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Document 62018CC0418

Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 29 de julho de 2019.
Patrick Grégor Puppinck e o. contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Direito institucional — Iniciativa de cidadania “Um de nós” — Comunicação da Comissão Europeia que apresenta as suas conclusões e os motivos que a levam a não tomar as medidas pedidas na iniciativa de cidadania.
Processo C-418/18 P.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:640

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 29 de julho de 2019 ( 1 )

Processo C‑418/18 P

Puppinck e o.

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Direito Institucional — Iniciativa de cidadania europeia (ICE) — Artigo 11.o, n.o 4, TUE — Financiamento pela União das atividades que implicam a destruição de embriões humanos — Política de investigação — Saúde pública — Cooperação para o desenvolvimento — Obtenção pela ICE da declaração de apoio necessária — Comunicação da Comissão nos termos do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento (UE) n.o 211/2011 — Obrigações da Comissão no que respeita a uma ICE bem‑sucedida — Critério de fiscalização jurisdicional»

I. Introdução

1.

Patrick Grégor Puppinck e seis outras pessoas (a seguir «recorrentes») compõem o Comité de Cidadãos da Iniciativa de Cidadania Europeia intitulada «Uno di noi» («Um de nós»)(a seguir «ICE»). A ICE foi registada pela Comissão Europeia. Posteriormente, a mesma obteve mais de um milhão de assinaturas. Atingiu, assim, o limiar previsto, pelo que foi apresentada à Comissão, que recebeu os membros do Comité de Cidadãos dessa ICE. Foi organizada uma audição no Parlamento Europeu para discutir a ICE. Por último, a Comissão adotou uma comunicação na qual explicava que tinha decidido não tomar medidas com vista à prossecução dos objetivos da ICE.

2.

Os recorrentes pediram a anulação dessa comunicação no Tribunal Geral da União Europeia. Foi negado provimento ao recurso. Pelo presente recurso, impugnam o acórdão proferido em primeira instância pelo Tribunal Geral ( 2 ).

3.

A ICE é uma das inovações introduzidas pelo Tratado de Lisboa para promover a participação dos cidadãos na vida democrática da União Europeia. O Regulamento (UE) n.o 211/2011 ( 3 ) estabelece o quadro legislativo para as ICE. Este instrumento já foi objeto de vários processos apreciados pelo juiz da União relacionados com decisões de indeferimento da Comissão de pedidos de registo de ICE ( 4 ).

4.

O caráter inovador do caso em apreço reside no facto de ser o primeiro processo no Tribunal de Justiça relativo ao seguimento dado pela Comissão no caso de uma «ICE bem‑sucedida» (ou seja, uma ICE que alcançou o número de assinaturas exigido). Na verdade, a «Um de nós» é uma de apenas quatro ICE que até agora alcançaram o número necessário de assinaturas ( 5 ). Isto, por sua vez, suscita duas importantes questões de princípio levantadas pelo presente processo: em primeiro lugar, a Comissão é obrigada a apresentar propostas legislativas concretas na sequência de uma ICE bem‑sucedida? Em segundo lugar, que critério de fiscalização jurisdicional deve ser aplicado para efeitos de apreciação da posição assumida pela Comissão na sequência de uma ICE bem‑sucedida?

II. Quadro jurídico da União

5.

Segundo o considerando 1 do Regulamento ICE, «o [TUE] reforça a cidadania da União e melhora o seu funcionamento democrático, prevendo nomeadamente que todos os cidadãos têm o direito de participar na vida democrática da União através de uma iniciativa de cidadania europeia. Esse direito oferece aos cidadãos a possibilidade de abordarem diretamente a Comissão, convidando‑a a apresentar uma proposta de ato jurídico da União para aplicar os Tratados, semelhante ao direito conferido ao Parlamento Europeu pelo artigo 225.o [TFUE] e ao Conselho pelo artigo 241.o do TFUE».

6.

O considerando 20 do Regulamento ICE tem a seguinte redação: «A Comissão deverá apreciar as iniciativas de cidadania e formular separadamente as suas conclusões jurídicas e políticas. Deverá também identificar as medidas que tenciona tomar a seu respeito no prazo de três meses. A fim de demonstrar que uma iniciativa de cidadania é apoiada pelo menos por um milhão de cidadãos da União e que o seu eventual seguimento será examinado cuidadosamente, a Comissão deverá expor de forma clara, inteligível e circunstanciada as razões pelas quais tenciona tomar medidas e, da mesma forma, expor as razões pelas quais não tenciona tomar nenhuma medida. Caso a Comissão receba uma iniciativa de cidadania que tenha o apoio do número de subscritores previsto e que preencha os restantes requisitos previstos no presente regulamento, os organizadores deverão ter o direito de apresentar essa iniciativa numa audição pública a nível da União.»

7.

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento ICE, por «iniciativa de cidadania» entende‑se «uma iniciativa apresentada à Comissão nos termos do presente regulamento pela qual esta é convidada a apresentar, no âmbito das suas atribuições, uma proposta adequada sobre matérias em relação às quais os cidadãos consideram necessário um ato jurídico da União para aplicar os Tratados, e que tenha recebido o apoio de pelo menos um milhão de subscritores elegíveis, provenientes de pelo menos um quarto dos Estados‑Membros».

8.

O artigo 10.o do Regulamento ICE estabelece o procedimento de análise de uma iniciativa de cidadania pela Comissão. Segundo esta disposição:

«1.   Quando a Comissão receber uma iniciativa de cidadania nos termos do artigo 9.o, deve:

[…]

c)

Apresentar no prazo de três meses, por meio de uma comunicação, as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a iniciativa de cidadania, as medidas que tenciona tomar, se for caso disso, e os motivos que a levam a tomar ou não tomar essas medidas.

2.   A comunicação referida na alínea c) do n.o 1 é notificada aos organizadores, ao Parlamento Europeu e ao Conselho, e divulgada ao público.»

9.

Nos termos do artigo 11.o do Regulamento ICE, «[s]e estiverem preenchidas as condições referidas nas alíneas a) e b) do n.o 1 do artigo 10.o, e dentro do prazo fixado na alínea c) do n.o 1 do artigo 10.o, deve ser dada aos organizadores a oportunidade de apresentarem a iniciativa de cidadania numa audição pública. A Comissão e o Parlamento Europeu devem assegurar que esta audição seja organizada no Parlamento Europeu, se adequado, com a participação de outras instituições e organismos da União que demonstrem interesse em participar, e que a Comissão esteja representada a um nível adequado».

III. Quadro factual

10.

Em 11 de maio de 2012, a ICE «Um de nós» foi registada pela Comissão nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento ICE ( 6 ). O objeto da ICE, tal como descrito no registo eletrónico disponibilizado pela Comissão, é: «[a] proteção jurídica da dignidade, do direito à vida e da integridade de cada ser humano desde a conceção nas áreas de competência da [União] nas quais tal proteção se afigure relevante». Os objetivos da ICE eram descritos nos seguintes termos: «o embrião humano merece o respeito pela sua dignidade e integridade. Assim é afirmado no Acórdão do [Tribunal de Justiça da União Europeia] no caso Brüstle que define o embrião humano como o início do desenvolvimento do ser humano. Para garantir a coerência entre as áreas da sua competência em que a vida do embrião humano está em causa, a [União Europeia] deve introduzir uma proibição e pôr fim ao financiamento das atividades que pressupõem a destruição de embriões humanos, em particular no que respeita à investigação, ajuda ao desenvolvimento e saúde pública.»

11.

As disposições dos Tratados identificadas pelos organizadores como relevantes para a ICE são os artigos 2.o e 17.o TUE, bem como os artigos 4.o, n.os 3 e 4, 168.o, 180.o, 182.o, 209.o, 210.o e 322.o TFUE.

12.

Foi apenso à ICE um anexo contendo um projeto de ato jurídico que solicitava, mais especificamente, a introdução de três alterações aos atos da União em vigor.

13.

Em primeiro lugar, propôs‑se inserir um novo artigo no Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias ( 7 ). Nos termos da disposição proposta: «Nenhum [fundo da União Europeia] deve ser [atribuído a] atividades que destruam embriões humanos, ou que exigem a sua destruição».

14.

Em segundo lugar, propôs‑se inserir uma nova alínea no n.o 3 do artigo 16.o da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Horizonte 2020 — Programa‑Quadro de Investigação e Inovação (2014‑2020) ( 8 ). Essa nova alínea acarretaria a exclusão do financiamento de «atividades de investigação que destruam embriões humanos, incluindo as destinadas a obter células estaminais, e pesquisas que envolvam o uso de células estaminais embrionárias humanas nas suas etapas de produção».

15.

Em terceiro lugar, propôs-se inserir um novo n.o 5 no artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1905/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, que institui um instrumento de financiamento da cooperação para o desenvolvimento ( 9 ). Esse número dispõe:

«A assistência da União nos termos do presente regulamento não deve ser usada para financiar o aborto, direta ou indiretamente, através do financiamento de organizações que se dedicam a realizar ou a promover o aborto. Nenhuma referência […] feita no presente regulamento à saúde sexual e reprodutiva, saúde, direitos, serviços, provisões, educação e informação na Conferência Internacional sobre População e do Desenvolvimento, os seus princípios e programa de ação, a Agenda do Cairo e os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, em particular o [n.o 5] sobre a saúde e mortalidade materna, pode ser interpretada como uma base jurídica para a utilização dos fundos da [União] para financiar o aborto, direta ou indiretamente.»

16.

Em 28 de fevereiro de 2014, em conformidade com o artigo 9.o do Regulamento ICE, os organizadores apresentaram a ICE à Comissão. Subsequentemente, em 9 de abril de 2014, nos termos do artigo 10.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento ICE, os mesmos foram recebidos pela Comissão. Em 10 de abril de 2014, em conformidade com o artigo 11.o do Regulamento ICE, os organizadores apresentaram a ICE numa audição pública realizada no Parlamento Europeu.

17.

Em 28 de maio de 2014, com fundamento no artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE, a Comissão adotou uma comunicação relativa à ICE controvertida ( 10 ) (a seguir «comunicação»), na qual anunciava que não apresentaria nenhuma proposta em conformidade com as medidas solicitadas pela ICE.

18.

O conteúdo da comunicação é exposto nos n.os 13 a 30 do acórdão recorrido.

IV. Acórdão recorrido e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

19.

Por recurso interposto em 25 de julho de 2014, os recorrentes pediram a anulação da comunicação e, a título subsidiário, a anulação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE.

20.

Por Despacho de 26 de novembro de 2015 ( 11 ), o Tribunal Geral julgou procedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pelo Parlamento e pelo Conselho e inadmissível o recurso na parte em que era dirigido contra o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE, uma vez que o mesmo tinha sido interposto fora do prazo previsto no artigo 263.o TFUE.

21.

No que diz respeito à comunicação, foram suscitados cinco fundamentos de anulação. No primeiro fundamento, os recorrentes invocaram uma violação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE, devido à falta de apresentação pela Comissão de uma proposta de ato jurídico em resposta à ICE. No segundo fundamento, invocado a título subsidiário, os recorrentes alegaram que esta falta constituía uma violação do artigo 11.o, n.o 4, TUE. No terceiro fundamento, os recorrentes alegaram que a violação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE decorria do facto de a Comissão não ter apresentado separadamente, na comunicação, as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a ICE. O quarto fundamento era relativo à violação do dever de fundamentação pela Comissão. No quinto fundamento, os recorrentes alegaram que a Comissão tinha cometido vários erros de apreciação.

22.

No Acórdão One of Us e o./Comissão (a seguir «acórdão recorrido») ( 12 ), o Tribunal Geral declarou, em primeiro lugar, que o recurso era inadmissível, na medida em que foi interposto pela entidade denominada «European Citizens’ Initiative One of Us» (Iniciativa de Cidadania Europeia Um de Nós), sem prejuízo da admissibilidade desse recurso na parte em que este também foi interposto pelas sete pessoas singulares que compõem o Comité dos Cidadãos da ICE ( 13 ). Em segundo lugar, o Tribunal Geral considerou que a comunicação constituía um ato impugnável contra o qual pode ser interposto um recurso de anulação ( 14 ). Por último, não acolheu os cinco fundamentos de anulação invocados pelos recorrentes e negou provimento ao recurso ( 15 ), condenando os recorrentes nas suas próprias despesas e nas despesas efetuadas pela Comissão.

23.

Com o presente recurso, os recorrentes pedem ao Tribunal de Justiça que se digne anular o acórdão do Tribunal Geral, anular a Comunicação da Comissão e condenar a Comissão no pagamento das despesas relativas ao recurso e ao processo em primeira instância.

24.

Com o seu primeiro fundamento, os recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no que respeita à sua interpretação do alcance e do sentido do artigo 11.o, n.o 4, TUE, e do Regulamento ICE. No segundo fundamento, os recorrentes alegam que o Tribunal Geral errou ao não considerar que a comunicação não inclui a apresentação separada das conclusões jurídicas e políticas da Comissão, conforme exigido pelo Regulamento ICE. No terceiro fundamento, os recorrentes alegam que o Tribunal Geral analisou a comunicação sem o devido escrutínio, uma vez que aplicou um critério de fiscalização limitada, a saber, o do erro manifesto. No quarto fundamento, os recorrentes alegam que, ainda que o nível de fiscalização jurisdicional aplicado fosse correto, o Tribunal Geral não declarou que a fundamentação apresentada na comunicação cumpria o critério do erro manifesto. Por último, no quinto fundamento, os recorrentes alegam que o Tribunal Geral errou na qualificação do objetivo da ICE, ao afirmar que não tinha por objeto a proteção da dignidade do embrião enquanto ser humano.

25.

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne negar provimento ao presente recurso e condenar os recorrentes nas despesas.

