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Document 62013CJ0394

Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção) de 11 de setembro de 2014.
Ministerstvo práce a sociálních věcí contra B.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Nejvyšší správní soud.
Reenvio prejudicial – Segurança social dos trabalhadores migrantes – Regulamentos (CEE) n.° 1408/71 e (CE) n.° 883/2004 – Legislação nacional aplicável – Determinação do Estado‑Membro competente para a concessão de uma prestação familiar – Situação do trabalhador migrante e da sua família que vivem num Estado‑Membro onde têm o centro de interesses e onde foi recebida uma prestação familiar – Pedido de prestação familiar no Estado‑Membro de origem, após ter expirado o direito às prestações no Estado‑Membro de residência – Regulamentação nacional do Estado‑Membro de origem que prevê a concessão dessas prestações a qualquer pessoa com um domicílio registado nesse Estado.
Processo C‑394/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2199

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

11 de setembro de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Segurança social dos trabalhadores migrantes — Regulamentos (CEE) n.o 1408/71 e (CE) n.o 883/2004 — Legislação nacional aplicável — Determinação do Estado‑Membro competente para a concessão de uma prestação familiar — Situação do trabalhador migrante e da sua família que vivem num Estado‑Membro onde têm o centro de interesses e onde foi recebida uma prestação familiar — Pedido de prestação familiar no Estado‑Membro de origem, após ter expirado o direito às prestações no Estado‑Membro de residência — Regulamentação nacional do Estado‑Membro de origem que prevê a concessão dessas prestações a qualquer pessoa com um domicílio registado nesse Estado»

No processo C‑394/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Nejvyšší správní soud (República Checa), por decisão de 2 de maio de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de julho de 2013, no processo

Ministerstvo práce a sociálních věcí

contra

B.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: M. Safjan, presidente de secção, A. Prechal (relatora) e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de B., por V. Soukup, advokát,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por T. Papadopoulou, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por D. Martin e P. Němečková, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 76.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão modificada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 592/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008 (JO L 177, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 1408/71»), bem como do artigo 87.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO L 166, p. 1; retificação no JO L 200, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 988/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009 (JO L 284, p. 43, a seguir «Regulamento n.o 883/2004»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Ministerstvo práce a sociálních věcí (Ministério do Trabalho e dos Assuntos Sociais) à Sr.a B., a respeito de uma decisão que lhe retira o benefício das prestações familiares, pelo facto de a República Checa ser incompetente para conceder essas prestações.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1408/71

3

O artigo 1.o do Regulamento n.o 1408/71, com a epígrafe «Definições», dispõe, na alínea h), que «o termo ‘residência’ significa a residência habitual».

4

O artigo 13.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Regras gerais», prevê:

«1.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.° C e 14.° F, as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Esta legislação é determinada de acordo com as disposições do presente título.

2.   Sem prejuízo dos artigos 14.° a 17.°:

[…]

f)

A pessoa à qual a legislação de um Estado‑Membro deixa de ser aplicável, sem que lhe seja aplicável a legislação de um outro Estado‑Membro em conformidade com uma das regras enunciadas nas alíneas precedentes ou com uma das exceções ou regras especiais constantes dos artigos 14.° a 17.°, está sujeita à legislação do Estado‑Membro no território do qual reside, de acordo com as disposições desta legislação.»

5

O artigo 76.o, com a epígrafe «Regras de prioridade em caso de cumulação de direitos a prestações familiares por força da legislação do Estado competente e por força da legislação do Estado‑Membro de residência dos membros da família», que faz parte do capítulo 7, título III, do mesmo regulamento, dispõe, no seu n.o 1:

«Sempre que, durante o mesmo período, para o mesmo membro da família e por motivo do exercício de uma atividade profissional, estejam previstas prestações familiares na legislação do Estado‑Membro em cujo território os membros da família residem, o direito às prestações familiares devidas por força da legislação de outro Estado‑Membro, eventualmente em aplicação dos artigos 73.° e 74.°, será suspenso até ao limite do montante previsto pela legislação do primeiro Estado‑Membro.»

Regulamentos n.o 883/2004 e (CE) n.o 987/2009

6

O Regulamento n.o 1408/71 foi substituído pelo Regulamento n.o 883/2004. Este último regulamento é aplicável, em conformidade com o seu artigo 91.o, a partir da data da entrada em vigor do seu regulamento de aplicação. O Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 883/2004 (JO L 284, p. 1), entrou em vigor em 1 de maio de 2010.

