ou à sua importância, o presidente do tribunal ordena que seja apreciada por uma formação de três juízes, salvo disposição legal em contrário».

11.

De acordo com o artigo 41.o, n.o 1, do Código de Processo Penal, «um juiz será excluído sempre que exista uma circunstância suscetível de levantar uma dúvida legítima quanto à sua imparcialidade no processo em apreço».

III. Matéria de facto, tramitação do processo nacional e questões prejudiciais

12.

Os presentes pedidos de decisão prejudicial foram submetidos pelo presidente da Décima Secção de Recurso Criminal do Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia), no âmbito de sete processos penais pendentes nesse tribunal. Segundo os reenvios prejudiciais, esses processos penais têm por objeto vários crimes previstos no Código Penal ( 6 ) e no Código Penal Fiscal ( 7 ).

13.

O órgão jurisdicional de reenvio considera que os presentes processos são regidos pelo direito da União. Declara que os tribunais polacos são obrigados, segundo os artigos 3.o e 6.o da Diretiva 2016/343, a assegurar a presunção de inocência do suspeito ou do arguido enquanto a sua culpa não for provada nos termos da lei e devem aplicar normas adequadas em matéria de ónus da prova. De acordo com o artigo 6.o, em conjugação com o considerando 22 da referida diretiva, a presunção de inocência não deve prejudicar a independência judicial.

14.

Este tribunal salienta que cada uma das formações de julgamento incumbida de apreciar o respetivo litígio em causa no processo principal é composta pelo juiz de reenvio na qualidade de presidente e por dois outros juízes. Em cada um dos litígios, um dos «outros» juízes é um juiz destacado de um tribunal inferior, por decisão do ministro da Justiça/procurador‑geral, adotada nos termos do artigo 77.o da Lei Relativa à Organização dos Tribunais Comuns (a seguir «juízes destacados»). Além disso, de acordo com as explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, os juízes destacados exercem também o cargo de «agente disciplinar» adjunto do Rzecznik Dyscyplinarny Sędziów Sądów Powszechnych (Instrutor de processos disciplinares para juízes dos tribunais comuns).

15.

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade com o direito da União de determinadas disposições do direito nacional que conferem ao ministro da Justiça/procurador‑geral o poder de destacar juízes para tribunais superiores por um período indefinido e de, a todo o tempo e de forma discricionária, pôr termo a esse destacamento («disposições nacionais em causa»). Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio considera que estas disposições podem violar o requisito da independência do poder judicial nacional que resulta do artigo 19.o, n.o 1, TUE, em conjugação com o artigo 2.o TUE.

16.

Foi neste contexto factual e jurídico que o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia) decidiu suspender a instância e, em cada um dos sete processos, submeter as seguintes questões prejudiciais (redigidas de forma idêntica) ao Tribunal de Justiça:

«1)

Devem o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, em conjugação com o artigo 2.o [TUE] e o valor nele consagrado do Estado de direito, bem como o artigo 6.o, n.os 1 e 2, em conjugação com o considerando 22 da Diretiva [2016/343], ser interpretados no sentido de que as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva, incluindo a independência do poder judicial, e as exigências da presunção de inocência são violadas quando um processo judicial, como o processo penal instaurado contra o arguido pela prática do crime a que se referem [várias disposições do Código Penal] e outros, é tramitado de tal forma que:

integra a formação de julgamento um juiz destacado de um tribunal hierarquicamente inferior por decisão unilateral do ministro da Justiça, sem que sejam conhecidos os critérios em que o ministro da Justiça se baseou para destacar esse juiz, e o direito nacional não prevê a fiscalização judicial dessa decisão e habilita o ministro da Justiça a cessar o destacamento desse juiz a qualquer momento?

2)

Há violação das exigências a que se refere a primeira questão numa situação em que as partes podem interpor um recurso extraordinário da decisão proferida num processo judicial como o descrito na primeira questão, num tribunal como o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal[, Polónia]), cujas decisões não podem ser impugnadas, por força do direito interno, e o direito nacional impõe ao presidente da unidade organizacional (secção) desse tribunal competente para conhecer do recurso a obrigação de distribuir os processos aos juízes dessa secção segundo uma lista organizada por ordem alfabética, sendo expressamente proibida a omissão de qualquer juiz, e na distribuição dos processos também participa uma pessoa nomeada a pedido de um órgão colegial como a Krajowa Rada Sądownictwa (Conselho Superior da Magistratura[, Polónia]), que é composta por juízes:

a)

eleitos por uma secção do Parlamento que vota globalmente uma lista de candidatos, elaborada previamente por uma comissão parlamentar, de entre os candidatos propostos pelos grupos parlamentares ou por um órgão dessa secção, com base em candidaturas de grupos de juízes ou cidadãos, o que significa que, no decurso do processo eleitoral, os candidatos contam com apoio dos políticos três vezes;

b)

que constituem uma maioria de membros desse órgão suficiente para deliberar a apresentação de pedidos de nomeação de juízes, bem como para aprovar outras deliberações vinculativas exigidas pelo direito nacional?

3)

Qual o efeito, do ponto de vista do direito da União Europeia, incluindo as disposições e exigências referidas na primeira questão, de uma decisão proferida num processo judicial, tramitado conforme descrito na primeira questão, e de uma decisão proferida num processo no Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)], quando participou na sua prolação a pessoa referida na segunda questão?

4)

O direito da União Europeia, incluindo as disposições mencionadas na primeira questão, subordina os efeitos das decisões referidas na terceira questão à condição de o tribunal em questão ter decidido a favor ou contra o arguido?»

17.

Por Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de outubro de 2019, os processos C‑748/19 a C‑754/19 foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

18.

Por Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 2 de dezembro de 2019, o pedido de tramitação acelerada previsto no artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, apresentado nos despachos de reenvio, foi indeferido.

19.

Em 31 de julho de 2020, o Tribunal de Justiça enviou um pedido de informações ao órgão jurisdicional de reenvio, ao qual este respondeu por carta em 3 de setembro de 2020.

20.

A Prokuratura Regionalna w Warszawie (a seguir «Procuradoria Distrital de Varsóvia»), a Prokuratura Regionalna w Lublinie (a seguir «Procuradoria Distrital de Lublin»), o Governo polaco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.

IV. Análise

21.

As presentes conclusões estão estruturadas da seguinte forma. Em primeiro lugar, abordarei as objeções à competência e admissibilidade levantadas pelas partes interessadas (A). Tendo sugerido que, segundo a abordagem tradicional do Tribunal de Justiça e a sua jurisprudência, a primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio é efetivamente admissível, analisarei, em segundo lugar, a questão subjacente às objeções à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade: a natureza e os limites do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE (B). Por último, fornecerei uma apreciação, quanto ao mérito, da primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, relativa ao sistema de destacamento de juízes que afeta as formações de julgamento chamadas a pronunciar‑se nos processos principais (C).

A. Competência e admissibilidade

22.

Algumas das partes que apresentaram observações invocaram vários argumentos para contestar a competência do Tribunal de Justiça e/ou a admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial. Não obstante estas partes terem unificado os seus argumentos relativos a ambas as questões, irei apreciá‑los separadamente.

23.

Em primeiro lugar, abordarei os argumentos relativos à competência do Tribunal de Justiça que, em meu entender, não merecem atenção especial (1). Em segundo lugar, analisarei os vários argumentos invocados quanto à admissibilidade dos pedidos no seu conjunto ou, mais especificamente, de certas questões. Com efeito, alguns argumentos suscitam questões bastante complexas que deveriam ser apreciadas de forma detalhada (2).

1.   Competência do Tribunal de Justiça

24.

O Governo polaco, a Procuradoria Distrital de Varsóvia e a Procuradoria Distrital de Lublin alegam que o Tribunal de Justiça não é competente para responder às questões prejudiciais. Em seu entender, a organização da justiça e, mais precisamente, questões como a nomeação de juízes, a composição de formações de julgamento, o destacamento de juízes de um tribunal para outro e os efeitos jurídicos das decisões dos tribunais nacionais, são da competência exclusiva dos Estados‑Membros. Na medida em que o processo principal diz respeito ao direito penal nacional em setores que não foram harmonizados a nível da União, estes processos são, de acordo com as referidas partes, puramente internos à Polónia.

25.

Além disso, segundo a Procuradoria Distrital de Varsóvia e a Procuradoria Distrital de Lublin, este entendimento decorre igualmente do n.o 29 do aAcórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Associação Sindical dos Juízes Portugueses ( 8 ). Algumas versões deste acórdão em línguas distintas do inglês referem que, para ser aplicável, o artigo 19.o, n.o 1, TUE exige que um Estado‑Membro atue, no caso específico, no âmbito de aplicação do direito da União.

26.

Em meu entender, estes argumentos não podem ser aceites.

27.

Em primeiro lugar, conforme o Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado, embora a organização da justiça nos Estados‑Membros seja da competência destes últimos, a verdade é que, no exercício desta competência, os Estados‑Membros são obrigados a cumprir as obrigações que lhes são impostas pelo direito da União, incluindo as que decorrem do artigo 2.o e do artigo 19.o, n.o 1, TUE ( 9 ). Estas obrigações podem dizer respeito a qualquer característica das estruturas ou procedimentos nacionais utilizados para a aplicação do direito da União ao nível nacional. O objeto dos presentes pedidos de decisão prejudicial refere‑se precisamente às obrigações dos Estados‑Membros que decorrem dessas disposições e à questão de saber se as disposições nacionais em causa respeitam efetivamente essas obrigações. Sendo assim, o Tribunal de Justiça tem competência para interpretar o artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, TUE e para se pronunciar sobre as matérias suscitadas nas questões prejudiciais ( 10 ).

28.

Em segundo lugar, ao contrário dos argumentos apresentados pela Procuradoria Distrital de Varsóvia e pela Procuradoria Distrital de Lublin, não vejo diferença significativa entre as várias versões linguísticas — incluindo, especialmente, a versão portuguesa, que era a língua do processo — do n.o 29 do Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117). Esta passagem dizia respeito à diferença entre o âmbito do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e o âmbito da Carta. O Tribunal de Justiça declarou que o artigo 19.o, n.o 1, TUE é aplicável a todos «domínios abrangidos pelo direito da União», dado que esta disposição não contém nenhuma limitação como a prevista no artigo 51.o, n.o 1, da Carta. Para efeitos do referido processo, o Tribunal de Justiça não entrou noutros detalhes acerca deste ponto ( 11 ).

29.

No entanto, o significado exato dessa passagem foi posteriormente esclarecido de forma inequívoca na jurisprudência do Tribunal de Justiça. A diferença, no âmbito material, das duas disposições acima referidas significa que o artigo 19.o, n.o 1, TFUE é aplicável quando um órgão nacional se pode pronunciar, enquanto órgão jurisdicional, sobre questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União, e que se enquadram, por conseguinte, nos domínios abrangidos pelo direito da União ( 12 ). Por outras palavras, os tribunais nacionais devem cumprir as normas estabelecidas nesta disposição sempre que, por uma questão de princípio, se pronunciem sobre matérias reguladas pelo direito da União. Em contrapartida, não é necessário que os processos específicos em apreço digam efetivamente respeito ao direito da União.

30.

No que respeita aos presentes processos, como a Comissão corretamente observou, há poucas dúvidas de que o órgão jurisdicional cuja independência está em causa no presente processo — o Sąd Okręgowy warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) — é um órgão que pode ser chamado a pronunciar‑se, enquanto órgão jurisdicional, sobre questões relativas à aplicação ou interpretação do direito da União. Além disso, é pacífico que o Tribunal de Justiça tem competência para interpretar as disposições da Diretiva 2016/343, bem como o artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, TUE.

31.

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça é claramente competente para decidir sobre os presentes processos.

2.   Admissibilidade

32.

No que diz respeito à admissibilidade das questões prejudiciais, abordarei em primeiro lugar as objeções levantadas às questões 2, 3 e 4, uma vez que estas questões são, em meu entender, inadmissíveis (a). Em seguida, debruçar‑me‑ei sobre a admissibilidade da questão 1, que, pelo contrário, exige uma discussão mais aprofundada (b).

33.

No entanto, antes de iniciar esta análise, deve ser tratada uma objeção específica à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial no processo C‑754/19. A Procuradoria Distrital de Varsóvia alega que o órgão jurisdicional de reenvio não suspendeu o processo que deu origem a esse pedido e que, de facto, subsequentemente adotou uma decisão final em 11 de dezembro de 2019.

34.

Decorre de jurisprudência constante que, se nenhum litígio estiver pendente no órgão jurisdicional de reenvio e, assim, uma resposta à questão prejudicial for inútil para efeitos da resolução de um litígio, o Tribunal de Justiça deve concluir que não tem de se pronunciar sobre o pedido de decisão prejudicial ( 13 ).

35.

Por conseguinte, se, como alega a Procuradoria Distrital de Varsóvia, o processo C‑754/19 não tiver sido efetivamente suspenso, e uma decisão final tiver sido adotada, o pedido de decisão prejudicial deixou de ter propósito. Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça já não tem de se pronunciar sobre as questões prejudiciais em causa nesse processo.

36.

Dito isto, o órgão jurisdicional de reenvio não informou o Tribunal de Justiça de nenhum facto superveniente relevante, nem retirou o seu pedido prejudicial. Além disso, uma vez que as questões prejudiciais neste processo são idênticas às questões suscitadas nos outros seis processos em causa nas presentes conclusões, que indiscutivelmente ainda se encontram pendentes no tribunal nacional, não é necessário investigar mais aprofundadamente esta matéria.

37.

Por conseguinte, abordarei em seguida os argumentos específicos apresentados relativamente à admissibilidade das várias questões prejudiciais.

a)   Questões 2, 3 e 4

38.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se determinadas disposições de direito da União são violadas em circunstâncias nas quais as partes podem interpor um recurso extraordinário da decisão que vier a ser proferida no processo principal, quando esse recurso deva ser apreciado por um tribunal — o Supremo Tribunal — de cuja independência o órgão jurisdicional de reenvio duvida.

39.

A terceira questão diz respeito aos efeitos jurídicos de uma futura decisão proferida pelo órgão jurisdicional de reenvio, bem como aos efeitos jurídicos das decisões do Supremo Tribunal nos recursos que possam eventualmente ser interpostos das decisões que vierem a ser proferidas no processo principal.

40.

Em estreita ligação com esta questão, a quarta questão visa saber se, ao abrigo do direito da União, as consequências da decisão proferida nesse recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal dependem do facto de o referido tribunal decidir a favor ou contra o arguido.

41.

Em consonância com as alegações do Governo polaco, da Procuradoria Distrital de Varsóvia e da Procuradoria Distrital de Lublin, bem como da Comissão, considero que estas três questões são inadmissíveis.

42.

Na medida em que estas questões se baseiem na premissa de que, nos presentes processos, será interposto um recurso extraordinário para o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), estas questões assentam num acontecimento puramente hipotético. Importa recordar, neste contexto, que, segundo jurisprudência constante, o objetivo de um pedido de decisão prejudicial não pode ser a obtenção de pareceres consultivos sobre questões gerais ou hipotéticas ( 14 ).

43.

De igual modo, na medida em que as questões 3 e 4 também se referem aos possíveis efeitos das decisões que o órgão jurisdicional de reenvio irá proferir, essas questões são prematuras e insuficientemente fundamentadas. São prematuras porque se referem a processos que podem decorrer posteriormente perante um tribunal diferente, mas não se referem à fase processual em que os processos se encontram. Além disso, como explica o órgão jurisdicional de reenvio, se o Tribunal de Justiça decidir que as medidas nacionais em causa não são conformes com o artigo 19.o, n.o 1, TUE, existem outras vias de ação disponíveis para sanar a situação. Por conseguinte, o problema suscitado pelo órgão jurisdicional de reenvio talvez nunca se materialize. Estas questões também não satisfazem os requisitos do artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não fornece nenhum pormenor sobre a forma como a alegada composição irregular das formações de julgamento, que talvez possam apreciar os processos no futuro, pode especificamente afetar a legalidade das decisões a proferir pelo órgão jurisdicional de reenvio.

44.