26.

As partes apresentaram as suas observações na audiência que se realizou no Tribunal de Justiça em 25 de março de 2019.

V. Análise

27.

Nas presentes conclusões, debruçar‑me‑ei sobre cada um dos cinco fundamentos de recurso na ordem em que foram formulados pelos recorrentes. Em primeiro lugar, interpretarei o âmbito de aplicação e o sentido do artigo 11.o, n.o 4, TUE e das disposições do Regulamento ICE aplicáveis (A). Em segundo lugar, analisarei a obrigação da Comissão de apresentar «separadamente» as conclusões jurídicas e políticas (B). Em terceiro lugar, abordarei a questão do critério de fiscalização jurisdicional aplicado pelo Tribunal Geral (C). Em quarto lugar, examinarei a existência de alegados erros manifestos de apreciação no respeitante à Comunicação da Comissão (D). Finalmente, concluirei com algumas observações sucintas sobre o fundamento de recurso relativo à qualificação incorreta do objeto da ICE (E).

A.   Primeiro fundamento de recurso: interpretação do artigo 11.o, n.o 4, TUE e do Regulamento ICE

28.

Com o seu primeiro fundamento de recurso, os recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao julgar improcedentes, nos n.os 118 e 125 do acórdão recorrido, o primeiro e segundo fundamentos de anulação relativos ao alcance e ao sentido do artigo 11.o, n.o 4, TUE e do Regulamento ICE. No primeiro e segundo fundamentos de anulação, os recorrentes alegaram no Tribunal Geral que, ao não apresentar uma proposta de ato jurídico em resposta à ICE, a comunicação violava o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE e, a título subsidiário, o artigo 11.o, n.o 4, TUE. Segundo os recorrentes, salvo em três situações excecionais, não previstas no caso em apreço, a decisão da Comissão de não tomar medidas viola o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE ( 16 ).

29.

Os recorrentes invocam vários argumentos em apoio do seu primeiro fundamento de recurso. Em primeiro lugar, sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 111 do acórdão recorrido, que o «quase‑monopólio» da iniciativa legislativa conferido pelos Tratados à Comissão «não é afetado pelo direito […] de um número mínimo de cidadãos, sob certas condições, “convidar” a Comissão a submeter uma proposta adequada». Os recorrentes alegam que o acórdão recorrido ignora as especificidades da ICE. Tal omissão depreende‑se do n.o 113 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral declarou que «[a] intenção do poder constituinte da União de não conferir um poder de iniciativa legislativa ao mecanismo da ICE encontra confirmação no considerando 1 do Regulamento n.o 211/2011, que equipara, em substância, o direito conferido à ICE ao conferido ao Parlamento, por força do artigo 225.o TFUE, e ao Conselho, por força do artigo 241.o TFUE. Ora, um pedido que emane do Parlamento ou do Conselho não obriga a Comissão a submeter uma proposta de ato jurídico.»

30.

Em segundo lugar, segundo os recorrentes, não decorre do artigo 17.o, n.o 2, TUE, nos termos do qual «[o]s atos legislativos só podem ser adotados sob proposta da Comissão», que a Comissão dispõe de um poder de apreciação ilimitado no que respeita à adoção de uma proposta relativamente a uma ICE bem‑sucedida. Os recorrentes alegam que a margem de apreciação de que a Comissão beneficia no exercício do seu poder de iniciativa legislativa deve ser utilizada para promover os objetivos de uma ICE bem‑sucedida. Argumentando por analogia com o Acórdão Conselho/Comissão ( 17 ), os recorrentes defendem a necessidade de a decisão da Comissão de não dar início a um processo legislativo no caso de uma ICE bem‑sucedida se basear em fundamentos que «devem ser suportados por elementos convincentes», e que não sejam contrários ao objetivo da ICE. Segundo os recorrentes, a única maneira de controlar o exercício de um poder discricionário é através da introdução de um critério de justificação em função das políticas gerais e dos objetivos públicos, e o acórdão recorrido não abordou nem determinou os objetivos de política pública da ICE e a inter‑relação entre o título III do TUE e o artigo 24.o TFUE, tal como previsto no Regulamento ICE.

31.

Em terceiro lugar, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao afirmar, no n.o 124 do acórdão recorrido, que o mecanismo da ICE tem por objetivo convidar a Comissão a submeter uma proposta de ato. Segundo os recorrentes, qualquer pessoa pode, em qualquer momento, convidar a Comissão a tomar uma medida proposta, sem que isso esteja sujeito à condição de recolher um milhão de assinaturas verificadas. Alegam que uma ICE assinada por um milhão de cidadãos no âmbito de um procedimento formal complexo, e que implica um custo considerável, deve beneficiar de um estatuto diferente de um convite feito por uma pessoa, a título individual, ou por grupos de interesses ou peticionários. Os recorrentes alegam que o objetivo da ICE é dar resposta ao défice democrático da União Europeia. O encargo das despesas e as dificuldades inerentes à organização de uma ICE apontam para a existência de um erro de direito no acórdão recorrido, na medida em que não atribuiu à ICE um estatuto superior ao de um simples convite. Os recorrentes alegam, em especial, que depois de obterem quase dois milhões de assinaturas, só tiveram direito a uma reunião de duas horas em que foram recebidos friamente por um membro da Comissão e a uma audição no Parlamento Europeu em que os eurodeputados intervieram durante a maior parte do tempo de uso da palavra, dando lições de moral em vez de ouvir. Segundo os recorrentes, tal não pode ter sido o que o legislador previu como objetivo da ICE. Entendem, assim, que o acórdão recorrido transforma a ICE numa falsa promessa.

32.

Nos números seguintes, indicarei as razões pelas quais considero que o primeiro fundamento de recurso se baseia numa interpretação errada do artigo 11.o, n.o 4, TUE e do Regulamento ICE. A tese defendida pelos recorrentes a este respeito não é sustentada nem pela redação nem pela génese das disposições aplicáveis (a), nem por uma consideração sistemática e contextual do mecanismo da ICE no âmbito do processo de decisão interinstitucional (b), nem pelos (devidamente identificados) objetivos e finalidades da ICE (c). O primeiro fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

a) Redação e génese do artigo 11.o, n.o 4, TUE e do Regulamento ICE

33.

Os recorrentes contestam a qualificação do mecanismo da ICE no n.o 124 do acórdão recorrido como um «convite» à Comissão para apresentar uma proposta de ato. Nesse número, o Tribunal Geral declarou que o mecanismo da ICE tem por objetivo «convidar a Comissão, no âmbito das suas atribuições, a submeter uma proposta de ato».

34.

No entanto, num plano puramente textual, esta declaração reflete fielmente a redação da definição constitucional da ICE ao abrigo do direito primário da União. Nos termos do artigo 11.o, n.o 4, TUE, um grupo de pelo menos um milhão de cidadãos pode tomar a iniciativa de convidar a Comissão a apresentar uma proposta adequada.

35.

Assim, a expressão «iniciativa de convidar», constante do artigo 11.o, n.o 4, TUE, não se refere evidentemente à «obrigação de apresentar». O mesmo vale para outras versões linguísticas. Ainda que algumas delas utilizem formulações particularmente imperativas, no sentido de «solicitar» ou «incitar», não podem, contudo, ser entendidas, no sentido natural das palavras, como dando uma ordem à Comissão ( 18 ).

36.

Certamente, o contexto de um texto é importante. Isto verifica‑se sobretudo quando confrontados com a falta de clareza textual ou com uma formulação ambígua, segundo a qual, dependendo do contexto, um «convite» tanto poderia corresponder a uma sugestão puramente facultativa, apresentada com o objetivo de informar o destinatário da comunicação, como a uma ordem dissimulada mas, em termos práticos, bastante evidente ( 19 ).

37.

Este tipo de análise consoante o contexto é, no entanto, pouco relevante neste caso. Primeiro, a menos que seja permitido que o contexto e a finalidade se sobreponham ao significado natural das palavras, um «convite» é opcional e um «pode» não é um «deve». Proporciona uma possibilidade ou oportunidade, mas não impõe uma obrigação de agir. Segundo, não há, em qualquer caso, dissonância entre o texto, por um lado, e o contexto e a finalidade, por outro, no presente caso. O contexto e a finalidade das disposições aplicáveis em termos de direito primário e de direito secundário confirmam, e não contradizem, que a ICE, enquanto «iniciativa de convidar», não pode ser interpretada como implicando uma ordem que imporia à Comissão uma obrigação de aceitar o convite e agir em conformidade.

38.

A génese do artigo 11.o, n.o 4, TUE confirma esta ideia. As suas origens podem ser atribuídas ao artigo 46.o, n.o 4, do projeto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa ( 20 ). A ratio legis da referida disposição não resulta imediatamente dos trabalhos preparatórios, porque a ICE não foi discutida no âmbito dos grupos de trabalho específicos da Convenção sobre o Futuro da Europa. Iniciou o debate numa fase posterior de um modo bastante inusitado ( 21 ).

39.

No entanto, com base nas provas documentais disponíveis, parece que, contrariamente a outras alterações relativas aos instrumentos de democracia direta que pretenderam impor de forma clara as obrigações que recaem sobre a Comissão ( 22 ), a alteração que viria a converter‑se no artigo 46.o, n.o 4, do projeto de Tratado Constitucional foi concebida como um mecanismo para apresentar iniciativas à Comissão, mas sem que esta tenha a obrigação de lhes dar seguimento ( 23 ).

40.

A nova formulação legislativa da ICE, realizada nos termos do artigo 24.o TFUE, sob a forma do Regulamento ICE, mantém‑se em consonância com essa abordagem. O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento ICE define a «iniciativa de cidadania» no sentido de ser «uma iniciativa […], pela qual [a Comissão] é convidada a apresentar […], uma proposta adequada […]». Por conseguinte, o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), prevê que, em resposta a uma ICE bem‑sucedida, a Comissão é obrigada a apresentar, por meio de uma comunicação, as medidas que tenciona tomar, se for caso disso, bem como os motivos que a levam a tomar ou não tomar essas medidas. Tal fica ainda mais claro através da frase do considerando 20, introduzida na sequência de uma alteração do Parlamento ( 24 ), segundo a qual a Comissão deverá «expor as razões pelas quais não tenciona tomar qualquer medida».

41.

Além disso, os trabalhos preparatórios do Regulamento ICE deixam claro que este se baseia num modelo que não confere um caráter vinculativo às ICE bem‑sucedidas, preservando, por isso, o «quase‑monopólio» da iniciativa legislativa da Comissão ( 25 ). O relatório do Parlamento Europeu pode ser considerado uma confirmação especialmente relevante dessa proposta. Os relatores sublinharam, «[a] fim de evitar o desapontamento e a frustração que poderiam ser consequência direta das elevadas expectativas que rodeiam a Iniciativa Europeia de Cidadania», que «nem todas as iniciativas com sucesso terminarão com a apresentação de uma proposta legislativa pela Comissão. Na verdade, o monopólio de iniciativa legislativa da Comissão prevalece e, no final, será a Comissão a decidir do seguimento a dar às iniciativas de cidadania com sucesso» ( 26 ).

42.

Em suma, a redação das disposições aplicáveis, tanto em termos de direito primário como de direito derivado, bem como a génese dessas disposições, indicam claramente que a ICE não foi concebida nem redigida de modo que imponha uma obrigação à Comissão de adotar a proposta solicitada. O mesmo decorre do contexto sistémico e institucional em que se enquadra a ICE, e sobre o qual me irei debruçar a seguir.

b) Contexto sistémico e institucional da ICE

43.

O facto de uma ICE bem‑sucedida não ser vinculativa para a Comissão é ainda comprovado por dois tipos de argumentos de ordem sistémica: primeiro, os limitados ao sistema da ICE, conforme previsto pelo Regulamento ICE, e, segundo, os relativos ao sistema mais vasto do direito primário, refletindo a correta integração da ICE no contexto do processo de decisão interinstitucional.

44.

No que se refere ao sistema do Regulamento ICE, o seu modelo legislativo baseia‑se no caráter não vinculativo para a Comissão de uma ICE bem‑sucedida. Em primeiro lugar, a simples existência do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE, segundo o qual o dever da Comissão é de tomar uma posição, e não necessariamente de seguir a(s) proposta(s) feita(s) por uma ICE, é por si só uma prova bastante evidente deste facto. Em segundo lugar, o caráter não vinculativo de uma ICE bem‑sucedida é subjacente à relação estrutural entre a referida disposição e o artigo 4.o do Regulamento ICE. Com efeito, caso uma ICE bem‑sucedida tivesse caráter vinculativo, é legítimo interrogarmo‑nos se o legislador teria mostrado tanta abertura no que diz respeito às condições de registo que constam atualmente do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento ICE. Este artigo impõe à Comissão a obrigação de registar uma ICE, a menos que existam motivos «manifestos» para não o fazer, o que poderia ser considerado uma espécie de abordagem «in dubio pro registo» ( 27 ).

45.

No que diz respeito à questão mais ampla da integração da ICE no sistema do direito primário da União, o Tribunal Geral procedeu a esta análise sistemática nos n.os 107 a 113 do acórdão recorrido. Os recorrentes contestam, essencialmente, as conclusões do n.o 111 desse acórdão, segundo o qual o «quase‑monopólio» da iniciativa legislativa da Comissão não é afetado pela ICE. No entender dos recorrentes, uma ICE bem‑sucedida afeta o poder de iniciativa da Comissão. A Comissão apenas pode utilizar o seu poder de apreciação para promover os objetivos da ICE, só podendo recusar adotar as suas propostas se tal recusa for fundamentada por elementos convincentes, que não sejam contrários ao objetivo da ICE. Em apoio desta abordagem, os recorrentes remetem por analogia para o Acórdão Conselho/Comissão ( 28 ).

