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Document 52018DC0773

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU, AO COMITÉ DAS REGIÕES E AO BANCO EUROPEU DE INVESTIMENTO Um Planeta Limpo para Todos Estratégia a longo prazo da UE para uma economia próspera, moderna, competitiva e com impacto neutro no clima

COM/2018/773 final

Bruxelas, 28.11.2018

COM(2018) 773 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO

Um Planeta Limpo para Todos
Estratégia a longo prazo da UE para uma economia próspera, moderna, competitiva e com impacto neutro no clima












































1.Introdução — A urgência de proteger o planeta

As alterações climáticas são uma grande fonte de preocupação para os europeus 1 . As alterações em curso no clima do nosso planeta estão a redefinir o mundo e a ampliar os riscos de instabilidade em todas as suas formas. Nas últimas duas décadas, verificaram-se 18 dos anos mais quentes jamais registados. A tendência é clara. É essencial uma ação climática imediata e decisiva.

O impacto do aquecimento global está a transformar o nosso ambiente e a aumentar a frequência e a intensidade dos fenómenos meteorológicos extremos. A Europa sofreu vagas de calor extremas em quatro dos últimos cinco anos. No passado verão, as temperaturas acima do Círculo Polar Ártico foram 5 C mais elevadas do que habitualmente. Nos últimos anos, grande parte da Europa sofreu graves secas, enquanto inundações afetaram particularmente os países da Europa Central e Oriental. Condições extremas relacionadas com o clima — como incêndios florestais, inundações-relâmpago, tufões e furacões — estão também a provocar uma enorme devastação e perda de vidas, como os furacões Irma e Maria em 2017 quando atingiram as Caraíbas, incluindo algumas regiões ultraperiféricas europeias. O continente europeu começou também a ser afetado em 2017 com o furacão Ofélia, que é o primeiro grande furacão do Atlântico Leste a ter alguma vez atingido a Irlanda e, em 2018, a tempestade Leslie provocou destruição em Portugal e Espanha.

O Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) publicou, em outubro de 2018, o seu Relatório Especial sobre os impactos de um aquecimento global acima de 1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais e das respetivas vias de emissões de gases com efeito de estufa a nível global. Com base em dados científicos, tal demonstra que o aquecimento global induzido pelo homem já atingiu 1 °C em relação aos níveis pré-industriais e que está a continuar a aumentar a um ritmo de cerca de 0,2 ºC por década. Sem uma intensificação da ação climática internacional, o aumento médio da temperatura global poderá atingir 2 C pouco depois de 2060 e continuará a aumentar.

As alterações climáticas incontroladas podem transformar a Terra num «estufa», tornando mais provável a ocorrência de impactos irreversíveis e em larga escala. O Relatório do IPCC confirma que aproximadamente 4 % da superfície terrestre mundial deverá passar por um ciclo de transformação de ecossistemas de um tipo para outro com 1 °C de aquecimento global, aumentando para 13 % com uma variação de temperatura de 2 °C. Por exemplo, as projeções indicam que, a nível mundial, 99 % dos recifes de corais desaparecerão com um aumento da temperatura global de 2 °C. A perda irreversível da calota polar da Gronelândia pode ser despoletada por um aquecimento global de cerca de 1,5 °C a 2 °C. Tal poderá levar a uma subida de até 7 metros do nível do mar, afetando diretamente zonas costeiras em todo o mundo, incluindo terras e ilhas de baixa altitude na Europa. A perda acelerada do gelo marinho do Ártico durante o verão é já hoje uma realidade, com impactos negativos na biodiversidade na região nórdica e nos meios de subsistência da população local.

Tal teria igualmente consequências graves em termos de produtividade da economia da Europa, das infraestruturas, da capacidade de produção de alimentos, da saúde pública, da biodiversidade e da estabilidade política. As catástrofes relacionadas com o clima foram a causa de danos económicos recorde de 238 mil milhões de euros no ano passado e poderão afetar cerca de dois terços da população europeia até 2100, em comparação com os atuais 5 %. Por exemplo, os danos sofridos anualmente devido a cheias fluviais na Europa, que são atualmente de 5 mil milhões de euros, poderão atingir 112 mil milhões de euros. A aridez poderá atingir 16 % da zona climática mediterrânica no final do século e, em vários países da Europa meridional, poderá verificar-se um declínio da produtividade do trabalho ao ar livre de cerca de 10-15 % em relação aos níveis atuais. Estima-se também que as reduções projetadas na disponibilidade de alimentos são mais significativas com um aquecimento global de 2 °C do que de 1,5 °C, incluindo em regiões de importância crucial para a segurança da UE, como o Norte de África e o resto do Mediterrâneo. Tal poderá comprometer a segurança e a prosperidade no sentido mais lato, prejudicando os sistemas económicos, alimentares, hídricos e energéticos e desencadeando, por sua vez, maiores conflitos e pressões migratórias. De um modo geral, sem uma ação climática será impossível assegurar o desenvolvimento sustentável da Europa e cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas acordados a nível mundial.

Figura 1. Impactos das alterações climáticas na Europa

2.Uma visão europeia para uma economia moderna, competitiva, próspera e com impacto neutro no clima

O objetivo desta Estratégia a longo prazo consiste em reiterar o empenhamento da Europa em liderar a ação climática e em apresentar uma visão que permita atingir emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa até 2050, mediante uma transição socialmente justa e eficiente em termos de custos. Salienta as oportunidades que esta transformação representa para os cidadãos europeus e para a sua economia, identificando simultaneamente os desafios a enfrentar. A Estratégia proposta não visa lançar novas políticas e a Comissão Europeia não tenciona rever os objetivos para 2030 2 . O objetivo é definir o rumo da política da UE em matéria de clima e energia e enquadrar o que a UE considera como a sua contribuição a longo prazo para a prossecução dos objetivos em matéria de temperatura do Acordo de Paris, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, o que afetará ainda um conjunto mais amplo de políticas da UE. A Estratégia lança um debate aprofundado que envolve os decisores europeus e os cidadãos em geral quanto à forma como a Europa se deve preparar tendo como horizonte 2050, bem como a subsequente apresentação em 2020 da Estratégia a longo prazo da União Europeia no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas.