Sem negligenciar de forma alguma o contexto nacional geral, que, no mínimo é, de facto, problemático e complexo, continuam, no entanto, a existir limites bem definidos quanto ao que pode ser perguntado num pedido de decisão prejudicial. Dito em termos simples, as questões prejudiciais devem referir‑se ao presente processo (ou a circunstâncias passadas que nele tenham claramente impacto ( 15 )) pendente no órgão jurisdicional de reenvio. Mesmo que esta condição tenha sido interpretada de forma ampla e flexível na jurisprudência tradicional do Tribunal de Justiça, o ponto principal é que a orientação que se procura deve poder ser tida em conta pelo órgão jurisdicional de reenvio na decisão que irá proferir. Isto exclui conjeturas sobre acontecimentos futuros que talvez nunca se materializem.

45.

Por conseguinte, em meu entender, as questões 2, 3 e 4 são efetivamente inadmissíveis.

b)   Questão 1

46.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o direito da União se opõe a disposições nacionais segundo as quais o ministro da Justiça/procurador‑geral pode, com base em critérios que não são tornados públicos, destacar juízes para tribunais superiores por um período indefinido e pode, a todo o tempo, pôr termo a esse destacamento de forma discricionária a qualquer momento. Em particular, o órgão jurisdicional de reenvio refere o segundo parágrafo do artigo 19.o, n.o 1, TUE, em conjugação com o artigo 2.o TUE e o princípio do Estado de direito nele consagrado, e o artigo 6.o, n.os 1 e 2, juntamente com o considerando 22, da Diretiva 2016/343.

47.

Foram levantadas várias objeções em relação à admissibilidade desta questão. Essas objeções referem‑se, nomeadamente, ao conceito de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE (1), ao cumprimento dos requisitos do artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça (2), e à necessidade e à pertinência da questão prejudicial (3). Analisarei em seguida estas questões.

1) «Órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE

48.

Em primeiro lugar, a Procuradoria Distrital de Varsóvia e a Procuradoria Distrital de Lublin salientam que os pedidos de decisão prejudicial foram apresentados por um juiz singular — o presidente da formação de julgamento que aprecia os processos penais em causa — e não pela própria formação. Alegam que, por força do artigo 29.o, § 1, do Código de Processo Penal, os processos de recurso, tais como os que estão em causa, devem ser julgados por uma formação de três juízes, exceto nas circunstâncias específicas previstas por lei. Em seu entender, estas circunstâncias específicas não se verificam no presente processo. Por conseguinte, o órgão de reenvio não preenche as condições exigidas para ser considerado um «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE.

49.

Está assente que os presentes pedidos de decisão prejudicial foram apresentados pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (X Wydział Karny Odwoławczy) (Tribunal Regional de Varsóvia, Décima Secção de Recurso Criminal). O despacho de reenvio refere que este tribunal é composto pelo presidente da formação judicial, que também assinou este despacho de reenvio.

50.

No entanto, em meu entender, isto não é suficiente para tornar automaticamente inadmissíveis os pedidos de decisão prejudicial.

51.

Em primeiro lugar, importa ter presente que um «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, foi sempre definido de forma autónoma pelo direito da União e pelo Tribunal de Justiça, independentemente das denominações e qualificações do direito nacional. À luz desses critérios, é indiscutível (e as partes, de facto, não contestam) que o órgão de reenvio preenche todos os requisitos dos designados critérios Dorsch ( 16 ): tem origem legal, é permanente, a sua jurisdição tem caráter vinculativo, o seu processo é de natureza contraditória, aplica normas de direito, e é — em princípio — independente e imparcial.

52.

Em segundo lugar, o conceito de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE é examinado ao nível estrutural, institucional. Por outras palavras, é examinado através da observação do órgão jurisdicional de reenvio enquanto tal, tendo simultaneamente em conta a função que este órgão é chamado a desempenhar nas circunstâncias específicas de um processo. Em termos simples, um órgão pode ser um tribunal mesmo quando habitualmente atua no âmbito de outra competência (não judicial) ( 17 ) e vice‑versa ( 18 ). Assim, as funções específicas que um organismo é chamado a desempenhar no processo principal são da maior importância. Nos presentes processos, não há dúvida de que o órgão jurisdicional de reenvio atua no exercício de uma competência judicial quando aprecia recursos em processos penais, bem como nos casos em que eventualmente verifica a composição da formação responsável pela apreciação de tais recursos. Ambas as funções são desempenhadas no âmbito de uma competência judicial.

53.

Em terceiro lugar, a jurisprudência do Tribunal de Justiça é coerente ao declarar que não «[cabe ao Tribunal de Justiça] verificar se a decisão de reenvio foi adotada em conformidade com as regras nacionais de organização e de processo judiciais» ( 19 ). Segundo esta jurisprudência, «[o] Tribunal de Justiça deve ater‑se à decisão de reenvio que emana de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, enquanto tal decisão não tiver sido revogada no quadro das vias processuais previstas eventualmente pelo direito nacional» ( 20 ).

54.

Assim, resulta claramente do exposto que, caso o órgão de reenvio seja um tribunal que atua no exercício de uma competência judicial, sendo ambos os conceitos definidos autonomamente no direito da União, não caberá ao Tribunal de Justiça proceder a uma dupla verificação do cumprimento de todas as regras processuais do direito nacional: o selo está correto? O despacho cumpre todos os requisitos do direito nacional formal e processual? As assinaturas estão todas apostas no lugar certo?

55.

Talvez seja útil recordar que esta abordagem e esta jurisprudência têm origem num processo — o Processo Reina — em que a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial foi contestada com o fundamento de que a composição do órgão jurisdicional de reenvio era incorreta ( 21 ). Além disso, no Acórdão San Giorgio, o Tribunal de Justiça rejeitou expressamente uma objeção semelhante à que é formulada no presente processo. O Governo italiano contestou a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial (apresentado pelo presidente do órgão jurisdicional de reenvio), alegando que, por força do direito nacional, a decisão era da competência da jurisdição plena do tribunal. O Tribunal de Justiça afastou imediatamente essa objeção, sublinhando que, segundo jurisprudência constante, qualquer órgão jurisdicional nacional «tem o direito de pedir uma decisão prejudicial […] independentemente […] da fase em que se encontra o processo pendente perante o mesmo e independentemente da natureza da decisão que é chamado a proferir» ( 22 ).

56.

O Tribunal de Justiça não seguiu essa abordagem apenas nos casos em que o órgão jurisdicional de reenvio manifestamente não tinha competência para apreciar o processo, como sucedeu nos recentes processos Di Girolamo ( 23 ). No entanto, os presentes processos são claramente distintos dos processos Di Girolamo. É indiscutível que o órgão jurisdicional de reenvio é competente para apreciar os processos em questão no processo principal. A única questão diz respeito ao órgão, dentro do mesmo tribunal, autorizado a submeter uma questão ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.o TFUE. Assim, os presentes processos são muito mais comparáveis aos processos Reina e San Giorgio apreciados pelo Tribunal de Justiça.

57.

Em quarto lugar, o facto de o órgão jurisdicional de reenvio, para submeter uma questão ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.o TFUE, ter de ignorar — segundo a Procuradoria Distrital de Varsóvia e a Procuradoria Distrital de Lublin — determinadas regras do seu ordenamento jurídico interno é, mesmo que fosse confirmado, irrelevante. Existem inúmeros exemplos na jurisprudência do Tribunal de Justiça em que os órgãos jurisdicionais nacionais foram autorizados, ou mesmo obrigados, por força do direito da União, a revogar as regras processuais nacionais que limitam os seus poderes de apresentação de pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça ( 24 ).

58.

Um processo recente, em que a situação era bastante semelhante aos presentes processos, é o que deu origem ao Acórdão A. K. e o. Neste processo, o Governo polaco alegou que os processos nacionais eram inválidos porque violavam as regras relativas à composição e à competência dos órgãos jurisdicionais. Segundo esse Governo, no referido processo, a composição adequada para apreciar o processo ao abrigo do direito nacional consistia num juiz singular e não numa formação de três juízes responsável pelo reenvio das questões ( 25 ). O Tribunal de Justiça concluiu, no entanto, que «as referidas questões tratam, em substância, precisamente de saber se, apesar das regras nacionais de repartição das competências jurisdicionais em vigor no Estado‑Membro em causa, um órgão jurisdicional como o tribunal de reenvio tem a obrigação, por força das disposições do direito da União visadas nessas questões, de afastar as referidas regras nacionais e de assumir, sendo caso disso, uma competência jurisdicional no que concerne aos litígios nos processos principais. Ora, um acórdão pelo qual o Tribunal de Justiça confirmasse a existência dessa obrigação impor‑se‑ia ao órgão jurisdicional de reenvio e a todos os outros órgãos da República da Polónia sem que as disposições internas relativas à nulidade dos processos ou à repartição das competências jurisdicionais, às quais se refere o Governo polaco, a tal pudessem obstar» ( 26 ).

59.

Em quinto lugar, aceitar as objeções apresentadas pelo Governo polaco — segundo as quais, para ser conforme com o direito nacional, uma questão como a presente pode ser submetida apenas pela formação em sessão plenária — daria origem, em meu entender, a dois problemas adicionais.

60.

Por um lado, questões relacionadas com a composição correta de formações de julgamento dificilmente chegariam ao Tribunal de Justiça, ou dificilmente chegariam em tempo útil. Com efeito, é improvável que os juízes nomeados de forma alegadamente incorreta estejam de acordo quanto à necessidade de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial que tenha por objeto saber se foram corretamente nomeados para apreciar esse processo. Nestas circunstâncias, essa questão poderia ser suscitada apenas se e na eventualidade de ser interposto um recurso da decisão adotada pelo tribunal (possivelmente composto de forma ilegal). Por conseguinte, no melhor dos cenários, a questão chegaria ao Tribunal de Justiça bastante tarde. No pior dos cenários (ou antes, no cenário realista), a questão nunca chegaria.

61.

Por outro lado, aceitar a lógica proposta pelo Governo polaco conduziria a outro paradoxo. Se as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio forem, quanto ao mérito, fundadas, poderia presumir‑se que um dos membros de tais formações não é independente. Assim, no cenário bastante improvável de que um membro da formação estivesse disposto a assinar um despacho de reenvio que questionasse a sua própria independência, esse reenvio é admissível? Não deixaria o órgão de reenvio com essa composição de cumprir o critério de independência inerente ao conceito de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE?

62.

Isto põe claramente em evidência dois pontos. Em primeiro lugar, uma vez mais, as questões relativas à composição regular de uma formação de julgamento nunca poderão ser efetivamente suscitadas por essa mesma formação. Em segundo lugar, fazer depender a admissibilidade de pedidos de decisão prejudicial e o critério autónomo do artigo 267.o TFUE do cumprimento de todos os elementos processuais previstos no direito nacional não só é ilógico, como também perigoso em termos sistémicos.

63.

Em sexto lugar, a juíza que apresenta o pedido nos presentes processos não é um juiz qualquer da formação que se pronuncia sobre os processos: ela é a presidente desta formação. Os presidentes de órgãos jurisdicionais não só são investidos de poderes adicionais, mas também lhes são confiadas responsabilidades acrescidas. São, de facto, chamados a agir como «guardiões da independência e imparcialidade dos juízes e do tribunal como um todo» ( 27 ). Em composições mais reduzidas de um tribunal, ou no que diz respeito a procedimentos específicos, essas funções são geralmente desempenhadas pelo presidente da composição (ou secção), que tem a função de presidir à formação e dirigir os seus trabalhos ( 28 ). Em geral, cabe‑lhes supervisionar tanto o processo como as deliberações internas da formação a que presidem. Por conseguinte, não creio que seja estranho (quanto mais ilegal) que, enquanto presidente da formação, a juíza de reenvio considere que é obrigada a assegurar a sua composição correta.

64.

Por último, existe outra consideração relacionada com este último aspeto: qual é, de facto, exatamente, o processo para o qual o órgão jurisdicional de reenvio procura orientação do Tribunal de Justiça? É certo que uma forma de analisar a questão é considerar que o processo em questão é o processo penal perante uma formação de três juízes que se pronunciará quanto ao mérito sobre a acusação penal.

65.

No entanto, também há outra forma de abordar a mesma questão. Consiste em centrarmo‑nos no incidente específico do processo e na decisão concreta que deve ser proferida em resposta a este incidente. Neste caso, o processo a respeito do qual é pedida a orientação do Tribunal de Justiça não constitui todos os processos penais, mas apenas a uma questão prévia sobre a composição correta da formação que aprecia esses processos. No que diz respeito a essa parte do processo, e tendo igualmente em conta o tipo de decisão processual (prévia) que deverá ser tomada, é o juiz de reenvio, na sua qualidade de presidente da formação, que na realidade se pronuncia enquanto juiz singular no âmbito dessa parte do processo como um todo. No contexto deste incidente processual preliminar, que deve ser resolvido antes de os processos poderem ser devidamente apreciados por uma formação de julgamento constituída em conformidade com o direito da União, o juiz de reenvio é o único juiz que pode, e deve, por todos os meios, tratar da questão antes de os processos poderem prosseguir.

66.

É evidente que não estou a sugerir que o Tribunal de Justiça deve aceitar pedidos de decisão prejudiciais de juízes (ou formações) que são manifestamente incompetentes para apreciar os litígios em causa nos processos em apreço, que abusam do seu poder de reenvio previsto no artigo 267.o TFUE ou que, em relação ao processo principal, não preenchem os critérios Dorsch. Os presentes processos não se enquadram, porém, em nenhuma destas situações: o tribunal de reenvio é um «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE, tem competência para apreciar os processos em causa, estes processos são genuínos, tal como a questão suscitada in limine litis.

2) Falta de precisão suficiente

67.

O Governo polaco, bem como as Procuradorias Distritais de Varsóvia e de Lublin, alegam que os pedidos de decisão prejudicial não cumprem os requisitos do artigo 94.o do Regulamento de Processo. Alegam que estes pedidos não são suficientemente precisos quanto ao elo de ligação entre as disposições do direito da União, cuja interpretação é necessária, e os processos pendentes.

68.

A este respeito, há que reconhecer que, pelo menos na medida em que esta questão se refere às disposições da Diretiva 2016/343, os despachos de reenvio são sucintos. Provavelmente, o órgão jurisdicional nacional poderia ter feito um maior esforço para clarificar o contexto factual. Em especial, podiam ter sido fornecidos mais pormenores sobre a forma como as obrigações dos Estados‑Membros relativas ao ónus da prova, estabelecidas no artigo 6.o da Diretiva 2016/343, podem afetar os procedimentos em causa no processo principal.

69.

No entanto, não creio que se possa considerar que a «parcimónia verbal» do órgão jurisdicional de reenvio não cumpre os requisitos do artigo 94.o do Regulamento de Processo. Com efeito, a Diretiva 2016/343 (i) é aplicável aos casos em apreço e (ii) afigura‑se pertinente.

70.

Quanto ao primeiro aspeto, decorre claramente do despacho de reenvio que, nos processos principais, os arguidos são sujeitos a um julgamento criminal, e que uma decisão final quanto à sua culpa ainda não foi tomada. Assim, as disposições da Diretiva 2016/343 são aplicáveis. Em conformidade com o seu artigo 2.o, esta diretiva aplica‑se às pessoas singulares que são suspeitas da prática de um ilícito penal ou que foram constituídas arguidas em processo penal e a todas as fases do processo penal, isto é, a partir do momento em que uma pessoa é suspeita da prática de um ilícito penal ou é constituída arguida ou é suspeita ou acusada de ter cometido um alegado ilícito penal, até ser proferida uma decisão final sobre a prática do ilícito penal e essa decisão ter transitado em julgado ( 29 ). Não é necessário acrescentar, neste contexto, que esta diretiva é igualmente aplicável em processos «puramente internos» de um Estado‑Membro.

71.

Quanto ao segundo aspeto, basta observar que pode levantar‑se uma questão relativa à presunção de inocência ou ao ónus da prova quando um ou mais juízes de uma formação de julgamento que aprecie um processo penal tem ligações a uma das partes, nomeadamente ao lado da acusação. Se o destacamento de um juiz para um tribunal superior, e a sua posição que aí ocupa, é possivelmente condicionada pelo facto de o Ministério Público estar satisfeito com o seu desempenho, uma vez que, caso contrário, pode ser a qualquer momento revogada, levanta‑se a questão de saber se isso é capaz de suscitar dúvidas quanto à independência e imparcialidade do juiz destacado. Pode ser apresentada como uma questão de imparcialidade judicial (caso seja abordada de um ponto de vista estrutural) ou possivelmente como uma questão relacionada com a presunção de inocência ou o ónus da prova (caso seja abordada do ponto de vista do arguido, que pode acreditar que uma formação assim composta pode ter tendência para se colocar do lado da acusação).