46.

Em primeiro lugar, para abordar e, em última análise, julgar improcedentes tais argumentos é necessário começar pelo poder de iniciativa da Comissão. Este poder, conferido à Comissão por força dos artigos 17.o, n.o 2, TUE e 289.o TFUE, é uma expressão do princípio do equilíbrio institucional ( 29 ). Este equilíbrio institucional é específico e próprio da União Europeia. O «quase‑monopólio» do poder de iniciativa da Comissão, que marca uma diferença importante entre o processo legislativo da União e o dos Estados nacionais, assenta na especificidade da arquitetura institucional da União Europeia como um conjunto de Estados e povos; é um elemento essencial do «método comunitário» ( 30 ). Este «quase‑monopólio» tem sido historicamente explicado pela necessidade de conferir o poder de iniciativa a uma autoridade independente capaz de fazer valer o interesse geral europeu e não ceder a agendas nacionais ou a fações políticas divididas nos moldes dos debates políticos nacionais; pelo peso desigual dos diferentes Estados‑Membros no Parlamento Europeu; ou pela necessidade de confiar na capacidade técnica de uma administração supranacional (e plurinacional) especializada, dotada de meios adequados ( 31 ).

47.

Sem querer fazer qualquer avaliação da (contínua) adequação ou não de tais razões, o que, a meu ver, importa do ponto de vista jurídico é o facto de, em termos de direito positivo, ser claro que a Comissão foi investida, com algumas exceções, do poder de iniciativa. O Parlamento e o Conselho atuam tradicionalmente como «colegisladores», mas apenas têm o poder, na fase que «dá início» ao processo legislativo, de solicitar à Comissão que apresente propostas adequadas, nos termos dos artigos 225.o e 241.o TFUE, respetivamente.

48.

Do ponto de vista do seu alcance material, o poder de iniciativa da Comissão, conforme interpretado pela jurisprudência, inclui a decisão de apresentar ou não uma proposta de ato legislativo, bem como a determinação do objeto, da finalidade e do conteúdo da referida proposta, em conformidade com o dever de prosseguir o interesse geral nos termos do artigo 17.o, n.o 1, TUE ( 32 ). É certo que a jurisprudência contempla a possibilidade de a Comissão ser obrigada, nos termos do direito da União, a apresentar uma proposta em circunstâncias específicas ( 33 ). No entanto, como a Comissão assinalou, acertadamente, nas suas observações escritas, esta exceção refere‑se aos casos em que os Tratados obrigam as instituições a fazer uso das suas competências para legislar ( 34 ). Com efeito, não se pode excluir o facto de, em princípio, uma ICE poder dizer respeito a um domínio em que existe a obrigação de aprovar uma proposta a fim de cumprir o mandato dos Tratados. Contudo, se tal cenário se verificasse, seria esse mandato que acabaria por constituir a base da obrigação de agir, e não o facto de a iniciativa de adotar uma tal proposta emanar de uma ICE bem‑sucedida.

49.

Estas características essenciais do poder de iniciativa, que englobam a opção de apresentar uma proposta, a sua finalidade e o seu conteúdo, são elementos fundamentais do sistema decisório da União. Constituem o alicerce da independência da Comissão e o seu mandato para prosseguir o interesse geral da União Europeia.

50.

A interpretação defendida pelos recorrentes causaria conflito com o mandato da Comissão, consagrado no artigo 17.o, n.o 1, TUE, de promover o interesse geral da União Europeia e tomar as iniciativas adequadas para esse efeito. Implicaria também um afastamento da obrigação geral da Comissão de agir com total independência no exercício do seu poder de iniciativa, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 3, TUE. Ambas as disposições definem o modo como a Comissão deve exercer o seu poder de iniciativa ( 35 ).

51.

Com efeito, se uma ICE que recebesse o apoio de mais de um milhão de cidadãos impusesse à Comissão a obrigação de apresentar uma iniciativa, a Comissão seria efetivamente forçada a seguir as instruções de um (potencialmente elevado, mas, em termos globais, ainda assim bastante limitado) número de cidadãos da União Europeia. Isto não só seria contrário ao mandato do artigo 17.o, n.o 3, TUE de agir com total independência, como também impediria a Comissão de realizar, com total imparcialidade, a sua própria avaliação na prossecução do interesse geral, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, TUE. É pacífico que esta última obrigação consiste em ter em conta elementos objetivos e avaliações complexas de natureza técnica, bem como os interesses e o contributo de outros cidadãos e partes interessadas, que possam expressar as suas opiniões sobre as opções políticas contempladas em futuras iniciativas como parte integrante do exercício dos seus direitos democráticos ( 36 ).

52.

O poder de iniciativa conferido à Comissão inclui a possibilidade de esta instituição realizar consultas prévias e reunir todas as informações necessárias ( 37 ), podendo implicar a consideração de interesses e informações que apoiam opções divergentes dos objetivos prosseguidos por uma determinada ICE bem‑sucedida. A multiplicidade de intervenientes e considerações, que, de outro modo, poderiam influenciar o processo decisório da União através da elaboração de propostas, não pode ser reduzida e limitada à ICE como o único mecanismo democrático que permite a participação dos cidadãos, conforme o próprio artigo 11.o TUE deixa transparecer. Com efeito, este artigo prevê não só a ICE, mas também um mandato para as instituições darem aos cidadãos e às associações representativas a possibilidade de expressar os seus pontos de vista (artigo 11.o, n.o 1, TUE) e estabelecerem um diálogo aberto, transparente e regular com as associações representativas e com a sociedade civil (artigo 11.o, n.o 2, TUE) e para a Comissão proceder a amplas consultas a fim de assegurar a coerência e a transparência das ações da União Europeia (artigo 11.o, n.o 3, TUE).

53.

Importa sublinhar que não se pode deduzir, nem do artigo 11.o, n.o 4, TUE, nem do Regulamento ICE, que a Comissão é chamada a prosseguir os objetivos de uma ICE bem‑sucedida. Tendo em conta as particularidades do sistema institucional e decisório da União Europeia e o atual quadro constitucional, tal prática poderia constituir um obstáculo à capacidade da Comissão de exercer de forma coerente o seu poder de iniciativa no quadro do seu programa legislativo. Com efeito, se a Comissão fosse obrigada a dar seguimento a todas as ICE bem‑sucedidas, não seria possível evitar situações algo irregulares, que obrigariam a Comissão a apresentar propostas contraditórias resultantes de ICE que apoiam opiniões opostas, divergentes ou sobrepostas ( 38 ).

54.

Além disso, não podemos deixar de ficar desconcertados com a forma como tudo isto, ainda que possível no plano dos princípios, funcionaria em termos práticos. Na audiência, os recorrentes alegaram que, não obstante a (eventual) oposição (política) da Comissão a uma ICE bem‑sucedida, esta instituição deve redigir a proposta correspondente e apresentá‑la para debate parlamentar. A Comissão ver‑se‑ia obrigada, nesse caso, a redigir uma proposta para cada ICE bem‑sucedida, incluindo as que têm sobreposição de matérias, mas conteúdo divergente? Poderá a Comissão ser obrigada não só a apresentar uma proposta, mas também a adotar uma abordagem específica e a incluir todos os elementos da ICE? Seria a Comissão transformada numa espécie de «secretariado para a ICE»? De que forma e segundo que critérios seria avaliada a «conformidade» de uma proposta da Comissão com o mandato da ICE, tendo em conta que o mandato pode frequentemente manifestar‑se a um nível de abstração relativamente elevado, como uma política que permite explorar uma pluralidade de opções legislativas suplementares?

55.

Em segundo lugar, o Parlamento Europeu e o Conselho dispõem, em conformidade com os artigos 225.o e 241.o TFUE, respetivamente, do poder de solicitar à Comissão que submeta à sua apreciação todas as propostas adequadas, impondo‑lhe o dever de fundamentação, caso não apresente nenhuma proposta. É certo que a expressão «pode tomar a iniciativa de convidar» constante do artigo 11.o, n.o 4, TUE difere do termo «solicitar» empregado nos artigos 225.o e 241.o TFUE. No entanto, apesar da inexistência de uma redação idêntica e da margem de interpretação que a mesma deixa, o Regulamento ICE refere, no seu considerando 1, a intenção do legislador de colocar a ICE em pé de igualdade com o Conselho e o Parlamento, conferindo aos cidadãos da União um direito semelhante ao direito conferido a essas instituições.

56.

A interpretação sugerida pelos recorrentes perturbaria esse equilíbrio. Significaria que uma ICE apoiada por um grupo de mais de um milhão de cidadãos obteria um poder de iniciativa que ultrapassaria o do Parlamento Europeu eleito democraticamente por sufrágio direto e também o do Conselho democraticamente legitimado, embora indiretamente. Em termos práticos, uma fração (ativa) de cidadãos europeus teria mais peso do que as duas instituições da União que são direta e indiretamente legitimadas por (potencialmente) todos os cidadãos europeus.

57.

Chegados a este ponto, importa prestar um esclarecimento a respeito do grau de semelhança entre os direitos de iniciativa do Parlamento e do Conselho, por um lado, e os da ICE, por outro. Num despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça relativo a um pedido de intervenção num processo entre um Estado‑Membro e a Comissão, submetido pelo Comité de Cidadãos de uma ICE, declarou‑se que uma proposta de ICE não pode ser equiparada às propostas de adoção de atos jurídicos das instituições da União, que estão sujeitas às disposições gerais institucionais constantes do capítulo 1 do título I da parte 6 do Tratado FUE e que, com vista à sua adoção, se regem pelas regras do processo legislativo ordinário previstas no capítulo 2 do título I ( 39 ).

58.

Tal afirmação deve ser lida e compreendida no seu devido contexto. A mesma dizia respeito à interpretação do artigo 40.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, segundo o qual as pessoas singulares ou coletivas não podem intervir nas causas entre Estados‑Membros, de um lado, e instituições da União, do outro. A questão da inexistência de uma semelhança entre os direitos processuais de que beneficiam as ICE, por um lado, e as instituições da União, por outro, em causas de natureza «constitucional» perante o juiz da União, é completamente diferente da questão da função constitucional sistémica geral dos respetivos direitos de iniciativa. Por outras palavras, o facto de, pela aplicação de disposições específicas do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, diferentes tipos de entidades obedecerem a diferentes regras de legitimidade e intervenção dificilmente se pode tornar numa generalização de ordem constitucional sobre a incomparabilidade dos seus direitos de iniciativa enquanto tais.

59.

Por último, em apoio das suas alegações, os recorrentes remetem, por analogia, para o Acórdão Conselho/Comissão ( 40 ). Sustentam que a não apresentação de uma proposta legislativa na sequência de uma ICE bem‑sucedida só pode ser fundamentada por elementos convincentes, e que não sejam contrários ao objetivo da ICE.

60.

No Acórdão Conselho/Comissão, o Tribunal de Justiça declarou que o poder da Comissão de retirar uma proposta já apresentada e formalmente introduzida no processo legislativo não pode «investir esta instituição de um direito de veto na tramitação do processo legislativo, que seria contrário aos princípios da atribuição de competências e do equilíbrio institucional». O Tribunal de Justiça acrescentou ainda que «se a Comissão, depois de ter apresentado uma proposta no âmbito do processo legislativo ordinário, decidir retirar essa proposta, deve apresentar ao Parlamento e ao Conselho os fundamentos dessa retirada, que, em caso de contestação, devem ser suportados por elementos convincentes» ( 41 ).

61.

Assim, quanto aos factos, o Acórdão Conselho/Comissão tinha por objeto uma situação em que a Comissão pretendia retirar uma proposta legislativa depois de ela própria ter iniciado o processo decisório. Não vejo de que forma poderia ser feita qualquer analogia com esse processo para efeitos do presente, que diz respeito a uma questão diferente com intervenientes diferentes. A posição da Comissão relativamente a uma ICE bem‑sucedida, que precede a adoção de uma proposta da Comissão e o início do processo legislativo é, logicamente, diferente da situação em que a própria Comissão já adotou uma proposta e desencadeou o processo de decisão em outras instituições.

62.

Estas considerações confirmam, na minha opinião, que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao afirmar, no n.o 124 do acórdão recorrido, que o objetivo do mecanismo da ICE consiste em convidar a Comissão, no âmbito das suas atribuições, a submeter uma proposta de ato, embora reconhecendo‑lhe um amplo poder de apreciação no exercício do seu poder de iniciativa legislativa. O Tribunal Geral também não errou ao entender, no n.o 111 do acórdão recorrido, que o direito de iniciativa legislativa da Comissão não foi afetado pela introdução da ICE.

c) Objetivo e finalidade da ICE

63.

Os recorrentes alegam igualmente que a fundamentação do Tribunal Geral no acórdão recorrido leva a ICE a tornar‑se letra morta e sem valor acrescentado. Os recorrentes defendem, efetivamente, que se a interpretação que fazem do artigo 11.o, n.o 4, TUE e do Regulamento ICE não for respeitada (por outras palavras, se se confirmar que, salvo em circunstâncias excecionais, uma ICE bem‑sucedida não impõe à Comissão o dever de apresentar uma proposta de ato jurídico), o mecanismo da ICE será privado de qualquer efeito útil.

64.

Na medida em que este argumento não é uma simples extensão do argumento anterior apresentado pelos recorrentes, apenas reiterado a um nível superior de abstração, o mesmo também não convence, por uma razão bastante simples: nunca foi invocada a existência de um objetivo como o defendido pelos recorrentes. O que ficaria supostamente comprometido seria, antes, o objetivo que os recorrentes gostariam que a ICE prosseguisse, e não o que, objetivamente, se pretende prosseguir. Em poucas palavras e sem rodeios, o que se sugere é uma espécie de mudança intencional, ao afirmar que o efeito útil de um coelho seria diminuído se não fosse interpretado no sentido de ser pombo. Mas, a menos que seja utilizada alguma fórmula mágica realmente avançada, e o público seja eficazmente persuadido de que o objetivo e a finalidade de olhar para um coelho é para ver um pombo, um coelho continua a ser um coelho.