A UE tem estado na vanguarda do combate às causas profundas das alterações climáticas e do reforço de uma resposta concertada a nível mundial no âmbito do Acordo de Paris. O Acordo de Paris, ratificado por 181 Partes, exige uma ação forte e rápida a nível mundial para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, com o objetivo de manter o aumento da temperatura global bem abaixo dos 2 °C e de prosseguir os esforços para limitar esse aumento a 1,5 °C. Tem também por objetivo atingir um equilíbrio à escala mundial entre as emissões de gases com efeito de estufa por fontes e as remoções por sumidouros de gases com efeito de estufa na segunda metade deste século. Todas as partes têm de apresentar, até 2020, estratégias de desenvolvimento a longo prazo com baixas emissões de gases com efeito de estufa que permitam a realização dos seus objetivos.

O Conselho Europeu, em junho de 2017, reafirmou firmemente o compromisso da UE e dos seus Estados-Membros de aplicar rápida e integralmente o Acordo de Paris, sublinhando que o Acordo «é um elemento fundamental para a modernização da indústria e da economia europeias» e posteriormente, em março de 2018, convidou a Comissão Europeia a «apresentar até ao primeiro trimestre de 2019 uma proposta de estratégia para a redução a longo prazo na UE das emissões de gases com efeito de estufa em conformidade com o Acordo de Paris, tendo em conta os planos nacionais».

Em outubro de 2017, o Parlamento Europeu convidou também a Comissão Europeia a «elaborar, até à COP 24, uma estratégia europeia de emissões nulas até meados do século». Por último, o Regulamento Governação da União da Energia, aprovado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, convida a Comissão a apresentar, até abril de 2019, uma estratégia da UE a longo prazo 3 .

A UE, que é responsável por 10 % das emissões globais de gases com efeito de estufa, é um líder mundial na transição para uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa. Já em 2009, a UE fixou como seu objetivo uma redução das emissões de 80-95 % em 2050 4 . Nas últimas décadas, os europeus conseguiram proceder à dissociação entre as emissões de gases com efeito de estufa e o crescimento económico na Europa. Na sequência do pico de emissões de gases com efeito de estufa da UE em 1979, as políticas em matéria de eficiência energética e de mudança de combustíveis e a penetração das fontes de energia renováveis permitiram reduzir significativamente as emissões. Em consequência, entre 1990 e 2016, verificou-se uma redução de quase 2 % no consumo de energia e uma redução de 22 % das emissões de gases com efeito de estufa, ao mesmo tempo que se verificava um aumento de 54 % do PIB.

A transição para energias limpas dinamizou a modernização da economia europeia, incentivou o crescimento económico sustentável e gerou grandes benefícios societais e ambientais para os cidadãos europeus. A ação da UE no sentido de atingir os seus objetivos para 2020 em matéria de clima e de energia já gerou novas indústrias e postos de trabalho europeus e uma maior inovação tecnológica, permitindo uma redução dos custos tecnológicos. A revolução das energias renováveis é o melhor exemplo. A quota de energias renováveis no consumo de energia final aumentou de 9 % em 2005 para 17 % nos dias de hoje. A liderança da UE demonstra a outras partes do mundo que esta transição é simultaneamente possível e vantajosa, para além da luta contra as alterações climáticas.

A UE encontra-se, em geral, na boa via para a realização dos seus objetivos para 2020 em matéria de gases com efeito de estufa, energias renováveis e eficiência energética. No entanto, é necessária uma atenção permanente para superar a recente estagnação das tendências no que diz respeito à melhoria da eficiência energética e à redução das emissões de gases com efeito de estufa.

A UE está a avançar com a sua Estratégia da União da Energia e a finalizar um quadro regulamentar moderno, avançado e eficaz em termos de custos com vista à realização dos seus objetivos para 2030 de redução dos gases com efeito de estufa e da sua transição para energias limpas, concretizando o objetivo da Comissão Juncker de dar prioridade à eficiência energética e de se tornar um líder mundial no domínio das energias renováveis. Trata-se de um investimento na nossa prosperidade e na sustentabilidade da economia europeia. A estabilidade regulamentar é um elemento importante tanto para as autoridades públicas como para os operadores privados, para fins da plena implementação deste enquadramento. Foram acordadas políticas ambiciosas a nível europeu, incluindo a reforma do Regime de Comércio de Licenças de Emissão da UE, reforçando o sinal de preços para o CO2. Relativamente a todos os outros setores, foram estabelecidos objetivos nacionais de redução das emissões de gases com efeito de estufa e foi adotada legislação para preservar os sumidouros das florestas e solos da UE que absorvem mais CO2 do que emitem. Do lado da energia, estão agora aprovados os objetivos da UE de aumento da eficiência energética de, pelo menos, 32,5 % e de aumento do recurso a energias renováveis para, pelo menos, 32 % do consumo de energia final da UE até 2030 e a legislação proposta para melhorar a eficiência carbónica dos automóveis, furgonetas e camiões incentivará a transição no setor dos transportes.

Em combinação, estas políticas em matéria de clima e energia permitirão concretizar o contributo da UE no âmbito do Acordo de Paris de redução das emissões em, pelo menos, 40 % até 2030, em comparação com os níveis de 1990. Com efeito, quando a legislação acordada da UE for plenamente aplicada, estima-se que as reduções totais de emissões de gases com efeito de estufa serão de cerca de 45 % até 2030. As políticas postas em prática hoje terão um impacto continuado após 2030 e, por conseguinte, irão já longe, com reduções de emissões projetadas de cerca de 60 % até 2050. No entanto, tal não é suficiente para a UE contribuir para os objetivos fixados no Acordo de Paris no que diz respeito à temperatura.

O Relatório do IPCC confirma que o mundo precisa de limitar as alterações climáticas a 1,5 °C a fim de reduzir a probabilidade de ocorrência de fenómenos meteorológicos extremos. Salienta também que as emissões têm de ser reduzidas com muito maior urgência do que anteriormente antecipado. A fim de limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C, é necessário que, a nível global, sejam atingidas emissões líquidas nulas de CO2 por volta de 2050 e que a neutralidade de todos os outros gases com efeito de estufa seja atingida ligeiramente mais tarde neste século. Neste ponto, as eventuais restantes emissões de gases com efeito de estufa têm de ser compensadas pela absorção noutros setores, com um papel específico para o setor do uso dos solos, a agricultura e as florestas. Esta é uma oportunidade para a UE intensificar a sua ação a fim de demonstrar sua capacidade de liderança e de usufruir da vantagem de pioneiro. Tal exige que a UE atinja a neutralidade das emissões de gases com efeito de estufa até 2050.