7

O artigo 1.o do Regulamento n.o 883/2004, com a epígrafe «Definições», enuncia, na alínea j), que «entende‑se por ‘residência’ o lugar em que a pessoa reside habitualmente».

8

O artigo 11.o, com a epígrafe «Regras gerais», n.os 1 e 3, alínea e), do referido regulamento prevê:

«1.   As pessoas a quem o presente regulamento se aplica apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Essa legislação é determinada em conformidade com o presente título.

[…]

3.   Sem prejuízo dos artigos 12.° a 16.°:

[…]

e)

Outra pessoa à qual não sejam aplicáveis as alíneas a) a d) está sujeita à legislação do Estado‑Membro de residência, sem prejuízo de outras disposições do presente regulamento que lhe garantam prestações ao abrigo da legislação de um ou mais outros Estados‑Membros.»

9

O artigo 87.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Disposições transitórias», dispõe, nos seus n.os 1, 3 e 8:

«1.   O presente regulamento não confere qualquer direito em relação a um período anterior à data da sua aplicação.

[…]

3.   Sem prejuízo do n.o 1, um direito é adquirido ao abrigo do presente regulamento mesmo que se refira a uma eventualidade ocorrida antes da data da sua aplicação num dado Estado‑Membro.

[…]

8.   Se, em consequência do presente regulamento, uma pessoa estiver sujeita à legislação de um Estado‑Membro que não seja a determinada de acordo com o título II do Regulamento [n.o 1408/71], essa legislação continua a aplicar‑se enquanto se mantiver inalterada a situação relevante e, em todo o caso, por um período máximo de 10 anos a contar da data de início da aplicação do presente regulamento, salvo se o interessado apresentar um pedido para ficar sujeito à legislação aplicável ao abrigo do presente regulamento. […]»

10

O artigo 11.o do Regulamento n.o 987/2009, com a epígrafe «Elementos para a determinação da residência», enuncia:

«1.   Em caso de divergência entre as instituições de dois ou mais Estados‑Membros quanto à determinação da residência de uma pessoa à qual é aplicável o regulamento de base, estas instituições estabelecem de comum acordo o centro de interesses da pessoa interessada, com base numa avaliação global de todos os elementos disponíveis relacionados com factos relevantes, que podem incluir, conforme o caso:

a)

A duração e a continuidade da presença no território dos Estados‑Membros em causa;

b)

A situação pessoal do interessado, incluindo:

i)

a natureza e as características específicas de qualquer atividade exercida, em especial o local em que a atividade é habitualmente exercida, a natureza estável da atividade e a duração de qualquer contrato de trabalho;

ii)

a sua situação familiar e os laços familiares;

iii)

o exercício de qualquer atividade não remunerada;

iv)

no caso dos estudantes, a fonte de rendimentos;

v)

a situação relativa à habitação, em especial a sua natureza permanente;

vi)

o Estado‑Membro em que a pessoa é considerada residente para efeitos fiscais.

2.   Quando a consideração dos diferentes critérios, baseados em factos relevantes enunciados no n.o 1, não permitir às instituições em causa chegar a acordo, a vontade da pessoa, tal como se revela a partir de tais factos e circunstâncias, em especial os motivos que a levaram a mudar‑se, é considerada determinante para estabelecer o seu lugar efetivo de residência.»

Direito checo

11

Resulta da decisão de reenvio que, nos termos dos artigos 3.° e 31.°, n.o 1, segundo período, da Lei n.o 117/1995, relativa à assistência social (zákon č. 117/1995 Sb., o státní sociální podpoře), na redação em vigor à data em que foi proferida a decisão administrativa em causa no processo principal, qualquer pessoa singular que tenha registado o seu domicílio no território checo em conformidade com os artigos 10.° e 10.° a da Lei n.o 133/2000, relativa ao registo da população e ao número de registo nacional, que altera determinadas leis [zákon č. 133/2000 Sb. o evidenci obyvatel a rodných číslech a o změně některých zákonů (zákon o evidenci obyvatel)], pode ter direito a uma prestação parental.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

A Sr.a B. é uma cidadã da República Checa que vive em França com o seu marido e a sua filha menor, nascida em França. Contudo, a Sr.a B. e o seu marido têm cada um uma residência na República Checa, cujo endereço foi registado em conformidade com o artigo 10.o da Lei n.o 133/2000, relativa ao registo da população e ao número de registo nacional, que altera determinadas leis.

