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Document 62014CC0359

    Conclusões da advogada-geral E. Sharpston apresentadas em 24 de setembro de 2015.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:630

    CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    ELEANOR SHARPSTON

    apresentadas em 24 de setembro de 2015 ( 1 )

    Processos apensos C‑359/14 e C‑475/14

    ERGO Insurance SE, agindo por intermédio da sua sucursal ERGO Insurance SE Lietuvos filialas

    contra

    If P&C Insurance AS, agindo por intermédio da sua sucursal If P&C Insurance AS filialas

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vilniaus miesto apylinkės teismas (Lituânia)]

    e

    AAS Gjensidige Baltic, agindo por intermédio da sua sucursal AAS «Gjensidige Baltic» Lietuvos filialas

    contra

    UAB DK «PZU Lietuva»

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Lituânia)]

    «Cooperação judiciária em matéria civil — Determinação da lei aplicável — Âmbito de aplicação dos Regulamentos Roma I e Roma II — Diretiva 2009/103/CE — Acidente causado por um veículo trator acoplado a um reboque, estando o trator e o reboque seguros por seguradoras diferentes em matéria de responsabilidade civil — Acidente ocorrido num Estado‑Membro diferente daquele em que foram celebrados os contratos de seguro de responsabilidade civil»

    1. 

    Um veículo trator acoplado a um reboque esteve envolvido num acidente rodoviário ocorrido num Estado‑Membro distinto daquele em ambos os veículos estão registados e no qual estão cobertos por seguros de responsabilidade civil subscritos em duas seguradoras diferentes. A seguradora do veículo trator (o veículo rebocador) pagou integralmente a indemnização devida à vítima em consequência do acidente. Seguidamente, essa seguradora intentou uma ação de regresso contra a seguradora do reboque (o veículo rebocado), a fim de reaver uma parte do referido pagamento.

    2. 

    Nos presentes pedidos de decisão prejudicial, os dois órgãos jurisdicionais de reenvio pretendem saber se essa ação de regresso está abrangida pelo âmbito de aplicação das normas do direito da União que determinam a lei aplicável em matéria civil e comercial e, em caso afirmativo, que normas são aplicáveis. As questões no processo C‑359/14 foram apresentadas pelo Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius); o processo C‑475/14 constitui um reenvio do Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia). Em ambos os processos são suscitadas questões importantes sobre o âmbito de aplicação e a interpretação da legislação da União que harmoniza as normas de conflito, ou seja, os Regulamentos Roma I ( 2 ) e Roma II ( 3 ). Suscita‑se igualmente a questão de saber se a Diretiva 2009/103/CE ( 4 ) introduz normas especiais, neste contexto, para determinar a lei aplicável aos acidentes de viação.

    Quadro jurídico

    Sistema de harmonização do direito internacional privado em matéria civil e comercial

    3.

    No contexto da harmonização do direito internacional privado dos Estados‑Membros em matéria civil e comercial, a Convenção de Bruxelas ( 5 ) estabeleceu normas que identificavam o Estado cujos órgãos jurisdicionais tinham competência para apreciar e julgar um litígio transfronteiriço. Essa convenção foi substituída pelo Regulamento «Bruxelas I» ( 6 ). A Convenção de Roma ( 7 ) foi celebrada com o objetivo de dar continuidade ao processo de harmonização. A fase seguinte consistiu na adoção de dois regulamentos (conhecidos como Roma I e Roma II), a fim de assegurar que, em situações de conflito de leis, são aplicadas, em toda a União Europeia, as mesmas normas para determinar a lei nacional que regula o processo, independentemente do Estado‑Membro em que se situe o tribunal onde a ação é proposta. Entre os principais objetivos dos Regulamentos Roma I e Roma II figuram o bom funcionamento do mercado interno, o favorecimento da previsibilidade do resultado dos litígios, a certeza quanto à lei aplicável e a livre circulação das decisões judiciais ( 8 ).

    4.

    Certos princípios são comuns aos dois regulamentos, nomeadamente o objetivo de assegurar a coerência entre o âmbito de aplicação material e a interpretação de ambos os diplomas, bem como entre estes e o Regulamento Bruxelas I ( 9 ). Os dois regulamentos também permitem a aplicação de normas de conflitos de leis previstas noutras disposições de direito da União que regulem domínios específicos ( 10 ).

    Regulamento Roma I

    5.

    O Regulamento Roma I é aplicável «às obrigações contratuais em matéria civil e comercial que impliquem um conflito de leis» ( 11 ).

    6.

    A regra geral é a de que os contratos se regem pela lei escolhida pelas partes ( 12 ).

    7.

    Na falta de escolha da lei aplicável pelas partes, a lei que rege o contrato é, em princípio, determinada pelas regras gerais estabelecidas no artigo 4.o O artigo 4.o, n.o 1, estabelece as normas que permitem determinar a lei aplicável a certos tipos específicos de contrato. De acordo com o artigo 4.o, n.o 2, outros tipos de contrato ou os contratos híbridos regem‑se pela lei do país em que o contraente que deve efetuar a prestação característica do contrato tem a sua residência habitual. Noutros casos, o contrato rege‑se pela lei do país com o qual apresenta a conexão mais estreita (artigo 4.o, n.os 3 e 4).

    8.

    Os artigos 5.° a 8.° têm por objeto outros tipos específicos de contrato. O artigo 7.o é relativo à lei aplicável aos contratos de seguro. O artigo 7.o, n.o 3, dispõe que, no que respeita aos contratos visados por esta disposição, as partes só podem escolher certas leis nos termos do artigo 3.o Entre estas leis contam‑se a lei do país em que se situa o risco no momento da celebração do contrato [artigo 7.o, n.o 3, alínea a)] e a lei do país em que o tomador do seguro tiver a sua residência habitual [artigo 7.o, n.o 3, alínea b)]. O artigo 7.o, n.o 4, estabelece normas adicionais para os contratos de seguro que cubram riscos relativamente aos quais um Estado‑Membro imponha a obrigação de seguro ( 13 ).

