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Document 62015CC0617

    Conclusões do advogado-geral E. Tanchev apresentadas em 12 de janeiro de 2017.
    Hummel Holding A/S contra Nike Inc. e Nike Retail B.V.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Düsseldorf.
    Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Marca da União Europeia — Artigo 97.o, n.o 1 — Competência internacional — Ação por contrafação contra uma sociedade sediada num Estado terceiro — Subfilial sediada no território do Estado‑Membro do tribunal onde a ação foi proposta — Conceito de “estabelecimento”.
    Processo C-617/15.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:13

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    EVGENI TANCHEV

    apresentadas em 12 de janeiro de 2017 ( 1 )

    Processo C‑617/15

    Hummel Holding A/S

    contra

    Nike Inc.

    Nike Retail B.V.

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Dusseldórfia, Alemanha)]

    «Pedido de decisão prejudicial — Propriedade Intelectual — Marca da União Europeia — Competência internacional — Competência alargada para abranger todo o território da União Europeia — Actor sequitur forum rei — Conceito de ‘estabelecimento’ na aceção do artigo 97.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 sobre a marca comunitária — Ação de contrafação de uma marca contra uma empresa com sede fora da UE — Competência com base na sede num Estado‑Membro de uma filial juridicamente independente de uma empresa de um país terceiro»

    1. 

    As marcas europeias necessitam de uma proteção eficaz em toda a União Europeia ( 2 ).

    2. 

    A melhor forma de a garantir é permitir que as decisões dos órgãos jurisdicionais tenham efeitos de natureza pan‑europeia, cobrindo infrações de marcas que ocorram não só no Estado‑Membro do foro, mas também em qualquer dos Estados‑Membros da UE ( 3 ). O legislador da UE previu uma proteção abrangente deste tipo ( 4 ), mas confere a competência alargada necessária ( 5 ) exclusivamente a um órgão jurisdicional cuja competência internacional possa ter por base o artigo 97.o, n.os 1 a 4, do Regulamento sobre a marca comunitária ( 6 ) (a seguir «RMC»), o que suspende as regras gerais relativas à competência do RMC e do Regulamento ( 7 )«Bruxelas I» ( 8 ).

    3. 

    O Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior, Dusseldórfia, Alemanha), na qualidade de tribunal de marcas comunitárias, pretende saber se possui competência alargada desta natureza para a apreciação de uma ação de contrafação intentada por uma sociedade dinamarquesa contra um demandado dos Estados Unidos. Nos termos do artigo 97.o, n.o 1, do RMC, os tribunais têm competência internacional caso um demandado, que não tenha domicílio na UE, possua um estabelecimento no Estado‑Membro do foro. Uma vez que a demandada dos EUA possui uma subfilial na Alemanha, coloca‑se a questão de saber se essa entidade é um «estabelecimento» na aceção do artigo 97.o, n.o 1, do RMC.

    I. Quadro jurídico

    A. RMC

    4.

    O considerando 16 refere:

    «(16)

    É indispensável que as decisões sobre a validade e a contrafação das marcas comunitárias produzam efeitos em toda a Comunidade e a ela sejam extensivas, única maneira de evitar decisões contraditórias dos tribunais e do Instituto e de respeitar o caráter unitário das marcas comunitárias. Salvo derrogação prevista no presente regulamento, as disposições do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria civil e comercial, deverão aplicar‑se a todas as ações judiciais relativas às marcas comunitárias.»

    5.

    O artigo 97.o, intitulado «Competência internacional», dispõe nos seus n.os 1 e 2:

    «1.   Sem prejuízo do disposto no presente regulamento bem como das disposições do Regulamento (CE) n.o 44/2001 aplicáveis por força do artigo 94.o, os processos resultantes das ações e pedidos referidos no artigo 96.o serão intentados nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o réu tenha o seu domicílio ou, se este não se encontrar domiciliado num dos Estados‑Membros, do Estado‑Membro em cujo território o réu tenha um estabelecimento.

    2.   Se o réu não tiver domicílio nem estabelecimento no território de um Estado‑Membro, esses processos serão intentados nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o autor tenha o seu domicílio ou, se este último não se encontrar domiciliado num dos Estados‑Membros, nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o autor tenha um estabelecimento.»

    6.

    O artigo 98.o, intitulado «Extensão da competência», dispõe no seu n.o 1:

    «1.   Um tribunal de marcas comunitárias cuja competência se fundamente nos n.os 1 a 4 do artigo 97.o é competente para decidir sobre:

    a)

    Os atos de contrafação cometidos ou em vias de serem cometidos nos territórios de qualquer Estado‑Membro;

    b)

    Os atos referidos no n.o 3, segundo período, do artigo 9.o, cometidos no território de qualquer Estado‑Membro.»

    B. Regulamento Bruxelas I

    7.

    Os considerandos 11 e 12 referem:

    «(11)

    As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.

    (12)

    O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.»

    8.

    A secção 1, intitulada «Disposições gerais», do capítulo II, intitulado «Competência», compreende os artigos 2.° a 4.°, que estabelecem nos respetivos n.os 1:

    «Artigo 2.o

    1.   Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

    «Artigo 4.o

    1.   Se o requerido não tiver domicílio no território de um Estado‑Membro, a competência será regulada em cada Estado‑Membro pela lei desse Estado‑Membro, sem prejuízo da aplicação do disposto nos artigos 22.° e 23.o»

    II. Factos no processo principal e pedido de decisão prejudicial

    9.

    A Hummel Holdings A/S, demandante no processo principal, é um fabricante de artigos de desporto, vestuário de desporto e lazer e calçado de desporto e lazer com sede na Dinamarca. Intentou uma ação na Alemanha no Landgericht Dusseldórfia (Tribunal Regional, Dusseldórfia, Alemanha) contra duas demandadas pertencentes ao grupo Nike pela venda de artigos de vestuário de desporto alegadamente em violação da marca figurativa internacional n.o 943057, registada para produzir efeitos igualmente na União Europeia no que se refere a produtos da Classe 25.

    10.

    A primeira demandada, Nike Inc., é a sociedade principal do grupo Nike e tem a sua sede nos Estados Unidos da América.

    11.

    A segunda demandada é a Nike Retail B.V. que pertence ao mesmo grupo e tem sede nos Países Baixos. Esta última gere o sítio web www.nike.com/de, no qual os produtos NIKE são publicitados e oferecidos para venda na Alemanha e noutros países em inglês e alemão.

    12.

    A maioria das infrações à marca da demandante ocorreu alegadamente na Alemanha. Nesse país, os produtos podem ser encomendados em linha através do sítio web da Nike Retail ou através de retalhistas independentes que não fazem parte do grupo Nike e que têm, eles próprios, de os encomendar à Nike Retail. Além disso, os serviços pré‑venda e pós‑venda são prestados pela Nike Deutschland. Esta sociedade não vende os produtos NIKE, mas presta assistência aos clientes por telefone ou e‑mail por ocasião da encomenda e atua igualmente como agente da Nike Retail para os contratos celebrados com os comerciantes. No que diz respeito aos serviços pós‑venda, a Nike Deutschland gere as questões relativas a trocas ou reclamações e presta assistência aos comerciantes na publicidade e gestão desses contratos.

    13.

    A Nike Deutschland tem sede em Frankfurt am Main e não é parte no processo principal. Trata‑se, no entanto, de uma subfilial da primeira demandada, a Nike Inc., e a sua presença na Alemanha é crucial para a alegação da demandante sobre a competência dos tribunais alemães.

    14.

    A demandante procurou obter perante o Landgericht Dusseldórfia (Tribunal Regional, Dusseldórfia, Alemanha): I) uma injunção com vista à proibição da importação, exportação, publicidade, oferta para venda e colocação no mercado dos produtos em causa, ou da autorização da sua colocação no mercado; II) decisões com vista à apresentação, nomeadamente, de cópias de faturas, e à retirada dos bens em causa dos circuitos de distribuição e à sua destruição; e, por último, III) uma declaração em matéria de obrigação de indemnização.

    15.

    Quanto à primeira demandada, a demandante solicitou as referidas injunções e decisões: 1) relativamente ao território da União Europeia e, a título subsidiário, 2) relativamente ao território da República Federal da Alemanha. Quanto à segunda demandada, o fundamento do recurso referia‑se apenas ao território da República Federal da Alemanha. O pedido de decisão prejudicial apenas diz respeito ao primeiro pedido.

    16.