13

A Sr.a B. recebeu prestações de desemprego em França e o seu marido exerce uma atividade profissional neste país. Toda a família beneficia de um seguro de saúde em França. No período compreendido entre 9 de fevereiro e 30 de maio de 2009, a Sr.a B. esteve de licença de maternidade e, a esse título, recebeu, em França, um subsídio de maternidade. Em seguida, no período compreendido entre 1 de junho e 30 de novembro de 2009, a Sr.a B. recebeu nesse Estado‑Membro uma prestação familiar complementar, denominada «prestação para assistência a filho de tenra idade», ou «PAJE», cujo montante depende dos rendimentos do beneficiário. Uma vez esgotado o seu direito à referida prestação, a Sr.a B. apresentou um pedido na República Checa para obter uma prestação familiar.

14

Por decisão de 14 de junho de 2010, a Úřad práce (Serviço de Emprego) de Ostrava decidiu conceder‑lhe a referida prestação a partir de 1 de dezembro de 2009.

15

Considerando que o direito da Sr.a B. a uma prestação familiar devia ser objeto de nova apreciação a partir da entrada em vigor do Regulamento n.o 883/2004, ou seja, 1 de maio de 2010, o Krajský úřad Moravskoslezského kraje (autoridade regional da Região de Morávia‑Silésia), cujos poderes foram transferidos para o Ministerstvo práce a sociálních věcí (Ministério do Emprego e dos Assuntos Sociais), decidiu, por decisão de 16 de novembro de 2010, retirar‑lhe o benefício da prestação em causa, a partir de 1 de maio de 2010, alegando que a República Checa já não era o Estado‑Membro competente, uma vez que o centro de interesses da Sr.a B. e da sua família se situava em França.

16

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à competência da República Checa em matéria de concessão de prestações familiares à Sr.a B. Entende que, no caso de ser considerado que a República Checa foi competente para a concessão dessas prestações familiares, é duvidoso que este Estado‑Membro continue a ser competente depois de 1 de maio de 2010, tendo em conta as novas regras relativas à residência que figuram no Regulamento n.o 987/2009.

17

Nestas condições, o Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 76.o do Regulamento [n.o 1408/71] ser interpretado no sentido de que, nas circunstâncias do caso em apreço, a saber, a autora, o seu marido e a sua filha vivem em França, onde o seu marido trabalha e os três têm o seu centro de interesses, e a autora recebeu na íntegra, em França, a prestação familiar PAJE — prestation d’accueil du jeune enfant (prestação para assistência a filho de tenra idade), a República Checa é o Estado competente para conceder uma prestação familiar‑subsídio parental?

Se a resposta à primeira questão for positiva:

2)

Devem as disposições transitórias do Regulamento [n.o 883/2004] ser interpretadas no sentido de que impõem à República Checa a concessão de uma prestação familiar após 30 de abril de 2010, ainda que a competência de um Estado possa ser influenciada, a partir de 1 de maio de 2010, pela nova definição de residência dada pelo Regulamento [n.o 987/2009] (artigos 22.° e seguintes)?

Se a resposta à primeira questão for negativa:

3)

Deve o Regulamento [n.o 883/2004] (em especial o artigo 87.o) ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as do caso em apreço, a República Checa é, a partir de 1 de maio de 2010, o Estado[‑Membro] competente para a concessão de uma prestação familiar?»

Quanto à admissibilidade

18

A Sr.a B. alega que as questões são desprovidas de pertinência em relação ao processo principal, pelo facto de serem relativas ao seu direito às prestações familiares a partir de 1 de dezembro de 2009, quando não é contestado que essas prestações lhe são devidas pelo período compreendido entre 1 de dezembro de 2009 e 1 de maio de 2010, uma vez que o processo apenas diz respeito à perda desse direito a contar desta última data.

19

Há que recordar que, no âmbito do procedimento instituído no artigo 267.o TFUE, é da competência exclusiva do juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. A presunção de pertinência inerente às questões submetidas a título prejudicial pelos órgãos jurisdicionais nacionais só pode ser ilidida a título excecional, se se afigurar manifestamente que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (v., nomeadamente, acórdão Iberdrola Distribución Eléctrica, C‑300/13, EU:C:2014:188, n.o 16).