    9.

    O artigo 15.o tem por epígrafe «Sub‑rogação legal» e dispõe: «Sempre que, por força de um contrato, uma pessoa (‘o credor’) tenha direitos relativamente a outra pessoa (‘o devedor’), e um terceiro tenha a obrigação de satisfazer o direito do credor ou tenha efetivamente satisfeito esse direito em cumprimento dessa obrigação, a lei aplicável à obrigação do terceiro determina se e em que medida este pode exercer os direitos do credor contra o devedor, de acordo com a lei que regula as suas relações».

    10.

    Nos termos do artigo 16.o, «[s]e o credor tiver um direito contra vários devedores, responsáveis pelo mesmo direito, e se um deles já tiver satisfeito total ou parcialmente o direito, a lei que regula a obrigação do devedor para com o credor é igualmente aplicável ao direito de regresso do devedor contra os outros devedores. Os outros devedores podem invocar os meios de defesa que possam opor ao credor, na medida do permitido pela lei aplicável às suas obrigações para com o credor».

    Regulamento Roma II

    11.

    O Regulamento Roma II é aplicável «em situações que envolvam um conflito de leis, às obrigações extracontratuais em matéria civil e comercial» ( 14 ).

    12.

    O capítulo II tem por epígrafe «Responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco». De acordo com a regra geral estabelecida no artigo 4.o, n.o 1, «a lei aplicável às obrigações extracontratuais decorrentes da responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco é a lei do país onde ocorre o dano, independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indiretas desse facto». As normas aplicáveis a obrigações extracontratuais específicas constam dos artigos 5.° a 12.° ( 15 ).

    13.

    O artigo 18.o prevê a possibilidade de a vítima demandar diretamente a seguradora do responsável. Dispõe: «O lesado pode demandar diretamente o segurador do responsável pela reparação, se a lei aplicável à obrigação extracontratual ou a lei aplicável ao contrato de seguro assim o previr».

    14.

    O capítulo V estabelece certas normas comuns, incluindo disposições relativas à sub‑rogação (artigo 19.o) e à responsabilidade múltipla (artigo 20.o). A redação destas disposições é idêntica à dos artigos 15.° e 16.° do Regulamento Roma I.

    Diretiva 2009/103

    15.

    A Diretiva 2009/103 codifica as diretivas relativas ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis. Por força desta diretiva, os veículos cobertos por um seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel devem estar seguros quando circulam em toda a União Europeia. São relevantes os considerandos seguintes da diretiva. De acordo com o considerando 12, a obrigação dos Estados‑Membros de preverem a cobertura pelo seguro constitui um elemento importante para assegurar a proteção das vítimas. O considerando 26 dispõe: «No interesse do segurado, é conveniente que cada apólice de seguro garanta, através de um prémio único em cada um dos Estados‑Membros, a cobertura exigida pela sua legislação ou a cobertura exigida pela legislação do Estado‑Membro de estacionamento habitual, sempre que esta última for superior».

    16.

    O termo «veículo» é definido como «qualquer veículo automóvel destinado a circular sobre o solo, que possa ser acionado por uma força mecânica, sem estar ligado a uma via férrea, bem como os reboques, ainda que não atrelados» ( 16 ).

    17.

    Segundo o princípio geral estabelecido no artigo 3.o, cada Estado‑Membro deve adotar todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro ( 17 ).

    18.

    O artigo 14.o dispõe:

    «Os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias para garantir que qualquer apólice de seguro obrigatório de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos:

    a)

    Abranja, com base num prémio único e durante todo o período de vigência do contrato de seguro, a totalidade do território da Comunidade, incluindo as estadias do veículo noutro Estado‑Membro durante o período de vigência contratual; e

    b)

    Garanta, com base no mesmo prémio único, em cada um dos Estados‑Membros, a cobertura exigida pela respetiva legislação ou a cobertura exigida pela legislação do Estado‑Membro em que o veículo tiver o seu estacionamento habitual, sempre que esta última for superior.»

    Direito lituano

    19.

    O artigo 16.o da Lei n.o 1X‑378, de 14 de junho de 2001, relativa ao seguro obrigatório de responsabilidade civil respeitante à circulação de veículos automóveis tem por epígrafe «Princípios que regem a indemnização». O artigo 16.o, n.o 1, impõe à seguradora responsável ou ao Serviço Nacional de Seguros o pagamento de uma indemnização se o utilizador do veículo automóvel incorrer em responsabilidade civil por danos causados a terceiro. A indemnização deve ser paga em conformidade com a legislação que regula o seguro obrigatório de responsabilidade civil respeitante à circulação de veículos automóveis do Estado em que ocorreu o acidente rodoviário. Nos termos do artigo 16.o, n.o 5, a regra geral é a de que a indemnização dos danos causados por um veículo rebocado deverá ser paga ao abrigo do contrato de seguro que cobre o veículo rebocador, caso os dois veículos estejam acoplados no momento do acidente. Só há lugar ao pagamento de uma indemnização ao abrigo do contrato que cobre o veículo rebocado se os dois veículos se tiverem separado e os danos causados gerarem responsabilidade civil por parte do utilizador do veículo rebocado.

    Direito alemão

    20.

    O órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑475/14 explica que o direito lituano e o direito alemão aplicam princípios diferentes à repartição da responsabilidade entre as seguradoras do veículo rebocador e do veículo rebocado quando os danos tenham sido causados num acidente rodoviário pelos veículos utilizados conjuntamente. No que respeita ao direito lituano, a situação é a descrita anteriormente. Porém, segundo o direito alemão, cada uma das seguradoras é responsável pelo pagamento de 50% da indemnização dos danos causados pelo conjunto de veículos, independentemente de o veículo rebocado se ter separado do veículo rebocador durante o acidente, salvo acordo em contrário dos segurados ( 18 ). Além disso, existem diferenças entre o direito lituano e o direito alemão quanto ao prazo de prescrição para o exercício do direito de regresso.