A manutenção do statu quo não constitui uma opção viável. Os países devem agir em conjunto para proteger os seus cidadãos contra as alterações climáticas. Por conseguinte, a concretização da transição para uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa exige um planeamento a longo prazo atempado, um melhor conhecimento das oportunidades para a transformação de toda a nossa economia e a criação de confiança, no seio da nossa sociedade e em todos os agentes económicos, de que esta mudança é possível e oportuna.

O Relatório do IPCC transmite-nos esta mensagem encorajadora: a limitação do aumento da temperatura global a 1,5 °C é exequível, desde que atuemos imediatamente e utilizemos de forma coerente todos os meios ao nosso dispor. Na preparação da presente Estratégia da UE para uma redução a longo prazo das emissões de gases com efeito de estufa, a Comissão Europeia teve em devida consideração a sólida base científica do Relatório do IPCC dirigido aos decisores em todo o mundo para a tomada das medidas necessárias para lutar contra as alterações climáticas, modernizar a economia, promover o desenvolvimento sustentável e erradicar a pobreza.

Por conseguinte, a Estratégia define uma visão das transformações económicas e societais necessárias, envolvendo todos os setores da economia e da sociedade, a fim de concretizar a transição para emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa até 2050. Procura garantir que esta transição seja socialmente justa — não deixando cidadãos ou regiões da UE para trás — e reforça a competitividade da economia e da indústria da UE nos mercados mundiais, garantindo postos de trabalho de elevada qualidade e o crescimento sustentável na Europa, proporcionando simultaneamente sinergias com outros desafios ambientais, como os relativos à qualidade do ar ou à perda de biodiversidade.

Com esse fim em vista, a Estratégia analisa a carteira de opções ao dispor dos Estados-Membros, das empresas e dos cidadãos, bem como a forma como estes podem contribuir para a modernização da nossa economia e para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos europeus e da proteção do ambiente, gerando emprego e crescimento.

3. Vias para a transição para uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa e prioridades estratégicas

As ameaças e os riscos das alterações climáticas são conhecidos e o mesmo acontece com as muitas formas de os prevenir. A presente Estratégia apresenta uma série de soluções que poderiam ser adotadas para a transição para uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa até meados do século. Estas opções transformarão radicalmente o nosso sistema energético e o setor dos solos e da agricultura, modernizarão o nosso tecido industrial e os nossos sistemas de transporte e cidades, afetando ainda mais todas as atividades da nossa sociedade. Neste contexto, os cidadãos desempenham um papel central. As alterações climáticas só podem ser enfrentadas se as pessoas participarem ativamente, enquanto consumidores e cidadãos. O êxito da transformação dependerá também da forma como a nossa sociedade cuida dos mais vulneráveis durante esta transição.

A transição para uma economia de emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa atribui à energia um papel central, uma vez que é atualmente responsável por mais de 75 % das emissões de gases com efeito de estufa. Em todas as opções analisadas, o sistema energético evolui no sentido de emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa. Assenta num aprovisionamento energético seguro e sustentável mediante uma abordagem baseada no mercado e pan-europeia. O futuro sistema energético integrará os sistemas e mercados de eletricidade, gás, aquecimento/refrigeração e mobilidade, com redes inteligentes que colocam os cidadãos no centro das preocupações.

A transição requer também a transposição para uma maior escala de inovações tecnológicas nos setores da energia, dos edifícios, dos transportes, da indústria e da agricultura. Esta transição pode ser acelerada por descobertas no domínio da digitalização, da informação e das comunicações, da inteligência artificial e da biotecnologia. É também necessária a expansão de novos sistemas e processos, com a cooperação entre setores. Um bom exemplo destas abordagens orientadas para sistemas é a economia circular, que congregará uma série de soluções avançadas e promoverá novos modelos empresariais. Exigirá também a cooperação a diferentes níveis entre as regiões e entre os Estados-Membros para maximizar as sinergias através da congregação de recursos e de conhecimentos. Atualmente, a indústria europeia ainda é competitiva, mas está também sujeita a pressões tanto das economias desenvolvidas como das emergentes. No entanto, a Europa está no topo da liga quando se trata de novas patentes de elevado valor para tecnologias energéticas hipocarbónicas e é considerada um líder mundial nestes setores, pelo que tem de transformar esta vantagem científica em sucesso comercial. Uma ação retardada e descoordenada aumentaria os riscos de dependência tecnológica de infraestruturas e de ativos obsoletos com utilização intensiva de carbono, tornando esta transformação inevitável mais onerosa.

A carteira de opções baseia-se em soluções existentes, embora em alguns casos em fase emergente, e é suficientemente vasta para oferecer alternativas com vista a assegurar aos decisores políticos e aos nossos cidadãos que uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa é viável até meados do século. A avaliação baseia-se na literatura e nos contributos científicos de um vasto leque de partes interessadas — empresas, organizações não governamentais, grupos de reflexão e comunidade de investigação — bem como numa modelização integrada que permite compreender melhor a transformação e as interações complexas entre os setores da energia, indústria, edifícios, transportes, agricultura, silvicultura e resíduos.

Panorâmica dos cenários analisados

O ponto de partida das vias analisadas é uma linha de base comum que reflete as políticas e os objetivos para 2030 em matéria de energia e clima, conforme recentemente acordados, bem como o Regulamento Governação da União da Energia e da Ação Climática 5 . Inclui um Regime de Comércio de Licenças de Emissão da UE reformado, objetivos nacionais de redução das emissões de gases com efeito de estufa, legislação para manutenção dos sumidouro florestais e dos solos da UE, os objetivos acordados para 2030 em matéria de eficiência energética e de energias renováveis, bem como a legislação proposta para melhorar a eficiência carbónica dos automóveis e camiões. As projeções indicam que estas políticas e objetivos permitirão uma redução das emissões de gases com efeito de estufa de cerca de 45 % até 2030 e de cerca de 60 % até 2050. Tal não é suficiente para a UE contribuir para o objetivo a longo prazo em matéria de temperatura estabelecido no Acordo de Paris. Para atingir estes objetivos, foram avaliadas oito vias adicionais — todas em consonância com o Acordo de Paris.

Os oito cenários baseiam-se em políticas que não comprometem o futuro, tais como um forte recurso a energias renováveis e eficiência energética.