72.

Em todo o caso, os requisitos do artigo 94.o do Regulamento de Processo estão preenchidos no que diz respeito ao segundo parágrafo do artigo 19.o, n.o 1, TUE. Com efeito, o quadro factual e contextual necessário para que o Tribunal de Justiça realize a sua avaliação com base nesta disposição não exige mais informações sobre as especificidades dos processos principais. Os despachos de reenvio estabelecem, de forma sucinta mas exaustiva, o quadro jurídico nacional que regula o destacamento dos juízes, as questões específicas com que se depara o órgão jurisdicional de reenvio na composição da formação chamada a apreciar os processos principais, bem como as razões pelas quais este tribunal duvida da compatibilidade desse quadro com o direito da União. Estes fatores, no seu conjunto, permitem ao Tribunal de Justiça compreender a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio e o raciocínio que por trás dela se encontra.

3) Pertinência e necessidade da questão

73.

O Governo polaco, bem como as Procuradorias Distritais de Varsóvia e de Lublin, afirmam que, para efeitos da resolução do processo principal, não é necessária ou pertinente uma resposta à questão. No essencial, alegam que a questão é puramente hipotética. De um ponto de vista processual, seria impossível ao órgão jurisdicional de reenvio aplicar a resposta do Tribunal de Justiça relativamente à interpretação do artigo 19.o, n.o 1, TUE nos processos principais. Segundo a legislação nacional, este tribunal não tem — de acordo com aqueles — poder para «corrigir» as eventuais falhas decorrentes das regras processuais nacionais em causa. Sempre que necessário, caberia a outro órgão judicial (nomeadamente, a uma formação distinta) adotar medidas para decidir sobre a exclusão de um dos juízes do órgão jurisdicional de reenvio. Além disso, estas partes salientam que os acusados não suscitaram nenhuma questão respeitante à formação do coletivo. Alegam também que os despachos de reenvio não referem as regras nacionais relativas aos destacamentos de juízes de forma completa e imparcial, e invocam os Acórdãos do Tribunal de Justiça nos processos Foglia ( 30 ).

74.

Por sua vez, a Comissão salienta o caráter sucinto dos despachos de reenvio. No entanto, não considera que a questão deva ser inadmissível: uma questão prejudicial, que tem caráter processual, pode, de facto, ser identificada nos processos principais que, para serem apreciados, podem obrigar o Tribunal de Justiça a responder à questão suscitada.

75.

A este respeito, concordo com a Comissão. Também considero que a primeira questão é efetivamente admissível. Esta questão suscita um problema in limine litis de compatibilidade entre o direito nacional e o direito da União que o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a resolver antes de poder (legitimamente) apreciar os processos principais. Esta conclusão é confirmada pela jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa à pertinência e necessidade da questão prejudicial (i), e não é posta em causa por nenhuma jurisprudência recente do Tribunal de Justiça (ii), da qual os presentes processos podem ser facilmente distinguidos (iii).

i) Jurisprudência constante em matéria de «pertinência» e «necessidade»

76.

Segundo jurisprudência constante, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Daqui se conclui que as questões prejudiciais submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais gozam de uma presunção de pertinência e que o Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre estas questões se for manifesto que a interpretação solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético, ou quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil a estas questões ( 31 ).

77.

A pertinência e a necessidade são, por conseguinte, duas faces da mesma moeda: uma questão é pertinente se sua a resposta for necessária para que o órgão jurisdicional nacional possa decidir no processo principal, e vice‑versa. O Tribunal de Justiça tem reiteradamente considerado que as questões são admissíveis quando uma resposta é necessária «ao julgamento da causa» pelos órgãos jurisdicionais de reenvio nos processos que lhes são submetidos ( 32 ). Tradicionalmente, isto tem sido entendido no sentido de que exige, em princípio, que duas condições estejam preenchidas: a) deve existir um processo pendente perante o órgão jurisdicional de reenvio ( 33 ), e b) a decisão a proferir por este órgão jurisdicional deve ser capaz de ter em consideração o pedido prejudicial ( 34 ).

78.

No que diz respeito à primeira condição, é pacífico que, em todos os casos referidos, exceto possivelmente no processo C‑754/19 ( 35 ), existe um processo penal em curso perante o órgão jurisdicional de reenvio. Assim, a questão fundamental consiste em saber se a segunda condição se encontra preenchida: o órgão jurisdicional de reenvio está em condições de ter em consideração a resposta do Tribunal de Justiça à questão prejudicial?

79.

Quando os factos dos presentes processos são avaliados à luz da jurisprudência tradicional do Tribunal de Justiça, a resposta a esta questão é claramente afirmativa. A referida jurisprudência constante demonstra a razão pela qual as objeções apresentadas pelo Governo polaco, bem como pelas Procuradorias Distritais de Varsóvia e de Lublin, não têm fundamento.

80.

Em primeiro lugar, não é necessário salientar que uma questão prejudicial não tem de ser diretamente pertinente para a decisão sobre o mérito do processo. A jurisprudência contém vários exemplos de decisões prejudiciais relativas a vários tipos de questões processuais ( 36 ). De facto, existe uma vertente particularmente rica de jurisprudência que diz respeito ao alcance do princípio da autonomia processual e aos seus limites, especialmente os que decorrem da necessidade de assegurar a eficácia do direito da União ( 37 ). Algumas das questões apreciadas pelo Tribunal de Justiça dizem respeito, por exemplo, às limitações processuais impostas aos órgãos jurisdicionais nacionais pelas regras nacionais ( 38 ), ou a questões processuais que o órgão jurisdicional de reenvio tem de resolver antes de uma decisão de mérito poder ser tomada ( 39 ). Algumas questões prejudiciais referiam‑se, como sucede nos presentes processos, a determinados aspetos das regras nacionais em matéria de organização judiciária ( 40 ).

81.

Com efeito, os presentes processos assemelham‑se claramente à situação em causa no Acórdão A. K. e o. Neste processo, o Tribunal de Justiça julgou admissíveis os processos em que o órgão jurisdicional de reenvio «visa[va] ser esclarecido não quanto ao mérito dos litígios que lhe foram submetidos e que dizem, eles próprios, respeito a outras questões do direito da União, mas quanto a um problema de natureza processual que tem de decidir in limine litis, uma vez que respeita à própria competência desse tribunal para conhecer dos referidos litígios» ( 41 ).

82.

Também existem exemplos de processos em que o Tribunal de Justiça apreciou, no âmbito de um processo prejudicial, a questão da independência em relação a uma composição específica de uma formação de julgamento. Por exemplo, no Acórdão Ognyanov, o Tribunal de Justiça avaliou se o direito da União proibia uma regra nacional que obrigava uma formação de julgamento a declarar‑se impedida por ter emitido, no pedido de decisão prejudicial apresentado ao Tribunal de Justiça, um parecer provisório sobre o mérito de um processo ( 42 ).

83.

Em segundo lugar, o facto de a resposta que o Tribunal de Justiça fornecer no presente processo não poder ser aplicada pelo órgão jurisdicional de reenvio numa decisão que assume a forma de um acórdão (ou de uma decisão sobre o mérito da causa) é irrelevante.

84.

Segundo jurisprudência constante, um pedido de decisão prejudicial só é admissível se os órgãos jurisdicionais de reenvio «forem chamados a pronunciar‑se no âmbito de um processo que deva conduzir a uma decisão de caráter jurisdicional» ( 43 ). Isto significa que um reenvio proveniente de um órgão jurisdicional nacional que, excecionalmente, intervém num procedimento de natureza administrativa não é admissível ( 44 ). Em contrapartida, isso não significa que a decisão que o órgão jurisdicional de reenvio deve adotar, no processo principal, a respeito da matéria específica suscitada no âmbito das suas questões prejudiciais, deva ser a de encerramento do processo, e muito menos revestir a forma de acórdão. O Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado que as questões são admissíveis quando dizem respeito a matérias processuais relacionadas com «todo o processo que leva à decisão final do órgão jurisdicional de reenvio». De facto, o requisito em causa deve ser «objeto de uma interpretação lata, a fim de evitar que numerosas questões processuais sejam consideradas inadmissíveis e não possam ser objeto de interpretação pelo Tribunal de Justiça e que este último não possa conhecer da interpretação de todas as disposições do direito da União que o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a aplicar» ( 45 ).

85.

Com efeito, não faltam exemplos de situações em que a resposta fornecida pelo Tribunal de Justiça para ajudar o órgão jurisdicional de reenvio não podia ser aplicada numa decisão com a forma de um acórdão (ou qualquer outra decisão sobre o mérito). Por exemplo, no Acórdão VB Pénzügyi Lízing, uma das questões dizia respeito à obrigação dos órgãos jurisdicionais nacionais de, ao submeterem um pedido de decisão prejudicial, informarem, ao mesmo tempo, o ministro da Justiça de que um pedido de reenvio tinha sido apresentado ( 46 ). No Acórdão Eurobolt, o Tribunal de Justiça não hesitou em responder a uma questão que visava saber se, nos termos do artigo 267.o TFUE, um órgão jurisdicional nacional pode dirigir‑se às instituições da União que participaram na elaboração de um ato de direito derivado da União, cuja validade é contestada perante esse órgão jurisdicional ( 47 ). No Acórdão Salvoni, o Tribunal de Justiça forneceu ao órgão jurisdicional nacional a interpretação pretendida das regras da União pertinentes, impedindo este órgão jurisdicional de ter uma comunicação ex parte com uma das partes ( 48 ). De igual modo, em vários processos relativos à interpretação dos instrumentos da União adotados no domínio da cooperação judiciária, o Tribunal de Justiça interpretou as disposições pertinentes do direito da União a fim de assistir os órgãos jurisdicionais de reenvio nas suas tarefas de preenchimento dos formulários constantes dos anexos desses instrumentos ( 49 ).

86.

Assim, mais uma vez, existem muitos exemplos de respostas fornecidas na jurisprudência que dizem respeito a várias questões processuais, estruturais ou institucionais, e que ajudam um órgão jurisdicional de reenvio a resolver outras questões que surjam antes, ao tempo ou mesmo depois da decisão final sobre o mérito ( 50 ).

87.

Em terceiro lugar, a situação, conforme alegado pelo Governo polaco, o órgão jurisdicional de reenvio não teria poderes para «corrigir» as eventuais falhas decorrentes da possível incompatibilidade das regras processuais nacionais em causa com o direito da União, é irrelevante.

88.

Por um lado, esse argumento é contestado pelo órgão jurisdicional de reenvio. Na sua resposta de 3 de setembro de 2020 a uma pergunta do Tribunal de Justiça sobre este aspeto, o órgão jurisdicional de reenvio declarou que, no caso de o Tribunal de Justiça concluir pela incompatibilidade entre as regras nacionais em causa e o direito da União, teria ao seu dispor três opões diferentes para sanar essa incompatibilidade, ou pelo menos, para limitar parcialmente os seus efeitos. Em primeiro lugar, nos termos do artigo 41.o, § 1, do Código de Processo Penal, um juiz pode pedir para ser excluído de um processo. Em segundo lugar, na qualidade de presidente da formação que aprecia os processos em causa, o juiz de reenvio pode apresentar um pedido ao presidente do seu tribunal, solicitando a aplicação do artigo 47.ob da Lei Relativa à Organização dos Tribunais Comuns, que podia conduzir a uma modificação na composição da formação de julgamento. Em terceiro lugar, nos termos do artigo 37.o do Código de Processo Penal, o órgão jurisdicional de reenvio poderá solicitar ao Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) que atribua os processos a outro tribunal do mesmo grau, sempre que os interesses da justiça o exijam.

89.

Tendo em conta esta divergência de opiniões, devo recordar uma vez mais que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio definir o contexto factual e legislativo pertinente. O Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado que não lhe compete, no âmbito de um pedido de decisão prejudicial, pronunciar‑se sobre a interpretação de disposições nacionais ou decidir se a interpretação destas disposições pelo órgão jurisdicional de reenvio é correta, uma vez que tal interpretação é da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais de reenvio ( 51 ). Assim, não cabe ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre qual é o conteúdo ou a interpretação correta do direito nacional.

90.

Por outro lado, e em qualquer caso, o requisito da necessidade tem sido constantemente avaliado pelo Tribunal de Justiça, independentemente das vias de que dispõe o direito nacional para sanar a eventual incompatibilidade entre o direito nacional e o direito da União. Segundo jurisprudência constante «é incompatível com as exigências inerentes à própria natureza do direito da União qualquer disposição de um ordenamento jurídico nacional ou qualquer prática legislativa, administrativa ou judicial que tenha por efeito a diminuição da eficácia do direito da União pelo facto de negar ao juiz competente para a aplicação desse direito o poder de, no próprio momento dessa aplicação, fazer tudo o que for necessário para não aplicar as disposições legislativas nacionais que eventualmente obstem à plena eficácia das normas diretamente aplicáveis do direito da União» ( 52 ).

91.

Os argumentos invocados pelo Governo polaco não podem ser conciliados com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça em matéria de efeito direto e primado. Se as obrigações que incumbem aos órgãos jurisdicionais nacionais de respeitar o direito da União se limitassem ao que o direito nacional lhes permite expressamente, não existiria, à partida, muito direito da União. Se existir um problema de direito da União perante o órgão jurisdicional de reenvio, este órgão jurisdicional é obrigado a fazer o que é possível para eliminar a (eventual) incompatibilidade de modo a assegurar o cumprimento o mais rapidamente possível. O órgão jurisdicional de reenvio pode, para o efeito, interpretar as regras nacionais em conformidade com o direito da União ou, se necessário, não aplicar as disposições nacionais que o impedem de assegurar o seu cumprimento ( 53 ). O facto de o problema poder hipoteticamente ser resolvido, pelo menos de acordo com a letra do direito nacional, numa fase posterior por outro órgão jurisdicional (ou outra formação), não é uma objeção válida, muito menos na perspetiva do direito da União.

92.

Por conseguinte, o facto de que, segundo o Governo polaco, o órgão jurisdicional de reenvio pode ser incapaz de tomar qualquer medida específica para sanar a eventual incompatibilidade das regras nacionais com o direito da União — mesmo que se confirmasse, o que, em meu entender, não é o caso — não tornaria, de qualquer modo, a questão prejudicial inadmissível. Afinal, quando os pedidos de decisão prejudicial visam esclarecer as obrigações e os poderes que decorrem do direito da União para os órgãos jurisdicionais nacionais, a questão de saber se uma ou mais regras processuais nacionais estão em conformidade com o direito da União torna‑se a principal questão de fundo do caso. Não se trata de uma matéria de admissibilidade.

93.

Uma confirmação destes princípios pode ser encontrada, uma vez mais, no Acórdão A. K. e o. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou expressamente que: «a circunstância de disposições nacionais […] ordenarem o arquivamento de litígios como os principais não pode, em princípio e na falta de uma decisão do órgão jurisdicional de reenvio a ordenar esse arquivamento ou o não conhecimento do mérito nos processos principais, conduzir o Tribunal de Justiça à conclusão de que não tem de decidir sobre as questões que lhe foram submetidas a título prejudicial» ( 54 ). O Tribunal de Justiça recordou a ampla discricionariedade dos órgãos jurisdicionais nacionais em submeter um pedido de decisão prejudicial e concluiu que «[u]ma regra de direito nacional não pode impedir um órgão jurisdicional nacional, consoante o caso, de fazer uso da referida faculdade ou de dar cumprimento a essa obrigação» ( 55 ).

94.

Em quarto lugar, o facto de as pessoas sujeitas aos processos penais perante o órgão jurisdicional de reenvio não terem contestado a compatibilidade das regras nacionais em causa com o direito da União afeta quer a pertinência da questão, quer a sua admissibilidade. É ponto assente que o facto de as partes no processo principal não terem suscitado uma questão de direito da União perante um órgão jurisdicional nacional não impede que este submeta a questão ao Tribunal de Justiça. O artigo 267.o TFUE não se limita aos casos em que alguma das partes na ação principal tomou a iniciativa de suscitar uma questão relativa à interpretação ou à validade do direito da União, mas estende‑se também aos casos em que uma questão deste tipo é suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio por sua própria iniciativa ( 56 ). Isto é ainda mais importante quando surgem sérias dúvidas quanto à composição correta da formação de juízes que aprecia o processo ( 57 ).