20

No caso em apreço, não se afigura que a interpretação solicitada do direito da União, pelo órgão jurisdicional de reenvio, não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal nem que o problema por ele suscitado seja hipotético. Por conseguinte, uma vez que o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas, estas são admissíveis, contrariamente ao que sustenta a Sr.a B.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

21

A título preliminar, importa recordar que, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, compete ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe foram apresentadas (acórdãos Krüger, C‑334/95, EU:C:1997:378, n.os 22 e 23, e Hewlett‑Packard Europe, C‑361/11, EU:C:2013:18, n.o 35).

22

No caso em apreço, através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro seja considerado o Estado competente para, em conformidade com o seu direito nacional, conceder uma prestação familiar a uma pessoa, pelo simples facto de esta ter um domicílio registado no seu território, sem que ela nem os membros da sua família trabalhem ou residam habitualmente nesse Estado‑Membro.

23

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as disposições do título II desse regulamento destinam‑se, nomeadamente, a que os interessados sejam, em princípio, sujeitos ao regime de segurança social de um único Estado‑Membro, de modo a evitar os cúmulos de legislações nacionais aplicáveis e as complicações que daí possam resultar. Este princípio tem a sua expressão, designadamente, no artigo 13.o, n.o 1, do referido regulamento (v., nomeadamente, acórdão Hudzinski e Wawrzyniak, C‑611/10 e C‑612/10, EU:C:2012:339, n.o 41).

24

No caso em apreço, há que declarar que a legislação aplicável à situação da Sr.a B., no que diz respeito ao seu direito a prestações familiares, é determinada pelo artigo 13.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento n.o 1408/71. Com efeito, a uma pessoa que tenha cessado toda a atividade assalariada no território de um Estado‑Membro e que, por conseguinte, já não preenche os requisitos do artigo 13.o, n.o 2, alínea a), desse regulamento e também não preenche os requisitos de nenhuma outra disposição do referido regulamento para ser abrangida pela legislação de um Estado‑Membro, é aplicável, por força do artigo 13.o, n.o 2, alínea f), do mesmo regulamento, a legislação do Estado onde previamente exerceu uma atividade assalariada quando continua aí a ter a sua residência (v., neste sentido, acórdão Kuusijärvi, C‑275/96, EU:C:1998:279, n.os 29 e 34).

25

Em aplicação desta última disposição, a Sr.a B. continuou assim sujeita à legislação do Estado‑Membro em cujo território exerceu anteriormente a sua atividade assalariada e onde continua a ter a sua residência, ou seja, face aos elementos que resultam da decisão de reenvio, a legislação francesa.

26

A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento n.o 1408/71, o termo «residência», na aceção deste regulamento, significa a residência habitual, ou seja, o local onde as pessoas em causa residem habitualmente e onde está também o centro habitual dos seus interesses, e constitui, assim, uma noção autónoma e própria do direito da União (v. acórdão Swaddling, C‑90/97, EU:C:1999:96, n.os 28 e 29). Ora, resulta dos factos apurados pelo órgão jurisdicional de reenvio e reproduzidos nos n.os 12 e 13 do presente acórdão que a residência habitual e o centro habitual dos interesses da Sr.a B. se situam em França.

27

Dado que a Sr.a B. está sujeita à legislação francesa por força do artigo 13.o do referido regulamento, coloca‑se ainda a questão de saber se as disposições do mesmo regulamento se opõem a que as prestações familiares em causa no processo principal sejam concedidas ao abrigo do direito nacional de um Estado‑Membro que não é o Estado‑Membro competente na aceção do Regulamento n.o 1408/71. Com efeito, resulta da decisão de reenvio que, por força da legislação checa, a Sr.a B. pode beneficiar desta prestação, pelo simples facto de ter registado um domicílio no território da República Checa.

28

A este respeito, há que recordar que um Estado‑Membro não competente mantém a possibilidade de conceder prestações familiares, se existir um vínculo preciso e especialmente estreito entre o território desse Estado e a situação em causa, na condição de a previsibilidade e a efetividade das regras de coordenação do referido regulamento não serem afetadas desmesuradamente (v., neste sentido, acórdão Hudzinski e Wawrzyniak, EU:C:2012:339, n.os 65 a 67).

29

Todavia, o simples registo, pela Sr.a B., de um domicílio permanente na República Checa, sem viver nesse Estado‑Membro, quando parece residir habitualmente em França com a sua família, onde recebeu prestações de desemprego, um subsídio de maternidade desde 9 de fevereiro de 2009 e, depois, uma prestação familiar semelhante à que seguidamente requereu à República Checa, não parece, sem prejuízo das verificações finais do órgão jurisdicional de reenvio, suscetível de criar esse vínculo entre a Sr.a B. e a República Checa.