    Factos, tramitação processual e questões prejudiciais

    Processo C‑359/14

    21.

    Em 1 de setembro de 2011, na zona de Mannheim (Alemanha), um veículo trator ao qual estava acoplado um reboque, ao inverter a marcha numa estrada estreita, saiu da via e capotou, ocasionando danos no montante de 2247,45 EUR (7760,02 LTL). A polícia de Cochem (Alemanha) apurou que a responsabilidade pelo acidente e pelos danos causados cabia ao condutor do veículo trator. À data do acidente, a responsabilidade civil do proprietário ou do utilizador legal do veículo trator estava coberta pelo contrato de seguro obrigatório celebrado com a ERGO SE (a seguir «ERGO»), enquanto o reboque estava seguro por uma sucursal da If P&C Insurance AS (a seguir «If P&C»). Ambas as seguradoras exercem a sua atividade habitual na Lituânia. A ERGO pagou uma indemnização pelos danos resultantes do acidente. Seguidamente, propôs uma ação judicial na Lituânica, na qual alegou que a If P&C era solidariamente responsável pelos danos causados.

    22.

    O Vilniaus miesto apylinkės teismas explica que o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas declarou que a relação jurídica entre a seguradora de um veículo rebocador e a seguradora de um veículo rebocado, quando seja suscitada a questão da existência de um direito de regresso da primeira seguradora contra a segunda, tem natureza contratual. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto a esta posição, dado que os conceitos de relação contratual e relação extracontratual têm natureza autónoma no direito da União. Além disso, não existe nenhum contrato escrito ou acordo verbal entre as duas seguradoras. Nessas circunstâncias, também não é claro se a lei aplicável ao presente caso (a lei alemã ou a lei lituana) deve ser determinada de acordo com o Regulamento Roma II.

    Processo C‑475/14

    23.

    Em 21 de janeiro de 2011, ocorreu um acidente rodoviário na Alemanha, no qual um trator acoplado a um reboque causou danos materiais a um terceiro. Na ocasião do acidente, a responsabilidade civil do proprietário ou do utilizador legal do veículo trator estava coberta pela sucursal lituana da AAS Gjensidige Baltic (a seguir «Gjensidige Baltic»), enquanto o reboque estava seguro pela UAB DK PZU Lietuva (a seguir «UAB»). Na sequência de uma reclamação apresentada pelos representantes alemães da vítima, a Gjensidige Baltic pagou uma indemnização no valor de 1254,36 EUR (4331,05 LTL). Posteriormente, a Gjensidige Baltic procurou reaver metade daquela indemnização [ou seja, 672,02 EUR (2165,53 LTL)] junto da seguradora do reboque. Naquele contexto, surgiu uma disputa entre ambas quanto à lei (alemã ou lituana) aplicável ao direito de regresso da Gjensidige Baltic, bem como quanto à questão de saber se se a seguradora tinha responsabilidade exclusiva ou solidária com a UAB.

    24.

    O Vilniaus miesto apylinkės teismas deu provimento ao pedido deduzido pela Gjensidige Baltic, tendo considerado que, uma vez que os danos resultantes do acidente rodoviário tinham ocorrido na Alemanha, a lei aplicável à obrigação extracontratual decorrente da responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco era a lei alemã, em conformidade com o disposto no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento Roma II. Essa decisão foi anulada pelo Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius). Posteriormente, a Gjensidige Baltic interpôs recurso de cassação no Lietuvos Aukščiausiasis Teismas. Este último considerou que o litígio se prende sobretudo com a qualificação da relação jurídica entre as seguradoras do veículo rebocador e do veículo rebocado, bem como com a determinação da lei (alemã ou lituana) aplicável a essa relação jurídica.

    25.

    O órgão jurisdicional de reenvio entende que é importante determinar se o artigo 14.o, alínea b), da Diretiva 2009/103 deve ser considerado como uma norma que define a lei aplicável não apenas em casos relacionados com a proteção das vítimas de acidentes rodoviários, mas também no contexto de uma ação de regresso proposta por uma seguradora no seguimento de um acidente rodoviário que envolva o veículo rebocador e o veículo rebocado utilizados conjuntamente.

    26.

    Por conseguinte, nestes dois processos, foram submetidas ao Tribunal de Justiça, a título prejudicial, as questões abaixo enunciadas.

    No processo C‑359/14, o Vilniaus miesto apylinkės teismas submete as seguintes questões:

    No processo C‑475/14, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas submete as seguintes questões:

    27.

    No processo C‑359/14, foram apresentadas observações escritas pela ERGO, pela If P&C, pelos Governos alemão e lituano e pela Comissão Europeia. No processo C‑475/14, foram apresentadas observações escritas pela Gjensidige Baltic, pela Lituânia e pela Comissão. Os dois processos foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão. Porém, não foi requerida nem realizada audiência.

    Apreciação

    Observação preliminar

    28.

    A If P&C e o Governo lituano mencionam que a Lituânia é um dos Estados signatários da Convenção da Haia sobre a lei aplicável em matéria de acidentes de circulação rodoviária ( 19 ). No entanto, o artigo 2.o, n.o 5, dessa convenção dispõe que a mesma não é aplicável a ações e a sub‑rogações respeitantes a seguradoras. Assim, a convenção não é relevante para determinar a lei aplicável no presente caso.

    Diretiva 2009/103

    29.

    No processo C‑475/14, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas pretende saber, com a sua primeira questão, se o artigo 14.o, alínea b), da Diretiva 2009/103 estabelece uma norma de conflito especificamente aplicável às ações de regresso. Essa questão é igualmente relevante para o processo C‑359/14, embora não tenha sido suscitada pelo Vilniaus miesto apylinkės teismas.