95.

Os presentes processos também não são «processos inventados» com qualquer semelhança com os processos Foglia ( 58 ). É pacífico que os processos penais perante o órgão jurisdicional de reenvio são litígios genuínos. Não há absolutamente nada que indique que as partes tenham orquestrado artificialmente esses processos para obterem a orientação do Tribunal de Justiça sobre a interpretação de determinadas disposições de direito da União ( 59 ).

96.

Em quinto e último lugar, e em termos de uma avaliação prévia, afigura‑se que os presentes processos possuem todos os elementos necessários para que o artigo 19.o, n.o 1, TUE seja aplicável.

97.

Antes de mais, as questões suscitadas pelo presente processo não são insignificantes nem acessórias por natureza, quer em relação aos litígios em causa no processo principal, quer em relação ao sistema jurídico nacional em geral. De facto, uma vez que a questão suscitada relativamente à correta composição das formações de julgamento não é específica do processo principal, mas decorre da legislação nacional de aplicação geral, a resposta do Tribunal de Justiça à questão prejudicial pode ter repercussões significativas em vários outros processos.

98.

No que diz respeito à natureza da questão no processo principal, no Acórdão Simpson, o Tribunal de Justiça declarou expressamente: «as garantias de acesso a um tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido por lei, nomeadamente as que determinam o seu conceito e a sua composição, representam a pedra angular do direito ao processo equitativo. Este implica que qualquer órgão jurisdicional tem a obrigação de verificar se, pela sua composição, constitui um tribunal desse tipo quando surja uma dúvida séria quanto a esse aspeto. Essa verificação é necessária à confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos particulares. Neste sentido, essa fiscalização constitui uma formalidade essencial cujo respeito é de ordem pública e é de conhecimento oficioso» ( 60 ). Por conseguinte, desde que tenha dúvidas genuínas sobre a sua legítima composição, o órgão jurisdicional de reenvio pode e deve suscitar tal questão antes de proceder à avaliação do mérito dos processos que lhe são submetidos.

99.

Além disso, em termos do que pode ser retirado do contexto dos presentes processos, bem como de uma série de outros processos relativos ao mesmo Estado‑Membro, que recentemente deram origem a uma série de processos no rol de processos do Tribunal de Justiça, é pouco provável que o sistema jurídico em causa proporcione mecanismos adequados para dar ele próprio solução à eventual questão suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio. A questão identificada pelo órgão jurisdicional de reenvio não constitui apenas um incidente único e lamentável num sistema que fora isso funciona de modo adequado.

100.

Em conclusão, considero que, à luz da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a primeira questão é admissível. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber qual é a interpretação correta do artigo 19.o, n.o 1, TUE — uma disposição claramente aplicável nos presentes processos — para resolver uma questão de natureza processual, a fim de que o processo principal possa ser conduzido em conformidade com o direito da União.

101.

Os argumentos relativos a uma alegada falta de pertinência ou necessidade da questão são, à luz da jurisprudência tradicional do Tribunal de Justiça, pouco convincentes. As recentes decisões do Tribunal de Justiça proferidas no âmbito específico da independência do poder judicial nacional e a admissibilidade de tais questões não alteram esta conclusão.

ii) Jurisprudência recente: Acórdão Miasto Łowicz e seus sucedâneos

102.

No Acórdão Miasto Łowicz ( 61 ), foi perguntado ao Tribunal de Justiça se o novo regime dos processos disciplinares contra os juízes na Polónia respeitava os requisitos da independência judicial, nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. Contudo, o Tribunal de Justiça não abordou o mérito das questões prejudiciais, tendo considerado inadmissíveis questões prejudiciais.

103.

Para chegar a essa conclusão, o Tribunal de Justiça começou por salientar que, para efeitos do estabelecimento da «necessidade» na aceção do artigo 267.o TFUE, deve existir entre o litígio perante o órgão jurisdicional de reenvio e as disposições do direito da União cuja interpretação é solicitada um nexo de ligação«tal que essa interpretação responda a uma necessidade objetiva para a decisão que o órgão jurisdicional de reenvio tem de tomar» ( 62 ). Em seguida, o Tribunal de Justiça identificou várias situações em que questões prejudiciais cumprem essa condição. O Tribunal de Justiça apresentou uma taxonomia do «tipo de situações» em que um pedido de decisão prejudicial tem um nexo de ligação suficiente para assegurar a sua pertinência na aceção do artigo 267.o TFUE. Este nexo de ligação existe quando: (i) o litígio está substantivamente ligado ao direito da União ( 63 ); (ii) a questão diz respeito à interpretação de disposições da União de natureza processual que possam ser aplicáveis ( 64 ); ou (iii) a resposta solicitada ao Tribunal de Justiça afigura‑se capaz de fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio uma interpretação do direito da União que lhe permita resolver as questões processuais de direito nacional antes de poder pronunciar‑se sobre o mérito ( 65 ).

104.

O Tribunal de Justiça concluiu então que não era possível identificar tal nexo de ligação nos processos em causa, uma vez que estes não eram abrangidos por nenhuma das situações acima referidas. De facto, o Tribunal de Justiça considerou que nenhuma resposta a dar teria influência nos processos judiciais pendentes nos órgãos jurisdicionais de reenvio.

105.

Em meu entender, as conclusões do Tribunal de Justiça no Acórdão Miasto Łowicz não são surpreendentes.

106.

Em primeiro lugar, em meu entender, esse acórdão não introduz limitações ou derrogações aos princípios decorrentes da anterior jurisprudência. Em meu entender, parece refletir amplamente a linha mestra dessa jurisprudência: a necessidade de assegurar que o órgão jurisdicional de reenvio possa ter em conta, no processo principal, as respostas que são pedidas ao Tribunal de Justiça. O impacto nesses processos pode dizer respeito — como o Tribunal de Justiça declarou expressamente — quer a aspetos substantivos quer a aspetos processuais. No entanto, de uma forma ou de outra, tal impacto deve ser específico e previsível, e não pode ser hipotético, teórico ou meramente especulativo.

107.

Em segundo lugar, a aplicação dos princípios decorrentes da sua jurisprudência tradicional às situações específicas em causa no Acórdão Miasto Łowicz também se afigura razoável. Existia uma desconexão significativa entre os factos em causa nos órgãos jurisdicionais de reenvio e a questão de caráter bastante geral que foi colocada por estes órgãos jurisdicionais ( 66 ). Não era evidente — também à luz dos poucos detalhes fornecidos nos despachos de reenvio ( 67 ) — como é que as conclusões do Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade do novo regime de processos disciplinares contra juízes na Polónia poderiam ter tido um impacto real de natureza processual ou substantiva no processo principal. Este processo dizia respeito a diferentes matérias ( 68 ).

108.

Em terceiro lugar, ao contrário de alguns académicos ( 69 ), não creio que tal exigência de pelo menos alguma pertinência direta de base no que respeita à decisão a proferir pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo principal seja um desvio à jurisprudência tradicional do Tribunal de Justiça. Suspeito que parte da questão possa ser simplesmente a consequência de uma ilusão de ótica. Antes da existência de uma obrigação distinta diretamente decorrente do artigo 19.o, n.o 1, TUE ter sido estabelecida pelo Tribunal de Justiça, para ser abrangido pela competência deste, o processo tinha de ser abrangido pelo âmbito do direito da União no sentido tradicional. Este requisito limitava automaticamente o leque de questões que podiam ser colocadas, uma vez que era necessária alguma conexão percetível a uma disposição da legislação da União ou, pelo menos, um conflito mais amplo com um dos princípios ou liberdades do direito da União ( 70 ). Avaliada por oposição a essa via de acesso (naturalmente mais estreita), a questão da pertinência e da necessidade não se colocava muitas vezes ou afigurava‑se ser demasiado onerosa.

109.

Em contrapartida, uma vez que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE já não estava limitado à exigência de o litígio no processo principal ser abrangido pelo âmbito do direito da União no sentido tradicional, a segunda via de acesso (mais estrita, substantiva) foi efetivamente removida. Neste momento, o que está à vista de todos é a via de acesso de necessidade/pertinência, que sempre esteve presente, sem que ninguém lhe prestasse realmente muita atenção, e por uma razão bastante compreensível: tende‑se a prestar atenção, intuitivamente, às vias de acesso mais estritas não às vias de acesso mais amplas. Contudo, agora que é efetivamente a única via de acesso, pode ser entendida como uma limitação nova ou mais exigente, simplesmente porque é a única que subsiste.

110.

A abordagem do Tribunal de Justiça no Acórdão Miasto Łowicz foi posteriormente aplicada no Acórdão Prokuratura Rejonowa w Słubicach ( 71 ), que dizia respeito a procedimentos e questões nacionais bastante semelhantes aos que estavam em causa no Acórdão Miasto Łowicz. Em contrapartida, o Acórdão Maler ( 72 ) e o Acórdão Land Hessen ( 73 ) suscitam questões algo diferentes sobre admissibilidade ou competência.

111.

No Acórdão Maler, o pedido de decisão prejudicial foi feito devido a uma diferença de opinião no Verwaltungsgericht Wien (Tribunal Administrativo de Viena, Áustria) entre o órgão jurisdicional de reenvio (em formação de juiz singular) e o presidente desse tribunal. O órgão jurisdicional de reenvio considerou que a atribuição de um processo específico, efetuada com base nas regras internas desse tribunal em matéria de atribuição de processos, deu origem a questões ao abrigo do § 83 da Bundes-Verfassungsgesetz (Lei Constitucional Federal austríaca), segundo o qual, nomeadamente, ninguém deve ser subtraído ao seu juiz determinado por lei. Devido ao alegado conflito com o princípio do juiz determinado por lei, o órgão jurisdicional de reenvio também manifestou dúvidas quanto à possibilidade de ser considerado «suficientemente independente» para apreciar o processo de acordo com as normas estabelecidas no artigo 6.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a seguir «CEDH»), no artigo 19.o, n.o 1, TUE, e no artigo 47.o da Carta.

112.

Aplicando o Acórdão Miasto Łowicz, o Tribunal de Justiça julgou o reenvio inadmissível na íntegra, insistindo que o processo não apresentava nenhum nexo de ligação com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e que a resposta do Tribunal de Justiça não poderia fornecer ao juiz de reenvio uma interpretação do direito da União que lhe permitisse resolver as questões pendentes perante o mesmo ( 74 ).

113.

Neste contexto, talvez sejam dignos de menção outros dois elementos. Em primeiro lugar, a questão suscitada pelo juiz de reenvio era bastante técnica e inseria‑se num domínio em que são concebíveis várias possíveis abordagens. De facto, ninguém poderá afirmar que, em matéria de direito da União, existe apenas uma forma específica de atribuir casos num tribunal a fim de garantir o cumprimento do direito a um juiz determinado por lei ou, mais amplamente, o direito a um julgamento justo. Em segundo lugar, e talvez mais importante, o despacho de reenvio não mencionou elementos que, isoladamente ou considerados em conjunto, pudessem suscitar qualquer dúvida sobre a independência e imparcialidade dos órgãos jurisdicionais envolvidos no processo, ou sobre o funcionamento geral do sistema judicial. Em especial, nesse processo não foi apresentada ao Tribunal de Justiça nenhuma questão estrutural, sistémica ou outras questões relativas ao papel do Estado de direito. Pelo contrário, os factos do processo demonstravam que o sistema nacional oferecia, de facto, algumas vias para sanar a alegada violação da lei, na eventualidade de esta existir. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio chegou mesmo a fazer uso de uma dessas vias, mas aparentemente ficou insatisfeito com o seu resultado ( 75 ).

114.

Em tais circunstâncias, não apreciar o mérito do reenvio pode ser considerado conforme com a jurisprudência constante segundo a qual, na ausência de qualquer indicação em sentido contrário, não cabe ao Tribunal de Justiça deduzir que as disposições nacionais que asseguram a independência e a imparcialidade dos tribunais podem ser aplicadas de forma contrária aos princípios consagrados na ordem jurídica interna ou aos princípios de um Estado regido pelo Estado de direito ( 76 ). Dito em termos simples, não foi detetada nenhuma questão grave, possivelmente decorrente do artigo 19.o, n.o 1, TUE, capaz de sugerir que o sistema jurídico nacional em causa não era capaz de «autorrecurso».

115.

Por último, no Acórdão Land Hessen, o órgão jurisdicional de reenvio submeteu ao Tribunal de Justiça uma questão relativa ao seu próprio estatuto como «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE, lido à luz do artigo 47.o da Carta. O Tribunal de Justiça observou que, através dessa questão, o órgão jurisdicional de reenvio convidava, na prática, o poder judicial da União a apreciar a admissibilidade do seu pedido de decisão prejudicial. Com efeito, uma vez que ser um «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE é uma condição de admissibilidade do reenvio, o cumprimento desta condição poderia ser considerado um requisito prévio da interpretação pelo Tribunal de Justiça da disposição do direito da União especificada na outra questão suscitada pelo órgão jurisdicional nacional.

116.

O Tribunal de Justiça analisou exaustivamente as preocupações suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio no que respeita à admissibilidade e concluiu que este órgão cumpria os requisitos do artigo 267.o TFUE ( 77 ). No entanto, o Tribunal de Justiça terminou a secção sobre admissibilidade, declarando que «esta conclusão não tem impacto para efeitos da apreciação da admissibilidade da segunda questão, a qual, enquanto tal, é inadmissível. Com efeito, uma vez que esta questão diz respeito à interpretação do próprio artigo 267.o TFUE, que não está em causa para efeitos da resolução do litígio no processo principal, a interpretação solicitada através da referida questão não corresponde a uma necessidade objetiva para a decisão que o órgão jurisdicional de reenvio deve proferir» ( 78 ).

117.

A abordagem seguida pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão e a redação de certas passagens do mesmo podem, pelo menos à primeira vista, afigurar‑se intrigantes. No entanto, após uma análise mais atenta, talvez possam ser entendidas da seguinte forma.

118.

O Tribunal de Justiça quis simplesmente indicar que, quando surgem questões que visam saber se as condições estabelecidas no artigo 267.o TFUE para a admissibilidade dos reenvios, a apreciação das mesmas questões diz respeito, obviamente, à admissibilidade do reenvio, e não ao seu mérito. Por conseguinte, se surgirem dúvidas sobre se o órgão que procede ao reenvio é um «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE (por alegadamente não ser suficientemente independente, como sucedeu no Acórdão Land Hessen, ou por qualquer outro motivo), esse problema constitui uma questão processual prévia, independentemente de ter sido apresentado ao Tribunal de Justiça em termos de admissibilidade ou de ter sido objeto de uma questão prejudicial específica ( 79 ).

119.

É verdade que a posição do Tribunal de Justiça sobre esta questão não tem sido inteiramente consistente ao longo dos anos. Com efeito, a natureza judicial do órgão que efetua o pedido de decisão prejudicial tem sido avaliada tanto em termos de competência do Tribunal de Justiça ( 80 ) como em termos de admissibilidade do reenvio ( 81 ). Além disso, ao contrário do que fez no Acórdão Land Hessen, o Tribunal de Justiça respondeu em alguns processos a questões relativas ao conceito de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE e à possibilidade de o órgão nacional que apresentou o pedido num processo ser considerado nessa qualidade ( 82 ).

120.

No entanto, não creio que deva ser dada muita ênfase à inevitável heterogeneidade da jurisprudência estabelecida ao longo dos anos, uma vez que é naturalmente possível que seja muito dependente do processo em causa. Embora tal proposta seja provavelmente insatisfatória de um ponto de vista teórico, não considero que dê origem a um problema específico. Na medida em que o Tribunal de Justiça efetue uma verificação da natureza judicial de um órgão nacional que apresenta um pedido, independentemente de o fazer no âmbito da competência, da admissibilidade, ou (eventualmente) mesmo do mérito, tem uma importância prática limitada. O órgão jurisdicional nacional obtém os esclarecimentos solicitados e, quando o Tribunal de Justiça deteta um problema, o pedido é indeferido por razões processuais, sem consideração quanto ao mérito das questões prejudiciais submetidas ( 83 ).

121.

Por conseguinte, não considero que o Acórdão Land Hessen do Tribunal de Justiça constitua um desvio à jurisprudência acima referida. Em todo o caso, os presentes processos podem ser facilmente distinguidos dos que foram apreciados nos Acórdãos Miasto Łowicz, Maler e Land Hessen, questão que abordarei em seguida.

iii) Os presentes processos são diferentes dos anteriormente referidos

122.