    O Landgericht Dusseldórfia (Tribunal Regional, Dusseldórfia, Alemanha), considerando que a Nike Deutschland devia ser considerada um estabelecimento da primeira demandada, criando assim um nexo entre a demandada dos Estados Unidos e a Alemanha, declarou‑se internacionalmente competente, e isto também em relação ao território de toda a União Europeia. Porém, julgou a ação improcedente quanto ao mérito. No recurso interposto pela demandante para o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior, Dusseldórfia, Alemanha), as demandadas continuam a invocar a falta de competência internacional dos tribunais alemães no que se refere ao primeiro pedido apresentado.

    17.

    É neste contexto que o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior, Dusseldórfia, Alemanha) apresenta o seguinte pedido de decisão prejudicial:

    «Em que circunstâncias pode uma subfilial juridicamente independente, sediada num Estado‑Membro da União, de uma empresa que não tem ela própria a sua sede na União, ser considerada um ‘estabelecimento’ da empresa na aceção do artigo 97.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 207/2009?»

    18.

    Apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça a demandante e as duas demandadas, o Governo italiano e a Comissão Europeia. Todos, com exceção do Governo italiano, apresentaram alegações orais na audiência que teve lugar em 6 de outubro de 2016.

    III. Apreciação

    A. Introdução

    19.

    Antes de mais, é importante salientar que, nos termos do RMC, apenas os «tribunais de marcas comunitárias», que são órgãos jurisdicionais nacionais especificamente selecionados encarregados de desempenhar as funções conferidas pelo regulamento ( 9 ), podem decidir sobre ações de contrafação ( 10 ). O Landgericht Dusseldórfia (Tribunal Regional, Dusseldórfia, Alemanha) e o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior, Dusseldórfia, Alemanha) foram nomeados como tal pelo Governo alemão ( 11 ).

    20.

    No entanto, nem todos os tribunais de marcas comunitárias podem decretar com efeitos à escala da União ( 12 ) a medida requerida pela demandante no presente processo.

    21.

    A questão de saber se um determinado tribunal de marcas comunitárias tem ou não esse poder alargado depende de a sua competência internacional se fundar ou não no artigo 97.o, n.os 1 a 4, do RMC ( 13 ). Só nessas circunstâncias um tribunal de marcas comunitárias «é competente para decidir sobre os atos de contrafação cometidos ou em vias de serem cometidos nos territórios de qualquer Estado‑Membro» ( 14 ).

    22.

    Por conseguinte, embora a alegação da demandante de que as infrações ocorreram na Alemanha constitua, em matéria de competência, uma base para uma ação de contrafação na Alemanha nos termos do artigo 97.o, n.o 5, do RMC ( 15 ), essa disposição só pode servir de base para a competência relativamente a atos cometidos ou em vias de serem cometidos no território do Estado‑Membro do foro ( 16 ). Não constitui base suficiente para decretar a medida requerida pela demandante com efeitos que vão além do território alemão. Esta competência deve necessariamente fundar‑se no artigo 97.o, n.os 1 a 4, do RMC ( 17 ).

    23.

    Como já referido, o artigo 97.o, n.o 1, do RMC oferece esse fundamento para a competência internacional caso o demandado do país terceiro tenha um estabelecimento no Estado‑Membro do foro ( 18 ). Por conseguinte, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior, Dusseldórfia, Alemanha) solicita esclarecimentos sobre as condições em que a Nike Deutschland, com sede na Alemanha, pode ser considerada um estabelecimento da Nike Inc.

    B. Definição de «estabelecimento »

    24.

    O artigo 97.o, n.o 1, do RMC prevê que os processos em matéria de marcas comunitárias sejam «intentados nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o réu tenha o seu domicílio ou, se este não se encontrar domiciliado num dos Estados‑Membros, do Estado‑Membro em cujo território o réu tenha um estabelecimento».

    1.  Definição autónoma

    25.

    A primeira questão a abordar é a de saber se o termo «estabelecimento» tem, como a Comissão referiu na audiência, um significado autónomo a nível da UE, ou se deve deixar‑se ao tribunal nacional essa determinação com base no seu direito interno ( 19 ).

    26.

    Esta última situação pode decorrer do facto de o termo «domicílio» do artigo 59.o do Regulamento Bruxelas I ( 20 ) dever ser determinado segundo a lei interna do Estado‑Membro em que a questão é submetida a um tribunal. No entanto, do mesmo modo, o artigo 60.o do Regulamento Bruxelas I prevê uma definição autónoma de domicílio, no caso das sociedades e das associações ( 21 ).

    27.

    Como regra geral, as disposições do direito da UE devem ser interpretadas de forma autónoma ( 22 ). Além disso, a existência de um significado de «estabelecimento» à escala da UE é consentânea com o objetivo do artigo 97.o, n.os 1 a 4, do RMC de criar uma base uniforme para a extensão da competência ao nível da UE. Por conseguinte, a abordagem adotada nas presentes conclusões é a de que o Tribunal de Justiça deve fornecer uma interpretação autónoma ( 23 ).

    2.  «Estabelecimento » nos termos do RMC

    28.

    Embora algumas definições legais tenham sido incluídas no RMC ( 24 ), o legislador não providenciou nenhuma para o termo «estabelecimento».

    29.

    Além disso, até à data, o Tribunal de Justiça ainda não teve oportunidade ( 25 ) de fornecer uma interpretação do artigo 97.o, n.o 1, do RMC ou do termo «estabelecimento» tal como utilizado noutras disposições do RMC ( 26 ).

    30.

    Na falta de orientações nos textos legislativos ( 27 ), o termo «estabelecimento» na aceção do artigo 97.o, n.o 1, do RMC, deve necessariamente ser determinado recorrendo a fontes que vão além do RMC.

    31.

    À primeira vista, o Regulamento Insolvência ( 28 ) parece ser uma boa fonte dessa natureza. No seu artigo 2.o, alínea h), prevê uma definição jurídica ( 29 ) do termo «estabelecimento», designadamente no contexto da competência internacional.

    32.

    No entanto, no presente contexto, esta definição não pode ser aplicada diretamente nem utilizada por analogia. É expressamente utilizada apenas «para efeitos do presente regulamento». A finalidade da conexão com o estabelecimento efetuada no Regulamento «Insolvência» é bastante diferente da do contexto do artigo 97.o do RMC: a competência com fundamento no estabelecimento nos termos do Regulamento «Insolvência» apenas se aplica no contexto de processos secundários que não têm por base o centro de interesses principais do devedor. Além disso, as decisões proferidas em tais processos são de efeito limitado ( 30 ). Em contrapartida, o artigo 97.o do RMC estabelece uma conexão com o estabelecimento a fim de identificar uma competência central, com vista a sentenças com efeitos alargados.

    3.  «Estabelecimento » na aceção do Regulamento Bruxelas I

    33.

    Uma fonte natural de orientação para a interpretação de qualquer disposição em matéria de competência do RMC é, no entanto, o Regulamento Bruxelas I, uma vez que este último estabelece as regras gerais de competência em matéria civil e comercial. O Regulamento Bruxelas I aplica‑se aos processos relativos a marcas comunitárias, salvo disposição em contrário do RMC ( 31 ). Juntamente com o instrumento seu antecessor (a Convenção de Bruxelas), que data de 1968, o Regulamento Bruxelas I apresenta um quadro conceptual já de longa data e que também subjaz a regras mais recentes em matéria de competência que constam de regulamentos especiais como o RMC.

    34.

    As disposições gerais do Regulamento Bruxelas I oferecem algumas definições legais ( 32 ), mas não definem o termo «estabelecimento».

    35.

    No entanto, o Regulamento Bruxelas I utiliza o termo «estabelecimento» como fator de ligação no que respeita à competência internacional nos termos dos artigos 5.°, n.o 5, e 18.o

    36.

    Como o Governo italiano sublinhou nas suas observações escritas, a versão italiana do termo «estabelecimento», utilizada no artigo 97.o do RMC («stabile organizzazione»), não é idêntica à utilizada no Regulamento Bruxelas I («sede d’attività»). No entanto, tendo em conta a estreita ligação entre os dois instrumentos jurídicos, estabelecida pela referência expressa ao Regulamento Bruxelas I no Considerando 16 e nos artigos 97.° e 94.° do RMC, a divergência linguística numa dada versão linguística não pode obstar a que o Tribunal utilize neste contexto o Regulamento Bruxelas I, que é o instrumento jurídico clássico em matéria de competência internacional.

    37.

    Como salientaram os intervenientes no processo prejudicial, assim como o órgão jurisdicional de reenvio, existe jurisprudência assente no que diz respeito ao significado de «estabelecimento» no âmbito do Regulamento Bruxelas I.

    a)  Artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento Bruxelas I

    38.