65.

O objetivo que o legislador tinha (então) em mente ao introduzir a ICE já foi descrito supra ( 42 ). Partindo do pressuposto de que seria possível, para os textos relativamente recentes de direito constitucional e derivado, substituírem a vontade original do legislador pela (diferente e nova) vontade contemporânea, ainda assim não vejo por que razão o objetivo da ICE deveria ser atualmente diferente.

66.

Para avaliar o objetivo da ICE, importa considerar os objetivos mais amplos da ICE, conforme resulta do sistema de direito primário atualmente em vigor.

67.

A introdução da ICE no Tratado de Lisboa foi motivada pelos debates sobre a Convenção para o Futuro da Europa e faz parte de uma tentativa mais ampla de esculpir o princípio democrático, um valor fundador segundo o artigo 2.o TUE, no coração do sistema institucional da União. O título II do TUE, que precede as disposições específicas relativas às instituições da União abrangidas pelo título III do TUE, é dedicado às «disposições relativas aos princípios democráticos», entre as quais se encontra o artigo 11.o, n.o 4, TUE, pedra basilar da ICE.

68.

Neste quadro geral, o artigo 11.o, n.o 4, TUE faz parte do sistema democrático mais vasto da União Europeia, representando um elemento importante do mesmo. Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, TUE, o funcionamento da União baseia‑se no princípio da democracia representativa, estando os cidadãos diretamente representados, ao nível da União, no Parlamento Europeu, conforme previsto no artigo 10.o, n.o 2, TUE.

69.

Esta visão da democracia representativa é ainda complementada e reforçada, no âmbito do direito primário, pela criação de vias para a democracia participativa e deliberativa através do artigo 10.o, n.o 3, TUE, bem como do artigo 11.o, no qual a ICE vem consagrada. Em especial, como a jurisprudência já referiu, a ICE constitui um instrumento de democracia participativa relacionado com o direito de participar na vida democrática da União, reconhecido no artigo 10.o, n.o 3, TUE ( 43 ).

70.

Do mesmo modo, ao nível do direito derivado, conforme enunciado nos considerandos 1 e 2 do Regulamento ICE, o objetivo deste regulamento é incentivar a participação dos cidadãos e tornar a União Europeia mais acessível aos seus cidadãos ( 44 ).

71.

Contudo, o objetivo da ICE de fomentar a participação dos cidadãos no processo democrático e de promover o diálogo entre os cidadãos e as instituições da União não implica uma rutura com os elementos preexistentes que constituem o equilíbrio institucional do processo legislativo, muito menos o abandono do monopólio legislativo da Comissão. Reforçar ou incentivar a participação nas estruturas democráticas existentes não é o mesmo que contornar ou substituir essas estruturas.

72.

Por conseguinte, afigura‑se que a verdadeira finalidade do mecanismo da ICE é bastante diferente da defendida pelos recorrentes. Apenas tendo identificado o quadro constitucional e institucional correto é que o «valor acrescentado» e/ou o «efeito útil» da ICE podem ser devidamente avaliados.

73.

Quando avaliado corretamente, o mecanismo da ICE está muito longe de não ter qualquer impacto. No cumprimento do mandato do artigo 24.o TFUE, o Regulamento ICE implementa o direito de mais de um milhão de cidadãos de convidar a Comissão a adotar uma proposta de ato jurídico através de várias disposições que contêm obrigações concretas e específicas, especialmente para a Comissão, e que vão mais longe do que quaisquer outros canais preexistentes de interação entre os cidadãos e as instituições da União. Assim, o valor acrescentado da ICE está presente em pelo menos quatro níveis distintos: i) promoção do debate público; ii) maior visibilidade para determinados assuntos ou preocupações; iii) acesso privilegiado às instituições da União, permitindo que essas preocupações sejam apresentadas de forma sólida; e iv) direito a uma resposta institucional fundamentada que facilite o escrutínio público e político.

74.

Em primeiro lugar, a ICE constitui um recurso oficial e permanente por meio do qual os cidadãos se podem organizar em torno de uma questão específica. Oferece‑lhes uma plataforma que lhes permite lançar e tornar pública uma iniciativa e conseguir apoio para essa iniciativa de outros cidadãos nos diferentes Estados‑Membros. Desta forma, serve de veículo para reunir as questões de interesse comum entre os cidadãos para lá das fronteiras dos Estados‑Membros e promove o reforço do espaço público da União. Em segundo lugar, o Regulamento ICE também assegura a transparência e a visibilidade de uma ICE bem‑sucedida, tornando a sua publicação no registo obrigatória e sem demora, por força do artigo 10.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento ICE. Em terceiro lugar, a ICE concede acesso à instituição responsável pelo início do processo legislativo, isto é, à Comissão. O artigo 10.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento ICE estabelece que, quando a Comissão receber uma iniciativa de cidadania nos termos do artigo 9.o do regulamento, é obrigada a receber os organizadores a «um nível adequado» para lhes permitir explicar detalhadamente a ICE. Por força do artigo 11.o do Regulamento ICE, é dada aos organizadores de uma ICE a oportunidade de apresentarem essa iniciativa numa audição pública no Parlamento. Em quarto lugar, o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE impõe à Comissão a obrigação de apresentar, por meio de uma comunicação, as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a ICE, as medidas que tenciona tomar (se for caso disso) e a fundamentação subjacente à sua posição de tomar ou não essas medidas. A referida comunicação é, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento ICE, notificada aos organizadores, ao Parlamento Europeu e ao Conselho e divulgada ao público.

75.

No entanto, os recorrentes alegam que as ICE devem conduzir a um debate (direto) no âmbito do processo legislativo e, em especial, perante a instituição que dispõe de legitimidade democrática, isto é, o Parlamento.

76.

Já abordei com algum pormenor a razão pela qual, em termos de estrutura constitucional e institucional, a ICE não foi estabelecida como um meio para contornar o processo legislativo existente, mas antes como uma ferramenta para alimentar esse processo ( 45 ). Nesta ótica, a ICE cria um mecanismo institucional com o intuito de canalizar o contributo político dos cidadãos para as instituições, que são e continuam a ser responsáveis pelo processo legislativo, incluindo pela abertura do mesmo.

77.

A tese dos recorrentes relativa à (falta de) acesso direto à instituição que dispõe de legitimidade democrática e de uma estreita colaboração com a mesma, designadamente com o Parlamento, é algo desconcertante. É de salientar mais uma vez que a configuração legislativa da ICE permite que os membros do Comité de Cidadãos de uma ICE bem‑sucedida tenham acesso direto ao Parlamento. Nos termos do artigo 11.o do Regulamento ICE, é‑lhes dada a oportunidade de apresentarem a sua iniciativa no Parlamento. Este elemento específico do procedimento foi introduzido através de uma alteração do próprio Parlamento durante as negociações relativas ao Regulamento ICE ( 46 ). A discussão de uma ICE no Parlamento permite a um grupo de cidadãos sensibilizar esta instituição para assuntos do seu interesse, aumentando assim também a probabilidade de a sua iniciativa ser assumida pelo Parlamento ou por alguns dos seus membros. O Parlamento pode adotar os objetivos de uma ICE e promovê‑los, através do seu próprio poder de solicitar uma iniciativa, desde que sejam alcançadas as maiorias parlamentares necessárias ( 47 ).

78.

Assim, o valor acrescentado específico da ICE reside não necessariamente na certeza do resultado, mas nos meios e nas oportunidades que cria. Proporciona aos cidadãos a possibilidade de participação, ao apresentar a sua iniciativa à Comissão e na audição organizada no Parlamento Europeu, desencadeando assim o debate político nas instituições sem haver necessidade de esperar pela abertura de um processo legislativo ( 48 ). Portanto, o sucesso de uma ICE é medido não apenas pela transformação numa proposta formal, mas também pelo debate democrático que desencadeia ( 49 ).

79.

Por fim, acrescente‑se, a título comparativo, que o facto de uma ICE ser desprovida de efeitos vinculativos em relação à instituição destinatária não tem caráter excecional. Coaduna‑se com o modelo de iniciativa «destinada a colocar certas matérias na agenda política», que difere dos sistemas de «iniciativa popular direta», em que a proposta é apresentada diretamente ao eleitorado para a convocação de um referendo ( 50 ). Conforme supramencionado ( 51 ), o modelo institucional da ICE sempre se enquadrou numa das primeiras categorias, e não na última. Com efeito, considerando que as iniciativas nacionais de definição de agenda podem conferir acesso aos parlamentos nacionais na sua qualidade de instituições nacionais com direito de iniciativa, no sistema sui generis da União Europeia, a ICE também é dirigida à instituição que, como suprarreferido, é investida do poder de iniciativa.

80.

Decorre do exposto que a ICE é muito mais do que apenas um piscar de olho simbólico à democracia participativa. Constitui um veículo institucional que permite o desenvolvimento de questões do foro político que se revestem de interesse para um grupo de cidadãos. Ajuda a concretizar estas questões como assuntos de interesse europeu partilhados entre diferentes Estados‑Membros. Dá visibilidade a aspetos problemáticos que suscitam a preocupação dos cidadãos, e que poderão não estar ainda incluídos na ordem do dia das instituições ou mesmo dos grupos políticos representados no Parlamento Europeu. Permite o acesso direto à instituição que, no sistema institucional sui generis da União, é investido do poder de iniciativa legislativa. Além disso, obriga essa instituição – a Comissão – a considerar e proceder de forma séria a uma avaliação das propostas de uma ICE bem‑sucedida, e a fazê‑lo publicamente e sujeitando‑se ao controlo público. Assegura que o conteúdo da ICE é considerado e debatido publicamente no Parlamento Europeu eleito democraticamente. Todas estas razões salientam que, apesar do facto de o sistema da ICE, tal como atualmente concebido no âmbito do direito primário e derivado, não conduzir à obrigação de a Comissão apresentar uma proposta, tem um valor acrescentado indubitável enquanto mecanismo sui generis de definição da agenda.

81.

As observações dos recorrentes não demonstram que a interpretação do artigo 11.o, n.o 4, TUE e do Regulamento ICE, adotada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido, é contrária ao objetivo (corretamente definido) ou ao efeito útil do mecanismo da ICE.

82.

Pelo contrário, os argumentos invocados pelos recorrentes revelam um problema ligeiramente diferente: depois de terem aplicado com sucesso o mecanismo da ICE e, consequentemente, colaborado com as instituições relevantes, os recorrentes discordam efetivamente do resultado substantivo da sua experiência participativa. Continuam insatisfeitos não só com a decisão política da Comissão de não apresentar uma proposta, mas também com o debate realizado na audição que lhes foi concedida no Parlamento. A interação com a Comissão (uma reunião com um membro da Comissão) é descrita, nas palavras dos recorrentes ( 52 ), como tendo sido assumida friamente, enquanto os deputados do Parlamento terão estado mais interessados em dar lições de moral do que em ouvir. Nesta conjuntura, pode ser deixada em aberto a questão de saber o que se depreende destas propostas relativas ao respeito pela essência da democracia, ou seja, a possibilidade de discordância com um resultado político individual, respeitando simultaneamente o processo deliberativo e as suas instituições.

83.

No entanto, tudo quanto precede permite‑nos concluir que a ICE, segundo a interpretação correta do artigo 11.o, n.o 4, TUE e do Regulamento ICE, está longe de ser «letra morta». A letra destes instrumentos apenas diz algo diferente do que os recorrentes gostariam que dissesse.

84.

Justifica‑se fazer uma última observação final. A análise do primeiro fundamento de recurso invocado pelos recorrentes conduziu à interpretação, com base no texto e no contexto (histórico e atual), bem como no objetivo e na finalidade, do devido lugar da ICE, conforme atualmente concebido no âmbito do processo legislativo da União Europeia. Embora salientando de forma positiva algumas das suas características inovadoras, as presentes conclusões seguramente não sugerem que a ICE seja um mecanismo perfeito que fornece uma solução milagrosa para as pretensas ou reais lacunas da União Europeia em termos de legitimidade democrática, incluindo a redução da alegada distância entre os cidadãos e as instituições da União. Com efeito, vários aspetos do atual modelo institucional da ICE têm sido objeto de críticas académicas (mais ou menos construtivas) ( 53 ). O seu quadro legislativo foi também recentemente alvo de debates institucionais ( 54 ), bem como de uma alteração. ( 55 ) Estes debates remontam logicamente à discussão sobre possíveis alterações referentes ao papel da Comissão e do seu poder de iniciativa a pedido de outras instituições.

85.

Assim, no contexto dos debates sobre o eventual modelo institucional e a sua configuração, em termos futuros, múltiplas outras, talvez ainda melhores, opções poderiam ser consideradas, prosseguindo os mesmos ou até diferentes objetivos. No entanto, o presente processo diz respeito ao mecanismo da ICE no seu modelo institucional, tal como estabelecido no TUE e desenvolvido posteriormente pelo Regulamento ICE. Terminando com a metáfora já introduzida, cabe ao legislador decidir, se assim o desejar, que não haverá mais coelho, mas sim um pombo, ou mesmo um gato ou uma baleia.

86.

Em face do exposto, entendo que o primeiro fundamento de recurso deve ser julgado improcedente na íntegra.

B.   Segundo fundamento: distinção entre razões jurídicas e políticas

87.