Cinco desses cenários consideram diferentes tecnologias e ações que favorecem a transição para uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa. Estudam variações na intensidade da aplicação de eletrificação, hidrogénio e combustíveis de síntese (e-fuels) (por exemplo, a conversão de eletricidade-para-X, bem como a eficiência energética a nível do utilizador final e o papel de uma economia circular, como ações para reduzir as emissões. Tal permite explorar as suas características comuns, bem como os diferentes impactos no sistema energético.

Em todas estas vias, o consumo de eletricidade aumenta, mas há diferenças notáveis. Nas vias que incidem mais na eletrificação a nível dos setores de utilização final, as necessidades de armazenamento são elevadas (6 vezes superiores aos níveis atuais) para responder à variabilidade no sistema de eletricidade; mas as vias com maior implantação do hidrogénio requerem ainda mais eletricidade para produzir o hidrogénio em primeiro lugar. As vias que utilizam os níveis mais elevados de eletricidade são aqueles com expansão de combustíveis de síntese, resultando num aumento de quase 150 % da produção de eletricidade em 2050, em comparação com os níveis atuais. Pelo contrário, as vias que incidem no lado da procura, tais como a eficiência energética na fase de utilização final ou a economia circular, exigem o menor aumento na produção de eletricidade (cerca de mais 35 % até 2050 em relação ao nível atual), o nível mais baixo de necessidades de armazenamento e o maior nível de poupança de energia nos setores residencial ou industrial. Além disso, todas estas vias apresentam necessidades variáveis em termos de investimentos e de transformação a nível setorial. As vias mais assentes em vetores de energia acarbónicos exigem menos transformações e investimentos no setor de utilização final, mas exigem também os maiores investimentos nos setores do aprovisionamento de energia. Em contrapartida, as vias centradas na mudança no lado da procura são as que exigem menos investimentos nos setores do aprovisionamento de energia.

Nestes cinco cenários, obtêm-se reduções de emissões de gases com efeito de estufa superiores a 80 % até 2050, excluindo o uso dos solos e as florestas, relativamente aos níveis de 1990. Incluindo os sumidouros dos setores silvícolas e de uso dos solos, que absorvem mais CO2 do que emitem, estes cenários permitem reduções líquidas das emissões de gases com efeito de estufa de cerca de 85 % até 2050, relativamente aos níveis de 1990. No entanto, fica-se ainda 15 pontos percentuais abaixo do objetivo de uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa ou com impacto neutro no clima.

O cenário que combina todas as cinco tecnologias, mas a níveis inferiores, permite reduções líquidas de emissões de gases com efeito de estufa da ordem dos 90 % (incluindo os sumidouros silvícolas e do uso dos solos). No entanto, este cenário não permite atingir uma neutralidade de emissões de gases com efeito de estufa até 2050. Tal deve-se ao facto de continuarem a ser geradas algumas emissões de gases com efeito de estufa, nomeadamente no setor da agricultura. Os setores da agricultura e da silvicultura são únicos uma vez que também podem remover CO2 da atmosfera. Estas remoções anuais são atualmente significativas, resultando num sumidouro líquido na UE de cerca de 300 milhões de toneladas de CO2. Mas tal não é suficiente para compensar as restantes emissões sem medidas adicionais de reforço do papel dos nossos solos. Por conseguinte, são necessárias ações adicionais para explorar a forma como a biomassa pode ser fornecida de uma forma sustentável, ao mesmo tempo que se reforça o nosso sumidouro natural ou em combinação com a captura e o armazenamento de carbono, ambos os quais podem resultar em emissões negativas.

Por conseguinte, os sétimo e oitavo cenários exploram explicitamente estas interações, com vista a avaliar de que modo será possível atingir a neutralidade na emissão de gases com efeito de estufa (emissões líquidas nulas) até 2050 e, posteriormente, emissões líquidas negativas. O sétimo cenário explora ao máximo todos os vetores energéticos acarbónicos, bem como a eficiência energética, e assenta numa tecnologia de emissões negativas sob a forma de bioenergia combinada com a captura e o armazenamento de carbono para compensar as restantes emissões.

O oitavo cenário baseia-se no cenário anterior, mas avalia o impacto de uma economia altamente circular e o potencial papel benéfico de uma mudança nas escolhas dos consumidores que impliquem uma menor intensidade carbónica. Explora também a forma de reforçar o sumidouro do uso dos solos para determinar até que ponto tal permite reduzir a necessidade de tecnologias de emissões negativas.

As avaliações de modelização indicam que a implantação de opções que não comprometam o futuro como as energias renováveis, incluindo biocombustíveis avançados e sustentáveis, a eficiência energética, a dinâmica para uma economia circular paralelamente a opções individuais, tais como a eletrificação, o hidrogénio e os combustíveis alternativos ou novas abordagens à mobilidade, não são suficientes para a realização de uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa até 2050. Nesses cenários tecnológicos, verificam-se reduções de emissões de apenas 80 % até 2050, relativamente a 1990. Embora a combinação de todas estas opções possa reduzir as emissões líquidas em cerca de 90 % (incluindo os sumidouros silvícolas e de uso dos solos), há algumas emissões de gases com efeito de estufa que se manterão, nomeadamente no setor agrícola. A concretização de emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa exigirá a maximização do potencial das opções tecnológicas e da economia circular, a implantação em larga escala de sumidouros de carbono naturais terrestres, nomeadamente nos setores agrícola e silvícola, bem como mudanças nos padrões de mobilidade.

A via para uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa poderia assentar numa ação comum no âmbito de um conjunto de sete componentes estratégicas principais:

1. Maximizar os benefícios da eficiência energética, incluindo edifícios com emissões nulas

As medidas no domínio da eficiência energética deveriam desempenhar um papel central na concretização do objetivo de emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa até 2050, reduzindo o consumo de energia para cerca de metade em comparação com 2005. A digitalização da eficiência energética e a domótica, a rotulagem e a definição de normas têm efeitos que vão muito para além das fronteiras da UE, uma vez que os aparelhos eletrodomésticos e eletrónicos são importados para a UE ou exportados para mercados estrangeiros, pelo que os produtores no estrangeiro têm de cumprir as normas da UE.