    A primeira norma que o Tribunal de Justiça deve interpretar a este respeito é o artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento Bruxelas I ( 33 ), segundo o qual as «competências especiais» ( 34 ) são exercidas no que diz respeito a um «litígio relativo à exploração de uma sucursal, de uma agência ou de qualquer outro estabelecimento, perante o tribunal do lugar da sua situação».

    39.

    O Tribunal de Justiça interpretou estes conceitos, pela primeira vez, em 1976 no seu acórdão no processo De Bloos, no qual declarou que um «dos aspetos essenciais característicos dos conceitos de sucursal e de agência é a sujeição à direção e ao controlo da empresa‑mãe» e que a noção de estabelecimento «assenta nos mesmos aspetos essenciais que os da sucursal ou da agência» ( 35 ).

    40.

    No seu acórdão no processo Somafer, o Tribunal de Justiça declarou que «[t]endo em conta que os conceitos referidos abrem a possibilidade de introduzir uma exceção ao princípio geral da competência do artigo 2.o da Convenção, a sua interpretação deve permitir identificar sem dificuldade o elemento de conexão especial que justifica essa exceção» ( 36 ). Acrescentou que esse «elemento de conexão especial respeita, em primeiro lugar, aos indícios materiais que permitem facilmente reconhecer a existência da sucursal, da agência ou do estabelecimento e, em segundo lugar, à relação que há entre a entidade assim determinada e o objeto do litígio iniciado contra a administração principal».

    41.

    No que diz respeito ao primeiro aspeto, o Tribunal declarou que «o conceito de sucursal, de agência ou de qualquer outro estabelecimento implica um centro de operações que se manifesta de forma duradoura para o exterior, como o prolongamento de uma administração principal, dotado de uma direção e materialmente equipado de maneira a poder celebrar negócios com terceiros, de tal modo que estes, sabendo que se estabelecerá um eventual vínculo jurídico com a administração principal cuja sede é no estrangeiro, ficam dispensados de se dirigir diretamente a esta e podem celebrar negócios com o centro de operações que constitui o seu prolongamento».

    42.

    No que diz respeito ao segundo aspeto, o Tribunal declarou que é necessário que «o objeto do litígio diga respeito à exploração da sucursal, da agência ou de qualquer outro estabelecimento» e que «[e]ste conceito de exploração compreende, por um lado, os litígios respeitantes aos direitos e obrigações contratuais ou não contratuais relativos à gestão propriamente dita da agência, da sucursal ou do estabelecimento em si mesmos, tais como os relativos à locação do imóvel em que essas entidades se encontram instaladas ou à contratação local do pessoal que aí trabalha» ( 37 ).

    43.

    Por último, no acórdão Blanckaert & Willems e SAR Schotte, o Tribunal considerou que a sucursal, a agência ou o estabelecimento devem «manifestar‑se perante terceiros como o prolongamento da sociedade‑mãe» ( 38 ) e que «a conexão estreita entre o litígio e o tribunal que é chamado a julgá‑lo aprecia‑se […] também em função da forma como essas duas empresas se comportam nas suas relações de negócios e se apresentam face a terceiros nas suas relações comerciais» ( 39 ).

    b)  Artigo 18.o, n.o 2, do Regulamento Bruxelas I

    44.

    Numa decisão mais recente, o Tribunal de Justiça foi chamado a interpretar os mesmos conceitos no contexto do artigo 18.o do Regulamento Bruxelas I, que dispõe, no seu n.o 2, que «[s]e um trabalhador celebrar um contrato individual de trabalho com uma entidade patronal que não tenha domicílio no território de um Estado‑Membro mas tenha uma filial, agência ou outro estabelecimento num dos Estados‑Membros, considera‑se para efeitos de litígios resultantes do funcionamento dessa filial, agência ou estabelecimento, que a entidade patronal tem o seu domicílio nesse Estado‑Membro».

    45.

    No seu acórdão Mahamdia, o Tribunal de Justiça, com base numa análise dos precedentes relativos ao artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento Bruxelas I, identificou dois critérios decisivos para a criação de uma conexão suficiente com o Estado‑Membro do foro. O Tribunal declarou que «[e]m primeiro lugar, o conceito de ‘sucursal’ [‘filial’], de "agência" e de ‘outro estabelecimento’ pressupõe a existência de um centro de operações que se manifesta de forma durável face ao exterior, como prolongamento de uma casa mãe. Esse centro deve ter uma direção e estar materialmente equipado para poder negociar com terceiros, os quais são assim dispensados de se dirigir diretamente à casa‑mãe. (...) Em segundo lugar, o litígio deve dizer respeito seja a atos relativos à exploração dessas entidades seja a obrigações assumidas por estas em nome da casa mãe, quando estas últimas devem ser executadas no Estado em que estão situadas» ( 40 ).

    46.

    O processo Mahamdia dizia respeito a uma ação de direito do trabalho intentada por um motorista contratado por uma embaixada da República Argelina Democrática e Popular contra esse Estado. Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou, que «uma embaixada pode ser equiparada a um centro de operações que se manifesta de forma durável face ao exterior e que contribui para a identificação e a representação do Estado do qual emana» ( 41 ).

    47.

    O Tribunal acrescentou assim um aspeto particular à relação entre a «casa‑mãe» e o estabelecimento, a saber, a identificação e a representação, o que corresponde às diferentes funções que o artigo 18.o, n.o 2 do Regulamento Bruxelas I estabelece, comparativamente ao artigo 5.o, n.o 5 do mesmo regulamento: o artigo 18.o, n.o 2, diz respeito à situação especial de um demandado que não tem domicílio na UE e ao conexioná‑lo então ao seu estabelecimento, trata esse estabelecimento como um substituto do domicílio em falta, na medida em que afirma que se considera que o demandado «tem o seu domicílio nesse Estado‑Membro». Se se entende como substituição, a identificação é o elemento central.

    c)  Síntese

    48.

    Tanto o artigo 5.o, n.o 5, como o artigo 18.o, n.o 2, do Regulamento Bruxelas I permitem que o demandante intente uma ação contra o demandado no local que, não sendo o seu domicílio, é onde tem o seu estabelecimento.

    49.

    Porém ambas as disposições exigem, além da mera existência de um estabelecimento, que se trate de um litígio «relativo à exploração [desse] estabelecimento». Assim, para estas normas, o estabelecimento não é, por si só, suficiente para constituir a conexão com o Estado do foro, impondo‑se desta forma um elemento adicional. O segundo dos dois critérios desenvolvidos na jurisprudência relativa a Bruxelas I acima descrita refere‑se exclusivamente a este elemento adicional.

    50.

    Contudo, o texto do artigo 97.o, n.o 1, do RMC, não contém este segundo elemento, limitando‑se a atribuir competência ao Estado‑Membro onde o demandado tem um estabelecimento. Logo, o segundo dos critérios considerados pelo Tribunal relativamente aos artigos 5.° e 18.° do Regulamento Bruxelas I pode ser ignorado no presente contexto.

    4.  «Estabelecimento » na aceção do artigo 97.o, n.o 1 do RMC

    51.

    O primeiro critério, que assim é o único relevante para a minha análise, contém dois elementos que apontam para características que são independentes da ação específica na qual a conexão ao estabelecimento é contemplada. Permitem, pois, esclarecer a essência do conceito de estabelecimento em si mesmo. Essas características são a) um centro de operações, que se manifesta b) de forma durável face ao exterior, como prolongamento de uma casa‑mãe.

    a)  Centro de operações

    52.

    Quanto ao facto de o «centro de operações» ser a primeira característica, o Tribunal de Justiça explicou ainda que o estabelecimento deve ter uma direção e estar materialmente equipado para poder negociar com terceiros, os quais são assim dispensados de se dirigir diretamente à casa‑mãe ( 42 ). Independentemente do contexto específico dos contratos, pode inferir‑se que é necessária alguma atividade operacional, bem como uma certa presença real e estável, manifestada pela existência de pessoal e de equipamento material no local. É seguramente necessário um nível mínimo de organização e um grau de estabilidade; a presença de bens e de contas bancárias por si só não é suficiente para constituir um «estabelecimento» ( 43 ). Além disso, a jurisprudência relativa ao Regulamento Bruxelas I impõe claramente a existência de uma direção ao nível local.

    53.

    O elemento da presença real e operacional está evidentemente cumprido neste caso, uma vez que a Nike Deutschland é uma empresa local que realiza serviços de pré‑venda e pós‑venda para clientes da Nike na Alemanha. A Nike Deutschland é uma GmbH juridicamente independente, pelo que o elemento da existência de uma direção local está respeitado.

    b)  Presença que se manifesta de forma durável face ao exterior, como prolongamento de uma casa‑mãe

    54.