No segundo fundamento de recurso, os recorrentes sustentam que, embora admitindo que a Comissão não distinguiu na sua comunicação entre as razões «jurídicas» e «políticas», conforme exige o considerando 20 do Regulamento ICE, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 128 e 132 do acórdão recorrido, que o considerando 20 é irrelevante. Os recorrentes alegam que os considerandos desempenham um papel na interpretação de disposições materiais do direito da União. O considerando 20 interpreta o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE e não entra em contradição com essa disposição. A separação entre conclusões jurídicas e políticas é, de resto, importante para permitir a fiscalização pelo Tribunal de Justiça dessas duas categorias.

88.

A Comissão sustenta que o acórdão recorrido não contém erros de direito e alega, a título subsidiário, que a comunicação apresentou efetivamente as suas conclusões jurídicas e políticas separadamente.

89.

No n.o 128 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral referiu que, segundo jurisprudência constante, o preâmbulo de um ato da União não tem valor jurídico vinculativo e não pode ser invocado para derrogar as próprias disposições do ato em causa nem para interpretar estas disposições num sentido manifestamente contrário à sua redação ( 56 ).

90.

Com base nesta jurisprudência, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 129 e 130 do seu acórdão, que, na medida em que a obrigação de apresentação separada das conclusões jurídicas e políticas, mencionada no considerando 20 do Regulamento ICE, não é retomada no corpo do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), daqui decorre que a Comissão não está sujeita a essa obrigação quando da redação da comunicação prevista por esta disposição. Em seguida, o Tribunal Geral acrescentou, no n.o 131 do acórdão recorrido, que, de qualquer modo, supondo que a Comissão seja juridicamente obrigada a apresentar separadamente as conclusões jurídicas e políticas, uma vez que se trata de uma obrigação de pura forma, não pode conduzir à anulação da referida comunicação.

91.

Na minha opinião, a fundamentação do Tribunal Geral no que se refere à aplicação, no caso em apreço, da jurisprudência relativa ao papel dos considerandos na interpretação dos atos jurídicos da União incorre, de facto, num erro de direito. No entanto, este erro não tem incidência no dispositivo do acórdão, que pode ser acolhido com razão, tendo por base os restantes fundamentos jurídicos enunciados nas considerações do Tribunal Geral.

92.

É certo que, segundo a jurisprudência assente invocada no acórdão recorrido, os considerandos não podem derrogar as próprias disposições que devem interpretar ou servir de fundamento a uma interpretação manifestamente contrária à sua redação, acrescentando, por exemplo, novos requisitos que não estão contemplados no dispositivo de um ato jurídico. Assim, os considerandos por natureza não são, em si mesmos, disposições legais.

93.

No entanto, além destas duas categorias claras (inexistência de uma «disposição paralela» e uma manifesta contradição), os considerandos constituem, em geral, um importante elemento interpretativo, definindo, de forma vinculativa, a vontade do legislador, e atuando no âmbito das disposições específicas a que se referem. Desta forma, são frequentemente utilizados para efeitos de interpretação teleológica, a fim de esclarecer ou proporcionar uma interpretação mais precisa de uma disposição legal contida no texto jurídico ( 57 ). No entanto, ao serem utilizados desta forma, não se pode negar que a linha divisória entre a interpretação e a não criação de novas obrigações com base num considerando poderá tornar‑se perigosamente vaga ( 58 ).

94.

No caso em apreço, a única diferença fundamental entre a redação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE e o considerando 20 prende‑se com o facto de o termo «separadamente», que figura no considerando 20, não estar inserido no enunciado do artigo em questão. No entanto, tudo o resto é praticamente idêntico (a Comissão deve apresentar as suas conclusões jurídicas e políticas num prazo de três meses).

95.

Há, portanto, uma leve divergência na redação. Mas, tendo em vista o âmbito de aplicação das regras em questão, isso dificilmente pode constituir uma contradição entre o considerando e o artigo. Na falta de uma contradição, e tendo em conta a prática do Tribunal de Justiça suprarreferida, não seria inconcebível inferir o termo «separadamente» da redação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE.

96.

Não me parece, no entanto, que isso deva ser feito, pelas seguintes razões.

97.

O termo «separadamente» pode ser entendido de duas maneiras diferentes: ou no sentido de que tanto as considerações jurídicas como políticas devem estar presentes e/ou no sentido de que não só devem ambas estar presentes, mas também fisicamente separadas no texto da comunicação ( 59 ).

98.

O considerando 20 foi introduzido por meio de uma alteração do Parlamento Europeu no contexto das negociações do Regulamento ICE, juntamente com a referência no artigo 10.o às conclusões «jurídicas e políticas». A justificação que acompanha esta alteração apenas aponta para o facto de que «[a] reação da Comissão […] deve ser justificada tanto jurídica como politicamente» ( 60 ).

99.

Tendo em conta o seu contexto e a sua finalidade, o considerando 20 poderia, na verdade, ser entendido como realçando a obrigação da Comissão de expor claramente as suas conclusões de natureza jurídica e política, de modo que os cidadãos possam compreender a natureza distinta desse tipo de considerações. Desta forma, a obrigação constante do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE de tornar explícitas as conclusões jurídicas e políticas tem em vista a qualidade e o conteúdo da fundamentação dada na resposta da Comissão a uma ICE bem‑sucedida. Tal está em consonância com a necessidade, conforme descrita no considerando 20, de a Comissão «expor de forma clara, inteligível e circunstanciada as razões pelas quais tenciona tomar medidas» e, da mesma forma, «expor as razões pelas quais não tenciona tomar qualquer medida». Com efeito, esse dever de fundamentação reforçado representa, além de uma formalidade essencial, a garantia e a prova de uma análise aprofundada, séria e minuciosa de uma ICE bem‑sucedida.

100.

Assim, o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE, interpretado em conjugação com o considerando 20, significa apenas que tanto as considerações jurídicas como políticas devem estar presentes na fundamentação da Comissão e que o leitor deve poder decifrar qual é qual. Contudo, tenho dificuldade em aderir a uma interpretação formalista que sugere que a Comissão não se cinge a este requisito, tendo também a obrigação de estruturar a sua comunicação em diferentes secções que devem ser intituladas «considerações jurídicas» e «considerações políticas», e cuja inobservância teria como consequência a anulação automática da comunicação.

101.

Há uma outra razão pragmática: a separação física das conclusões jurídicas e políticas nesta fase do processo relativo à ICE é um tanto artificial, podendo ser difícil de alcançar.

102.

Em primeiro lugar, a avaliação jurídica de uma proposta de ICE ocorre essencialmente no momento do registo nos termos do artigo 4.o, n.o 2, altura em que a Comissão verifica o cumprimento dos valores do artigo 2.o TUE, bem como a sua própria competência para apresentar a proposta solicitada. Uma vez que este exame só pode conduzir a um indeferimento do pedido de registo em determinadas circunstâncias «manifestas», mantém‑se a possibilidade de fazer uma análise jurídica na fase em que a comunicação é feita nos termos do artigo 10.o, n.o 1, alínea c). Além disso, esta análise jurídica permite verificar a compatibilidade com outros atos jurídicos da União. No entanto, nesta fase, é natural que a maior parte da avaliação constante da Comunicação da Comissão seja provavelmente de natureza política, uma vez que a decisão sobre o seguimento a dar a uma ICE bem‑sucedida é essencialmente política. Assim, as conclusões jurídicas nesta fase são suscetíveis de se limitar a uma apresentação descritiva da lei em vigor, que serve de conjuntura necessária para elaborar as conclusões políticas.

103.

Em segundo lugar, ainda que não fosse esse o caso e a natureza das conclusões jurídicas pudesse ser interpretada num sentido mais amplo, na fase final de uma ICE, em que a Comissão é obrigada a analisar em profundidade a sua procedência, poderá ser difícil afirmar categoricamente quais desses argumentos são jurídicos e quais são de natureza política. A menos que o conceito de «considerações jurídicas» se limite a uma simples recapitulação da legislação aplicável e das obrigações internacionais (cuja interpretação poderia, em todo o caso, incluir uma avaliação política), muitos dos argumentos avançados nesta fase da avaliação substantiva terão provavelmente caráter transitório.

104.

Tendo em conta o precedente, há que concluir que a comunicação cumpre os requisitos do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), interpretados em conjugação com o considerando 20. Assim, apresenta as suas conclusões de uma forma que permite a compreensão das considerações de natureza jurídica e política nela contidas. Como sublinha a Comissão, a secção 2 da comunicação, intitulada «Ponto da situação», é dedicado à apresentação do contexto jurídico. A secção 3, intitulada «Avaliação dos pedidos de iniciativa de cidadania europeia», explica a avaliação política da ICE. Acresce que os recorrentes não alegaram, em momento algum, que não conseguiram identificar a natureza política ou jurídica das considerações da Comissão na comunicação.

105.

Nos n.os 128 a 131 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral propõe uma interpretação do considerando 20 no sentido da imposição de requisitos formais, existindo, com base nessa premissa, uma aparente contradição entre o considerando 20 e o artigo 10.o, n.o 1, alínea c). Pelos motivos já referidos nos n.o 92 a 96 das presentes conclusões, entendo que esta fundamentação enferma de erro de direito.

106.

No entanto, é igualmente manifesto que o dispositivo do acórdão recorrido continua a ser válido, uma vez que assenta nos fundamentos jurídicos expostos nos n.os 97 a 105 das presentes conclusões.

107.

Consequentemente, uma vez que o dispositivo do acórdão recorrido está devidamente fundamentado, há que declarar o segundo fundamento de recurso inoperante.

C.   Terceiro fundamento: fiscalização jurisdicional

108.

No terceiro fundamento de recurso, os recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no n.o 170 do acórdão recorrido, ao declarar que a decisão da Comissão de não apresentar uma proposta legislativa com base na ICE só pode ser objeto de uma fiscalização restrita por parte do Tribunal de Justiça, e apenas quanto aos erros manifestos de apreciação que viciem a referida decisão.

109.

Os recorrentes alegam que não é possível saber se a comunicação está isenta de erros manifestos, uma vez que não existe um critério para distinguir os erros manifestos dos não manifestos. Entendem que o Tribunal Geral é pouco exigente, tendo reservado para si o direito de determinar livremente se o critério se encontra ou não preenchido. Os recorrentes alegam ainda que é paradoxal sustentar que a fundamentação da comunicação deve ser suscetível de recurso quando o critério de fiscalização é tão reduzido e pouco transparente. Além disso, sustentam que o presente processo é diferente daquele que deu origem ao Acórdão Rica Foods ( 61 ), referido pelo Tribunal Geral como um precedente relevante para a aplicação do critério dos «erros manifestos». O referido processo dizia respeito aos direitos dos não cidadãos em relação a interesses financeiros obscuros, ao contrário do presente processo, que tem por objeto os direitos dos cidadãos da União em relação a um direito democrático claramente definido. Os recorrentes resumem a posição do Tribunal Geral da seguinte forma: «uma vez que a Comunidade dispõe de uma ampla margem de apreciação relativamente ao açúcar das Antilhas, também deverá dispor de um amplo poder de apreciação relativamente à rejeição de uma ICE que não apoia».

110.

A Comissão considera que o terceiro fundamento de recurso deve ser julgado improcedente. Apenas uma fiscalização jurisdicional restrita é compatível com o poder de iniciativa da Comissão. Remetendo para o Acórdão Schönberger/Parlamento ( 62 ), a Comissão alega ainda que seria incoerente que uma comunicação adotada nos termos do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE fosse objeto de uma fiscalização plena, tendo em conta que as decisões tomadas pelo Parlamento quanto às respostas a dar às petições não são suscetíveis de qualquer fiscalização jurisdicional.

111.

O presente fundamento levanta a questão crucial do grau de fiscalização a que o juiz da União deve submeter uma comunicação que encerra a decisão da Comissão sobre o seguimento a dar a uma ICE bem‑sucedida. Este assunto tem necessariamente a ver com as questões suscitadas no primeiro fundamento, cuja análise confirmou que a Comissão não é obrigada a adotar uma proposta de ato jurídico apresentada por uma ICE bem‑sucedida.

112.

O n.o 170 do acórdão recorrido, contestado no âmbito do presente fundamento, está incluído na análise efetuada pelo Tribunal Geral do quinto fundamento de anulação invocado pelos recorrentes em primeira instância. Depois de salientar que a Comissão deve beneficiar de uma ampla margem de apreciação no âmbito do exercício do seu poder de iniciativa legislativa e, consequentemente, na tomada de decisão sobre se deve tomar medidas na sequência de uma ICE bem‑sucedida ( 63 ), o n.o 170 do acórdão recorrido definiu o alcance e o grau de fiscalização jurisdicional aplicável à comunicação. Segundo este número, «deve ser objeto de fiscalização restrita da parte do Tribunal Geral, com vista a verificar, além da suficiência da sua fundamentação, a existência, designadamente, de erros manifestos de apreciação que viciem a referida decisão». Em apoio desta afirmação, o Tribunal Geral remeteu, por analogia, para o Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Rica Foods ( 64 ), considerando‑o aplicável ao caso em apreço.

113.

Na minha opinião, os argumentos dos recorrentes não revelaram nenhum erro de direito constante do número supracitado do acórdão recorrido.

114.

Antes de analisar o critério de fiscalização jurisdicional aplicado no acórdão recorrido, há que começar por recordar o alcance da fiscalização jurisdicional que resulta desse acórdão.

115.

No número contestado pelos recorrentes, o Tribunal Geral declarou firmemente que a comunicação está sujeita a fiscalização jurisdicional. Essa confirmação poderá ser no sentido de reforçar consideravelmente a posição da ICE. Isto porque prevê uma garantia jurisdicional de que uma ICE bem‑sucedida será tomada em devida consideração pela Comissão. Acrescente‑se apenas que tal conclusão era tudo menos óbvia, conforme corroborado pela discussão académica anterior sobre o assunto em causa ( 65 ).