A eficiência energética desempenhará um papel central na descarbonização dos processos industriais, mas uma grande parte da redução na procura de energia verificar-se-á nos edifícios, tanto no setor residencial como no setor dos serviços, que são atualmente responsáveis por 40 % do consumo de energia. Dado que a maior parte do parque habitacional de 2050 já existe hoje, serão necessárias taxas de renovação mais elevadas, a mudança de combustíveis com uma grande maioria das casas a utilizar energias renováveis (eletricidade, aquecimento urbano, gás renovável ou energia solar térmica), a difusão dos produtos e aparelhos mais eficientes, sistemas inteligentes de gestão de edifícios/aparelhos e melhores materiais de isolamento. O aquecimento sustentável a partir de energias renováveis continuará a desempenhar um papel importante e o gás, incluindo o gás natural liquefeito, misturado com hidrogénio, ou metano de síntese, produzidos a partir de misturas de eletricidade renovável e de biogás poderiam todos desempenhar um papel-chave nos edifícios existentes, bem como em numerosas aplicações industriais. Para atingir e manter taxas de renovação mais elevadas, são de importância crucial instrumentos financeiros adequados para colmatar as atuais deficiências de funcionamento do mercado, bem como uma mão de obra suficiente com as competências adequadas e a acessibilidade de preços para todos os cidadãos. Será necessária uma abordagem integrada e coerência em todas as políticas relevantes para a modernização do ambiente construído e a mobilização de todos os intervenientes. A participação dos consumidores, nomeadamente através das associações de consumidores, será um elemento fundamental neste processo.

2. Maximizar a implantação de energias renováveis e a utilização de eletricidade para fins de uma plena descarbonização do aprovisionamento energético da Europa

Hoje em dia, a maior parte do sistema energético está baseado em combustíveis fósseis. Todos os cenários avaliados implicam que, até meados do século, se verificará uma mudança radical com a eletrificação em larga escala do sistema energético induzida pela implantação de energias renováveis, seja a nível dos utilizadores finais ou da produção de combustíveis e matérias-primas acarbónicas para a indústria.

A transição para energias limpas resultaria num sistema energético em que o aprovisionamento de energia primária seria, em larga medida, proveniente de fontes de energia renováveis, melhorando assim significativamente a segurança do aprovisionamento e promovendo postos de trabalho a nível interno. A dependência da Europa face às importações de energia, nomeadamente no que diz respeito às importações de petróleo e de gás, que é atualmente de 55 %, diminuirá em 2050 para 20 %. Tal afetará positivamente o comércio e a posição geopolítica da UE, uma vez que resultaria numa redução acentuada das despesas de importação de combustíveis fósseis (atualmente de 266 mil milhões de euros), com uma redução das importações de mais de 70 % em alguns cenários. As poupanças cumulativas de uma redução na fatura de importações serão da ordem de 2 a 3 biliões de euros no período de 2031 a 2050, libertando recursos para mais potenciais investimentos na modernização da economia da UE.

A implantação em larga escala das fontes de energia renováveis conduzirá à eletrificação da nossa economia e a um elevado grau de descentralização. Até 2050, a quota de eletricidade na procura final de energia deverá, pelo menos, duplicar, verificando-se um aumento para 53 % e produção de eletricidade aumentará substancialmente, para atingir emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa, até 2,5 vezes os níveis atuais em função das opções escolhidas para a transição energética.

Já foram realizados progressos fundamentais para transformar a produção de eletricidade da Europa. A expansão mundial das energias renováveis, instigada pela liderança da UE, levou a reduções maciças dos custos nos últimos 10 anos, em especial nas energias solar e eólica em terra e ao largo. Atualmente, mais de metade do aprovisionamento de eletricidade da Europa está isento de emissões de gases com efeito de estufa. Até 2050, mais de 80 % da eletricidade será proveniente de fontes de energia renováveis (cada vez mais ao largo). Juntamente com uma quota de cerca 15 % de energia nuclear, essa será a espinha dorsal de um sistema energético europeu acarbónico. Essas transições são similares às vias globais analisadas no Relatório do IPCC. A eletrificação abrirá novos horizontes às empresas europeias no mercado mundial das energias limpas, no valor de cerca de 1,3 biliões de euros. É ainda necessário explorar várias fontes de energia renováveis, nomeadamente a energia oceânica. Para a UE, que acolhe atualmente 6 das 25 maiores empresas de energias renováveis e emprega quase 1,5 milhões de pessoas (dos 10 milhões em todo o mundo), esta será uma oportunidade de negócios única. Atribuirá também um papel importante aos consumidores que são também produtores de energia (prossumidores) e às comunidades locais para incentivar a utilização de energias renováveis no setor residencial.

Figura 2. Cabaz de combustíveis no consumo interno bruto

A implantação competitiva de eletricidade renovável também constitui uma grande oportunidade para a descarbonização dos outros setores, como o do aquecimento, dos transportes e da indústria, quer mediante a utilização direta de eletricidade quer indiretamente através da produção de combustíveis de síntese por eletrólise (por exemplo, hidrogénio de síntese), quando a utilização direta de eletricidade ou de bioenergias sustentáveis não é possível. A potencial vantagem da conversão de eletricidade-para-X é que os combustíveis de síntese podem ser armazenados e utilizados de múltiplas formas em diferentes setores económicos, quando a descarbonização é difícil de outra forma (por exemplo, indústria e transportes). Em aplicações de nicho e com um sistema de eletricidade totalmente descarbonizado, estas tecnologias podem utilizar o CO2 como matéria-prima captada a partir de processos industriais. Se for captada a partir de bioenergia sustentável ou mesmo diretamente da atmosfera (reconhecendo todavia que estas tecnologias ainda não foram testadas em escala real), tem capacidade para gerar combustíveis com emissões nulas.

Hidrogénio e eletricidade-para-X (P2X)

O hidrogénio é, desde há muito, utilizado pela indústria química como matéria-prima em processos industriais. É provável que o seu papel se torne mais proeminente num sistema energético totalmente descarbonizado. Para desempenhar este papel, o hidrogénio terá de ser produzido por eletrólise da água, utilizando eletricidade acarbónica ou a partir de vapor de gás natural reformado com recurso à captura e armazenamento de carbono. O hidrogénio assim produzido pode então contribuir para a descarbonização de vários setores: em primeiro lugar, como armazenamento no setor da eletricidade a fim de acomodar fontes de energia variáveis; em segundo lugar, como uma opção de vetor de energia utilizada no aquecimento, nos transportes e na indústria e, por último, como matéria-prima para indústrias como a do aço, dos produtos químicos e dos combustíveis de síntese, nos setores em que a descarbonização é mais difícil.