    Porém, o que as demandadas contestam no caso em apreço é que haja efetivamente uma conexão suficiente entre a Nike Deutschland e a primeira demandada. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, essa conexão é estabelecida por uma presença que se «manifesta de forma durável face ao exterior, como prolongamento de uma casa‑mãe» ( 44 ). Isto sugere um certo grau de dependência e sujeição por parte do estabelecimento.

    55.

    Neste contexto, as demandadas fazem duas objeções.

    1) Independência jurídica do estabelecimento

    56.

    Em primeiro lugar, as demandadas sugerem que, por razões formais, a Nike Deutschland não pode ser um estabelecimento de outra empresa, na medida em que é uma empresa juridicamente independente, devendo, no âmbito do processo civil, ser adotada uma abordagem formal.

    57.

    Contudo, como referido supra, existe jurisprudência assente ( 45 ) segundo a qual uma entidade juridicamente independente pode ser qualificada de estabelecimento. No processo SAR Schotte ( 46 ), o estabelecimento em causa foi igualmente associado como uma GmbH alemã.

    58.

    O órgão jurisdicional de reenvio remete, neste contexto, para as conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Mahamdia ( 47 ), nas quais este declara ser facto assente que os conceitos de «agência», de «filial», ou de «estabelecimento», se reportam a entidades sem personalidade jurídica. No entanto, tratou‑se de uma afirmação obiter dictum, na medida em que o processo Mahamdia tinha por objeto uma embaixada sem personalidade jurídica independente. O mesmo se aplica relativamente ao Parecer 1/03 do Tribunal ( 48 ) citado pelo advogado‑geral P. Mengozzi. O parecer do Tribunal também não abordava a questão da autonomia jurídica, acrescentando antes o atributo «sem personalidade jurídica»colorandi causa, no contexto das regras relativas «às sucursais, às agências ou aos outros estabelecimentos» em geral. A questão de saber se uma entidade com personalidade jurídica poderia ou não ser qualificada de estabelecimento de outra empresa também não estava em causa.

    59.

    Por outro lado, procurando definições noutros contextos, podemos encontrar disposições onde se afirma claramente que «a forma jurídica de tal estabelecimento, quer se trate de uma simples sucursal ou de uma filial com personalidade jurídica, não é determinante» ( 49 ).

    60.

    Por conseguinte, no presente contexto, não há razão para introduzir um desvio face à jurisprudência de longa data citada supra.

    61.

    Além disso, a abordagem formal, geralmente adotada no âmbito do processo civil, para o qual remetem as demandadas, não obsta à perspetiva económica adotada no caso vertente sobre o facto de uma demandada ter ou não um estabelecimento num Estado. O estabelecimento não é parte no processo, representando simplesmente uma conexão entre a demandada e um determinado território. O argumento de que o próprio estabelecimento não ficaria vinculado pelo acórdão contra a sua casa‑mãe é irrelevante para a questão de saber se o lugar em que está estabelecida uma determinada filial pode constituir uma conexão entre a demandada e um determinado Estado e os respetivos tribunais ( 50 ). Ao invés, o que é decisivo é saber se a filial pode ser considerada uma base da sociedade demandada a partir da qual esta pode defender os seus interesses.

    2) Controlo da demandada sobre o estabelecimento

    62.

    Em segundo lugar, a Nike Deutschland não tem os mesmos diretores que a primeira demandada ( 51 ). As demandadas alegam, por conseguinte, que qualquer controlo que a Nike possa ter sobre a Nike Deutschland será ténue e não imediatamente percetível por terceiros. Este argumento suscita a questão de saber qual deve ser o âmbito da sujeição «à direção e ao controlo da empresa‑mãe» ( 52 ) e de que forma isso pode ser determinado, questão que deve ser analisada tendo em conta a elevada importância da previsibilidade ( 53 ) em questões de competência.

    63.

    Voltando, no entanto, à jurisprudência constante, torna‑se evidente que não são a direção e o controlo efetivo que estão em causa, mas sim a perceção de terceiros ( 54 ) no Estado em que o estabelecimento está situado. Devem ter a perceção de que a entidade pertence à casa‑mãe, «de tal modo que estes, sabendo que se estabelecerá um eventual vínculo jurídico com a administração principal cuja sede é no estrangeiro, ficam dispensados de se dirigir diretamente a esta e podem celebrar negócios com o centro de operações que constitui o seu prolongamento» ( 55 ). A avaliação tem igualmente de ter lugar «em função da forma como essas duas empresas se comportam na vida social e se apresentam face a terceiros nas suas relações comerciais» ( 56 ). Embora uma presença meramente simbólica não seja suficiente, o elemento decisivo é que «contribu[a] para a identificação e a representação» da empresa‑mãe da «qual emana» ( 57 ).

    64.

    No caso em apreço, a Nike Deutschland é apresentada como o contacto alemão a ser utilizado para os produtos NIKE ( 58 ) e constitui, através da prestação de serviços de pré‑venda e pós‑venda, uma parte relevante da organização de vendas solidamente integrada na estrutura operacional do grupo. Ainda que não atue como vendedor, tem uma função essencial na direção das vendas e é parte integrante da organização de vendas e comercialização da Nike na Alemanha. Um elemento essencial desta integração é o uso proeminente do nome «Nike», bem como o facto de o nome da filial alemã não conter quaisquer restrições a determinadas funções ou atividades, mas simplesmente adicionar o nome do país ao nome geral da empresa. A identidade dos nomes foi também um fator relevante no processo SAR Schotte ( 59 ).

    65.

    A apreciação desses fatores deve ser feita na perspetiva da situação nacional no Estado do foro. É por esta razão que é o órgão jurisdicional nacional que está mais bem colocado para determinar se a filial se apresenta como uma extensão solidamente ligada à demandada ou não. Esta apreciação deve basear‑se em critérios objetivos passíveis de ser verificados. Os fatores materiais tomados em consideração para apreciar a caracterização como estabelecimento devem ser determináveis por terceiros ( 60 ). Devem ter sido objeto de publicidade ou, pelo menos, ser suficientemente transparentes, de forma que os terceiros tenham podido tomar conhecimento desse facto ( 61 ); os dados internos sobre a direção e o controlo efetivo no âmbito do grupo não são relevantes para este efeito ( 62 ).

    66.

    As demandadas alegam que, uma vez que a simples presunção de que uma entidade é um estabelecimento pode constituir a base da competência, a demandante deve ter certamente atuado de acordo com essa presunção (elemento subjetivo). As demandadas afirmam que se trata de um princípio geral de direito, que apenas se aplica quando a parte que o invoca merece proteção ( 63 ).

    67.

    No entanto, este argumento não é convincente. O artigo 97.o, n.o 1, do RMC, ao estabelecer uma conexão com o estabelecimento do demandado, não visa proteger os interesses do demandante, mas sim os do demandado ( 64 ). Importa também sublinhar mais uma vez que são necessários critérios objetivos para produzir a impressão de direção e controlo do demandado sobre a entidade que é potencialmente um estabelecimento. Em todo o caso, continua a ser necessário o primeiro critério relativo a um verdadeiro centro de operações. Logo, à luz da abordagem aqui adotada, o estabelecimento nunca é inteiramente fictício.

    68.

    Neste contexto, a certeza jurídica e a previsibilidade ( 65 ) são asseguradas, tanto na perspetiva da demandante como da demandada. No caso em apreço, sendo a Nike Inc., a primeira demandada, líder do grupo Nike, está em condições de fazer declarações claras e de corrigir impressões erradas. É portanto à Nike Inc. que cabe esclarecer as relações jurídicas e comerciais entre a própria e o alegado estabelecimento, emitindo mensagens públicas explícitas, reestruturando a sua organização de comercialização, ou restringindo a utilização do nome da sua marca pela filial alemã, caso pretenda evitar a sujeição à competência alargada alemã por força do artigo 97.o, n.o 1, do RMC.

    c)  Sobre a necessidade de um elemento adicional

    69.

    Embora o artigo 97.o, n.o 1, do RMC não exija expressamente que o litígio seja relativo à «exploração [desse] estabelecimento» ( 66 ), segundo a demandada ( 67 ) , é no entanto necessário existir algum envolvimento do estabelecimento no comportamento ilícito pelo qual é processada ( 68 ).

    1) Sobre os foros alternativos

    70.

    O considerando 12 do Regulamento Bruxelas I poderia confortar o argumento segundo o qual, além da mera presença de um estabelecimento, é necessário um elemento adicional. O considerando 12 refere que «[O] foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça».

    71.