116.

Além disso, o acórdão recorrido estabeleceu que tanto a suficiência da fundamentação da comunicação como a avaliação subjacente ao seu conteúdo material podem ser objeto de fiscalização jurisdicional.

117.

Como a Comissão refere nas suas observações, esta posição contrasta com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à fiscalização jurisdicional da posição do Parlamento quanto à resposta a dar a uma petição. Com efeito, o Tribunal de Justiça concluiu que esta posição escapa à fiscalização jurisdicional, devido ao amplo poder de apreciação, de natureza política, de que dispõe o Parlamento ( 66 ). Em contrapartida, apesar de reconhecer o amplo poder de apreciação da Comissão a este respeito, o acórdão recorrido não considera que a avaliação que consta da comunicação seja uma decisão de natureza política que se subtrai à fiscalização jurisdicional ( 67 ).

118.

No meu entender, tal relutância é justificada. Esta sólida abordagem reflete corretamente o sistema e os objetivos da ICE. A importância fundamental do mecanismo da ICE como expressão do princípio democrático, os requisitos exigentes para que a referida ICE seja bem‑sucedida e as garantias processuais estabelecidas no Regulamento ICE justificam que, mesmo perante um considerável poder de apreciação de natureza política, a fiscalização exercida pelo juiz da União abranja não só a suficiência da fundamentação mas também a verificação da procedência dos fundamentos em que se baseia a decisão da Comissão ( 68 ).

119.

Com efeito, a impugnabilidade das comunicações adotadas por força do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE está intrinsecamente relacionada com as obrigações impostas à Comissão pelo Regulamento ICE nesta última fase do processo da ICE. A Comissão é chamada a apresentar uma declaração clara, circunstanciada e exaustiva das razões subjacentes à sua posição. A declaração deve conter considerações jurídicas e políticas. No entanto, as obrigações impostas pelo artigo 10.o do Regulamento ICE não são apenas de natureza processual, mas também abrangem a obrigação de tomar em devida e profunda consideração as propostas de uma ICE bem‑sucedida.

120.

Quanto ao critério de fiscalização, o acórdão recorrido adota duas abordagens diferentes. Em primeiro lugar, afirma que o juiz da União deve verificar a suficiência da fundamentação. A fiscalização deste elemento, que constitui, como suprarreferido, uma obrigação institucional fundamental desencadeada por uma ICE bem‑sucedida ( 69 ), não se limita ao critério dos «erros manifestos». É, portanto, exercida uma fiscalização plena. Em segundo lugar, o Tribunal Geral declara que a fiscalização abrange, além disso, a verificação da existência de erros manifestos de apreciação que viciem a referida decisão.

121.

A este respeito, os recorrentes contestam o grau de fiscalização aplicado ao segundo elemento, a saber, a avaliação material constante da comunicação da Comissão. Em especial, os recorrentes centram as suas críticas na jurisprudência referida no acórdão recorrido, que serve de autoridade quanto ao critério de fiscalização jurisdicional adotado. Insistem nas diferenças entre a situação em causa e a que deu origem ao Acórdão Rica Foods, de modo que censure o critério de fiscalização jurisdicional aplicado pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido.

122.

As críticas formuladas pelos recorrentes a este respeito são, a meu ver, infundadas.

123.

Importa sublinhar que o critério de fiscalização jurisdicional limitado à verificação de erros manifestos de apreciação está associado a situações em que as instituições da União dispõem de um amplo poder de apreciação, nomeadamente quando adotam medidas «em domínios que implicam da parte destas opções, designadamente, de natureza política» ( 70 ). Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a intensidade da sua fiscalização varia consoante o poder de apreciação conferido às instituições ( 71 ).

124.

Foi neste contexto, isto é, a propósito do critério adequado de fiscalização, que foi feita referência ao Acórdão Rica Foods como sendo aplicável ao caso em apreço. Nestas circunstâncias, a referência é totalmente pertinente, uma vez que, contrariamente ao alegado pelos recorrentes, pouco tem que ver com as importações que constituem objeto desse processo, mas é invocado como uma indicação do critério adequado de fiscalização em geral. Poder‑se‑ia acrescentar ainda que a referência a esse processo concreto foi bem escolhida, uma vez que suscitou a análise da questão específica relativa ao critério de fiscalização do poder de apreciação política adotado pelo então Tribunal de Primeira Instância, como resulta das conclusões do advogado‑geral P. Léger nesse processo ( 72 ).

125.

Assim, geralmente, nos domínios em que o poder de apreciação da Comissão é muito amplo, como foi referido no primeiro fundamento de recurso, o critério de fiscalização jurisdicional correspondente será limitado. Tal poder de apreciação é, acima de tudo, de natureza política, mas também pode implicar que a Comissão proceda a avaliações complexas caso decida (ou não) fazer uso do seu poder de iniciativa.

126.

De qualquer forma, tendo em conta que o cerne da decisão da Comissão, constante da comunicação, de não adotar a proposta solicitada pela ICE se baseia predominantemente numa avaliação de natureza política ( 73 ), e partindo do princípio de que tal decisão intrinsecamente política é suscetível de fiscalização jurisdicional, não vejo de que forma essa avaliação poderia ser sujeita a uma fiscalização jurisdicional rigorosa sem violar os limites impostos pelo princípio do equilíbrio institucional, em especial entre os órgãos executivos e os jurisdicionais da União.

127.

Com efeito, é ditado pela latitude política do poder de iniciativa da Comissão um critério de fiscalização limitado que implica intrinsecamente a conciliação de interesses divergentes e a seleção de opções políticas. Esta latitude também decorre da natureza política da avaliação principal constante da comunicação da Comissão sobre se se deve dar seguimento a ICE bem‑sucedidas e de que forma, no exercício do seu poder de iniciativa. O juiz da União não pode substituir a avaliação política da Comissão, que deve esclarecer a sua decisão de desencadear o processo decisório exercendo o seu poder de iniciativa.

128.

Consequentemente, sou de opinião que o terceiro fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

D.   Quarto fundamento: erros manifestos de apreciação

129.

No quarto fundamento de recurso, os recorrentes alegam que, mesmo que o critério de fiscalização aplicado pelo Tribunal Geral fosse correto, este não considerou que os motivos apresentados pela Comissão na comunicação satisfaziam o critério do erro manifesto.

130.

Os recorrentes contestam cinco pontos da comunicação da Comissão que, segundo os mesmos, padecem de erros manifestos de apreciação.

131.

Em primeiro lugar, os recorrentes alegam, baseando‑se no Acórdão Brüstle ( 74 ), que é manifestamente incoerente proibir a concessão de patentes de invenção que pressuponham a destruição de embriões humanos e, ao mesmo tempo, financiar a investigação nessa mesma área.

132.

As conclusões extraídas pelos recorrentes do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Brüstle transcendem o correto alcance do mesmo.

133.

Como a Comissão acertadamente observa, esse acórdão dizia respeito exclusivamente à questão da patenteabilidade. Com efeito, o objetivo da Diretiva 98/44/CE ( 75 ), que foi alvo de interpretação no âmbito desse processo, «não tem por objeto regulamentar a utilização dos embriões humanos no âmbito de investigações científicas. O seu objeto limita‑se à patenteabilidade das invenções biotecnológicas» ( 76 ). A exclusão da patenteabilidade não está relacionada com a proibição da investigação científica ou o seu financiamento num determinado campo ( 77 ). Efetivamente, uma exclusão específica da patenteabilidade num determinado campo impossibilita a previsão de um direito exclusivo de exploração comercial, o que é bem diferente das questões suscitadas pela investigação científica nas suas diferentes aplicações.

134.

Assim, o Tribunal Geral não cometeu um erro ao afirmar, no n.o 173 do acórdão recorrido, que a conclusão da Comissão, no ponto 2.1, in fine, da comunicação, segundo a qual o Acórdão Brüstle não abordava a questão de saber se este tipo de investigação podia ser conduzida e financiada, não padece de erro manifesto de apreciação.

135.

Em segundo lugar, os recorrentes alegam ser notória a improbabilidade de encontrar um equilíbrio entre o direito à vida do embrião e os interesses da investigação sobre células estaminais embrionárias humanas («CEEH»). O conceito de dignidade humana proíbe esse equilíbrio. Por conseguinte, os recorrentes sustentam que a comunicação estava manifestamente errada ao afirmar que não é necessário clarificar o estatuto jurídico do embrião.

136.

Concordo com a Comissão que este argumento é inoperante. Não se refere a um ponto da fundamentação do Tribunal Geral que tenha analisado os alegados erros de apreciação suscitados pelos recorrentes no quinto fundamento de anulação, mas antes a uma das declarações do Tribunal Geral que diz respeito ao quarto fundamento de anulação relativo à alegada violação do dever de fundamentação. Com efeito, no n.o 156 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral analisou a suficiência da fundamentação.

137.

Em terceiro lugar, os recorrentes invocaram um conjunto de argumentos que, no essencial, colocam em causa a fundamentação do Tribunal Geral em relação à investigação sobre células estaminais embrionárias humanas. Os recorrentes alegam que a afirmação, na comunicação, de que o sistema de «tripla segurança» («triple lock») proporciona um critério eticamente válido para a avaliação de um projeto de investigação, constitui um erro manifesto de apreciação. A alegação da Comissão de que esse sistema, que permite o financiamento de projetos de investigação que são ilegais em 27 dos 28 Estados‑Membros, satisfaz normas rigorosas não é apenas um erro manifesto mas um tremendo absurdo. A este respeito, os recorrentes alegam que a abordagem do Tribunal Geral a diferentes éticas equivale a um erro de direito, uma vez que, no que diz respeito a uma ICE bem‑sucedida, não é da sua competência apreciar a procedência de questões sócio‑éticas concorrentes, sendo uma questão do foro político que, portanto, não cabe ao poder judiciário. Os recorrentes alegam ainda que a posição do Tribunal Geral é, por seu turno, reprovável. Isto porque adota uma abordagem de puro subjetivismo que tenta tornar os pontos de vista da Comissão em verdades absolutas. Por último, os recorrentes alegam que a fiscalização exercida pelo Tribunal Geral é insuficiente, uma vez que não analisa todos os erros de apreciação invocados pelos recorrentes. A este respeito, os recorrentes queixam‑se de que, apesar de o Acórdão Brüstle ter sido discutido, o acórdão recorrido não contém qualquer outra discussão sobre as afirmações da Comissão relativamente ao sistema de «tripla segurança».

138.

Os argumentos invocados pelos recorrentes supramencionados são improcedentes. Tais argumentos parecem assentar numa compreensão errada do acórdão do Tribunal Geral.

139.

No n.o 176 do acórdão recorrido, que é o principal objeto das críticas tecidas pelos recorrentes na sua argumentação, o Tribunal Geral descreveu, em primeiro lugar, as principais características das diferentes abordagens éticas da ICE e da Comissão, salientando que «[a] abordagem ética da ICE controvertida é aquela segundo a qual o embrião humano é um ser humano que deve beneficiar da dignidade humana e do direito à vida, ao passo que a abordagem ética da Comissão, tal como esta resulta da comunicação, tem em conta o direito à vida e a dignidade humana dos embriões humanos, mas, ao mesmo tempo, tem também em conta as necessidades de investigação sobre as [investigações sobre células estaminais embrionárias humanas], que podem servir para o tratamento de doenças atualmente incuráveis ou potencialmente mortais […]». Concluiu que, «[p]ortanto, não se afigura que a abordagem técnica seguida pela Comissão padeça de um erro manifesto de apreciação sobre este ponto e os argumentos dos recorrentes, os quais assentam numa abordagem ética diferente, não demonstram a existência desse erro».

140.

É evidente que o Tribunal Geral não defendeu nenhuma posição nem subscreveu nenhum ponto de vista ético que pudesse ser entendido como «juridificando» opções políticas. Contrariamente ao que sustentam os recorrentes, o acórdão do Tribunal Geral preserva, com precisão, o poder de apreciação de natureza política, que, no âmbito da atual estrutura institucional decisória, cabe à Comissão, incluindo em caso de uma ICE bem‑sucedida. Ao verificar se a comunicação continha algum erro manifesto de apreciação, limitou‑se a assinalar o facto de os recorrentes adotarem uma posição ética diferente da que é apoiada pela Comissão.

141.

Tal fundamentação não merece qualquer censura. Como corretamente salientado pela Comissão, em conformidade com o critério de fiscalização jurisdicional aplicável, esta abordagem realça o poder de apreciação de natureza política de que dispõe a Comissão na sua avaliação da suficiência e adequação do atual quadro jurídico, o que constitui um dos elementos da fundamentação em que apoia a sua decisão de não exercer a sua margem de apreciação para fazer uso do seu poder de iniciativa no sentido proposto pela ICE em questão.

142.

Assim, a fundamentação do Tribunal Geral nos n.os 176 e 177 do acórdão recorrido contempla de forma adequada, na minha opinião, os argumentos invocados pelos recorrentes. Não vejo razão para me alongar quanto aos mesmos, uma vez que, ou criticam a escolha de valores expressa pela Comissão no exercício do seu poder de apreciação, ou reprovam o Tribunal Geral por não ter adotado certas posições éticas e acolhido certos valores, quando não tinha razões para tal.

143.

Em quarto lugar, os recorrentes alegam que a afirmação, não acompanhada de prova, segundo a qual o facto de a assistência ao aborto ser financiada pelos contribuintes da União reduz o número de abortos, é manifestamente paradoxal.

144.

Este argumento é inoperante, na medida em que não afeta o essencial da argumentação do Tribunal Geral em resposta às alegações dos recorrentes quanto às considerações da Comissão relativas à cooperação para o desenvolvimento ( 78 ). De qualquer modo, este argumento parece basear‑se numa leitura bastante questionável da comunicação, uma vez que a mesma não contém nenhuma afirmação neste sentido ( 79 ).