As tecnologias de «conversão-para-X» designam tecnologias que permitem a transformação de eletricidade em gases de síntese (hidrogénio, metano ou outros gases) e em líquidos. O hidrogénio produzido a partir de eletricidade acarbónica combinado com CO2 proveniente de biomassa sustentável ou de captura direta da atmosfera pode constituir uma alternativa neutra em termos de carbono das mesmas moléculas que o gás natural ou o petróleo, podendo assim ser distribuído através do sistema de transporte/distribuição existente e utilizado por instalações e aplicações existentes. Estas tecnologias tornam-se atraentes num contexto de eletricidade abundante produzida a partir de fontes acarbónicas (energias renováveis e energia nuclear). O inconveniente é que a sua produção consome muita energia.

A transição para um sistema energético largamente descentralizado à base de energias renováveis exigirá um sistema mais inteligente e flexível, assente na participação dos consumidores, numa maior interconectividade, num melhor armazenamento de energia com implantação em larga escala, na resposta do lado da procura e na gestão através da digitalização. A expansão e a inteligência do sistema e da produção de eletricidade e as aplicações que utilizam energia exigirão que se mantenha a adequação da conceção do mercado único da energia no topo da agenda da energia nas próximas décadas, com vista a viabilizar a eletricidade acarbónica de uma forma eficaz em termos de custos e a evitar o problema dos ativos obsoletos. A transição terá também de ser salvaguardada de quaisquer riscos acrescidos para a cibersegurança.

3. Aderir à mobilidade limpa, segura e conectada

Os transportes são responsáveis por cerca de um quarto das emissões de gases com efeito de estufa na UE. Por conseguinte, todos os modos de transporte devem contribuir para a descarbonização do sistema de mobilidade. Tal exige uma abordagem sistémica. Os veículos com emissões baixas ou nulas, com sistemas de propulsão alternativos altamente eficientes em todos os modos de transporte, constituem a primeira vertente desta abordagem. Tal como aconteceu com as energias renováveis na década anterior, a indústria automóvel já está hoje a investir fortemente na emergência de tecnologias de veículos com níveis de emissões baixos ou nulos, como os veículos elétricos. A combinação de energia descarbonizada, descentralizada e digitalizada, de baterias mais eficientes e sustentáveis, de sistemas de propulsão elétrica altamente eficientes, da conectividade e da condução autónoma proporciona perspetivas de descarbonização dos transportes rodoviários com fortes benefícios globais, incluindo o ar limpo, a redução do ruído e o tráfego sem acidentes, gerando no seu conjunto benefícios importantes para os cidadãos e para a economia europeia. A eletrificação do transporte marítimo de curta distância e das vias navegáveis interiores é também uma opção, quando a relação potência/peso a torna viável.

Com base nas tecnologias e conhecimentos atuais, a eletrificação com recurso a energias renováveis não será a solução única milagrosa para todos os modos de transporte. As baterias têm até agora uma baixa densidade energética e, por enquanto, o seu peso elevado faz com que essa tecnologia não seja adequada para a aviação e para os transportes marítimos de longo curso. Além disso, no que diz respeito aos camiões e autocarros de longo curso, há atualmente dúvidas se as baterias atingirão o nível de desempenho e de custos exigido, embora haja perspetivas de eletrificação com linhas catenárias. Os transportes rodoviários continuam a ser a solução mais eficiente do ponto de vista energético para o transporte de mercadorias de médio a longo curso. Por conseguinte, o transporte ferroviário de mercadorias deveria tornar-se mais competitivo do que o transporte rodoviário, eliminando as barreiras operacionais e técnicas entre as redes nacionais e promovendo a inovação e a eficiência a todos os níveis. Enquanto não emergirem novas tecnologias que permitiram a eletrificação de um maior número de modos de transporte do que atualmente, os combustíveis alternativos serão importantes. Além disso, as tecnologias à base de hidrogénio (como os veículos elétricos e os navios alimentados a pilhas combustível) podem tornar-se competitivas de médio a longo prazo. O gás natural liquefeito com misturas elevadas de biometano pode também constituir uma alternativa a curto prazo para o transporte de longo curso. Na aviação deve verificar-se a transição para biocombustíveis avançados e combustíveis de síntese acarbónicos, com a hibridação e outras melhorias na tecnologia de aeronaves a desempenhar um papel na melhoria da eficiência. No transporte marítimo de longa distância e nos veículos pesados, não só os biocombustíveis e o biogás como também os combustíveis de síntese podem desempenhar papel desde que sejam acarbónicos em toda a sua cadeia de produção. Os combustíveis de síntese podem ser utilizados em motores de veículos convencionais, com base na infraestrutura de abastecimento existente. São necessários maiores avanços significativos na investigação e desenvolvimento no domínio da produção de combustíveis descarbonizados, bem como de tecnologias de veículos, como os motores a baterias, pilhas de combustível e gás de hidrogénio.

Em segundo lugar, a organização mais eficaz de todo o sistema de mobilidade assente na digitalização, na partilha de dados e em normas interoperáveis é da máxima importância para tornar a mobilidade menos poluente. Tal permitirá uma gestão inteligente do tráfego e uma mobilidade cada vez mais automatizada em todos os modos, reduzindo o congestionamento de tráfego e aumentando as taxas de ocupação. A infraestrutura regional e o ordenamento do território devem ser melhorados com vista a usufruir de todos os benefícios de uma maior utilização dos transportes públicos.

As zonas urbanas e as cidades inteligentes serão os primeiros centros de inovação em mobilidade, não só mas também devido à predominância de deslocações de curta distância e a considerações quanto à qualidade do ar. Com 75 % da nossa população a viver em zonas urbanas, o ordenamento urbano, as pistas cicláveis e os caminhos pedestres seguros, os transportes públicos locais limpos, a introdução de novas tecnologias de entrega, como os drones, e a mobilidade enquanto serviço, incluindo o advento de serviços de partilha de automóveis e bicicletas, irão alterar as condições de mobilidade. Em conjunto com a transição para tecnologias de transportes acarbónicas, que reduzem a poluição atmosférica, o ruído e os acidentes, tal resultará em grandes melhorias na qualidade de vida urbana.