    A fim de determinar se o artigo 97.o do RMC prevê «foros alternativos» deste tipo, cabe atentar na ratio da norma, na sua natureza e na função do termo «estabelecimento» no âmbito mais alargado da norma.

    72.

    O artigo 97.o, n.os 1 a 4, do RMC, enumera critérios para a determinação do Estado‑Membro a cujos tribunais será concedida a faculdade de, através de uma decisão, conferir uma proteção efetiva das marcas comunitárias em toda a União Europeia ( 69 ).

    73.

    A fim de dotar pelo menos um Estado‑Membro de tribunais competentes em qualquer situação, o legislador concebeu no artigo 97.o, n.os 1 a 3, do RMC ( 70 )«etapas sequenciais de conexão» em matéria de competência internacional que estabelecem uma ordem hierárquica composta por vários elementos de conexão. Um desses elementos é o «estabelecimento» da demandada.

    74.

    As etapas sequenciais de conexão em matéria de competência internacional são no total cinco, sendo a primeira o domicílio da demandada na UE e a segunda o estabelecimento da demandada na UE ( 71 ). A terceira é o domicílio da demandante na UE e a quarta o estabelecimento da demandante na UE ( 72 ) Por último, a sede do Instituto de Harmonização do Mercado Interno pode determinar o tribunal competente ( 73 ).

    75.

    O «estabelecimento» é pertinente na segunda etapa da sequência. Só é aplicável se o demandado não tiver domicílio na UE, visto que essa é a primeira etapa. Assim, o domicílio mantém a sua posição como o principal elemento de conexão em matéria de competência, enquanto o estabelecimento assume uma posição secundária.

    76.

    No regime geral do Regulamento Bruxelas I, no qual o domicílio das demandadas na UE é também o primeiro elemento de conexão ( 74 ), a determinação da competência internacional relativa às demandadas de um Estado terceiro é deixada ao direito nacional do Estado‑Membro do foro ( 75 ). Esta possibilidade seria indesejável no âmbito da competência alargada pan‑europeia do RMC. A proteção de uma marca uniforme em toda a União conferida numa decisão por via de uma competência alargada exige uma base de competência uniforme. Esse é o motivo por que, no âmbito do RMC, as regras gerais de competência atribuídas por Bruxelas I foram declaradas não aplicáveis no mesmo ( 76 ) e substituídas pelas etapas sequenciais de conexão específica constantes do artigo 97.o, n.os 1 a 3, do RMC.

    77.

    Quanto sua à natureza, pode inferir‑se do acima exposto que o artigo 97.o, n.os 1 a 3, do RMC constitui uma regra geral específica de competência e não uma regra de competência especial. Não cria um «foro alternativo» de competência ( 77 ), mas define a competência geral para efeitos do RMC, substituindo assim as regras gerais que de outra forma seriam aplicáveis. O «Estabelecimento» na aceção do artigo 97.o, n.o 1, do RMC, não constitui fundamento de competência para além do «domicílio do requerido» ( 78 ). Ao invés, aplica‑se «em vez do domicílio do requerido», quando este último não estiver disponível. Por conseguinte, deve ser considerado um substituto e não uma «alternativa».

    78.

    Consequentemente, não há necessidade de um elemento adicional.

    2) Interpretação lata à luz do princípio «actor sequitur forum rei »

    79.

    Além disso, não há razão para adotar o ponto de vista das demandadas de que o artigo 97.o, n.o 1, do RMC, deve ser interpretado de forma restritiva. Na verdade, isso só seria necessário para competências especiais, uma vez que são exceções concebidas fora da regra geral ( 79 ).

    80.

    O termo «estabelecimento» na aceção do artigo 97.o, n.o 1, do RMC, deve ser interpretado com maior latitude. Não constitui uma exceção à regra geral, antes a aplica. Esta regra geral é definida no considerando 11 do Regulamento Bruxelas I, segundo o qual «em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e […] tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados».

    81.

    O artigo 97.o, n.o 1, do RMC, que estabelece como elemento de conexão principal o domicílio do demandado, e como elemento secundário o seu estabelecimento, põe precisamente em prática esse princípio, que é (para os processos cíveis gerais) codificado no artigo 2.o do Regulamento Bruxelas I e que segue a máxima «actor sequitur forum rei» ( 80 ).

    82.

    Este princípio geral de competência visa proteger os interesses processuais do demandado, que se considera não só que está mais próximo fisicamente do local do seu domicílio, como também mais familiarizado com a língua e as leis processuais e substantivas desse país. Embora não seja um princípio universal, esta máxima de longa data, inspirada nas abordagens continentais europeias, é essencial e natural nas regras de competência europeias ( 81 ).

    83.

    O princípio favorece claramente os interesses jurisdicionais do demandado em detrimento dos do demandante. No seu acórdão Dumez France SA/Hessische Landesbank ( 82 ), o Tribunal de Justiça, interpretando a Convenção de Bruxelas como o instrumento antecessor do Regulamento Bruxelas I ( 83 ), chega inclusive a referir que a «convenção é hostil à admissão da competência de órgãos jurisdicionais do domicílio do requerente» ( 84 ).

    84.

    As etapas sequenciais de conexão que o legislador estabelece no artigo 97.o, n.os 1 a 3, do RMC, são perfeitamente consonantes com esta abordagem geral no processo civil europeu, uma vez que não existe qualquer nível de conexão em termos de competência com o domicílio ou o estabelecimento do demandante antes de assegurar que o demandado não tem qualquer ligação relevante com um dos Estados‑Membros — uma ligação que, na falta de um domicílio, pode ser o seu estabelecimento.

    85.

    A dupla função deste elemento de conexão secundário com o estabelecimento do demandante consiste em proporcionar pelo menos alguma proteção a este último por via de uma conexão com um local em que é presumível que o demandado assegure uma presença mínima, ainda que não se equipare a uma presença total, que apenas um domicílio ( 85 ) pode conferir. Assim, o «estabelecimento» como elemento de conexão neste contexto serve (1) como último recurso para pôr em prática o princípio de estabelecer uma conexão entre a competência e o local do demandado e, simultaneamente (2) como um limiar que impede que se transite com demasiada facilidade para o local do demandante.

    86.

    Quando se pede ao Tribunal de Justiça que interprete o artigo 97.o, n.o 1, do RMC, e, mais precisamente, o conceito de «estabelecimento», a definição dada pelo Tribunal influenciará, por conseguinte, a decisão de contemplar, ou não, a terceira e menos utilizada etapa da sequência, um momento em que a competência internacional transitará de um Estado‑Membro com uma conexão com o demandado para outro com uma conexão com o demandante. Trata‑se de uma mudança que, se possível, deve ser evitada. Entre estas duas etapas encontra‑se a principal divergência conceptual descrita supra. Por conseguinte, é necessária uma interpretação lata do termo «estabelecimento» para aplicar o princípio central do «actor sequitur forum rei».

    3) Estabelecimentos em mais do que um Estado‑Membro

    87.

    A interpretação lata aqui sugerida pode conduzir a uma situação em que se considera que o demandado tem mais de um estabelecimento na UE. No caso em apreço, é provável que não só a Nike Deutschland mas também a Nike Retail possam ser qualificadas de estabelecimento.

    88.

    Esta possibilidade suscita a questão de saber se todos os estabelecimentos se encontram em pé de igualdade ou se apenas um deles pode servir de elemento de conexão para efeitos do artigo 97.o, n.o 1, do RMC. Como as demandadas indicaram na audiência no Tribunal, a Nike Retail é o principal estabelecimento da organização Nike na Europa. Assim, se a competência internacional só pudesse ser atribuída ao lugar do estabelecimento principal, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior, Dusseldórfia, Alemanha) não poderia tomar a decisão com efeito pan‑europeu solicitada. Só um tribunal neerlandês teria essa competência.

    89.

    No entanto, em vez de prever um elemento de conexão com o «estabelecimento principal» ( 86 ), o artigo 97.o, n.o 1, do RMC, apenas refere os «tribunais do Estado‑Membro em cujo território o réu […] tenha um estabelecimento» ( 87 ). Além disso, o «estabelecimento principal» já se enquadra na definição de «domicílio» de uma sociedade ( 88 ). Não faria sentido prever no artigo 97.o, n.o 1, do RMC, duas categorias, sendo o «domicílio» a principal e o «estabelecimento» a secundária, se «estabelecimento» constituísse apenas o estabelecimento principal ( 89 ).

    90.

    Assim, qualquer estabelecimento de um Estado‑Membro pode servir de elemento de conexão para estabelecer a competência internacional para efeitos do artigo 97.o, n.o 1, do RMC. Esta situação tem um paralelo com a primeira alternativa do artigo 97.o, n.o 1, do RMC, na medida em que, no contexto do domicílio das sociedades, uma sociedade pode ter mais de um domicílio ( 90 ). Nesses casos de competência alternativa, de acordo com os princípios gerais do processo civil, a escolha entre vários tribunais competentes deve ser deixada ao demandante.