    30.

    A Gjensidige Baltic alega que o artigo 14.o, alínea b), estabelece uma lex specialis.

    31.

    Não subscrevo este entendimento.

    32.

    Resulta claramente da redação e dos objetivos da diretiva que o artigo 14.o, alínea b), não estabelece normas especiais para determinar a lei aplicável a uma ação de regresso entre seguradoras.

    33.

    Em primeiro lugar, conforme observa justificadamente a Comissão, a diretiva não harmoniza as normas relativas à determinação da lei aplicável em litígios respeitantes a acidentes de viação. O objetivo geral da diretiva é antes assegurar a proteção das vítimas de acidentes, garantindo a cobertura pelo seguro ( 20 ).

    34.

    Em segundo lugar, as alíneas a) e b) do artigo 14.o devem ser lidas em conjunto. No que respeita às apólices de seguro automóvel, o artigo 14.o exige que os Estados‑Membros assegurem a cobertura da totalidade do território da União Europeia durante a vigência do contrato com base num um prémio único e que garantam, com base nesse mesmo prémio, em cada um dos Estados‑Membros, a cobertura exigida pela respetiva legislação ou a cobertura exigida pela legislação do Estado‑Membro em que o veículo tiver o seu estacionamento habitual, sempre que esta última seja superior ( 21 ). O texto incide exclusivamente sobre o âmbito territorial e o nível da cobertura que a seguradora é obrigada a proporcionar, a fim de assegurar uma proteção adequada das vítimas de acidentes rodoviários.

    35.

    Assim, não é possível uma interpretação extensiva da disposição, no sentido de considerar que esta constitui uma norma especial para determinar a lei aplicável aos litígios entre seguradoras respeitantes a ações de regresso. Em termos muito simples, nem o texto nem a finalidade da diretiva corroboram essa interpretação.

    Observações gerais sobre os Regulamentos Roma I e Roma II

    36.

    As partes defendem teses diferentes quanto à questão de saber se a lei aplicável à ação de regresso deve ser determinada de acordo com as normas do Regulamento Roma I ou do Regulamento Roma II. No essencial, a posição adotada por cada uma delas depende da sua qualificação jurídica da relação que está na origem da ação de regresso como contratual (os contratos de seguro) ou extracontratual (o acidente rodoviário).

    37.

    No processo C‑359/14, três partes (If P&C, Alemanha e Comissão) alegam que, uma vez que a ação de regresso tem natureza contratual porque tem origem (a) no contrato entre o tomador do seguro e a seguradora do veículo rebocador e (b) no contrato entre o tomador do seguro e a seguradora do veículo rebocado. Consequentemente, a lei aplicável deve ser determinada em conformidade com o Regulamento Roma I, pelo que são aplicáveis as normas lituanas. A If P&C considera que a situação é regulada pelo artigo 7.o do Regulamento Roma I, que diz concretamente respeito aos contratos de seguro. A Alemanha entende que é aplicável o artigo 16.o do Regulamento Roma I, relativo à pluralidade de devedores.

    38.

    A Comissão salienta que, no contexto do artigo 5.o da Convenção de Bruxelas, o conceito de «matéria extracontratual» é «residual», na medida em que surge após a definição do conceito de «matéria contratual». A Comissão alega que o direito da seguradora está abrangido pelo âmbito de aplicação dos artigos 15.° e 16.° do Regulamento Roma I. Decorre do artigo 16.o («Pluralidade de devedores») que, se o credor tiver um direito contra vários devedores responsáveis pelo mesmo direito, não é necessário que exista uma relação contratual entre os próprios devedores. Por conseguinte, para que uma situação que envolva uma pluralidade de devedores esteja abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento Roma I, basta que exista uma relação contratual entre cada devedor e o respetivo credor.

    39.

    A ERGO defende a aplicabilidade do Regulamento Roma II. O acidente rodoviário gera relações extracontratuais entre o responsável pelo acidente e a vítima. Consequentemente, de acordo com o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento Roma II, a lei aplicável é a lei alemã e as normas relativas à pluralidade de devedores previstas no artigo 20.o do Regulamento Roma II (sob a epígrafe «Responsabilidade múltipla») regulam a ação de regresso. O Governo lituano alega que o conceito de obrigações extracontratuais deve ser objeto de uma interpretação ampla e que a relação entre as seguradoras se assemelha mais a uma relação extracontratual.

    40.

    No processo C‑475/14, a Gjensidige Baltic sustenta que a relação jurídica entre a seguradora do veículo rebocador e a seguradora do veículo rebocado tem origem no acidente rodoviário e, como tal, está abrangida pelo Regulamento Roma II. Assim, o artigo 20.o deste regulamento (que regula os casos de pluralidade de devedores) determina a lei aplicável à ação de regresso entre as seguradoras. A Lituânia e a Comissão adotam esta mesma posição no processo C‑359/14.

    41.

    A ação de regresso proposta pela seguradora de um veículo rebocador contra a seguradora de um veículo rebocado tem origem numa obrigação contratual ou numa obrigação extracontratual? Afigura‑se existir consenso pelo menos quanto aos aspetos seguintes.

    42.

    Em primeiro lugar, o conceito de «obrigações contratuais» não se encontra definido no Regulamento Roma I.

    43.

    Em segundo lugar, deve existir coerência entre o âmbito de aplicação material dos Regulamentos Roma I e Roma II, bem como entre estes e o Regulamento Bruxelas I ( 22 ).

    44.

    Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se as normas estabelecidas no Regulamento Roma I ou no Regulamento Roma II determinam a lei aplicável a uma situação em que duas ou mais seguradoras poderão ser conjunta e solidariamente responsáveis pela indemnização dos danos causados a uma vítima por um ato ilícito extracontratual praticado pelo tomador do seguro, e uma das seguradoras ressarciu integralmente esses danos e pede à(s) outra(s) uma quota‑parte da indemnização paga. Embora não seja possível aplicar automaticamente a jurisprudência relativa ao Regulamento Bruxelas I em matéria de competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões, o Tribunal de Justiça pode, ainda assim, retirar algumas orientações úteis dessa jurisprudência.

    45.

    Na minha perspetiva, alguns dos princípios enunciados em seguida, resultantes da jurisprudência relativa ao Regulamento Bruxelas I, são relevantes para o presente caso.

    46.

    Em primeiro lugar, os conceitos de «matéria contratual» e «matéria extracontratual» referidos, respetivamente, no artigo 5.o, pontos 1 e 3, do Regulamento Bruxelas I devem ser interpretados de forma autónoma, por referência à economia e à finalidade desse regulamento ( 23 ). O mesmo deverá acontecer com os conceitos de «obrigações contratuais» no Regulamento Roma I e de «obrigações extracontratuais» no Regulamento Roma II.

    47.

    Em seguida, importa não esquecer que, uma vez que o Regulamento Bruxelas I substitui a Convenção de Bruxelas, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça às disposições desta última também é válida para as disposições do Regulamento Bruxelas I ( 24 ).

    48.

    Além disso, é ponto assente que o conceito de «matéria contratual» na aceção do artigo 5.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento Bruxelas I pressupõe a determinação de uma obrigação jurídica livremente consentida por uma pessoa para com outra e na qual se baseia a ação do demandante ( 25 ). Por conseguinte, o conceito de «obrigação contratual» no Regulamento Roma I deve ter o mesmo fundamento.

    49.

    Por último, o conceito de «matéria extracontratual» na aceção do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento Bruxelas I abrange qualquer ação que tenha em vista o apuramento da responsabilidade do demandado e que não esteja relacionada com «matéria contratual» na aceção do artigo 5.o, ponto 1, alínea a), desse regulamento ( 26 ). Conforme observa, com razão, a Comissão, o conceito de matéria extracontratual é residual. A distinção entre obrigações contratuais reguladas pelo Regulamento Roma I e obrigações extracontratuais reguladas pelo Regulamento Roma II deve obedecer à mesma lógica.

    50.

    Assim, começarei por analisar se uma ação de regresso de uma seguradora tem natureza essencialmente contratual. Só deverá ser considerada extracontratual se não se enquadrar naquela categoria.

    Regulamento Roma I

    51.

    No processo C‑359/14, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento Roma I determina a aplicação da lei alemã no processo principal (primeira questão). No processo C‑475/14, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se as relações jurídicas entre a seguradora do veículo trator e a seguradora do reboque dão origem a obrigações contratuais na aceção do artigo 1.o do Regulamento Roma I e, em caso afirmativo, se a lei aplicável deve ser determinada em conformidade com o disposto no artigo 7.o desse regulamento (segunda questão).

    52.

    Há dois elementos que resultam claramente dos despachos de reenvio. Em primeiro lugar, não existe, em nenhum dos casos, um contrato entre as duas seguradoras. Consequentemente, as disposições sobre liberdade de escolha do artigo 3.o e as normas relativas à lei aplicável na falta de escolha previstas no artigo 4.o do Regulamento Roma I não podem ser aplicáveis, e o artigo 7.o também não é pertinente. Em segundo lugar, é inegável que existem contratos de seguro entre os tomadores do seguro dos veículos rebocador e rebocado e as respetivas seguradoras.

    53.

    Tanto no processo C‑359/14 como no processo C‑475/14 nada indica que estes contratos são regulados pela lei lituana. Na medida em que é necessário determinar a lei aplicável aos contratos de seguro, essa determinação tem de ser efetuada em conformidade com os artigos 3.°, 4.° e/ou 7.° Embora esta seja, em última análise, uma matéria da competência do órgão jurisdicional nacional, os elementos ao dispor do Tribunal de Justiça apontam para a aplicabilidade da lei lituana ( 27 ).

    54.

    No que respeita à ação de regresso da seguradora, considero, porém, que a lei aplicável deve ser determinada em conformidade com as normas do Regulamento Roma I pelos motivos que passo a expor.

    55.

    O artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento Roma I dispõe que «[o] presente regulamento é aplicável às obrigações contratuais em matéria civil e comercial que impliquem um conflito de leis». Essa frase é suscetível de abranger situações como as que estão em causa nos processos principais.

    56.

    O artigo 5.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento Bruxelas I ( 28 ) tem uma redação ligeiramente diferente, fazendo referência a «matéria contratual». Contudo, o âmbito de aplicação material dos atos de harmonização do direito internacional privado em matéria civil e comercial deve ser coerente ( 29 ). O significado atribuído ao conceito de «obrigações contratuais» no artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento Roma I determina o âmbito de aplicação material desse regulamento. Por conseguinte, é legítimo não recurso à jurisprudência relativa ao Regulamento Bruxelas I.

    57.

    O Tribunal de Justiça afirmou que, embora o artigo 5.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento Bruxelas I não exija a celebração de um contrato, é, contudo, indispensável identificar uma obrigação para o aplicar, dado que a competência jurisdicional, por força desta disposição, é fixada em função do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deve ser cumprida. A norma de competência especial estabelecida no artigo 5.o, ponto 1, alínea a) «pressupõe a determinação de uma obrigação jurídica livremente consentida por uma parte perante a outra e na qual se baseia a ação do demandante» ( 30 ). Interpretar essa disposição sem estabelecer tal requisito seria ir além do previsto pelo Regulamento Bruxelas I.

    58.