Em primeiro lugar, contrariamente à situação em causa no Acórdão Miasto, a resposta dada pelo Tribunal de Justiça à primeira questão pode com efeito ser tida em conta, uma vez que diz respeito à composição correta da formação de julgamento. Deste ponto de vista, a pertinência da primeira questão está relacionada com a necessidade de resolver um problema específico e real que afeta diretamente o processo perante o órgão jurisdicional de reenvio. A este respeito, a presidente da formação tem várias opções ao seu dispor a fim de sanar a situação de incumprimento.

123.

Tendo como referência a taxonomia referida no Acórdão Miasto Łowicz, considero que os presentes processos se enquadram diretamente na terceira categoria: o órgão jurisdicional de reenvio pede uma resposta do Tribunal de Justiça para resolver uma questão processual de direito nacional antes de poder pronunciar‑se sobre o mérito dos processos que lhe são submetidos.

124.

Simultaneamente, os presentes processos também se enquadram na segunda categoria: o órgão jurisdicional de reenvio baseia‑se nas disposições da Diretiva 2016/343, um ato legislativo da União que estabelece regras de natureza processual que parecem ser aplicáveis no processo principal, quer ratione personae quer ratione materiae ( 84 ).

125.

Neste contexto, e à luz das alegadas ligações entre certos juízes das formações de julgamento no processo principal e o ministro da Justiça/procurador‑geral, é evidente que o órgão jurisdicional de reenvio pode questionar se as medidas nacionais em causa são compatíveis com as disposições da Diretiva 2016/343. O artigo 3.o da referida diretiva estabelece o princípio de que «[o]s Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido se presume inocente enquanto a sua culpa não for provada nos termos da lei». A este respeito, importa observar que a presunção de inocência está consagrada no artigo 48.o da Carta, que corresponde ao artigo 6.o, n.os 2 e 3 da CEDH, como decorre das Anotações relativas à Carta ( 85 ). Por sua vez, o artigo 6.o da Diretiva 2016/343, que faz eco do considerando 22, prevê essencialmente que o ónus da prova da culpa dos suspeitos e dos arguidos recai sobre a acusação, e que qualquer dúvida deverá ser interpretada a favor do suspeito ou do arguido.

126.

A questão de saber se as disposições da Diretiva 2016/343 efetivamente proíbem medidas nacionais como as que estão em causa no presente processo está, assim, relacionada com o mérito, e não com a admissibilidade, da primeira questão.

127.

Em segundo lugar, ao contrário do que sucede no Acórdão Maler, a questão suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio diz respeito à compatibilidade de certas medidas nacionais com as disposições do direito primário e secundário da União. Por outras palavras, os presentes processos não são um mero reflexo (esbatido) daquilo que é essencialmente um problema interno do sistema jurídico nacional. Além disso, o mérito da questão diz respeito a um elemento bastante básico, o da imparcialidade judicial, e não apenas a uma questão técnica sobre a qual não existe uma abordagem unificada no direito da União. Acresce ainda, prima facie, que estas eventuais questões têm alguma gravidade e podem ter repercussões sistémicas significativas. Por último, estes processos foram submetidos num contexto jurídico específico, no qual a capacidade de tal sistema para «autosanar» estava longe de ser óbvia.

128.

Em terceiro lugar, no Acórdão Land Hessen, o Tribunal de Justiça prestou os esclarecimentos solicitados ao órgão jurisdicional de reenvio. Os elementos existenciais («sou um órgão jurisdicional?») e metafísicos («utilizo o procedimento do artigo 267.o TFUE para verificar se posso utilizar esse procedimento») subjacentes à segunda questão referida não impediram o Tribunal de Justiça de apreciar as questões submetidas. O obiter dictum do Tribunal de Justiça no n.o 62 do acórdão tem, em geral, uma função pedagógica. Nos presentes processos, se o Tribunal de Justiça considerasse os pedidos integralmente inadmissíveis, o órgão jurisdicional de reenvio não receberia nenhuma orientação sobre a questão suscitada.

129.

Por conseguinte, longe de duvidar da minha conclusão sobre a admissibilidade da primeira questão prejudicial, a jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça revela, de facto, a razão pela qual é necessária uma resposta a essa questão para que o órgão jurisdicional de reenvio se pronuncie nos processos que nele se encontram pendentes.

B. Natureza e limites do artigo 19.o, n.o 1, TUE

130.

Na secção anterior das presentes conclusões, procurei explicar a razão pela qual considero que, em conformidade com a aplicação da jurisprudência tradicional do Tribunal de Justiça relativamente à sua competência e à admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial, a primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio é admissível. Também tentei sistematizar a jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça, demonstrando a razão pela qual nada alterou, de facto, aquela abordagem tradicionalmente aberta.

131.

Atualmente, é, todavia, necessário referir o (novo) elefante na sala: o segundo parágrafo do artigo 19.o, n.o 1, TUE. Não há como disfarçar que o desconforto sentido no que respeita à apreciação da admissibilidade nos presentes processos, bem como talvez noutros processos recentemente intentados ou atualmente pendentes no Tribunal de Justiça, decorre, em certa medida, da abordagem «generosa» que este Tribunal adotou no que respeita à interpretação do artigo 19.o, n.o 1, TUE. Com efeito, assim que os limites substantivos da necessidade de estar «dentro do âmbito» do direito da União para que a competência do Tribunal de Justiça seja acionada caíram no caso do artigo 19.o, n.o 1, TUE, surgiram logicamente preocupações sobre a eventual aplicação extensiva do segundo parágrafo do artigo 19.o, n.o 1, TUE ( 86 ). Mais cedo ou mais tarde, poderá mesmo haver uma tentação de reintroduzir esses limites nivelem termos de admissibilidade ( 87 ).

132.

Não é possível negar que a abordagem adotada no Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117), é bastante extensa: o âmbito do artigo 19.o, n.o 1, TUE é amplo, tanto ratione materiae (abrangendo todos os domínios cobertos pelo direito da União, independentemente de os Estados‑Membros aplicarem o direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta no caso individual), e ratione iudicis (abrangendo qualquer órgão nacional que se possa pronunciar, enquanto órgão jurisdicional, sobre questões relativas à aplicação e interpretação do direito da União). Conforme observei nas Conclusões que apresentei no processo AFJR, é de facto bastante difícil encontrar um órgão jurisdicional nacional que, por definição, possa nunca vir a ser chamado a pronunciar‑se sobre questões de direito da União ( 88 ).

133.

Com base no exposto, poderia alegar‑se que, tendo em conta o âmbito alargado do artigo 19.o, n.o 1, TUE, justifica‑se uma abordagem mais restritiva da admissibilidade dos processos que suscitam questões ao abrigo dessa disposição. Em tal cenário, os critérios de admissibilidade constituiriam as comportas que impediriam o Tribunal de Justiça de ser inundado por inúmeros reenvios prejudiciais relativos a uma variedade de aspetos que, no entender de algum órgão jurisdicional nacional, poderiam suscitar questões de independência do sistema judiciário nacional.

134.

Nesta secção, explicarei a razão pela qual não partilho desse ponto de vista. Com efeito, estou convencido de que a abordagem do Tribunal de Justiça sobre esta questão — quando corretamente enquadrada e aplicada — é adequada. Para o efeito, é necessário salientar a verdadeira natureza do segundo parágrafo do artigo 19.o, n.o 1, TUE: trata‑se simplesmente de uma via de recurso extraordinária para casos extraordinários. Por conseguinte, o limiar de acesso em termos de admissibilidade é baixo e assim deverá permanecer, ao passo que o limiar substantivo para a sua violação é relativamente elevado (1). Neste sentido, o artigo 19.o, n.o 1, TUE complementa mas, eventualmente, pode ir além de duas outras disposições fundamentais do Tratado que refletem também o princípio da independência judicial: o artigo 47.o da Carta e o artigo 267.o TFUE (2).

a)   Natureza e alcance do artigo 19.o, n.o 1, TUE

135.

Para começar, importa salientar que a leitura da disposição pelo Tribunal de Justiça resulta da redação do artigo 19.o, n.o 1, TUE, que obriga os Estados‑Membros a «estabelece[rem] as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União». A obrigação prevista no mesmo é extensa e sem reservas. Baseia‑se na área, não depende do processo.

136.

Também não é discutível que um mínimo de garantias de independência judicial deve ser assegurado, por uma questão de princípio, a todos os tribunais e em relação a todas as suas atividades. É absurdo afirmar que uma regra nacional sobre organização judicial não seria problemática em processos puramente nacionais apesar de potencialmente ser motivo de preocupação sempre que uma disposição ou princípio do direito da União é aplicável. A (in)dependência tem a ver com controlo, pressão e influência. É estrutural. Deve ser garantida de forma transversal. É certo que uma pessoa que influencia ou, inclusivamente, controla um juiz ou um tribunal pode decidir não exercer a sua influência num processo específico. No entanto, isto dificilmente significaria que esse juiz é, em geral, «independente» ( 89 ). Por esta razão, simplesmente não existe «a independência judicial no âmbito do direito da União» por oposição à «independência judicial em casos exclusivamente nacionais» ( 90 ). Não há independência judicial «a tempo parcial» ( 91 ).

137.

Além disso, é muitas vezes impossível identificar, no início de um processo, se uma disposição ou princípio do direito da União pode, ou não, revelar‑se aplicável no decurso de um determinado processo. Além disso, muitas decisões judiciais podem, em algum momento após a prolação, entrar no «espaço judicial» da União por uma qualquer razão. O reconhecimento mútuo, para não mencionar a confiança mútua, dificilmente seria eficaz se as autoridades nacionais tivessem de verificar, sistematicamente, se um tribunal de outro Estado‑Membro era «suficientemente independente» sempre que apreciassem um processo (inicialmente) puramente interno que, em seguida, atravessava a fronteira (metaforicamente falando), com vista a produzir determinados efeitos jurídicos noutro Estado‑Membro.

138.

Este problema não se limita, no entanto, à dimensão horizontal da cooperação mútua entre Estados‑Membros ( 92 ). Num sistema como o da União Europeia, onde o direito é o principal veículo de alcance de integração, a existência de um sistema judicial independente (tanto a nível central como a nível nacional), capaz de assegurar a correta aplicação desse direito, reveste‑se da maior importância. Muito simplesmente, sem um poder judicial independente deixaria simplesmente de haver um sistema legal genuíno. Se não houver «direito», dificilmente poderá haver mais integração. A aspiração de criação de «uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa» está condenada a colapsar se começarem a surgir buracos negros jurídicos no mapa judicial da Europa.

139.

Tendo em consideração o exposto, é fundamental que o sistema judicial europeu insista categoricamente em garantias mínimas de independência e imparcialidade judicial de todos os seus membros constituintes, independentemente de no caso concreto submetido a um determinado tribunal o direito da União ser de facto aplicado.

140.

No entanto, todos esses argumentos estruturais sobre a razão revelam relativamente pouco sobre o modo. Em primeiro lugar, o artigo 19.o, n.o 1, TUE tem um âmbito de aplicação ilimitado, abrangendo assim qualquer eventual problema relacionado com a organização judiciária dos Estados‑Membros, os seus procedimentos e a sua prática? Por outras palavras, será que o artigo 19.o, n.o 1, TUE é como um poderoso microscópio eletrónico, capaz de detetar mesmo as mais pequenas partículas que podem (ou não) afetar a «saúde» do poder judicial nacional?

141.

Em meu entender, a resposta deve ser negativa. O alcance material do artigo 19.o, n.o 1, TUE ainda não determina o limiar necessário para a sua violação. O primeiro corresponde à área«abrangida» pelos princípios consagrados na disposição da União: as medidas nacionais que se inserem nesta área podem, por conseguinte, ser sujeitas a uma avaliação de compatibilidade com os princípios que daí decorrem. O último é o critério que deve ser utilizado para efetuar essa avaliação.

142.

Esta proposta exige uma série de esclarecimentos.

143.

Em primeiro lugar, qual é efetivamente o critério para uma eventual violação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE? Dito novamente, o texto do artigo 19.o, n.o 1, TUE prevê a obrigação imposta ao Estado‑Membro e, assim, o momento em que esta obrigação não é cumprida. Os Estados‑Membros apenas violam esta disposição quando não «estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva».

144.

Por conseguinte, partilho da opinião do advogado‑geral E. Tanchev segundo a qual o artigo 19.o, n.o 1, TUE é uma disposição que diz principalmente respeito aos elementos estruturais e sistémicos dos regimes jurídicos nacionais ( 93 ). Estes elementos, independentemente de resultarem de atos do poder legislativo ou do executivo nacional, ou de uma prática judicial, podem pôr em causa a capacidade de um Estado‑Membro para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva aos indivíduos. Por outras palavras, aquilo que é relevante nos termos do artigo 19.o, n.o 1, TUE é saber se o sistema judicial de um Estado‑Membro cumpre o princípio do Estado de direito, um dos valores fundadores da União, que se encontra também no artigo 2.o TUE.

145.

Creio que esta proposta ainda não foi expressamente aceite nem refutada pelo Tribunal de Justiça. Com efeito, o Tribunal de Justiça não aprofundou este aspeto, uma vez que isso não era necessário para decidir sobre os casos em apreço.

146.

Em segundo lugar, se assim fosse, então o limiar de admissibilidade no que respeita ao artigo 19.o, n.o 1, TUE não é, e não precisa de ser, colocada acima do habitual. A este respeito, a jurisprudência tradicional e a abordagem sobre a admissibilidade, tal como descrita em pormenor na secção anterior das presentes conclusões, são suficientes. Com efeito, o segundo parágrafo do artigo 19.o, n.o 1, TUE já inclui um limiar substantivo bastante elevado para a sua violação.

147.

O artigo 19.o, n.o 1, TUE prevê uma via de recurso extraordinária para situações extraordinárias. O seu objetivo não é abranger todas as questões que possam surgir em relação ao poder judicial nacional, mas apenas as que tenham uma certa gravidade e/ou que sejam de natureza sistémica, relativamente às quais é pouco provável que o sistema jurídico interno possa oferecer uma via de recurso adequada.

148.

Por gravidade e natureza sistémica, não pretendo dizer que, para que tal disposição seja violada, tem necessariamente de surgir um problema num número significativo de processos, ou afetar uma grande parte do sistema judicial nacional. A questão crucial consiste antes em saber se o problema (pontual ou recorrente) apresentado ao Tribunal de Justiça é suscetível de ameaçar o bom funcionamento do sistema judicial nacional, comprometendo assim a capacidade de o Estado‑Membro em causa proporcionar vias de recurso suficientes aos indivíduos.

149.

Nesta perspetiva, não faltam situações nos sistemas judiciais nacionais que podem dizer respeito a erros individuais, ou mesmo repetitivos e, assim, estruturais, mas que, no entanto, ainda não ultrapassarão o limiar do artigo 19.o, n.o 1, TUE. Os exemplos podem variar entre uma indexação incorreta dos salários dos juízes num determinado ano; a não aprovação da gratificação de «final de ano»; a não atribuição de um processo à secção correta do tribunal ou ao juiz relator correto; a não promoção da pessoa mais qualificada para o cargo de presidente de secção; e assim por diante. Em contrapartida, o facto de uma única nomeação judicial, mas fundamental, ter sido legalmente efetuada pode, apesar de ter ocorrido apenas uma vez, ter repercussões sistémicas suscetíveis de justificar uma apreciação nos termos do artigo 19.o, n.o 1, TUE ( 94 ).

150.

Outro aspeto que, em meu entender, é pertinente no âmbito do artigo 19.o, n.o 1, TUE diz respeito à questão de saber se o sistema nacional proporciona, em matéria de direito e de facto, garantias estruturais suficientes para eventualmente sanar ele próprio o problema identificado. Quando o quadro jurídico geral estabelecido por um Estado‑Membro é, por uma questão de princípio, suscetível de sanar o eventual erro, os casos de aplicação incorreta individual desse quadro não conduzem automaticamente a uma violação do artigo 19.o, n.o 1, TUE. Não cabe ao Tribunal de Justiça controlar meticulosamente o cumprimento por parte dos órgãos jurisdicionais nacionais das suas próprias regras nacionais ( 95 ). Por conseguinte, elementos que apontam para implicações mais amplas, um caso único e isolado de alegado erro na interpretação ou aplicação de uma disposição nacional, num sistema jurídico de outro modo saudável e conforme com o direito da União, não violam o artigo 19.o, n.o 1, TUE.