    91.

    No entanto, tendo em conta o objetivo de limitar o número de tribunais competentes em processos relativos a marcas da União Europeia ( 91 ), particularmente importante no contexto da competência internacional alargada ( 92 ), a perspetiva de uma pluralidade de Estados‑Membros qualificados poderá ser utilizada como um argumento contra a interpretação lata do conceito de «estabelecimento» para na aceção do artigo 97.o, n.o 1, do RMC.

    92.

    O facto de a competência alargada sobre a Nike Inc. poder ser exercida por tribunais dos Países Baixos e da Alemanha cria um risco de seleção abusiva do foro (forum shopping), embora limitado. No entanto, serão evitadas decisões contraditórias ( 93 ) através dos mecanismos no Regulamento Bruxelas I, nomeadamente das disposições do regulamento sobre litispendência ( 94 ), que são igualmente aplicáveis nos termos do RMC. Em última análise, esta situação deve ser aceite em nome do valor superior da proteção processual do demandado que é assegurada por se atribuir um sentido lato a «estabelecimento» nos termos do artigo 97.o, n.o 1, do RMC.

    93.

    A proteção jurídica concedida à demandada reconhecendo uma conexão entre a competência e o seu estabelecimento, não é, claramente, tão forte como a proteção que decorre da conexão com o seu domicílio, onde dispõe de toda a panóplia dos seus recursos. No entanto, quando o demandado não tem domicílio na UE, a proteção mínima essencial num litígio com base na competência alargada é assegurada através dos seus estabelecimentos nos Estados‑Membros.

    IV. Conclusão

    94.

    Proponho, por conseguinte, ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo ao pedido de decisão prejudicial:

    Em circunstâncias como as do processo principal, uma subfilial juridicamente independente, sediada num Estado‑Membro da União, de uma empresa que não tem ela própria sede na União deve ser considerada um «estabelecimento» da empresa na aceção do artigo 97.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO 2009, L 78, p. 1), se essa subfilial juridicamente independente for um centro de operações que, no Estado‑Membro onde está situado, se manifesta de forma durável face ao exterior, como prolongamento da casa‑mãe num país terceiro.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) O conceito subjacente ao direito da propriedade intelectual é tradicionalmente o «Schutzlandprinzip» (princípio do país de proteção), que se baseia no pressuposto de que um direito de propriedade intelectual é um direito territorial que pode ser exercido no país que o criou e em cujo território é válido; v. Oliver Ruhl, Gemeinschafts‑geschmacks‑muster. Kommentar, 2a ed. 2010, artigo 82.o, n.o 4.

    ( 3 ) V., a este respeito, o considerando 16, primeiro período, do RMC.

    ( 4 ) Nos termos do considerando 16, primeiro período, do RMC, é indispensável que estas decisões «produzam efeitos em toda a Comunidade». A parte dispositiva do acórdão pode assim referir‑se à totalidade do território da União Europeia. No entanto, o reconhecimento e a aplicação transfronteiriços continuam a estar sujeitas às regras gerais, ou seja, ao Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (Bruxelas I) (JO 2001, L 12, p. 1) ou ao Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (Bruxelas Ia) (JO 2012, L 351, p. 1). O Tribunal de Justiça interpretou estes efeitos de forma mais específica no acórdão de 12 de abril de 2011, DHL Express France (C‑235/09, EU:C:2011:238).

    ( 5 ) V. artigo 98.o do RMC.

    ( 6 ) Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO 2009, L 78, p. 1). Este regulamento foi alterado pelo Regulamento (UE) n.o 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que altera o Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho sobre a marca comunitária e o Regulamento (CE) n.o 2868/95 da Comissão que altera o Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho sobre a marca comunitária e revoga o Regulamento (CE) n.o 2869/95 da Comissão relativo às taxas a pagar ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (JO 2015, L 34, p. 21). As alterações substantivas introduzidas não são pertinentes para o presente processo. Contudo, teve lugar uma modernização terminológica na medida em que a expressão «marca comunitária» foi substituída por «marca da União Europeia (marca UE)». Nos termos do seu artigo 4.o, o regulamento reformulado entrou em vigor em 23 de março de 2016.

    ( 7 ) O Regulamento Bruxelas Ia é aplicável aos processos iniciados até 10 de janeiro de 2015: v. o seu artigo 81.o, n.o 2. Dado que o processo principal foi iniciado em 2013, é‑lhe aplicável o Regulamento Bruxelas I. No entanto, é de notar que, nos termos do seu artigo 108.o, a versão reformulada do Regulamento Bruxelas I deve, em qualquer momento, ser aplicada também no quadro do RMC.

    ( 8 ) Este diploma também estabelece as regras de competência nos processos relativos a marcas comunitárias; v., por exemplo, considerando 16, segundo período, e artigos 94.°, n.o 1, e 97.°, n.o 1, do RMC.

    ( 9 ) V. artigo 95.o do RMC.

    ( 10 ) V. artigo 96.o do RMC. As questões de infração e de validade são da sua competência exclusiva (v. igualmente o considerando 15 do RMC). Estes tribunais são os únicos que podem decidir da invalidade de uma marca comunitária; nos termos do artigo 107.o do RMC, todo o tribunal nacional em que tenha sido intentada uma ação que não as referidas no artigo 96.o relativa a uma marca comunitária deve considerar válida essa marca.

    ( 11 ) V. artigo 95.o, n.o 1, em conjugação com o Verordnung vom 10.10.1996 (Regulamento de 10 de outubro de 1996) GV NW 1996, 428 [Landgericht Düsseldorf (Tribunal Regional, Düsseldorf, Alemanha)] e § 125 e (2) DE‑MarkenG (Lei alemã sobre marcas) [Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior, Düsseldorf, Alemanha)].

    ( 12 ) V. n.o 2, supra.

    ( 13 ) V. artigo 98.o, n.o 2, conjugado com o n.o 1 do RMC.

    ( 14 ) V. artigo 98.o, n.o 1, alínea a), do RMC.

    ( 15 ) Assim, no caso em apreço, isso constitui uma base suficiente para os dois fundamentos do processo instaurado pela demandante contra as demandadas.

    ( 16 ) V. artigo 98.o, n.o 2, do RMC.

    ( 17 ) V. artigo 98.o do RMC.

    ( 18 ) V. artigo 97.o, n.o 1, segunda alternativa, do RMC. Uma vez que as partes não concordaram com a escolha do foro, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior, Düsseldorf, Alemanha) não pode fundar a sua competência no artigo 97.o, n.o 4, do RMC. Os n.o 2 ou n.o 3 do artigo 97.o do RMC não podem constituir uma base para a competência uma vez que sobre eles prevalece o disposto no artigo 97.o, n.o 1, do RMC.

    ( 19 ) Esta questão foi discutida, no que diz respeito ao termo «estabelecimento» na aceção do artigo 5.o, n.o 5, da Convenção de Bruxelas, no acórdão de 22 de novembro de 1978, Somafer (33/78, EU:C:1978:205, n.os 3 a 7).

    ( 20 ) Esta regra não foi alterada pelo Regulamento Bruxelas I reformulado, v. artigo 62.o do Regulamento Bruxelas I reformulado.

    ( 21 ) V. igualmente o considerando 11, segundo período, do Regulamento Bruxelas I. Nos termos do artigo 97.o, n.o 1, conjugado com o artigo 94.o, n.o 1, do RMC, conjugado, por sua vez, com o artigo 60.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I, «domicílio», no contexto do artigo 97.o, do RMC, deve, por conseguinte, ser definido como o local onde tem «a) a sua sede social, ou b) a administração central, ou c) o seu estabelecimento principal».

    ( 22 ) V., por exemplo, os acórdãos de 14 de janeiro de 1982, Corman (64/81, EU:C:1982:5, n.o 8); de 14 de dezembro de 2006, Nokia (C‑316/05, EU:C:2006:789, n.o 21); e de 22 de novembro de 2012, Bank Handlowy e Adamiak (C‑116/11, EU:C:2012:739, n.o 49).

    ( 23 ) V. também o acórdão de 19 de julho de 2012, Mahamdia (C‑154/11, EU:C:2012:491, n.o 42), onde se afirma que «devem ser interpretados de maneira autónoma que seja comum à totalidade dos Estados» os conceitos de «filial, agência ou outro estabelecimento» constantes do artigo 18.o do Regulamento Bruxelas I, e o acórdão de 22 de novembro de 1978, Somafer (33/78, EU:C:1978:205, n.o 7 e segs. no que se refere ao artigo 5.o, n.o 5, da Convenção de Bruxelas.