    Considero que, no presente caso, esses critérios para determinar a existência de uma «matéria contratual» (e, necessariamente, a existência de «obrigações contratuais») estão preenchidos. Cada seguradora está vinculada por um contrato celebrado com o respetivo tomador do seguro, que gera obrigações mútuas. Entre as obrigações da seguradora figura a cobertura da responsabilidade civil do tomador do seguro. As obrigações do tomador do seguro incluem o pagamento do prémio de seguro. Nada indica que essas obrigações não sejam livremente assumidas por uma parte perante a outra. Em resumo, estamos claramente perante uma «matéria contratual» e «obrigações contratuais» no que respeita a essas partes.

    59.

    A fim de qualificar os direitos no cerne dos processos principais, poderá revelar‑se útil uma análise mais aprofundada das relações entre as diferentes partes envolvidas em termos mais abstratos.

    60.

    Imagine‑se que ocorre um acidente rodoviário, no qual estão envolvidos um veículo rebocador e um veículo rebocado. O acidente causa danos a uma vítima, que não é, de modo nenhum, responsável pelo acidente. Para efeitos deste exemplo, chamarei A ao tomador do seguro do veículo rebocador, B ao tomador do seguro do veículo rebocado, X à vítima do acidente rodoviário, C à seguradora do veículo rebocador e D à seguradora do veículo rebocado. A e B causaram e/ou são responsáveis pelos danos e lesões sofridos por X. Por conseguinte, X tem um direito extracontratual perante A e B fundado num facto ilícito.

    61.

    A e B têm, ambos, uma relação contratual com as respetivas seguradoras C e D. É paga uma indemnização a X ao abrigo desses contratos. No entanto, ainda que C e/ou D paguem diretamente a indemnização a X, não existe nenhuma relação contratual entre X, por um lado, e C e/ou D, por outro. A obrigação de pagamento tem origem no acidente rodoviário e nas participações do sinistro efetuadas ao abrigo das apólices de seguro.

    62.

    O facto de o pagamento ser efetuado aos tomadores do seguro (A e B) ou diretamente à vítima (X) não é relevante. Uma vez que a obrigação de pagamento tem origem contratual, a identidade do destinatário do pagamento (quer seja o tomador do seguro, a vítima ou a seguradora do veículo rebocador) não altera a natureza da obrigação. Como tal, o centro de gravidade da obrigação de indemnização situa‑se na obrigação contratual (da seguradora de indemnizar o tomador do seguro) e não na obrigação extracontratual do infrator perante a vítima resultante do acidente rodoviário. Se o infrator não estivesse seguro, seria ele mesmo responsável extracontratualmente pela indemnização dos danos sofridos pela vítima. Na falta de um contrato de seguro, não poderia ser imputada qualquer responsabilidade às seguradoras. Daqui resulta que a ação de regresso proposta por uma seguradora contra a outra (no meu exemplo, C contra D) tem origem nos contratos de seguro, está, por esse motivo, intimamente ligada às obrigações contratuais das duas seguradoras perante os respetivos tomadores do seguro, e, consequentemente, está abrangida pelo Regulamento Roma I.

    63.

    Os artigos 15.° («Sub‑rogação legal») e 16.° («Pluralidade de devedores») contribuem para esclarecer se a lei aplicável à ação de regresso é determinada em conformidade com o Regulamento Roma I?

    64.

    No meu entender, a resposta é negativa.

    65.

    O artigo 15.o dispõe que a lei aplicável à obrigação de um terceiro de satisfazer o direito de um credor determina se, e em que medida, esse terceiro pode exercer os direitos do credor contra o devedor, de acordo com a lei que regula as suas relações. O artigo 16.o diz respeito a situações em que um credor tem um direito contra vários devedores, responsáveis pelo mesmo direito.

    66.

    Começo por observar que o facto de essas disposições se encontrarem reproduzidas nos artigos 19.° e 20.° do Regulamento Roma II indica que não podem ser consideradas decisivas para distinguir o que é contratual (e, portanto, regulado pelo Regulamento Roma I) do que é extracontratual (e, como tal, regulado pelo Regulamento Roma II ( 31 ).

    67.

    Lamentavelmente, o preâmbulo do Regulamento Roma I não fornece qualquer explicação sobre a origem ou a finalidade do artigo 15.o ou do artigo 16.o A redação do artigo 15.o do Regulamento Roma I é idêntica à do artigo 13.o, n.o 1, da Convenção de Roma. O relatório Giuliano e Lagarde refere que a «‘sub‑rogação’ implica a atribuição dos direitos do credor à pessoa que, estando obrigada ao pagamento da dívida juntamente com outros devedores ou em nome destes, tinha um interesse em satisfazer essa dívida» e que, uma vez que a convenção só é aplicável a obrigações contratuais, essa regra é unicamente válida para os direitos de natureza contratual ( 32 ). Os autores do relatório explicam que as normas sobre sub‑rogação não se aplicam à sub‑rogação legal nos casos em que a dívida a satisfazer tenha origem num facto ilícito extracontratual (por exemplo, quando a seguradora substitui o segurado na titularidade dos direitos perante a pessoa que causou os danos). Um exemplo muito comum de sub‑rogação legal é‑nos dado pela situação em que um credor concede um empréstimo a um devedor sob garantia. Se o garante (o terceiro) pagar integralmente a dívida ao credor, fica sub‑rogado nos direitos do credor contra o devedor.

    68.

    Porém, a situação nos dois processos nacionais aqui em causa não é tão simples como a que envolve apenas um credor, um devedor e um garante.

    69.

    O artigo 16.o do Regulamento Roma I preserva a continuidade da lei aplicável quando existam vários devedores no contexto das obrigações contratuais. Porém, não ajuda a determinar se uma certa obrigação inicial tem natureza contratual ou extracontratual.

    70.

    Consequentemente, no meu entender, nenhuma das referidas disposições contribui para esclarecer se a ação de regresso está abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento Roma I.

    71.