145.

Em quinto lugar, os recorrentes alegam que o acórdão do Tribunal Geral deturpou os argumentos que apresentaram, ao afirmar, no n.o 164 do acórdão recorrido, que «[o]s recorrentes sustentam também que os [Objetivos de Desenvolvimento do Milénio] e o programa de ação da [Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento] não constituem compromissos juridicamente vinculativos, mas objetivos políticos». Na verdade, os recorrentes pretendiam invocar o argumento segundo o qual a Comissão alegou falsamente que esses documentos continham compromissos jurídicos vinculativos, o que constituiu um erro manifesto da sua parte.

146.

Mesmo que tal alegação se entenda no sentido de que o Tribunal Geral cometeu um erro ao não considerar que a declaração da Comissão de que os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio e o programa da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento contêm obrigações jurídicas constituía um erro manifesto, este argumento não pode proceder, na medida em que a comunicação da Comissão não contém nenhuma abordagem nesse sentido. Este argumento não revela, portanto, um erro de direito na apreciação do Tribunal Geral de que os argumentos dos recorrentes apresentados no n.o 164 do acórdão recorrido não demonstram a existência de erros manifestos de apreciação.

147.

Tendo em conta estas considerações, o quarto fundamento de recurso deve, a meu ver, ser julgado parcialmente inoperante e parcialmente improcedente.

E.   Quinto fundamento: qualificação incorreta da ICE

148.

No quinto fundamento de recurso, os recorrentes alegam que o acórdão recorrido contém um erro de direito no seu n.o 156, no qual o Tribunal Geral afirmou que não havia necessidade de abordar a questão de saber se o embrião humano é um ser humano.

149.

Os recorrentes sustentam que a finalidade, o objetivo e a razão de ser da ICE decorrem claramente do seu objeto, que diz respeito à «proteção jurídica da dignidade, do direito à vida e da integridade de cada ser humano desde a conceção […]». Segundo os recorrentes, o Tribunal Geral chegou a esta conclusão porque qualificou erradamente a finalidade da ICE ao considerar que o seu objetivo não é a proteção do embrião enquanto ser humano, mas simplesmente a promulgação das três propostas apresentadas ao legislador da União.

150.

Segundo a Comissão, a interpretação de um documento proveniente de uma entidade privada diz respeito à apreciação dos factos e não constitui, salvo em caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso ( 80 ).

151.

Não estou convencido quanto à oportunidade da qualificação da questão da definição do objeto de uma ICE (bem‑sucedida) como um elemento de facto, semelhante a um documento de uma entidade privada. É evidente que a qualificação jurídica imediata do que foi reduzido a uma questão de facto, para efeitos de «registo», nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento ICE, bem como outras fases posteriores de uma ICE, não é claramente apenas factual. Além disso, dificilmente se poderia sugerir que uma ICE é semelhante a um contrato negociado entre duas entidades privadas de que o juiz da União toma conhecimento, por exemplo, num contexto de direito da concorrência. No contexto de uma ICE, existe um constante intercâmbio e uma avaliação contínua de (efetivamente, um conjunto de) atos de entidades privadas celebrados com as instituições da União.

152.

Contudo, por mais interessante que possa ser a discussão sobre a fronteira entre os factos e o direito, penso que, no contexto do presente processo, seria também perfeitamente supérflua. O acórdão recorrido em nada errou ao qualificar a finalidade da ICE.

153.

O argumento dos recorrentes resume‑se a afirmar que a Comissão não devia ter interpretado a ICE como exigindo apenas o que foi especificamente solicitado (as três propostas legislativas concretas constantes do anexo), mas devia também ter interpretado o objeto da ICE como um pedido específico para adotar uma posição jurídica explícita sobre a natureza humana dos embriões.

154.

Discordo.

155.

Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento ICE, para solicitar o registo de uma ICE, os organizadores devem prestar as informações pertinentes constantes do anexo II. Esse anexo exige o fornecimento de um título até 100 carateres (1); um objeto, até 200 carateres (2); e a descrição dos objetivos, até 500 carateres (3). Além disso, a título facultativo, os organizadores podem, se assim o desejarem, apresentar um projeto de ato jurídico.

156.

No que diz respeito à ICE em questão, os objetivos específicos nos termos do n.o 3 são claramente identificados como uma proposta de «[introduzir uma] proibição e pôr fim ao financiamento das atividades que pressupõem a destruição de embriões humanos, em particular no que respeita à investigação, ajuda ao desenvolvimento e saúde pública» ( 81 ). Estes objetivos foram acompanhados de um projeto específico de ato jurídico.

157.

A este respeito, o Tribunal de Justiça já sublinhou, para efeitos do registo de uma proposta de ICE, nos termos do artigo 4.o do Regulamento ICE, a importância de uma análise cuidadosa e imparcial por parte da Comissão de todos os elementos fornecidos pelos organizadores da ICE que juntam à sua proposta informações mais pormenorizadas sobre o objeto, os objetivos e os antecedentes da mesma ( 82 ). Além disso, todos estes elementos devem ser devidamente tomados em consideração para efeitos da comunicação da Comissão nos termos do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE.

158.

Em ambos as fases, os objetivos de uma ICE continuam, logicamente, a ser os mesmos. No caso em apreço, a Comissão entendeu os objetivos por referência às propostas específicas formuladas pela ICE, concluindo assim que podiam ser registados, uma vez que preenchiam os requisitos do artigo 4.o do Regulamento ICE. Considero que o argumento de que a Comissão devia, paralelamente (ou adicionalmente), compreender os objetivos da ICE também por referência à questão supracitada é muito peculiar, uma vez que tal podia implicar que esse objetivo não teria cumprido os requisitos do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE.

159.

Assim, em poucas palavras, a Comissão é efetivamente acusada de não ter interpretado, além dos objetivos específicos e claramente definidos da ICE, um outro objetivo extraído do título da ICE. Essa interpretação da ICE teria provavelmente sido feita em detrimento da ICE, já que esse objetivo (ou inclusive toda a ICE) teria de ser excluído do registo. Devo admitir que tenho alguma dificuldade em identificar um poder da Comissão que lhe permita apresentar uma proposta de ato jurídico da União que resolva a questão de saber se o embrião humano é um ser humano, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE.

160.

Nestas condições, não se pode afirmar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no n.o 156 do acórdão recorrido, quando concluiu que o objetivo da ICE controvertida não era a definição ou a clarificação do estatuto jurídico do embrião humano, mas a apresentação, pela Comissão, dessas três propostas ao legislador da União.

161.

Consequentemente, considero que o quinto fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

VI. Quanto às despesas

162.

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

163.

A Comissão pediu a condenação dos recorrentes nas despesas. Sou de opinião que os recorrentes devem ser dados como parte vencida. Assim, há que condená‑los nas despesas relativas ao presente recurso.

VII. Conclusão

164.

Atendendo às considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça:

negue provimento ao recurso;

condene os recorrentes a suportar as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Acórdão de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão (T‑561/14, EU:T:2018:210).

( 3 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de fevereiro de 2011, sobre a iniciativa de cidadania (JO 2011, L 65, p. 1) (a seguir «Regulamento ICE»).

( 4 ) V. Acórdãos de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão (C‑589/15 P, EU:C:2017:663), e de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão (C‑420/16 P, EU:C:2019:177); v., igualmente, Acórdãos do Tribunal Geral de 19 de abril de 2016, Costantini e o./Comissão (T‑44/14, EU:T:2016:223); de 3 de fevereiro de 2017, Minority SafePack – one million signatures for diversity in Europe/Comissão (T‑646/13, EU:T:2017:59); de 5 de abril de 2017, HB e o./Comissão (T‑361/14, não publicado, EU:T:2017:252); e de 10 de maio de 2017, Efler e o./Comissão (T‑754/14, EU:T:2017:323).

( 5 ) As três restantes ICE bem‑sucedidas até à data são Right2Water, Stop vivisection e Ban glyphosate. V. http://ec.europa.eu/citizens‑initiative/public/initiatives/successful.

( 6 ) ECI(2012) 000005.

( 7 ) JO 2002, L 248, p. 1.

( 8 ) COM(2011) 809 final.

( 9 ) JO 2006, L 378, p. 41.

( 10 ) COM(2014) 355 final.

( 11 ) Despacho de 26 de novembro de 2015, One of Us/Parlamento e o. (T‑561/14, não publicado, EU:T:2015:917).

( 12 ) Acórdão de 23 de abril de 2018 (T‑561/14, EU:T:2018:210).

( 13 ) N.os 53 a 65 do acórdão recorrido.

( 14 ) N.os 66 a 101 do acórdão recorrido.

( 15 ) N.o 102 e segs. do acórdão recorrido.

( 16 ) Estas três situações foram expostas no n.o 103 do acórdão recorrido: «[…] em primeiro lugar, quando as medidas pedidas no âmbito da ICE já não forem necessárias[,] em segundo lugar, quando a adoção das medidas pedidas no âmbito da ICE se tornou impossível na sequência do registo desta e, em terceiro lugar, quando a iniciativa de cidadania não contém proposta de ação específica, limitando‑se a assinalar a existência de um problema a resolver, deixando à Comissão o cuidado de determinar, se for caso disso, a medida que pode ser tomada.»

( 17 ) Acórdão de 14 de abril de 2015 (C‑409/13, EU:C:2015:217, n.os 75 e 76).

( 18 ) V., por exemplo: em alemão, «können die Initiative ergreifen und die Europäische Kommission auffordern»; em espanhol, «podrá tomar la iniciativa de invitar a la Comisión Europea»; em italiano, «possono prendere l'iniziativa d'invitare la Commissione europea»; em neerlandês, «kunnen zij het initiatief nemen de Europese Commissie te verzoeken»; em português, «pode tomar a iniciativa de convidar a Comissão Europeia»; e em checo, «se může ujmout iniciativy a vyzvat Evropskou komisi».

( 19 ) A título ilustrativo, v. as minhas Conclusões no processo Bélgica/Comissão (C‑16/16 P, EU:C:2017:959, n.os 114 a 115 e 140 a 141).

( 20 ) JO 2003, C 169, p. 1. Esta disposição tem a seguinte redação: «Por iniciativa de pelo menos um milhão de cidadãos da União oriundos de um número significativo de Estados‑Membros, a Comissão pode ser convidada a apresentar propostas adequadas em matérias sobre as quais esses cidadãos considerem necessário um ato jurídico da União para aplicar a Constituição. As normas processuais e as condições específicas para a apresentação das iniciativas dos cidadãos à Comissão são estabelecidas por lei europeia.»

( 21 ) V., por exemplo, Morelli, M., La democrazia partecipativa nella governance dell’Unione europea, Giuffrè editore, Milano, 2011, pp. 55 e segs.

( 22 ) V., para as referidas alterações que se baseiam em elementos da iniciativa de cidadania, do referendo europeu e do direito de petição, Lamassoure, A., «Proposition d’amendement à l’Article 34 (bis)», que inclui a obrigação de a Comissão apresentar uma proposta, e Einem, C., e Berger, M., «Suggestion for amendment of Article: 34a», sobre a obrigação de realizar um referendo. As alterações podem ser consultadas em: http://european‑convention.europa.eu/EN/amendemTrait/amendemTrait2352.html?lang=EN.

( 23 ) V., Meyer, J., «Suggestion for amendment of Article: I‑46, part I, title VI (CONV 724/03)». Resulta da explicação dessa alteração que «alargará o atual direito de petição a um direito dos cidadãos de apresentar propostas legislativas à Comissão da União. A Comissão deve então decidir se irá ou não exercer uma atividade legislativa.»

( 24 ) Alteração 19, Relatório I sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à iniciativa de cidadãos [COM(2010) 0119 ‑ C7‑0089/2010 ‑ 2010/0074 (COD)], Comissão dos Assuntos Constitucionais A7‑0350/2010.

( 25 ) Sobre o debate do Parlamento Europeu, v. Szeligowska, D. e Mincheva, E., «The European Citizens’ Initiative – Empowering European Citizens within the Institutional Triangle: A Political and Legal Analysis», Perspectives on European Politics and Society, vol. 13, 2012, n.o 3, pp. 270 a 284, em especial, p. 274.

( 26 ) Exposição de motivos, Relatório I sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à iniciativa de cidadãos [COM(2010) 0119 ‑ C7‑0089/2010 ‑ 2010/0074 (COD)], Comissão dos Assuntos Constitucionais A7‑0350/2010.

( 27 ) A ampla abordagem da admissibilidade na fase de registo é confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, que até à data interpretou apenas o critério do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE. O Tribunal de Justiça declarou, a este respeito, que a Comissão, quando lhe é apresentada uma proposta de ICE, «deve interpretar e aplicar a condição de registo do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), de forma a assegurar um acesso fácil à ICE e só pode recusar o registo desta proposta se a ICE estiver manifestamente fora da sua competência». V., neste sentido, Acórdãos de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão (C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.os 49 e 50), e de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão (C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.o 64).

( 28 ) Acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão (C‑409/13, EU:C:2015:217, n.os 75 e 76).

( 29 ) V., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho (C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.o 146).

( 30 ) V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral J. Jääskinen no processo Conselho/Comissão (C‑409/13, EU:C:2014:2470, n.os 44 e 45).

( 31 ) V., sobre este debate, Ponzano, P., «Le droit d’initiative de la Commission européenne: théorie et pratique», Revue des affaires européennes, 2009‑2010/1, pp. 27 a 35; Ponzano, P., Hermanin, C., e Corona, D., The Power of Initiative of the European Commission: A Progressive Erosion?, Notre Europe, 2012, p. 7; ou von Buttlar, C., Das Initiativrecht der Europäischen Kommission, Duncker & Humblot, Berlin, 2003, p. 17.