As alterações comportamentais por parte de indivíduos e empresas devem estar subjacentes a esta evolução. No caso das viagens de longo curso, os avanços em tecnologias digitais e de videoconferência podem bem significar que, para determinados fins como o das viagens de negócios, as preferências irão mudar e a procura de viagens poderá ser reduzida em comparação com o que se espera atualmente. Os viajantes e os transportadores bem informados tomarão melhores decisões, especialmente quando todos os modos de transporte forem colocados em pé de igualdade, incluindo em termos regulamentares e fiscais. A internalização dos custos externos dos transportes é um requisito prévio para fazer as escolhas mais eficientes em termos de tecnologia e de modo de transporte.

A transição para emissões líquidas nulas em 2050 exige também as infraestruturas necessárias, ou seja, a finalização da Rede Transeuropeia de Transportes (RTE-T) de base até 2030 e a rede global até 2050. Os investimentos futuros devem centrar-se nos meios de transporte menos poluentes, promover sinergias entre redes de transporte, de eletricidade e digitais a fim de permitir inovações como serviços de veículo-a-rede e incluir funcionalidades inteligentes, como Sistema Europeu de Gestão do Tráfego Ferroviário (ERTMS) desde o início. Tal permitiria, por exemplo, que as ligações ferroviárias de alta velocidade se tornassem uma verdadeira alternativa à aviação para o transporte de passageiros de curta e média distância na UE.

A Europa deve continuar a ser campeã na defesa do multilateralismo. Uma vez que os transportes marítimos e aéreos são intrinsecamente de caráter mundial, a UE deve trabalhar com parceiros mundiais no sentido de incentivar maiores esforços e aproveitar os progressos recentemente alcançados no âmbito da Organização Marítima Internacional (OMI) e da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) com vista a consolidá-los, como um primeiro passo essencial no sentido da descarbonização desses setores. Será contudo necessário envidar maiores esforços.

4. Uma indústria da UE competitiva e a economia circular enquanto facilitador-chave para a redução das emissões de gases com efeito de estufa

A indústria da UE é já hoje uma das mais eficientes a nível mundial, prevendo-se que continue a sê-lo. Será necessário o desenvolvimento de uma economia circular competitiva e eficiente em termos de utilização dos recursos para a manter assim. Continuarão a verificar-se reduções significativas das necessidades de energia e das emissões de processos na produção de muitos produtos industriais, tais como o vidro, o aço e os plásticos, especialmente com o aumento das taxas de reciclagem. As matérias-primas são facilitadores indispensáveis para soluções neutras em termos de carbono em todos os setores da economia. Dada a escala do crescimento rápido da procura de materiais, as matérias-primas primárias continuarão a representar uma grande parte da procura. Mas uma redução dos materiais de entrada mediante a reutilização e a reciclagem melhorará a competitividade, criará oportunidades comerciais e postos de trabalho e exigirá menos energia, reduzindo por sua vez a poluição e as emissões de gases com efeito de estufa. A valorização e reciclagem de matérias-primas será de particular importância nesses setores e tecnologias nos quais poderão emergir novas dependências, como a dependência de matérias-primas de importância crítica como o cobalto, as terras raras ou a grafite, cuja produção está atualmente concentrada num número reduzido de países fora da Europa. Mas a política comercial reforçada da UE tem também um papel a desempenhar para assegurar o aprovisionamento sustentável e seguro destes materiais para a UE.

Novos materiais desempenharão igualmente um papel importante, quer se trate de redescobrir utilizações tradicionais, como a utilização de madeira na construção, ou de utilizar novos compósitos que substituam materiais com utilização intensiva de energia. As escolhas dos consumidores contarão também para a procura de produtos. Algumas podem derivar de outras transformações em curso, como a digitalização que reduz a procura de papel. Outras serão escolhas derivadas da sensibilização para as questões climáticas, como clientes que exigem cada vez mais produtos e serviços respeitadores do clima e do ambiente. Para tal é necessária uma maior transparência na informação aos consumidores sobre a pegada ambiental e a pegada de carbono dos produtos e dos serviços, para que estes possam fazer escolhas informadas.

A eliminação das emissões de gases com efeito de estufa implica frequentemente a modernização das instalações existentes ou a sua substituição total. Estes investimentos farão parte integrante da próxima revolução industrial. A indústria moderna, competitiva e próspera da UE, ao permanecer na vanguarda da transição, seria capaz de usufruir de reforçar a sua presença numa economia mundial que será inevitavelmente cada vez mais restritiva em relação às emissões de carbono. A digitalização e a automatização são consideradas a curto prazo como algumas das vias mais promissoras e eficazes para aumentar a competitividade, conduzindo simultaneamente a ganhos de eficiência e a reduções das emissões de gases com efeito de estufa. Uma combinação da eletrificação, do maior recurso ao hidrogénio, à biomassa e a gás de síntese renovável pode reduzir as emissões relacionadas com a energia na produção de bens industriais, tal como em qualquer outro setor de utilização final.

Será muito difícil eliminar muitas das emissões industriais relacionadas com processos. No entanto, é um facto que há algumas opções para as atenuar. O CO2 pode ser captado, armazenado e utilizado. Em vez de combustíveis fósseis, tanto o hidrogénio renovável como a biomassa sustentável podem ser uma matéria-prima para uma série de processos industriais, tais como a produção de aço e de determinados produtos químicos.

A captura e utilização de carbono (CUC) na indústria refere-se a processos em que o CO 2 é captado e, em seguida, convertido num novo produto. Os combustíveis de síntese podem ser um exemplo em que o CO2 é novamente libertado quando o combustível é queimado, deslocando emissões de combustíveis fósseis. Há outros produtos CUC, tais como materiais plásticos e de construção, que mantêm o CO2 por longos períodos de tempo.

O aço, o cimento e os produtos químicos dominam as emissões industriais. Nos próximos 10 a 15 anos, será necessário demonstrar que as tecnologias já conhecidas podem funcionar à escala real e que algumas delas estão já efetivamente a ser ensaiadas em pequena escala como, por exemplo, a produção de aço primário à base de hidrogénio.

Os trabalhos de investigação, desenvolvimento e demonstração reduzirão significativamente os custos das tecnologias de ponta. Tal conduzirá a produtos genuinamente novos que substituem os atuais produtos industriais, como a fibra de carbono ou cimentos mais fortes que reduzem o volume de produção, aumentando simultaneamente o valor do produto. Uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa permitirá desenvolver novos conceitos empresariais com a reutilização e serviços adicionais no seu centro.