    ( 24 ) V., por exemplo, os artigos 1.° («marca comunitária»), 2.° («Instituto») e 95.° («tribunais de marcas comunitárias»).

    ( 25 ) Nem a norma anterior, o artigo 93.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária, foi sujeita a interpretação do Tribunal de Justiça. O acórdão de 5 de junho de 2014, Coty Germany (C‑360/12, EU:C:2014:1318) tem por objeto o artigo 93.o, n.o 5, do referido Regulamento n.o 40/94.

    ( 26 ) A Comissão mencionou nas suas observações o artigo 92.o do RMC, uma disposição que recorre também ao termo «estabelecimento» no contexto de um processo relativo à marca comunitária, sendo, no entanto, o contexto particular deste processo a representação perante o Instituto das Marcas Comunitárias. O artigo 92.o, n.o 2, do RMC prevê: […] «as pessoas singulares e coletivas que não tenham domicílio nem sede ou estabelecimento industrial ou comercial real e efetivo na Comunidade devem ser representadas junto do Instituto […]».

    ( 27 ) A proposta de Regulamento do Conselho sobre a marca comunitária, apresentada pela Comissão ao Conselho em 25 de novembro de 1980 (COM(80)635) utiliza, em vez de «estabelecimento», a expressão «domicílio profissional», prevendo no seu artigo 74.o, n.o 1, primeiro e quarto períodos: «As ações por contrafação de uma marca comunitária são ouvidas pelos tribunais do Estado‑Membro em que o demandado tenha o seu domicílio ou, se este último não se encontrar domiciliado num dos Estados‑Membros, onde tem o seu domicílio profissional. […] O tribunal é competente para decidir sobre os atos de contrafação alegadamente cometidos no território de qualquer Estado‑Membro». A primeira versão do regulamento sobre a marca comunitária que entrou em vigor foi o Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993. Este instrumento, no seu artigo 93.o, n.o 1, em vez de «residência habitual» e «domicílio profissional», já utilizava os termos «domicílio» e «estabelecimento», que a versão atualizada e consolidada do RMC, aplicável no caso em apreço, ainda utiliza no seu artigo 97.o, n.o 1. Tanto quanto se pode determinar, não se encontram disponíveis definições nem explicações sobre a terminologia utilizada.

    ( 28 ) Regulamento (CE) n.o 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (Regulamento «Insolvência») (JO 2000, L 160, p. 1).

    ( 29 ) O artigo 2.o, alínea h), do Regulamento «Insolvência» estabelece que: «Para efeitos do presente regulamento se entende por ‘estabelecimento’ qualquer local de operações em que o devedor exerça de maneira estável uma atividade económica com recurso a meios humanos e a bens materiais».

    ( 30 ) V. artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento «Insolvência».

    ( 31 ) V. considerando 16 e artigos 94.°, n.o 1, e 97.°, n.o 1, do RMC. Razão por que, embora o RMC, como as demandadas sustentam, seja lex specialis, não obsta em geral, de forma alguma, ao Regulamento Bruxelas I.

    ( 32 ) V. definição dos termos «domicílio» e «sede social» das sociedades constante do artigo 60.o do Regulamento Bruxelas I.

    ( 33 ) Mais precisamente a norma sua precedente na Convenção de Bruxelas, aplicável na maioria dos casos a seguir referidos. O considerando 19 do Regulamento Bruxelas I exorta à continuidade da interpretação entre estes instrumentos jurídicos.

    ( 34 ) V. título da Secção 2 do Regulamento Bruxelas I, do qual faz parte o artigo 5.o

    ( 35 ) Acórdão de 6 de outubro de 1976, De Bloos (14/76, EU:C:1976:134, n.os 20 e 21).

    ( 36 ) Acórdão de 22 de novembro de 1978, Somafer (33/78, EU:C:1978:205, n.o 11).

    ( 37 ) Acórdão de 22 de novembro de 1978, Somafer (33/78, EU:C:1978:205, n.os 12 e 13).

    ( 38 ) Acórdão de 18 de março de 1981, Blanckaert & Willems (139/80, EU:C:1981:70, n.o 12).

    ( 39 ) Acórdão de 9 de dezembro de 1987, SAR Schotte (218/86, EU:C:1987:536, n.o 16).

    ( 40 ) Acórdão de 19 de julho de 2012, Mahamdia (C‑154/11, EU:C:2012:491, n.o 48).

    ( 41 ) Acórdão de 19 de julho de 2012, Mahamdia (C‑154/11, EU:C:2012:491, n.o 50).

    ( 42 ) Acórdãos de 22 de novembro de 1978, Somafer (33/78, EU:C:1978:205, n.o 12); de 18 de março de 1981, Blanckaert & Willems (139/80, EU:C:1981:70, n.o 11); e de 19 de julho de 2012, Mahamdia (C‑154/11, EU:C:2012:491, n.o 48).

    ( 43 ) V. acórdãos de 20 de outubro de 2011, Interedil (C‑396/09, EU:C:2011:671, n.o 62) e de 4 de setembro de 2014, Burgo Group (C‑327/13, EU:C:2014:2158, n.o 31) sobre o Regulamento «Insolvência». Este regulamento define o termo «estabelecimento» no seu artigo 2.o, alínea h). Embora o âmbito de aplicação desta definição se limite expressamente a esse regulamento, v. n.o 31, supra, pelo que a definição não pode ser diretamente aplicada aqui, pode não obstante fornecer elementos que devem ser considerados quando se analisa o mesmo termo noutros contextos, podendo assim ter um efeito indireto.

    ( 44 ) Acórdãos de 22 de novembro de 1978, Somafer (33/78, EU:C:1978:205, n.o 11); de 9 de dezembro de 1978, SAR Schotte (218/86, EU:C:1987:536 n.o 10); de 18 de março de 1982, Blanckaert & Willems (139/80, EU:C:1981:70, n.o 12); de 19 de julho de 2012, Mahamdia (C‑154/11, EU:C:2012:491, n.o 48).

    ( 45 ) Acórdão de 9 de dezembro de 1978, SAR Schotte (218/86, EU:C:1987:536, n.o 15), e, no contexto da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31), v. os acórdãos de 13 de maio de 2014, Google Spain (C‑131/12, EU:C:2014:317, n.os 48, 49), que interpreta o artigo 4.o, n.o 1, alínea a) dessa diretiva, e de 4 de setembro de 2014, Burgo Group (C‑327/13, EU:C:2014:2158, n.o 32) que interpreta o artigo 2.o, alínea h), do Regulamento «Insolvência».

    ( 46 ) Acórdão de 9 de dezembro de 1987, SAR Schotte (218/86, EU:C:1987:536, n.o 15).

    ( 47 ) Conclusões no processo Mahamdia (C‑154/11, EU:C:2012:309, n.o 43), que remetem para o parecer 1/03 de 7 de fevereiro de 2006 (EU:C:2006:81, n.o 150.

    ( 48 ) Parecer 1/03 de 7 de fevereiro de 2006 (EU:C:2006:81, n.o 150).

    ( 49 ) V. considerando 19 da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.

    ( 50 ) O Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior, Düsseldorf, Alemanha), no seu acórdão de 31 de janeiro de 2012 ‑ I‑20 U 175, n.o 47, refere que a sociedade‑mãe tem uma ligação com o Estado onde a sua filial juridicamente independente tem a sua sede, pelo menos na medida em que, através da sua filial, é confrontada com a ordem jurídica desse Estado. Nesse acórdão, o Oberlandesgericht (Tribunal Regional Superior) interpreta o termo «estabelecimento» constante do artigo 82.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários, que tem uma redação idêntica e uma razão de ser análoga à do artigo 97.o, n.o 1, do RMC, no sentido de que inclui as sociedades juridicamente independentes.

    ( 51 ) Era este, no entanto, o caso no processo SAR Schotte (218/86, EU:C:1987:536 n.o 13) em que ambos tinham o mesmo nome e uma direção idêntica.

    ( 52 ) Exigida no acórdão de 6 de outubro de 1976, De Bloos (14/76, EU:C:1976:134, n.o 20).

    ( 53 ) V. considerando 11 do Regulamento Bruxelas I.

    ( 54 ) Acórdão de 22 de novembro de 1978, Somafer (33/78, EU:C:1978:205, n.o 12).

    ( 55 ) Acórdão de 22 de novembro de 1978, Somafer (33/78, EU:C:1978:205, n.o 12).