30

Tendo em conta o exposto, há que responder à primeira questão prejudicial que o Regulamento n.o 1408/71, especialmente o seu artigo 13.o, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro seja considerado o Estado competente para conceder uma prestação familiar a uma pessoa, pelo simples facto de esta ter um domicílio registado no território desse Estado‑Membro, sem que ela nem os membros da sua família trabalhem ou residam habitualmente no referido Estado‑Membro. O artigo 13.o deste regulamento deve ser interpretado no sentido de que se opõe também a que um Estado‑Membro que não é o Estado competente em relação a uma determinada pessoa lhe conceda prestações familiares, a não ser que exista um vínculo preciso e especialmente estreito entre a situação em causa e o território desse primeiro Estado‑Membro.

Quanto à segunda questão

31

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda.

Quanto à terceira questão

32

Através da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro seja considerado, a partir de 1 de maio de 2010, o Estado competente para, em conformidade com o seu direito nacional, conceder uma prestação familiar a uma pessoa, pelo simples facto de esta ter um domicílio registado no seu território, sem que ela nem os membros da sua família trabalhem ou residam habitualmente nesse Estado‑Membro.

33

Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 21 do presente acórdão, há que, no caso concreto, salientar, antes de mais, que o artigo 11.o do referido regulamento, cujo teor corresponde ao do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71, prevê que as pessoas a quem o Regulamento n.o 883/2004 é aplicável só estão sujeitas à legislação de um único Estado‑Membro, o Estado competente. Ora, em aplicação do artigo 11.o, n.o 3, alínea e), deste último regulamento e por motivos análogos aos expostos nos n.os 24 a 26 do presente acórdão, a Sr.a B. está sujeita à legislação do Estado‑Membro de residência.

34

A este respeito, há que salientar que o conceito de «residência» está definido, no artigo 1.o, alínea j), do Regulamento n.o 883/2004, como o local onde uma pessoa reside habitualmente. O artigo 11.o do Regulamento de aplicação n.o 987/2009 equipara a residência ao centro de interesses da pessoa em causa. Este artigo codifica também os elementos elaborados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça que podem ser tomados em consideração para determinar o referido centro de interesses, como a duração e a continuidade da presença no território dos Estados‑Membros em causa ou a situação familiar e os laços familiares (v., neste sentido, acórdão Wencel, C‑589/10, EU:C:2013:303, n.o 50).

35

Nestas circunstâncias, e sem ser necessário que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre as disposições transitórias enunciadas no artigo 87.o do Regulamento n.o 883/2004, basta declarar que este regulamento não inseriu nenhuma alteração pertinente em relação ao Regulamento n.o 1408/71, no que diz respeito às disposições relativas à designação do Estado‑Membro competente e ao conceito de residência, que regem a solução do processo principal. A República Checa não é, portanto, neste processo, o Estado competente por força das regras pertinentes do Regulamento n.o 883/2004.

36

Tendo em conta o exposto, há que responder à terceira questão prejudicial que o Regulamento n.o 883/2004, nomeadamente o seu artigo 11.o, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro seja considerado o Estado competente para conceder uma prestação familiar a uma pessoa, pelo simples facto de esta ter um domicílio registado no território desse Estado‑Membro, sem que ela nem os membros da sua família trabalhem ou residam habitualmente no referido Estado‑Membro.

Quanto às despesas

37

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

1)

O Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão modificada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 592/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, especialmente o seu artigo 13.o, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro seja considerado o Estado competente para conceder uma prestação familiar a uma pessoa, pelo simples facto de esta ter um domicílio registado no território desse Estado‑Membro, sem que ela nem os membros da sua família trabalhem ou residam habitualmente no referido Estado‑Membro. O artigo 13.o deste regulamento deve ser interpretado no sentido de que se opõe também a que um Estado‑Membro que não é o Estado competente em relação a uma determinada pessoa lhe conceda prestações familiares, a não ser que exista um vínculo preciso e especialmente estreito entre a situação em causa e o território desse primeiro Estado‑Membro.

 

2)

O Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 988/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, nomeadamente o seu artigo 11.o, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro seja considerado o Estado competente para conceder uma prestação familiar a uma pessoa, pelo simples facto de esta ter um domicílio registado no território desse Estado‑Membro, sem que ela nem os membros da sua família trabalhem ou residam habitualmente no referido Estado‑Membro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: checo.

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