( 32 ) Acórdãos de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão (C‑409/13, EU:C:2015:217, n.o 70), e de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho (C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.o 146).

( 33 ) Acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão (C‑409/13, EU:C:2015:217, n.o 70).

( 34 ) Tal como aconteceu no que se refere à política comum de transportes ao abrigo dos artigos 74.o e 75.o do Tratado CEE. V. Acórdão de 22 de maio de 1985, Parlamento/Conselho (13/83, EU:C:1985:220, n.os 64 a 68).

( 35 ) A este respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça recorda constantemente que «as regras relativas à formação da vontade das instituições da União estão estabelecidas nos Tratados e não estão à disposição dos Estados‑Membros nem das próprias instituições». V., por exemplo, Acórdão de 10 de setembro de 2015, Parlamento/Conselho (C‑363/14, EU:C:2015:579, n.o 43 e jurisprudência referida).

( 36 ) V., neste sentido, quanto à importância do acesso aos documentos, Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 108).

( 37 ) V., neste sentido, Acórdão de 23 de março de 2004, França/Comissão (C‑233/02, EU:C:2004:173, n.o 51).

( 38 ) É certo que, numa democracia, a tramitação e a discussão em simultâneo de iniciativas com conteúdo diferente ou mesmo oposto é certamente possível. Facilmente poderia ser feita uma analogia com o plano nacional em que várias propostas são suscetíveis de ser apresentadas simultaneamente e discutidas no parlamento. Esta analogia não é, no entanto, totalmente pertinente, já que, no plano nacional, tais situações estão intrinsecamente ligadas ao direito de iniciativa dos deputados do parlamento, atuando a título individual, dos grupos parlamentares ou dos círculos políticos no parlamento, que provavelmente colidirão entre si ou com uma proposta governamental já apresentada. Uma mais correta analogia a esse respeito seria com uma situação em que o mesmo governo envia ao mesmo tempo propostas contraditórias ao parlamento nacional, o que dificilmente poderia ser chamado de governação eficaz (ou mesmo democrática), a todos os níveis.

( 39 ) Despacho de 5 de setembro de 2018, Minority SafePack ‑ one million signatures for diversity in Europe/Comissão [C‑717/17 P(I), não publicado, EU:C:2018:691, n.o 31].

( 40 ) Acórdão de 14 de abril de 2015 (C‑409/13, EU:C:2015:217).

( 41 ) Acórdão de 14 de abril de 2015 (C‑409/13, EU:C:2015:217, n.os 75 e 76).

( 42 ) V. n.os 38 a 41, supra.

( 43 ) Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão (C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 24).

( 44 ) Acórdãos de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão (C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 49), e de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão (C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.o 53).

( 45 ) V. n.os 39 a 42, supra.

( 46 ) Alteração 52, Relatório I sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à iniciativa de cidadãos [COM(2010) 0119 ‑ C7‑0089/2010 ‑ 2010/0074 (COD)], Comissão dos Assuntos Constitucionais A7‑0350/2010.

( 47 ) Poder‑se‑á acrescentar que o Acordo‑Quadro sobre as relações entre o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia (JO 2010, L 304, p. 47) estabelece, no ponto 16, uma importante relação entre o seguimento dado a um pedido do Parlamento nos termos do artigo 225.o TFUE e a ICE. A Comissão compromete‑se a apresentar um relatório sobre o seguimento dado no prazo de três meses a contar da data da resolução e, caso não apresente uma proposta, dará «explicações pormenorizadas» dos motivos para tal. Em especial, a Comissão «assume igualmente um compromisso de cooperação estreita e precoce com o Parlamento sobre todos os pedidos de iniciativa legislativa que emanem de iniciativas dos cidadãos». V., sobre a interação com o Parlamento Europeu, Karatzia, A., «The European Citizens’ Initiative and the EU Institutional Balance: On realism and the possibilities of affecting EU law‑making», Common Market Law Review, 54, 2017, p. 177, pp. 187-190.

( 48 ) V., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2017, Efler e o./Comissão (T‑754/14, EU:T:2017:323, n.o 45).

( 49 ) Decisão da Provedora de Justiça Europeia que encerra o inquérito de iniciativa própria OI/9/2013/TN a respeito da Comissão Europeia, de 4 de março de 2015, ponto 20.

( 50 ) Para uma discussão sobre outros sistemas de iniciativa sob uma perspetiva comparativa, v. Cuesta López, V., «A Comparative approach to the Regulation on the European Citizens’ Initiative», Perspectives on European Politics and Society, 13, 2012, pp. 257 a 269, em especial, p. 263; Petropoulos, E., «Die Europäische Bürgerinitiative im paneuropäischen Kontext: Wo steht die direkte Demokratie in der EU im Vergleich zu ihren Mitgliedstaaten?», Saar Blueprints, 11/2016; Qvortrup, M., «The Legislative Initiative: A comparative Analysis of the Domestic Experiences in EU Countries», em Dougan, M., Nic Shuibhne, N., e Spaventa, E., Empowerment and Disempowerment of the European Citizen, Hart, Oxford, 2012, pp. 291 a 304.

( 51 ) V. n.os 39 e 71, supra.

( 52 ) V. n.o 31 das presentes conclusões.

( 53 ) A título de exemplo, Organ, J., «Decommissioning Direct Democracy? A Critical Analysis of Commission Decision‑Making on the Legal Admissibility of European Citizens Initiative Proposals», European Constitutional Law Review, vol. 10, n.o 3, 2014, pp. 422‑443; Guilloud‑Colliat, L., «La mise en oeuvre de l’initiative citoyenne européenne: anatomie d’un échec», Revue du droit de l’Union européenne, vol. 4, 2008, pp. 175‑200; e Bouza Garcia, L., Del Río Villar, S., «The ECI as a Democratic Innovation: Analysing its Ability to Promote Inclusion, Empowerment and Responsiveness in European Civil Society», Perspectives on European Politics and Society, 13(3), 2012, pp. 312–324.

( 54 ) V. Relatórios da Comissão sobre a aplicação do Regulamento (UE) n.o 211/2011 sobre a iniciativa de cidadania [COM(2015) 145 final e COM(2018) 157 final] e o documento «The European Citizens’ Initiative: the experience of the first 3 years. European Implementation Assessment», Serviço de Estudos do Parlamento Europeu, pp. 27 e segs. e as resoluções do Parlamento Europeu aí referidas.

( 55 ) Regulamento (UE) 2019/788 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, sobre a iniciativa de cidadania europeia (JO 2019, L 130, p. 55). O novo regulamento não altera o caráter não vinculativo para a Comissão de uma ICE bem‑sucedida. Contudo, quanto a este aspeto específico, introduz alterações relacionadas com a supervisão política do Parlamento relativamente ao seguimento dado pela Comissão (artigo 16.o) e com a obrigação do Parlamento de avaliar, na sequência da audição, o apoio político à iniciativa (artigo 14.o, n.o 3).

( 56 ) Por referência aos Acórdãos de 19 de novembro de 1998, Nilsson e o. (C‑162/97, EU:C:1998:554, n.o 54); de 25 de novembro de 1998, Manfredi (C‑308/97, EU:C:1998:566, n.o 30); e de 24 de novembro de 2005, Deutsches Milch‑Kontor (C‑136/04, EU:C:2005:716, n.o 32).

( 57 ) A título exemplificativo, v., por exemplo, Acórdão de 12 de julho de 2005, Alliance for Natural Health e o. (C‑154/04 e C‑155/04, EU:C:2005:449, n.os 91 e 92); de 21 de dezembro de 2011, Ziolkowski e Szeja (C‑424/10 e C‑425/10, EU:C:2011:866, n.os 42 e 43); ou de 25 de julho de 2018, Confédération paysanne e o. (C‑528/16, EU:C:2018:583, n.os 44 a 46 e 51).

( 58 ) Constituem exemplos clássicos nesta categoria as situações em que o âmbito de um conceito jurídico indefinido ou indeterminado disposto nos artigos de um ato jurídico é interpretado restritivamente ou então extensivamente à luz de um considerando. Desta forma, a uma parte pode ser imposta uma obrigação, ao passo que a outra pode ser conferido um direito, formalmente, como é evidente, com base num artigo de um ato jurídico, quando, na realidade, é com base num considerando que pode modificar consideravelmente o âmbito do conceito jurídico em questão.

( 59 ) Sem pretender fazer uma «interpretação retroativa», é de salientar a supressão do termo «separadamente» no considerando 28 do Regulamento 2019/788, que corresponde ao considerando 20 do Regulamento ICE.

( 60 ) V. justificação da Alteração 19, Relatório I sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à iniciativa de cidadãos [COM(2010) 0119 ‑ C7‑0089/2010 ‑ 2010/0074 (COD)], Comissão dos Assuntos Constitucionais A7‑0350/2010. Do mesmo modo, a Alteração 52 indica que «[a] Comissão deve chegar a conclusões jurídicas e políticas sobre a iniciativa. A comunicação deve conter ambos os tipos de conclusões».

( 61 ) Acórdão de 14 de julho de 2005, Rica Foods/Comissão (C‑40/03 P, EU:C:2005:455).

( 62 ) Acórdão de 9 de dezembro de 2014 (C‑261/13 P, EU:C:2014:2423).

( 63 ) N.o 169 do acórdão recorrido.

( 64 ) Acórdão de 14 de julho de 2005, Rica Foods/Comissão (C‑40/03 P, EU:C:2005:455, n.os 53 a 55 e jurisprudência referida).

( 65 ) V., quanto ao debate sobre a suscetibilidade de justificação da comunicação sobre o seguimento dado a uma ICE bem‑sucedida, por exemplo, Dougan, M., «What are we to make of the citizens’ initiative?», Common Market Law Review, 48, 2011, pp. 1807 a 1848, em especial, p. 1839; Vogiatzis, N., «Between discretion and control: Reflections on the institutional position of the Commission within the European citizens’ initiative process», European Law Journal, 23, 2017, pp. 250 a 271, em especial, p. 257.

( 66 ) Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento (C‑261/13 P, EU:C:2014:2423, n.o 24).

( 67 ) Não acolhe, assim, qualquer exclusão da fiscalização jurisdicional em função da existência de uma «questão política», que, em certa medida, também podia ter sido concebível. Se se reconhecer que a Comissão beneficia de um poder de apreciação no que diz respeito à questão de dar ou não seguimento a uma ICE bem‑sucedida, o que haverá então para fiscalizar? Gostos, crenças e convicções políticas dificilmente são suscetíveis de fiscalização jurisdicional (racional). V., sobre este debate em geral, Butler, G., «In search of the Political Question Doctrine in EU law», Legal Issues of Economic Integration, vol. 45, n.o 4, 2018, pp. 329 a 354.

( 68 ) Corresponde, assim, noutro plano, à discussão sobre o «valor acrescentado» nos n.os 73 e 74, supra, das presentes conclusões.

( 69 ) V. n.o 100 das presentes conclusões.

( 70 ) V., por exemplo, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho (C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.o 124 e jurisprudência referida).

( 71 ) V, por exemplo, Acórdãos de 18 de março de 2014, Comissão/Parlamento e Conselho (C‑427/12, EU:C:2014:170, n.o 40); de 11 de dezembro de 2018, Weiss e o. (C‑493/17, EU:C:2018:1000, n.o 24); ou de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de pesca do espadarte do Mediterrâneo) (C‑611/17, EU:C:2019:332, n.os 57 e 120).

( 72 ) Conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo Rica Foods/Comissão (C‑40/03 P, EU:C:2005:93, n.os 45 a 50).

( 73 ) V. n.o 103, supra, das presentes conclusões.

( 74 ) Acórdão de 18 de outubro de 2011 (C‑34/10, EU:C:2011:669).

( 75 ) Diretiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de julho de 1998, relativa à proteção jurídica das invenções biotecnológicas (JO 1998, L 213, p. 13).

( 76 ) Acórdãos de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669, n.o 40), e de 18 de dezembro de 2014, International Stem Cell Corporation (C‑364/13, EU:C:2014:2451, n.o 22).

( 77 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no Acórdão Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:138, n.o 44), sublinhando que «[a] patenteabilidade e a investigação não parecem indissociáveis uma da outra».

( 78 ) V. n.os 179 e 180 do acórdão recorrido.

( 79 ) A comunicação contém, no ponto 3.3, apenas a seguinte afirmação: «Nos países parceiros em desenvolvimento que beneficiam de apoio da [União] para o setor da saúde, é prestada assistência aos sistemas de cuidados de saúde, quer mediante o apoio à prestação integrada de serviços que incluem serviços de saúde sexual, reprodutiva, materna, neonatal e infantil em toda a cadeia de cuidados de saúde, ou a prestação de apoio orçamental para ajudar os países a melhorar a prestação dos serviços nacionais de saúde. Por definição, a assistência contribuirá, direta ou indiretamente, para todo o espetro dos serviços de saúde oferecidos por países parceiros, que pode ou não incluir serviços relacionados com o aborto a fim de salvar a vida da mãe. Este vasto apoio da [União] contribui de forma substancial para a redução do número de abortos, uma vez que aumenta o acesso a serviços seguros e de qualidade, incluindo planeamento familiar de boa qualidade, uma vasta gama de métodos contracetivos, contraceção de emergência e educação sexual no sentido lato.»

( 80 ) Invocando, em apoio dessa afirmação, o Acórdão de 13 de julho de 2006, Comissão/Volkswagen (C‑74/04 P, EU:C:2006:460, n.os 49 a 53).

( 81 ) V. n.o 11 das presentes conclusões.

( 82 ) V. Acórdãos de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão (C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.os 35 e 45), de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão (C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.o 51).

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