151.

Uma vez mais, é quase afirmar o óbvio dizer que nem todos as matérias que possivelmente dizem respeito às regras relativas ao poder judicial ou aos processos judiciais são uma questão relativa ao Estado de direito ( 96 ). A fiscalização que o Tribunal de Justiça deve efetuar das medidas nacionais que alegadamente afetam a independência do poder judicial nacional tem de limitar‑se a situações patológicas.

152.

Em terceiro lugar, como parte dessa avaliação, é fundamental não apreciar apenas o «direito dos livros», mas incluir também o «direito no terreno». O Tribunal de Justiça tem apreciado sistematicamente a compatibilidade com o direito da União das leis e regulamentos nacionais, uma vez que estes são aplicados na prática ( 97 ), à luz da interpretação que lhes é dada pelos órgãos jurisdicionais nacionais ( 98 ) e, conforme o caso, tendo em consideração os princípios jurídicos gerais do sistema jurídico nacional ( 99 ). Foi por esta razão que o Tribunal de Justiça insistiu que as alegadas violações do artigo 19.o, n.o 1, TUE devem ser sempre apreciadas no seu contexto, tendo em conta todos os elementos pertinentes. Os aspetos técnicos do problema apresentado ao Tribunal de Justiça não podem ser apreciados em «isolamento clínico» do panorama jurídico e institucional mais amplo ( 100 ).

153.

Assim, o Tribunal de Justiça olha claramente além da disposição específica. Este escrutínio não se limita apenas às disposições de direito nacional estreitamente ligadas, mas alarga‑se, de facto, ao panorama jurídico e institucional mais amplo ( 101 ). Dito em termos simples, qualquer potencial dor de um «doente» individual deve ser avaliada tendo em conta o seu «estado de saúde» geral quanto à independência judicial.

154.

Nesta perspetiva, continuo perplexo no que diz respeito à forma como a abordagem ao artigo 19.o, n.o 1, TUE descrita nesta secção poderia ser contrária à igualdade dos Estados‑Membros ou poderia estabelecer um duplo critério. O critério é exatamente o mesmo e é exigido a todos. No entanto, o estado dos doentes individuais é objetivamente muito diferente ( 102 ). A igualdade dos Estados‑Membros dificilmente pode ser abordada sob a forma de uma qualidade puramente formal, para não dizer formalista: todos devem ser tratados exatamente do mesmo modo, independentemente da situação e do contexto em que se encontrem. A automaticidade desprovida de sentido não é igualdade (material), que de facto exige um tratamento idêntico, mas também tratar de maneira diferente as situações diferentes ( 103 ).

155.

Em quarto e último lugar, a consequência de tal interpretação do artigo 19.o, n.o 1, TUE é que a avaliação da conformidade de uma medida nacional com os critérios do artigo 19.o, n.o 1, TUE não seria efetuada aquando da determinação da admissibilidade das questões («o artigo 19.o, n.o 1, TUE é aplicável ao caso em apreço?), mas na fase de avaliação do mérito das questões («a medida nacional em causa cumpre os critérios estabelecidos no artigo 19.o, n.o 1, TUE?»).

156.

Por sua vez, isso suscita ainda outra questão importante, mas de natureza mais pragmática: será que esta abordagem é suscetível de criar problemas para o rol de processos do Tribunal de Justiça?

157.

Não creio que seja.

158.

Por um lado, a jurisprudência existente em matéria de admissibilidade permite que o Tribunal de Justiça julgue improcedentes, de forma bastante célere, processos artificiais ou hipotéticos, e também os processos em que, apesar de a questão estar abrangida ratione materiae pelo artigo 19.o, n.o 1, TUE, o órgão jurisdicional nacional não poderia ter em conta (como no Acórdão Miasto Łowicz) a resposta do Tribunal de Justiça à questão ou questões prejudiciais ( 104 ). De igual modo, os processos em que os requisitos básicos do artigo 19.o, n.o 1, TUE aparentemente não estão preenchidos e/ou o órgão jurisdicional de reenvio não explicou a razão pela qual uma questão nos termos do artigo 19.o, n.o 1, TUE pode eventualmente surgir, podem ser rejeitados caso as condições de pertinência e necessidade da questão não estejam satisfeitas.

159.

Como tentei explicar, o limiar para uma violação do artigo 19.o, n.o 1, TUE é relativamente elevado. Quando as medidas nacionais contestadas, independentemente do seu caráter lícito ou ilícito, não apresentam nenhuma questão genuinamente relacionada com o Estado de direito (tendo em conta a sua gravidade e as repercussões sistémicas da alegada violação ou a incapacidade do sistema para se sanar ele próprio), uma apreciação do mérito do processo não se afigura mais complexa ou morosa para o poder judicial da União do que aquela que se centra na sua admissibilidade ( 105 ).

160.

Por conseguinte, uma aplicação ortodoxa da jurisprudência tradicional do Tribunal de Justiça sobre admissibilidade relativamente aos casos em que as questões prejudiciais se referem à interpretação do artigo 19.o, n.o 1, TFUE não cria, em meu entender, um risco de abertura das comportas do Tribunal de Justiça no que diz respeito a reenvios estranhos, mal escolhidos ou desonestos. Também não exige que o Tribunal de Justiça «ajuste» a sua avaliação habitual do critério da «necessidade», de modo a rejeitar mais casos do que normalmente faria.

b)   Artigo 19.o, n.o 1, TUE, artigo 47.o da Carta e artigo 267.o TFUE: o mesmo conteúdo, mas com uma finalidade diferente

161.

Existe um elemento final relativo ao segundo parágrafo do artigo 19.o, n.o 1, TUE que deve ser discutido: qual é a relação desta disposição com as outras disposições do Tratado que também consagram o princípio da independência judicial, nomeadamente o artigo 47.o da Carta e o artigo 267.o TFUE? ( 106 ) Com efeito, a interrelação entre estas disposições tem sido fonte de alguma confusão para as partes, bem como para um certo número de órgãos jurisdicionais de reenvio. Será que estas disposições estabelecem diferentes tipos de «independência judicial»? É possível que um órgão jurisdicional nacional possa ser independente para efeitos de uma destas disposições, sem ser suficientemente independente para outra? Existirão, consequentemente, diferentes «independências judiciais» no direito da União?

162.

Em meu entender, a resposta simples é «não»: existe apenas um único princípio de independência judicial. Além de ser evidente em termos lógicos, esta consideração é também demonstrada pelo facto de o Tribunal de Justiça se ter referido a este conceito da mesma forma, independentemente da disposição da União aplicável no caso em apreço ( 107 ). Assim, não posso deixar de concordar plenamente com os advogados‑gerais E. Tanchev e G. Hogan quando afirmam que o conteúdo do artigo 19.o, n.o 1, TUE e do artigo 47.o da Carta, em termos de independência judicial, é, no essencial, o mesmo ( 108 ).

163.

Dito isto, o mesmo conteúdo não significa necessariamente o mesmo resultado num caso individual. As três disposições são diferentes quanto à sua finalidade e propósito dentro da estrutura dos Tratados. Esta diferença significa um tipo ligeiramente diferente de exame que tem de ser efetuado ao abrigo de cada uma das três disposições.

164.

O artigo 19.o, n.o 1, TFUE tem um âmbito alargado, indo além das situações em que um caso individual é regido, na perspetiva tradicional, pelo direito da União. Exige que os Estados‑Membros garantam que a organização e o funcionamento dos seus órgãos judiciais, tendo em conta o seu papel central no sistema jurídico da União, respeitem os valores da União, especialmente o Estado de direito. O limiar da sua infração é bastante elevado: apenas questões de natureza sistémica ou de certa gravidade, que dificilmente serão sanadas pelo próprio sistema nacional de vias de recurso, dão origem a uma infração. A análise do Tribunal de Justiça, neste contexto, vai claramente além do processo individual e inclui a ampla estrutura institucional e constitucional do poder judicial nacional.

165.

O artigo 47.o da Carta é uma disposição que consagra um direito subjetivo de qualquer parte num processo — à ação e a um tribunal imparcial — que só é aplicável quando um processo é abrangido pelo direito da União ao abrigo do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. Neste âmbito, todas as partes têm o direito de invocar uma violação do artigo 47.o da Carta. A verificação da «independência» de um tribunal, neste contexto, exige uma avaliação detalhada e específica de todas as circunstâncias pertinentes. As questões ligadas a alguma característica estrutural ou sistémica do sistema judicial nacional são pertinentes apenas na medida em que possam ter tido um impacto no processo individual. A intensidade da fiscalização do Tribunal de Justiça relativamente à independência do órgão judicial em causa é, neste contexto, moderada: nem todas as violações da lei equivalem a uma violação do artigo 47.o da Carta. Para tal, é necessária uma certa gravidade. No entanto, sendo cumprido o critério de gravidade exigido, isso é suficiente para dar origem a uma violação do artigo 47.o da Carta, uma vez que nenhuma outra condição precisa de ser satisfeita para garantir o direito individual decorrente do direito da União.

166.

Por último, o artigo 267.o TFUE tem um âmbito amplo e material, que abrange todas as situações em que uma disposição da União pode ser aplicável, mas que se estende também a determinadas situações que não estão abrangidas pelo âmbito do direito da União ( 109 ). O conceito de «órgão jurisdicional» (que, por definição, exige a independência dos seus membros) tem, nesta disposição, um caráter funcional: serve para identificar os órgãos nacionais que podem tornar‑se os interlocutores do Tribunal de Justiça no âmbito de um processo de decisão prejudicial. Uma análise ao abrigo do artigo 267.o TFUE está centrada numa questão estrutural, de âmbito bastante geral: a posição deste órgão no quadro institucional dos Estados‑Membros. A intensidade da fiscalização do Tribunal de Justiça em relação à independência do órgão não é, neste contexto, tão intensa. Afinal, o objetivo do artigo 267.o TFUE consiste simplesmente em identificar os interlocutores institucionais adequados no que respeita à admissibilidade.

167.

Esta diferenciação tem consequências bastante importantes tanto para as partes como para os órgãos jurisdicionais de reenvio.

168.

Em primeiro lugar, uma eventual questão que resulte numa violação do artigo 47.o da Carta apenas pode ser suscitada em relação a um direito individual garantido ao abrigo do direito da União ( 110 ). Isto é suscetível de excluir o recurso a essa disposição em circunstâncias em que os próprios juízes nacionais suscitem questões relativas à compatibilidade do seu sistema com o princípio da independência judicial consagrado no direito da União, uma vez que é improvável que os próprios juízes disponham de um direito decorrente do direito da União que está em causa nos processos que lhes são submetidos. Em contrapartida, as questões suscitadas pelos próprios juízes são efetivamente possíveis e admissíveis nos termos do artigo 19.o, n.o 1, TUE e do artigo 267.o TFUE ( 111 ).

169.

Em segundo lugar, o tipo de fiscalização, limiar e intensidade podem eventualmente conduzir a resultados distintos em termos de (in)compatibilidade. Em especial, é perfeitamente plausível que uma mesma questão possa constituir uma violação ao abrigo do artigo 47.o da Carta apesar de não colocar problemas ao abrigo do artigo 19.o, n.o 1, TUE ( 112 ), da mesma forma que pode existir uma violação do artigo 19.o, n.o 1, TUE apesar de não existir violação do artigo 47.o da Carta ( 113 ).

170.

Tendo concluído que a primeira questão é admissível, abordarei em seguida o mérito.

C. Mérito

171.

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 2.o TUE e o princípio do Estado de direito consagrado no mesmo, e o artigo 6.o, n.os 1 e 2, em conjugação com o considerando 22, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições nacionais segundo as quais o ministro da Justiça/procurador‑geral pode, com base em critérios que não são tornados públicos, destacar juízes para tribunais superiores por um período indefinido e pôr termo, a todo o tempo e de forma discricionária a esse destacamento.

172.

Segundo jurisprudência constante, o conceito de independência judicial tem dois aspetos: externo e interno.

173.

O aspeto externo (ou independência stricto sensu) exige que o tribunal esteja protegido contra a intervenção externa ou contra pressões suscetíveis de comprometer o julgamento independente dos seus membros no que respeita aos processos neles pendentes. Como o advogado‑geral G. Hogan expôs, acertadamente, em recentes conclusões, a independência stricto sensu exige que um órgão jurisdicional nacional possa «exer[cer] as suas funções com total autonomia, sem estar submetid[o] a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a nenhuma entidade e sem receber ordens ou instruções de nenhuma proveniência» ( 114 ).

174.

O aspeto interno está ligado à imparcialidade e procura assegurar condições de igualdade para as partes no processo e os seus interesses respetivos no que diz respeito ao objeto do processo. Este aspeto requer objetividade e ausência de qualquer interesse no desfecho do processo, além da aplicação estrita do Estado de direito. Como salientou o advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo De Coster, a imparcialidade exige dos juízes uma «atitude psicológica de indiferença inicial» no que diz respeito aos litígios, para ser (e parecer) equidistante em relação às partes ( 115 ).

175.

Como o Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado, estes dois requisitos exigem «regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração das funções, bem como às causas de abstenção, de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto» ( 116 ).

176.

Neste contexto, a questão relevante nos presentes processos parece ser a seguinte: as medidas nacionais em causa — em particular, as que afetam a composição de formações de julgamento em processos penais — oferecem garantias suficientes relativamente à independência e imparcialidade de cada um dos membros destas formações, a fim de dissipar qualquer dúvida, na mente dos indivíduos, de que esses membros podem ser influenciados por fatores externos ou ter algum interesse no desfecho dos processos?

177.

Creio que a resposta a esta questão é claramente negativa. Com efeito, as medidas nacionais em causa afiguram‑se altamente problemáticas, tendo em conta tanto o aspeto interno como externo da independência.

178.

Antes de mais, importa assinalar que, nos termos do direito da União, os Estados‑Membros não têm o dever de adotar qualquer modelo constitucional específico que regule as relações e a interação entre os diferentes poderes estatais, desde que, evidentemente, seja mantido um nível básico de separação de poderes característicos do Estado de direito ( 117 ). Por conseguinte, nada no direito da União obsta a que os Estados‑Membros recorram a um sistema segundo o qual, no interesse do serviço, os juízes podem ser temporariamente destacados de um tribunal para outro, quer com o mesmo nível de jurisdição, quer para um tribunal superior ( 118 ).

179.

Nos sistemas em que o Ministério da Justiça é responsável por matérias relativas à organização e ao pessoal no que diz respeito ao domínio judiciário, as decisões sobre o destacamento de juízes individuais são provavelmente da competência do ministro. Desde que os procedimentos estatutários sejam seguidos, todas as autorizações adequadas exigidas pela legislação nacional tenham sido concedidas ( 119 ), e as regras comuns em matéria de nomeação, mandato e remoção de juízes continuem a ser aplicáveis durante o destacamento, este aspeto também não é, por si só, problemático.

180.

No entanto, este claramente não parece ser o caso ao abrigo das normas nacionais em questão nos presentes processos. Em muitos aspetos, os juízes destacados não estão sujeitos às regras comuns, mas sim a um regime jurídico bastante especial — e muito preocupante.

181.

Em primeiro lugar, parece-me que, num sistema que respeita o Estado de direito, deveria haver, pelo menos, alguma transparência e responsabilidade em relação às decisões sobre o destacamento de juízes. Para ser claro, não creio que essas decisões tenham de ser necessariamente sujeitas a alguma forma de fiscalização judicial (direta). Contudo, deveriam existir outras formas de fiscalização a fim de evitar arbitrariedades e o risco de manipulação ( 120 ).

182.

Em especial, qualquer decisão relativa ao destacamento de um juiz (início ou termo) deveria ser tomada com base em alguns critérios conhecidos ex ante e devidamente fundamentada. Em meu entender, nem os critérios abstratos nem a fundamentação específica têm de ser particularmente detalhados. No entanto, devem poder oferecer um grau mínimo de clareza quanto aos fundamentos e à forma como uma determinada decisão foi tomada, de modo a assegurar alguma forma de supervisão ( 121 ).

183.

No entanto, esta característica não se encontra nas medidas nacionais em questão. Como o órgão jurisdicional de reenvio explicou, os critérios utilizados pelo ministro da Justiça/procurador‑geral para destacar juízes e para pôr termo ao seu destacamento, caso existam, não são, de modo algum, tornados públicos. Entendo também que estas decisões não incluem nenhuma exposição de motivos. É difícil falar de alguma forma de transparência, responsabilização e controlo nestas circunstâncias.