    Tendo em conta a minha análise anterior, concluo que, se duas ou mais seguradoras forem conjunta e solidariamente responsáveis pela indemnização dos prejuízos, danos ou lesões sofridos por uma vítima devido a uma ação ou omissão ilícita de natureza extracontratual do(s) respetivo(s) tomador(es) do seguro, e se uma seguradora tiver pago essa indemnização e pretender junto obter uma contribuição da(s) outra(s) seguradora(s), a obrigação da seguradora de indemnizar o tomador do seguro ou de indemnizar a vítima em nome do tomador do seguro deve ser qualificada como contratual na aceção do Regulamento Roma I. Quer a seguradora pague diretamente a indemnização à vítima, quer uma seguradora pague uma quota‑parte dessa indemnização à outra seguradora, a natureza contratual da obrigação de indemnizar não se altera. Consequentemente, a lei aplicável deve ser determinada em conformidade com o Regulamento Roma I.

    Regulamento Roma II

    72.

    Concluí que a ação de regresso da seguradora está abrangida pelo Regulamento Roma I. Assim sendo, não há, em bom rigor, necessidade de analisar o Regulamento Roma II. No entanto, por uma questão de exaustividade, fá‑lo‑ei sucintamente.

    73.

    No meu entender, a ação de regresso da seguradora não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento Roma II pelos motivos que passo a expor.

    74.

    Em primeiro lugar, as obrigações extracontratuais são uma categoria residual. Da análise que fiz nos n.os 58 a 62 e da conclusão que expus no n.o 71, supra, decorre que os processos principais dizem respeito a obrigações contratuais. Por conseguinte, o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento Roma II não é aplicável.

    75.

    Em segundo lugar, a categoria genérica das obrigações extracontratuais referida no artigo 4.o do Regulamento Roma II não pode determinar a lei aplicável, dado que não ocorreu um facto danoso entre a seguradora do veículo rebocador e a seguradora do veículo rebocado. A seguradora do veículo rebocador não causou danos à seguradora do veículo rebocado nem esta causou danos àquela. Assim sendo, não existe nenhuma obrigação extracontratual entre as duas seguradoras. Embora o acidente rodoviário e os danos por ele causados à vítima tenham efetivamente gerado direito(s) ao abrigo do(s) contrato(s) de seguro, as seguradoras não foram as protagonistas desse ato e estão afastadas do mesmo. A sua única ligação com esse ato verifica‑se através das obrigações estipuladas no(s) contrato(s) de seguro celebrado(s) com o(s) respetivo(s) tomador(es) do seguro ( 33 ). Segundo jurisprudência constante, «[…] a responsabilidade extracontratual só pode ser tomada em conta se puder ser estabelecido um nexo de causalidade entre o dano e o facto que o originou» ( 34 ).

    76.

    Em terceiro lugar, a ação de regresso da seguradora não se enquadra em nenhuma das categorias de obrigações extracontratuais reguladas pelos artigos 5.° a 12.° do Regulamento Roma II.

    77.

    E quanto ao artigo 18.o, que prevê a escolha da lei quando «o lesado» (ou seja, a vítima) pretenda demandar diretamente a seguradora do infrator «[…] se a lei aplicável à obrigação extracontratual ou a lei aplicável ao contrato de seguro assim o previr»?

    78.

    Embora nenhum dos considerandos ajude a esclarecer o sentido do artigo 18.o, é possível retirar algumas orientações da Exposição de Motivos da proposta apresentada pela Comissão, relativa ao artigo 14.o (que, posteriormente, deu origem ao artigo 18.o), que dispõe que «[o] artigo 14.o determina a lei aplicável à questão de saber se a pessoa lesada está autorizada a exercer uma ação direta contra o segurador da pessoa cuja responsabilidade é invocada. A regra proposta instaura um equilíbrio razoável entre os interesses em presença no sentido de proteger a pessoa lesada, a quem concede a faculdade de escolher, mas limitando a escolha às duas leis cuja aplicação o segurador deveria legitimamente prever, ou seja, a lei aplicável à obrigação extracontratual, por um lado, e a lei aplicável ao contrato de seguro, por outro. Em todos os casos, o alcance das obrigações do segurador é estabelecido pela lei aplicável ao contrato de seguro. À semelhança do artigo 7.o relativo aos danos ambientais, a formulação adotada permite evitar dúvidas na hipótese de a vítima não ter exercido o seu direito de opção».

    79.

    Creio que o artigo 18.o se limita a dar à vítima a possibilidade de optar entre demandar diretamente a seguradora (ao invés do autor do dano), sem alterar os parâmetros básicos da situação. A possibilidade de a vítima demandar o autor do dano é regulada pela lei aplicável às obrigações extracontratuais. A obrigação legal da seguradora de se substituir ao autor do dano no pagamento de uma indemnização dependerá das condições estipuladas no contrato de seguro, que deverão ser interpretadas de acordo com a lei aplicável ao contrato.

    80.

    Confirma‑se assim a minha conclusão de que o Regulamento Roma II não é aplicável e de que, consequentemente, as regras estabelecidas no artigo 20.o sobre responsabilidade múltipla não são relevantes para determinar a lei aplicável nos processos C‑359/14 e C‑475/14.

    Conclusão

    81.

    À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Vilniaus miesto apylinkės teismas no processo C‑359/14 e pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas no processo C‑475/14, nos seguintes termos:

    O artigo 14.o, alínea b), da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, não estabelece uma norma especial para determinar a lei aplicável.

    Se duas ou mais seguradoras forem conjunta e solidariamente responsáveis pela indemnização dos prejuízos, danos ou lesões sofridos por uma vítima devido a uma ação ou omissão ilícita de natureza extracontratual do(s) respetivo(s) tomador(es) do seguro, e se uma seguradora tiver pago essa indemnização e pretender obter uma contribuição da(s) outra(s) seguradora(s), a obrigação da seguradora de indemnizar o tomador do seguro ou de indemnizar a vítima em nome do tomador do seguro deve ser qualificada como contratual na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I). Quer a seguradora pague diretamente a indemnização à vítima quer uma seguradora pague uma quota‑parte dessa indemnização à outra seguradora, a natureza contratual da obrigação de pagar a indemnização não se altera. Consequentemente, a lei aplicável deve ser determinada em conformidade com o Regulamento Roma I.