    ( 56 ) Acórdão de 9 de dezembro de 1987, SAR Schotte (218/86, EU:C:1987:536, n.o 16).

    ( 57 ) Acórdão no processo Mahamdia (C‑154/11, EU:C:2012:491, n.o 50), que faz essa afirmação sobre uma embaixada em relação ao Estado que representa.

    ( 58 ) V. as indicações no sítio web do grupo Nike www.nike.com e também nos termos gerais do contrato em alemão, que podem ser consultados neste sítio web.

    ( 59 ) Acórdão de 9 de dezembro de 1987, SAR Schotte (218/86, EU:C:1987:536, n.o 16).

    ( 60 ) V. acórdão de 20 de outubro de 2011, Interedil (C‑396/09, EU:C:2011:671 n.o 49), sobre o estabelecimento do centro dos interesses principais na aceção do Regulamento «Insolvência».

    ( 61 ) V. acórdão de 20 de outubro de 2011, Interedil (C‑396/09, EU:C:2011:671, n.o 49).

    ( 62 ) O Governo italiano refere‑se à interpretação assente de «estabelecimento» no contexto da tributação internacional. A legislação tributária também não se preocupa com formalismos, mas considera que a filial só é independente se operar como organização autónoma e por sua própria conta e risco empresarial. No entanto, trata‑se de elementos que, embora possam ser determinados pela autoridade tributária, normalmente não são do conhecimento público.

    ( 63 ) Relativamente a este argumento, as demandadas invocam Leible, St./Müller, M., ‘Der Begriff der Niederlassung im Sinne von Art. 82 Abs. 1 Alt. 2 GGV und Art. 97 Ab. 1 Alt. 2 GMV‘, Wettbewerb in Recht und Praxis, 2013, 1, 9.

    ( 64 ) V. mais em pormenor os n.os 80 a 84, infra. Seria mais vantajoso para o demandante presumir que não existia qualquer estabelecimento do demandado na aceção do artigo 97.o, n.o 1, do RMC, porque nesse caso, em conformidade com o artigo 97.o, n.o 2, do RMC, o domicílio da demandante seria decisivo para a competência internacional (v. n.o 83).

    ( 65 ) O considerando 11 do Regulamento Bruxelas I exige que as regras de competência apresentem um elevado grau de certeza jurídica.

    ( 66 ) A este respeito, v. n.o 50, supra.

    ( 67 ) Da mesma forma, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior, Düsseldorf, Alemanha), no seu acórdão de 31 de janeiro de 2012 — I‑20 U 175 — que interpreta o termo «estabelecimento» constante do artigo 82.o, n.o 1 do Regulamento sobre a Conceção de Patentes Comunitárias — que inclui um texto idêntico e um raciocínio análogo ao do artigo 97.o, n.o 1, do RMC, parece considerar necessário um certo envolvimento do estabelecimento, o que é geralmente cumprido pelas atividades de venda da filial.

    ( 68 ) Há que salientar, no entanto, que a questão em apreço não é uma questão de direito substantivo, não estando em causa, por exemplo, responsabilizar a filial pelo comportamento ilícito da empresa‑mãe ou, pelo contrário, imputar o comportamento ilícito de um estabelecimento à empresa‑mãe. O que está aqui em causa é uma questão processual.

    ( 69 ) Ao abrigo do artigo 98.o, n.o 1, alínea a), do RMC.

    ( 70 ) As bases de competência codificadas no artigo 97.o, n.o 4, do RMC, lidas em conjugação com os artigos 23.° e 24.° do Regulamento Bruxelas I, são, por natureza, exclusivas, pelo que podem ser consideradas uma etapa adicional, ainda mais dominante, nessa sequência, que condiciona todas as outras. No caso em apreço, esta etapa pode, porém, ser ignorada, na medida em que a demandada se opõe à competência reivindicada pela demandante.

    ( 71 ) Ambas no artigo 97.o, n.o 1, do RMC.

    ( 72 ) Ambas no artigo 97.o, n.o 2, do RMC.

    ( 73 ) Artigo 97.o, n.o 3, do RMC.

    ( 74 ) Artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I.

    ( 75 ) Artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I. No que toca a críticas à aplicação das regras nacionais, v., por exemplo, Alex Mills, «Private International Law and EU External Relations: Think local act global, or think global act local?» ICLQ vol. 65, 2016, pp. 541‑571. Essencialmente, as críticas decorrem do facto de os acórdãos proferidos com base nestas regras nacionais em matéria de competência internacional, embora possam ser exorbitantes, beneficiarem, no entanto, de um reconhecimento e execução atenuados ao abrigo do regime do Regulamento de Bruxelas.

    ( 76 ) V. artigo 94.o, n.o 2, alínea a), do RMC e referência no mesmo aos artigos 2.° e 4.° do Regulamento Bruxelas I.

    ( 77 ) Contudo, também existem competências especiais no âmbito do RMC, v., por exemplo, o artigo 97.o, n.o 5, do RMC.

    ( 78 ) Considerando 12 do Regulamento Bruxelas I.

    ( 79 ) V., por exemplo, acórdão de 22 de novembro de 1978, Somafer (33/78, EU:C:1978:205, n.o 8), citado no n.o 36, supra, relativo à exceção ao princípio geral da competência do artigo 2.o do Regulamento Bruxelas I, que constitui a regra geral.

    ( 80 ) V., por exemplo, acórdão de 13 de julho de 2000, Group Josi (C‑412/98, EU:C:2000:399, n.o 35); acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Besix (C‑256/00, EU:C:2002:99, n.o 52); conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo A/B e o. (C‑112/13, EU:C:2014:207, n.o 37.

    ( 81 ) V. Andrew Bell, Forum Shopping and venue in transnational litigation, Oxford 2003, n.os 3.60 e segs., segundo o qual o princípio do «actor sequitur forum rei» consagrado na Convenção de Bruxelas e no Regulamento n.o 44/2001 tem como principal filosofia a pertinência prima facie de processar o demandado no local do seu domicílio. O princípio tem as suas raízes no património jurídico comum das partes originárias — Europa Continental — da Convenção de Bruxelas (n.o 3.66). Andrew Bell considera o princípio «actor sequitur forum rei» a «Grundnorm» da Convenção de Bruxelas.

    ( 82 ) Acórdão de 11 de janeiro de 1990, Dumez France e Tracoba (C‑220/88,EU:C:1990:8, n.o 79).

    ( 83 ) Quanto à relevância da jurisprudência sobre a Convenção para o regulamento, v. considerando 19 do Regulamento Bruxelas I.

    ( 84 ) V. também acórdão de 19 de janeiro de 1993, Shearson Lehmann Hutton (C‑89/91, EU:C:1993:15, n.o 17).

    ( 85 ) Sendo «domicílio» definido no artigo 60.o do Regulamento Bruxelas I como sede social, administração central ou estabelecimento principal.

    ( 86 ) Uma vez que o legislador do RMC estava familiarizado com o Regulamento Bruxelas I, que, no seu artigo 60.o, n.o 1, alínea c), utiliza o conceito de «estabelecimento principal», deve ter estado ciente da possibilidade de especificar qual o estabelecimento decisivo, caso pretendesse escolher um entre vários estabelecimentos. Além disso, até o legislador do próprio RMC emprega o termo «sede» no artigo 92.o, n.o 2, do RMC.

    ( 87 ) O sublinhado é meu.

    ( 88 ) De acordo com o artigo 60.o do Regulamento Bruxelas I.

    ( 89 ) V. Leible, St./Müller, M., ‘Der Begriff der Niederlassung im Sinne von Art. 82 Abs. 1 Alt. 2 GGV und Art. 97 Ab. 1 Alt. 2 GMV‘, Wettbewerb in Recht und Praxis, 2013, 1, 4.

    ( 90 ) V. a definição ampla de domicílio de uma sociedade no artigo 60.o do Regulamento Bruxelas I (v. nota 85). V. também o n.o 75 do Relatório Schlosser (JO 1979, C 59 p. 71, p. 97).

    ( 91 ) V. considerando 15 do RMC («um número tão limitado quanto possível»).

    ( 92 ) Esta é uma das razões subjacentes à estrita hierarquia que a conexão estabelecida no artigo 97.o, n.os 1 a 4, do RMC, prevê.

    ( 93 ) Quanto a este objetivo, v. considerando 16 do RMC.

    ( 94 ) V. secção 9 do Regulamento Bruxelas I, que compreende os artigos 27.° a 29.° No contexto de uma pluralidade de «sedes», o n.o 75 do Relatório Schlosser refere igualmente as disposições em matéria de litispendência e ações conexas destinadas a ultrapassar os problemas que podem resultar de tal situação.

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