184.

Em segundo lugar, o facto de o destacamento ser por um período indefinido e de lhe poder ser posto termo, a todo o tempo, por decisão do ministro da Justiça/procurador‑geral constitui fonte de grande preocupação. Com efeito, é difícil imaginar um exemplo mais óbvio de confronto direto com o princípio da inamovibilidade dos juízes. A este respeito, inclino‑me para considerar que um destacamento (judicial) deveria normalmente ser por um período de tempo fixo, determinado em termos de uma certa duração ou até que um outro acontecimento objetivamente verificável se produza (por exemplo, quando o quadro habitual de funcionários do tribunal está de novo preenchido, ou quando o número de processos pendentes acumulados nesse tribunal volta aos níveis normais, dependendo da razão exata para o destacamento em primeiro lugar) ( 122 ).

185.

É certo que tem de ser admitida alguma flexibilidade a este respeito — no que se refere tanto às circunstâncias que justificam um destacamento ou o seu termo como à sua duração. No entanto, o exercício de uma discricionariedade ilimitada, não sujeita a fiscalização e não transparente como a que é concedida ao ministro da Justiça/procurador‑geral para destacar juízes e os remover a todo o tempo sempre que entender oportuno parece ir muito além do que poderia ser considerado razoável e necessário para assegurar o bom funcionamento e o fluxo de trabalho no âmbito da estrutura judicial nacional. Conforme o Parlamento Europeu observou em tempos, «[o] poder discricionário pode ser um mal necessário na moderna governação; mas um poder discricionário absoluto associado a uma falta absoluta de transparência é radicalmente contrário ao Estado de direito» ( 123 ).

186.

Em terceiro lugar, não só o poder de exercer essa discricionariedade ilimitada é atribuído a um membro do governo (e não, por exemplo, a um órgão judicial autónomo, que, em certa medida, pode ter atenuado o problema), como esse membro do governo usa igualmente «um duplo chapéu». Com efeito, no âmbito da Constituição nacional atualmente em vigor, o ministro da Justiça exerce também o cargo de procurador‑geral. Esta parece ser uma das características mais preocupantes — se não a mais preocupante — do quadro jurídico nacional.

187.

Nessa qualidade, o ministro da Justiça é o órgão procurador máximo no Estado‑Membro e tem autoridade sobre todos os serviços do Ministério Público. Tem amplos poderes sobre os procuradores subordinados. Nomeadamente, a lei nacional confere‑lhe poderes para tomar decisões «relativas ao conteúdo de um ato judicial» de um procurador subordinado, que é obrigado a agir em conformidade com tais decisões ( 124 ).

188.

Isto produz uma aliança «adúltera» entre dois órgãos institucionais que deveriam normalmente funcionar separadamente. No que diz respeito, em especial, à questão do destacamento de juízes, permite efetivamente ao superior hierárquico de uma parte em cada processo penal (o procurador) integrar (em parte) a formação que irá apreciar os processos instaurados pelos seus procuradores subordinados.

189.

Daqui decorre, obviamente, que alguns juízes podem sentir‑se incentivados (para não dizer mais) a proferir uma decisão a favor do procurador ou, em termos mais gerais, que seja do agrado do ministro da Justiça/procurador‑geral. Com efeito, os juízes dos tribunais inferiores podem sentir‑se tentados pela possibilidade de serem recompensados com um destacamento para um tribunal superior, que lhes pode oferecer melhores perspetivas de carreira e um salário mais elevado. Por sua vez, os juízes destacados podem ser desincentivados de agir de forma independente, com o intuito de evitarem o risco de que o ministro da Justiça/procurador‑geral ponha termo ao seu destacamento.

190.

Em quarto e último lugar, a situação acima descrita é ainda agravada pelo facto de alguns dos os juízes destacados poderem também exercer o cargo de agentes disciplinares adjuntos do instrutor de processos disciplinares para juízes de tribunais comuns, como o órgão jurisdicional de reenvio observa que é o caso de um dos juízes destacados. Não é certamente descabido acreditar que os juízes podem ter relutância em discordar de colegas que, um dia, poderão instaurar processos disciplinares contra eles. Além disso, em termos estruturais, é perfeitamente possível considerar que estas pessoas exercem um «controlo e supervisão difusos» nas formações de julgamento e nos tribunais para os quais foram destacadas, devido ao contexto e aos parâmetros do seu destacamento.

191.

Não surpreende que o Tribunal de Justiça esteja atualmente a apreciar vários processos em que a compatibilidade com o direito da União do regime disciplinar dos juízes que vigora na Polónia está a ser questionada ( 125 ). No seu Despacho de 8 de abril de 2020, o Tribunal de Justiça identificou uma série de potenciais questões a este respeito ( 126 ). É também sobejamente conhecido o facto de que, recentemente, foram instaurados vários processos disciplinares na Polónia contra juízes que fizeram meramente uso da possibilidade, prevista no artigo 267.o TFUE, de apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

192.

Em resumo, as disposições nacionais em questão dão origem, por um lado, a uma rede bastante preocupante de ligações entre os juízes destacados, os procuradores e (um membro do) governo, e, por outro, a uma confusão pouco saudável de papéis entre juízes, procuradores comuns e agentes disciplinares.

193.

Antes de concluir sobre este aspeto, devo acrescentar que não considero convincentes os argumentos apresentados a este respeito pela Procuradoria Distrital de Lublin. Não compreendo como é que o facto de ter sido introduzido um sistema de destacamento de juízes muito antes da tomada de posse do atual governo pode afetar uma análise destinada a verificar se este sistema é, ou não, conforme ao direito da União. Nem o facto de um destacamento ser permitido unicamente com o consentimento do juiz em questão (uma vez que o Tribunal Constitucional polaco considerou inconstitucional os destacamentos sem consentimento) ( 127 ) pode pôr em causa alguma das anteriores conclusões.

194.

Não posso deixar de sublinhar uma vez mais que não há nenhum problema do ponto de vista do direito da União com o destacamento dos juízes per se, desde que durante o seu destacamento nas estruturas judiciais nacionais, esses juízes gozem do mesmo tipo de garantias em termos de inamovibilidade e independência que quaisquer outros juízes do mesmo tribunal. No entanto, pelas razões que discuti pormenorizadamente nesta secção, este não é claramente o caso nos presentes processos.

195.

Em conclusão, considero que, em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais, não há as garantias mínimas necessárias para assegurar a indispensável separação de poderes entre o poder executivo e o poder judiciário. As regras nacionais em questão não oferecem suficientes garantias para inspirar nos indivíduos, especialmente nos que são alvo de processos penais, uma confiança razoável de que os juízes que integram a formação não estão sujeitos a pressões externas e influência política, e não têm interesse algum no desfecho do processo.

196.

Estas regras nacionais são, assim, incompatíveis com o segundo parágrafo do artigo 19.o, n.o 1, TUE. Conforme o Tribunal de Justiça observou recentemente no Acórdão A. B. e o., esta disposição impõe aos Estados‑Membros uma obrigação de resultado clara e precisa e que não está sujeita a nenhuma condição no que respeita à independência que deve caracterizar os órgãos jurisdicionais chamados a interpretar e a aplicar o direito da União ( 128 ). Por outras palavras, a referida disposição produz efeitos diretos e, por conseguinte, confere a um órgão jurisdicional nacional, em virtude do princípio do primado do direito da União, o poder de fazer o que estiver ao seu alcance para garantir a conformidade do direito nacional com o direito da União ( 129 ).

197.

À luz do exposto, não considero necessário insistir nas razões pelas quais as disposições nacionais em causa também violam as disposições da Diretiva 2016/343. No âmbito de uma infração tão grave ao artigo 19.o, n.o 1, TUE, tem pouco interesse continuar a discutir se o ónus da prova para estabelecer a culpa de suspeitos e arguidos ainda recai sobre a acusação, ou se o benefício da dúvida é efetivamente dado aos suspeitos ou arguidos. O próprio núcleo do princípio da presunção de inocência é enfraquecido quando a mesma pessoa — o ministro da Justiça/procurador‑geral —, no âmbito de processos penais, pode exercer influência tanto sobre os procuradores como sobre determinados juízes do tribunal. Por conseguinte, uma violação simultânea das disposições da Diretiva 2016/343 afigura‑se inevitável.

V. Conclusão

198.

Proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia) o seguinte:

O segundo parágrafo do artigo 19.o, n.o 1, TUE, em conjugação com o artigo 2.o TUE, e o artigo 6.o da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a regras nacionais segundo as quais o ministro da Justiça, que é simultaneamente o procurador‑geral, pode, com base em critérios que não são tornados públicos, destacar juízes para tribunais superiores por um período indefinido e pôr termo, a todo o tempo, a esse destacamento de forma discricionária;

As questões 2, 3 e 4 são inadmissíveis.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Acórdãos de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982) (a seguir «A. K. e o.»); de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234) (a seguir «Miasto Łowicz»); de 9 de julho de 2020, Land Hessen (C‑272/19, EU:C:2020:535) (a seguir «Land Hessen»); e Despacho de 2 de julho de 2020, S.A.D. Maler und Anstreicher (C‑256/19, EU:C:2020:523) (a seguir «Maler»).

( 3 ) JO 2016, L 65, p. 1.

( 4 ) Texto consolidado publicado no Dz. U. de 2019, n.o 52, conforme alterado.

( 5 ) Texto consolidado publicado no Dz. U. de 2020, posição 30.

( 6 ) Os artigos 200.o, 280.o, 177.o, 296.o da Ustawa z dnia 6 czerwca 1997 r. — Kodeks karny (Lei de 6 de junho de 1997 que Estabelece o Código Penal, versão consolidada no Dz. U. 2019, posição 1950).

( 7 ) O artigo 62.o, n.o 2, da Ustawa z dnia 10 września 1990 r. — Kodeks karny skarbowy (Lei de 10 de setembro de 1990 que estabelece o Código Penal Fiscal, versão consolidada, publicada no Dz. U. 2020, posição 19).

( 8 ) Acórdão de 27 de fevereiro de 2018 (C‑64/16, EU:C:2018:117).

( 9 ) V., neste sentido, A. K. e o., n.os 75, 84, e 86 e jurisprudência referida.

( 10 ) V., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2017, X e X (C‑638/16 PPU, EU:C:2017:173, n.o 37); A. K. e o., n.o 74; Land Hessen, n.o 41; e Acórdão de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Ações) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 69).

( 11 ) V., de forma mais extensiva, as Conclusões que apresentei no processo Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:339, n.o 54).

( 12 ) V. Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 51); A. K. e o., n.o 83; e Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Ações) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 111).

( 13 ) V., por exemplo, Acórdãos de 3 de julho de 2014, Da Silva (C‑189/13, não publicado, EU:C:2014:2043, n.os 34 e 35), e de 26 de fevereiro de 2015, Matei (C‑143/13, EU:C:2015:127, n.o 38).

( 14 ) V., como exemplo recente, Acórdão de 3 de outubro de 2019, A e o. (C‑70/18, EU:C:2019:823, n.o 73 e jurisprudência referida).

( 15 ) V., neste sentido, por exemplo, Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:626). Em sentido estrito, a questão suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio dizia respeito a uma presunção sobre o tratamento futuro de um processo por parte de uma autoridade administrativa nacional após ter sido anulado pelo órgão jurisdicional nacional. Contudo, tendo em conta o facto de a autoridade administrativa nacional já ter ignorado as decisões anteriores do órgão jurisdicional nacional, o tratamento do processo no passado tornou claramente a questão sobre o futuro muito menos hipotética e justificada.

( 16 ) Acórdão de 17 de setembro de 1997, Dorsch Consult (C‑54/96, EU:C:1997:413, n.o 23). Mais recentemente, Acórdão Land Hessen, n.o 43 e jurisprudência referida).

( 17 ) V., por exemplo, Acórdão de 17 de julho de 2014, Torresi (C‑58/13 e C‑59/13, EU:C:2014:2088, n.os 15 a 30).

( 18 ) V., neste sentido, Acórdão de 31 de janeiro de 2013, Belov (C‑394/11, EU:C:2013:48, n.o 40 e jurisprudência referida).

( 19 ) Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o. (C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 30 e jurisprudência referida).

( 20 ) Acórdão de 16 de julho de 2020, Governo della Repubblica italiana (Estatuto dos magistrados italianos) (C‑658/18, EU:C:2020:572, n.o 61 e jurisprudência referida).

( 21 ) Acórdão de 14 de janeiro de 1982 (65/81, EU:C:1982:6, n.o 6).

( 22 ) Acórdão de 9 de novembro de 1983, San Giorgio (199/82, EU:C:1983:318, n.os 7 a 10).

( 23 ) V. Despachos de 6 de setembro de 2018, Di Girolamo (C‑472/17, não publicado, EU:C:2018:684), e de 17 de dezembro de 2019, Di Girolamo (C‑618/18, não publicado, EU:C:2019:1090).

( 24 ) V., entre vários outros, Acórdãos de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.os 21 a 32 e jurisprudência referida), e de 15 de janeiro de 2013, Križan e o. (C‑416/10, EU:C:2013:8, n.o 62 to 73 e jurisprudência referida).

( 25 ) A. K. e o., n.o 110.

( 26 ) Ibidem, n.o 112.

( 27 ) V., por exemplo, Conselho da Europa, Conselho Consultivo de Juízes Europeus (CCJE), Parecer n.o 19 (2016) de 10 de novembro de 2016, The Role Of Court Presidents, CCJE(2016)2, p. 2.

( 28 ) V., a título de exemplo, artigo 11.o, n.o 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

( 29 ) V. Acórdão de 5 de setembro de 2019, AH e o. (Presunção de inocência) (C‑377/18, EU:C:2019:670, n.o 32).

( 30 ) Acórdãos de 11 de março de 1980, Foglia (I) (104/79, EU:C:1980:73), e de 16 de dezembro de 1981, Foglia (II) (244/80, EU:C:1981:302).

( 31 ) V., entre muitos, Acórdãos de 1 de dezembro de 2018, Wightman e o. (C‑621/18, EU:C:2018:999, n.os 26 e 27), e de 1 de outubro de 2019, Blaise e o. (C‑616/17, EU:C:2019:800, n.o 35).

( 32 ) V., designadamente, Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, Weryński (C‑283/09, EU:C:2011:85, n.o 35).

( 33 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 21 de abril de 1988, Pardini (338/85, EU:C:1988:194, n.os 10 e 11), e de 16 de julho de 1992, Lourenço Dias (C‑343/90, EU:C:1992:327, n.o 18).

( 34 ) V., designadamente, Acórdãos de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 24), e de 19 de junho de 2018, Gnandi (C‑181/16, EU:C:2018:465, n.o 31).

( 35 ) V. n.os 33 a 36, supra.

( 36 ) V., recentemente, Acórdãos de 17 de janeiro de 2019, Dzivev e o. (C‑310/16, EU:C:2019:30), e de 19 de dezembro de 2019, Deutsche Umwelthilfe (C‑752/18, EU:C:2019:1114).

( 37 ) V., entre muitos, Acórdão de 4 de dezembro de 2018, The Minister for Justice and Equality and Commissioner of the Garda Síochána (C‑378/17, EU:C:2018:979). Especificamente sobre esta questão, e com várias referências à jurisprudência, v., igualmente, Conclusões que apresentei no processo An tAire Talmhaíochta Bia agus Mara e o. (C‑64/20, EU:C:2021:14, e jurisprudência referida).

( 38 ) V., a título de exemplo, Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:626).

( 39 ) V., designadamente, Conclusões que apresentei no processo Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19 e C‑355/19, a seguir «AFJR», EU:C:2020:746, n.o 92 e jurisprudência referida).

( 40 ) V., em particular, Acórdão A. K. e o.

( 41 ) Ibidem, n.os 99 e 100.

( 42 ) Acórdão de 5 de julho de 2016 (C‑614/14, EU:C:2016:514).

( 43 ) V., designadamente, Acórdão de 28 de janeiro de 2021, Spetsializirana prokuratura (Carta de Direitos) (C‑649/19, EU:C:2021:75, n.o 34 e jurisprudência referida).

( 44 ) V., por exemplo, Acórdão de 19 de outubro de 1995, Job Centre (C‑111/94, EU:C:1995:340).