    ( 1 )   Língua original: inglês.

    ( 2 )   Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO L 177, p. 6).

    ( 3 )   Regulamento (CE) n.o 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II) (JO L 199, p. 40).

    ( 4 )   Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 263, p. 11, a seguir «Diretiva 2009/103» ou «diretiva»).

    ( 5 )   Convenção relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186; versão consolidada no JO 1998 C 27, p. 1).

    ( 6 )   Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001 L 12, p. 1, a seguir «Regulamento Bruxelas I»). Esse regulamento não é aplicável à Dinamarca (artigo 1.o, n.o 3).

    ( 7 )   Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (JO 1980, L 266, p.1; EE 01 F3 p. 36).

    ( 8 )   V. considerando 6 dos Regulamentos Roma I e Roma II.

    ( 9 )   V. considerando 7 dos Regulamentos Roma I e Roma II.

    ( 10 )   V. considerando 40 e artigo 23.o do Regulamento Roma I. V. também considerando 35 e artigo 27.o do Regulamento Roma II.

    ( 11 )   Artigo 1.o, n.o 1.

    ( 12 )   Artigo 3.o, n.o 1.

    ( 13 )   Os elementos apresentados ao Tribunal de Justiça não contêm informações suficientemente detalhadas sobre a legislação lituana e alemã que regula o seguro automóvel obrigatório que me permitam comentar utilmente o papel que o artigo 7.o, n.o 4, poderá desempenhar.

    ( 14 )   Artigo 1.o, n.o 1.

    ( 15 )   Porém, essas normas não incluem ações destinadas a obter direitos de regresso como os que decorrem de um acidente rodoviário.

    ( 16 )   Artigo 1.o, n.o 1. V. acórdão Vnuk, C‑162/13, EU:C:2014:2146.

    ( 17 )   Nos termos do artigo 5.o, os Estados‑Membros podem prever uma derrogação a essa obrigação relativamente a certas pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou privado, verificadas certas condições. Nada nos elementos apresentados ao Tribunal de Justiça indica que o artigo 5.o é relevante para os dois processos principais.

    ( 18 )   No despacho de reenvio no processo C‑475/14, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência ao acórdão n.o IV 279/08, de 27 de outubro de 2010, do Tribunal Federal alemão. Esse caso dizia respeito a veículos cobertos por contratos de seguro alemães, sujeitos ao regime de seguros alemão. Trata‑se de uma situação diferente daquela que está em causa no processo principal, que diz respeito a veículos com matrícula estrangeira, cobertos por contratos de seguro celebrados noutro Estado‑Membro.

    ( 19 )   V. Conferência da Haia de Direito Internacional Privado e documentos da 11.a sessão de 1968 (Volume III, Acidentes de trânsito, p. 223).

    ( 20 )   V. considerando 12 da diretiva.

    ( 21 )   V. considerando 26 da diretiva.

    ( 22 )   V. considerando 7 dos Regulamentos Roma I e Roma II. V. ainda acórdão ÖFAB, C‑147/12, EU:C:2013:490, n.o 28.

    ( 23 )   V. acórdão Brogsitter, C‑548/12, EU:C:2014:148, n.o 18 e jurisprudência aí referida.

    ( 24 )   V. acórdão Brogsitter, C‑548/12, EU:C:2014:148, n.o 19 e jurisprudência aí referida.

    ( 25 )   V. acórdão ÖFAB, C‑147/12, EU:C:2013:490, n.o 33 e jurisprudência aí referida.

    ( 26 )   V. ainda acórdão Brogsitter, C‑548/12, EU:C:2014:148, n.os 20 e 21. V. também acórdão ÖFAB, C‑147/12, EU:C:2013:490, n.o 32 e jurisprudência aí referida.

    ( 27 )   Possivelmente, por escolha expressa (artigo 3.o) ou, se assim não for, por o prestador de serviços (a seguradora) ou o tomador do seguro terem residência habitual na Lituânia [artigo 4.o, n.o 1, alínea b), e artigo 7.o, n.o 3, alínea b), respetivamente]. Também é provável que, à data da celebração do contrato, o risco se situasse na Lituânia [artigo 7.o, n.o 3, alínea a)]. Quanto à possível relevância do artigo 7.o, n.o 4, v. nota 13, supra.

    ( 28 )   A regra geral estabelecida no Regulamento Bruxelas I é a de que as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas perante os tribunais desse Estado (artigo 2.o). O artigo 5.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento Bruxelas I estabelece uma regra de competência especial, que constitui uma derrogação à referida regra geral: em matéria contratual, uma pessoa domiciliada num Estado‑Membro pode ser demandada perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação contratual.

    ( 29 )   V. n.o 43, supra.

    ( 30 )   V. acórdão Česká spořitelna, C‑419/11, EU:C:2013:165, n.os 46 e 47 e jurisprudência aí referida. V. também as minhas conclusões no processo Česká spořitelna, EU:C:2012:586, n.os 43 a 45.

    ( 31 )   V. Exposição de Motivos da Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II»), apresentada pela Comissão, COM(2003)0427 final, p. 26.

    ( 32 )   V. relatório de Mario Giuliano, professor da Universidade de Milão, e de Paul Lagarde, professor da Universidade de Paris, relativo à Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (JO 1980 C 282, p. 1), artigo 13.o («Sub‑rogação»).

    ( 33 )   V. n.o 60, supra.

    ( 34 )   V. acórdão ÖFAB, C‑147/12, EU:C:2013:490, n.o 34 e jurisprudência aí referida.

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