( 45 ) V., designadamente, Acórdão de 28 de fevereiro de 2019, Gradbeništvo Korana (C‑579/17, EU:C:2019:162, n.o 35 e jurisprudência referida).

( 46 ) Acórdão de 9 de novembro de 2010 (C‑137/08, EU:C:2010:659, n.os 31 e 32).

( 47 ) Acórdão de 3 de julho de 2019 (C‑644/17, EU:C:2019:555, n.o 27).

( 48 ) Acórdão de 4 de setembro de 2019 (C‑347/18, EU:C:2019:661).

( 49 ) V., designadamente, Acórdãos de 2 de março de 2017, Henderson (C‑354/15, EU:C:2017:157), e de 24 de outubro de 2019, Gavanozov (C‑324/17, EU:C:2019:892).

( 50 ) V., por exemplo, entre muitos outros, Acórdão de 20 de março de 1997, Hayes (C‑323/95, EU:C:1997:169) (relativo à garantia para despesas processuais exigida pela legislação nacional antes de se poder proceder a qualquer avaliação de mérito); Acórdão de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting‑04 (C‑93/12, EU:C:2013:432) (relativa a uma questão prévia de competência exclusiva num Estado‑Membro que tem de ser resolvida antes de se poder proceder a qualquer avaliação sobre o mérito).

( 51 ) V., recentemente, Acórdãos de 3 de julho de 2019, UniCredit Leasing (C‑242/18, EU:C:2019:558, n.os 46 e 47), e de 25 de novembro de 2020, Sociálna poisťovňa (C‑799/19, EU:C:2020:960, n.os 44 e 45).

( 52 ) V., por exemplo, Acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal (106/77, EU:C:1978:49, n.os 22 e 23), e de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten (C‑409/06, EU:C:2010:503, n.os 56 e 57).

( 53 ) V., com outras referências, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 50 e segs.).

( 54 ) A. K. e o., n.o 102.

( 55 ) Ibidem, n.o 103. A mesma lógica foi mais recentemente confirmada de novo no Acórdão de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Ações) (C‑824/18, EU:C:2021:153). Com efeito, nesse processo, o órgão jurisdicional de reenvio também se encontrava numa situação em que não tinha, por natureza, competência para agir ao abrigo do direito interno a fim de garantir o cumprimento do artigo 19.o, n.o 1, TUE.

( 56 ) V., designadamente, Acórdão de 16 de junho de 1981, Salonia (126/80, EU:C:1981:136, n.os 5 a 7). Mais recentemente, Acórdão de 1 de fevereiro de 2017, Tolley (C‑430/15, EU:C:2017:74, n.os 30 a 33).

( 57 ) Neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Review Simpson and HG c. Comissão (C‑542/18 RX-II e C‑543/18 RX‑11, EU:C:2020:232, n.os 57 e 58).

( 58 ) V. nota 30, supra.

( 59 ) V., por exemplo, Acórdão de 5 de julho de 2016, Ognyanov (C‑614/14, EU:C:2016:514, especialmente n.os 12 e 26).

( 60 ) Acórdão de 26 de março de 2020, Reexame Simpson/Conselho e HG/Comissão (C‑542/18 RX-II e C‑543/18 RX‑11, EU:C:2020:232, n.o 57). O sublinhado é meu.

( 61 ) Acórdão Miasto Łowicz.

( 62 ) Ibidem, n.o 48.

( 63 ) Ibidem, n.o 49, com referência ao Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117).

( 64 ) Ibidem, n.o 50, com referência ao Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, Weryński (C‑283/09, EU:C:2011:85, n.os 41 e 42).

( 65 ) Ibidem, n.o 51, com referência ao Acórdão A. K. e o.

( 66 ) V., para mais pormenores a este respeito, Conclusões que apresentei no processo Statul Român — Ministerul Finanţelor Publice (C‑397/19, EU:C:2020:747, n.os 33 e 34).

( 67 ) Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral E. Tanchev nos processos apensos Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (Regime disciplinar dos juízes) (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2019:775, n.os 115 a 126).

( 68 ) Acórdão Miasto Łowicz, n.os 45 a 53.

( 69 ) V., por exemplo, Platon, S., «Court of Justice Preliminary references and rule of law: Another case of mixed signals from the Court of Justice regarding the independence of national courts: Miasto Lowicz», Common Market Law Review, vol. 57, n.o 6, 2020, pp. 1843 a 1866.

( 70 ) Para uma discussão mais pormenorizada, v. Conclusões que apresentei no processo TÜV Rheinland LGA Products e Allianz IARD (C‑581/18, EU:C:2020:77) — relativo ao alcance do direito da União nos casos mais tradicionais de livre circulação e Conclusões que apresentei no processo Ispas (C‑298/16, EU:C:2017:650) — relativo ao alcance do direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta.

( 71 ) Despacho de 6 de outubro de 2020 (C‑623/18, EU:C:2020:800).

( 72 ) Despacho de 2 de julho de 2020, S.A.D. Maler und Anstreicher (C‑256/19, EU:C:2020:523).

( 73 ) Acórdão de 9 de julho de 2020 (C-272/19, EU:C:2020:535).

( 74 ) Acórdão Maler, n.os 46 a 48.

( 75 ) Ibidem, v. n.os 7 a 27, em particular n.o 16.

( 76 ) V., neste sentido, Acórdão de 4 de fevereiro de 1999, Köllensperger e Atzwanger (C‑103/97, EU:C:1999:52, n.o 24).

( 77 ) Land Hessen, n.os 42 a 61.

( 78 ) Ibidem, n.o 62.

( 79 ) V. Iannuccelli, P., «L’indépendance du juge national et la recevabilité de la question préjudicielle concernant sa propre qualité de juridiction», Il Diritto dell'Unione Europea, 2021, pp. 823 a 841.

( 80 ) V., designadamente, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Consorci Sanitari del Maresme (C‑203/14, EU:C:2015:664, n.os 16 a 31).

( 81 ) V., designadamente, Acórdão de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander (C‑274/14, EU:C:2020:17, n.os 51 a 80).

( 82 ) V., designadamente, Acórdãos de 27 de abril de 1994, Almelo (C‑393/92, EU:C:1994:171, n.os 21 a 24), de 4 de junho de 2002, Lyckeskog (C‑99/00, EU:C:2002:329, n.os 10 a 19), e de 16 de dezembro de 2008, Cartesio (C‑210/06, EU:C:2008:723, n.os 54 a 63).

( 83 ) V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Gullotta e Farmacia di Gullotta Davide & C. (C‑497/12, EU:C:2015:168, n.os 15 e 25).

( 84 ) Conforme acima referido nos n.os 69 a 71 das presentes conclusões.

( 85 ) V., por exemplo, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Dalli/Comissão (C‑615/19 P, EU:C:2021:133, n.o 223).

( 86 ) Conforme já referi nas Conclusões que apresentei no processo AFJR, n.os 212 e segs.

( 87 ) Nesse momento, os alertas dos académicos acima referidos poderiam efetivamente estar corretos — v. n.os 108 e 109 e nota 69, supra.

( 88 ) V. Conclusões que apresentei no processo AFJR, n.o 207.

( 89 ) Curiosamente, ideias não muito diferentes sobre «independência setorial» foram de facto desenvolvidas após 1989 em vários antigos Estados comunistas como forma de autojustificação e continuidade judicial, sugerindo que, em algumas áreas (tais como «direito civil politicamente livre»), os juízes (já) eram de facto independentes, em grande medida porque nestas áreas (já) não havia tentativas de influenciar o desfecho de processos específicos. Para um relato excelente e legível em inglês de como verdadeiramente funcionava o sistema (e de como essa lógica é errada em termos de independência judicial digna do nome), v., por exemplo, Markovits, I., Justice in Lüritz: Experiencing Socialist Law in East Germany, Princeton University Press, 2010.

( 90 ) Quanto a esta questão, v., igualmente, Conclusões que apresentei no processo Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:339, n.os 54 e 55).

( 91 ) Ou mesmo «baseada na área de direito»: a ideia de que apesar de eventualmente existirem alguns problemas em «casos políticos», as «áreas mais técnicas do direito da União», por exemplo o direito do IVA ou o direito do ambiente, continuariam a ser aplicadas corretamente, apenas pode ser defendida por alguém sem nenhuma noção ou memória histórica de como funciona um sistema judicial capturado (ou, melhor dizendo, como não funciona).

( 92 ) Neste contexto, v., nomeadamente, Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586), e de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033).

( 93 ) V., nomeadamente, Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral E. Tanchev no processo Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns) (C‑192/18, EU:C:2019:529, n.o 115), e nos processos apensos Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2019:775, n.o 125).

( 94 ) V., a este respeito, Conclusões que apresentei no processo AFJR, n.os 265 a 279 (relativo à nomeação inadequada do chefe da Inspeção Judicial).

( 95 ) Numa perspetiva semelhante, noutro contexto, v. TEDH, 1 de dezembro de 2020, Ástráðsson c. Islância (CE:ECHR:2020:1201JUD002637418, § 209 e jurisprudência referida, a seguir Acórdão «Ástráðsson»).

( 96 ) V., por analogia, Acórdão de 26 de março de 2020, Reexame Simpson/Conselho e HG/Comissão (C‑542/18 RX-II e C‑543/18 RX‑11, EU:C:2020:232, n.os 71 a 76). V., igualmente, num contexto diferente, Acórdão Ástráðsson, § 234.

( 97 ) V., neste sentido, Acórdão de 27 de novembro de 2003, Comissão/Finlândia (C‑185/00, EU:C:2003:639, n.o 109).

( 98 ) V., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2007, Comissão/Irlanda (C‑418/04, EU:C:2007:780, n.o 166).

( 99 ) V., neste sentido, Acórdão de 26 de junho de 2003, Comissão/França (C‑233/00, EU:C:2003:371, n.o 84).

( 100 ) V., com outras referências, Conclusões que apresentei no processo AFJR, especialmente n.os 243 e 244.

( 101 ) V., por exemplo, A. K. e o., n.o 142, ou Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Ações) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.os 98 a 106, e 163).

( 102 ) Retomando a metáfora do doente, a sugestão de que o contexto objetivo não tem importância em tais casos permite pensar numa exigência segundo a qual uma equipa médica de primeiros socorros, tendo acabado de chegar ao local de um acidente de viação, deve examinar não só os passageiros que viajam nos veículos envolvidos na colisão, como também todos os passageiros de todos os veículos presentes, incluindo os que não estiveram envolvidos na colisão, mas que simplesmente pararam para observar o sucedido. Afinal, são todos passageiros de automóveis e todos eles devem ser tratados exatamente da mesma forma, independentemente das circunstâncias.

( 103 ) Bartlett, R.C., e Collins, S.D., Aristotle’s Nicomachean Ethics: A New Translation, University of Chicago Press, 2011.

( 104 ) Como exemplo recente, v. Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral P. Pikamäe no processo IS (Ilegalidade do despacho de reenvio) (C‑564/19, EU:C:2021:292, n.os 85 a 92).

( 105 ) A este respeito, a fundamentação do Tribunal de Justiça no Acórdão Maler quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial poderia perfeitamente ser efetuada, com o mesmo alcance e pormenor, como uma decisão sobre o mérito.

( 106 ) Deixando de lado outros regimes específicos (normalmente de direito derivado) que também incluem e aprofundam mais o conceito de independência judicial e que podem também ser postos em causa em cenários específicos, tais como a Decisão da Comissão de 13 de dezembro de 2006, que estabelece um mecanismo de cooperação e de verificação dos progressos realizados na Roménia relativamente a objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judiciária e da luta contra a corrupção e a criminalidade organizada (JO 2006, L 354, p. 56). Em detalhe, v. Conclusões que apresentei no processo AFJR, n.os 183 a 225.

( 107 ) V., designadamente, Acórdãos de 16 de fevereiro de 2017, Margarit Panicello (C‑503/15, EU:C:2017:126, n.os 37 e 38) (relativamente ao artigo 267.o TFUE); A. K. e o. (n.os 121 e 122) (relativamente ao artigo 47.o da Carta); de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.os 71 a 73) (relativamente ao artigo 19.o, n.o 1, TUE); e de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Ações) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 143).

( 108 ) V. Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral G. Hogan no processo Repubblika (C‑896/19, EU:C:2020:1055, n.os 45 e 46), e Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral E. Tanchev no processo A. K. e o., EU:C:1019:551, n.o 85.

( 109 ) V., nomeadamente, Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.os 50 a 53). No que diz respeito a determinadas questões específicas suscitadas por esse facto, v., a este respeito, recentemente, Conclusões que apresentei no processo J & S Service (C‑620/19, EU:C:2020:649, n.os 27 a 74).

( 110 ) Um caso distinto são as situações em que o âmbito de aplicação do direito da União nos termos do artigo 51.o, n.o 1, da Carta é desencadeado por um regime específico de direito derivado da União, o que consequentemente torna aplicável o artigo 47.o V. Conclusões que apresentei no processo AFJR, n.os 196 a 202.

( 111 ) V., igualmente, a este respeito, Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral G. Hogan no processo Repubblika (C‑896/19, EU:C:2020:1055, n.os 33 a 47).

( 112 ) Verificou‑se uma violação individual do artigo 47.o da Carta que não atinge o limiar de gravidade do artigo 19.o, n.o 1, TUE.

( 113 ) O tipo de violação atingiu o limiar do artigo 19.o, n.o 1, TUE, mas não existiam direitos individuais decorrentes do direito da União em causa nos termos do artigo 47.o da Carta (mais recentemente, no essencial, a situação em causa no Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Ações) (C‑824/18, EU:C:2021:153, nomeadamente, n.o 89).

( 114 ) Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral G. Hogan no processo Repubblika (C‑896/19, EU:C:2020:1055, n.o 58).

( 115 ) C‑17/00, EU:C:2001:366, n.o 93, com referência à obra do jurista P. Calamandrei.

( 116 ) V., mais recentemente, Land Hessen, n.o 52 e jurisprudência referida, e Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Ações) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 117).

( 117 ) A. K. e o., n.o 130 e jurisprudência referida. Em detalhe, com outras referências, v. Conclusões que apresentei no processo AFJR, n.o 230.

( 118 ) De igual modo, TEDH, 25 de outubro de 2011, Richert c. Polónia (CE:ECHR:2011:1025JUD005480907, § 44), e 20 de março de 2012, Dryzek c. Polónia (CE:ECHR:2012:0320DEC001228509, § 49).

( 119 ) Por exemplo, pelo órgão judicial autónomo, e/ou pelos presidentes ou conselhos dos tribunais envolvidos, e/ou pelo juiz em causa.

( 120 ) V. TEDH, 25 de outubro de 2011, Richert c. Polónia (CE:ECHR:2011:1025JUD005480907, §§ 42 e 44 e jurisprudência referida).

( 121 ) Independentemente da forma adequada: seja por outros membros do governo e/ou do parlamento nacional; supervisão pelos meios de comunicação social e pela opinião pública; ou, em última análise, também por um potencial litigante que possa ter dúvidas quanto à composição correta da formação chamada a pronunciar‑se sobre o seu processo e que possa pretender suscitar esta questão no decurso do seu processo.

( 122 ) V. TEDH, Acórdão de 25 de outubro de 2011, Richert c. Polónia (CE:ECHR:2011:1025JUD005480907, § 45).

( 123 ) Relatório do Parlamento Europeu (2006) sobre os 21.o e 22.o Relatórios Anuais da Comissão sobre o controlo da aplicação do direito comunitário (A6‑0089/2006 final), p. 17.

( 124 ) Para mais detalhes e uma avaliação, v. Comissão de Veneza, Parecer sobre a Lei do Ministério Público, conforme alterada (2017), Parecer n.o 892/2017.

( 125 ) V., especialmente, Processo C‑791/19, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (JO 2019 C 413, p. 36 a 44). V. Conclusões do advogado-geral E. Tanchev nesse processo (C‑791/19, EU:C:2021:366).

( 126 ) Despacho de 8 de abril de 2020, Comissão/Polónia (C‑791/19 R, EU:C:2020:277).

( 127 ) Acórdão de 15 de janeiro de 2009, n.o K 45/07, OTK ZU n.o 1/a/2009, posição 3.

( 128 ) Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Ações) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 146).

( 129 ) V., recentemente, por exemplo, Acórdão de 4 de dezembro de 2018, Minister for Justice and Equality e Commissioner of An Garda Síochána (C‑378/17, EU:C:2018:979, n.o 36 e jurisprudência referida).

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