5. Desenvolver uma infraestrutura adequada de redes inteligentes e respetivas interconexões

Uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa só será possível com infraestruturas inteligentes e adequadas que assegurem a otimização da interligação e a integração setorial em toda a Europa. Uma maior cooperação regional e transfronteiras permitirá usufruir de todos os benefícios da modernização e da transformação da economia europeia. É necessário continuar a centrar a atenção na finalização atempada das Redes Transeuropeias de Transportes e de Energia. No mínimo, deve haver infraestruturas suficientes para apoiar as grandes evoluções no panorama da transmissão e da distribuição de energia do futuro: redes inteligentes de eletricidade e de dados/informações, e quando necessário condutas de hidrogénio, apoiadas pela digitalização e maior integração setorial, a começar com a modernização dos principais agregados industriais da Europa nos próximos anos. Por sua vez, tal promoverá uma maior agregação de instalações industriais.

As transições no setor dos transportes exigirão uma implantação acelerada das infraestruturas relevantes, uma maior sinergia entre os sistemas de transporte e de energia com estações inteligentes de carregamento ou abastecimento que permitam a prestação de serviços transfronteiras sem descontinuidades.

No caso das infraestruturas e bens existentes, a sua reconversão pode assegurar a sua contínua utilização, na totalidade ou em parte. Ao mesmo tempo, são crescentes as possibilidades decorrentes da substituição atempada de infraestruturas e bens obsoletos por outros cuidadosamente concebidos, que sejam compatíveis com o objetivo de descarbonização profunda.

6. Usufruir plenamente dos benefícios da bioeconomia e criar sumidouros de carbono essenciais

Num mundo em que se verificará um aumento de 30 % na população em 2050, em relação à situação atual, e com um clima em mudança que afeta os ecossistemas e o uso dos solos a nível mundial, a agricultura e a silvicultura da UE terão de produzir uma quantidade suficiente de alimentos para consumo humano e animal e de fibras, bem como apoiar o setor da energia e vários setores industriais e da construção. Todos estes aspetos são cruciais para a economia da Europa e para o seu modo de vida.

A biomassa sustentável tem um papel importante a desempenhar numa economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa. A biomassa pode fornecer calor diretamente. Pode ser transformada em biocombustíveis e biogás e, quando limpos, pode ser transportada na rede de gás substituindo o gás natural. Quando utilizado para a produção de energia, o CO2 emitido pode ser captado gerando emissões negativas quando armazenado. E pode substituir materiais com elevada intensidade carbónica, em especial no setor da construção, mas também através de novos produtos de base biológica sustentáveis, tais como produtos bioquímicos (por exemplo, têxteis, cosméticos e compósitos).

Uma economia com emissões líquidas nulas exigirá quantidades cada vez maiores de biomassa em comparação com o consumo atual. Este facto é confirmado pelas avaliações a nível mundial e europeu das vias para uma economia hipocarbónica. Esta avaliação confirma esta situação, mas, dependendo das tecnologias e das ações escolhidas, há diferenças significativas, com as projeções mais elevadas indicando um aumento do consumo de bioenergia de cerca de 80 % até 2050, em comparação com os níveis atuais.

Mesmo com melhores práticas de gestão sustentável, as atuais florestas da UE não poderiam, por si só, produzir essa quantidade sem um declínio substancial do sumidouro florestal da UE e dos seus outros serviços ecossistémicos, que deve ser evitado. O aumento das importações de biomassa poderia também suscitar preocupações indiretamente relacionadas com emissões provenientes de alterações indiretas do uso dos solos em países exportadores. Por conseguinte, o aumento da produção de biomassa terá de provir de uma combinação de fontes, garantindo ao mesmo tempo a manutenção, ou mesmo o reforço, do nosso sumidouro natural.

A produção agrícola gerará sempre emissões de gases com efeito de estufa não carbónicas, mas estas podem ser reduzidas até 2050 graças a métodos de produção eficientes e sustentáveis. A inovação desempenhará um papel cada vez mais importante. A digitalização e as tecnologias inteligentes constituem a base para a exploração agrícola de precisão e a agricultura de precisão, otimizando a aplicação de fertilizantes e produtos fitossanitários. Verificam-se ainda diferenças significativas na produtividade dos efetivos bovinos na UE, oferecendo margem para melhorias contínuas. O tratamento dos estrumes em digestores anaeróbicos reduziria as emissões não carbónicas e produziria biogás. As terras agrícolas têm também um potencial considerável para sequestrar e armazenar carbono.

Os agricultores são cada vez mais considerados como fornecedores de recursos e de matérias-primas essenciais. A bioeconomia circular proporciona novas oportunidades de negócios. Há melhores sistemas de exploração agrícola, incluindo melhores técnicas agroflorestais, que utilizam de forma eficiente os recursos de nutrientes, reforçando não só o carbono dos solos mas também a biodiversidade e melhorando a resiliência da agricultura às próprias alterações climáticas. Normalmente, estas medidas aumentam a produtividade, reduzem as necessidades de materiais de entrada e outras pressões ambientais, como a eutrofização e a poluição atmosférica. As reservas de carbono nos solos agrícolas podem ser reforçadas mediante uma mobilização mínima dos solos e a utilização de culturas de cobertura dos solos, reduzindo as perturbações dos solos e a respetiva erosão. A adaptação de determinadas atividades agrícolas em solos orgânicos e a reabilitação das turfeiras e das zonas húmidas, ainda pontos críticos das emissões de carbono dos solos, podem reduzir drasticamente as emissões.

A florestação e a reabilitação de zonas florestais degradadas e de outros ecossistemas podem intensificar a absorção de CO2, simultaneamente com benefícios para a biodiversidade, os solos e os recursos hídricos, e aumentar a disponibilidade de biomassa ao longo do tempo. Os agricultores e os silvicultores são os intervenientes-chave que podem alcançar esses resultados e devem ser incentivados e apoiados nesse sentido.

Os sumidouros de carbono são tão importantes como a redução das emissões. A manutenção e o reforço dos sumidouros naturais das florestas, dos solos, das terras agrícolas e das zonas húmidas costeiras são essenciais para o sucesso da Estratégia, uma vez que permitem compensar as emissões residuais de setores em que a descarbonização é mais difícil, incluindo a própria agricultura. Neste contexto, as soluções baseadas na natureza e as abordagens baseadas nos ecossistemas proporcionam frequentemente múltiplos benefícios no que diz respeito à gestão da água, à biodiversidade e à melhoria da resiliência às alterações climáticas.

Uma nova procura de biomassa lenhosa poderia promover a diversificação das atuais atividades agrícolas em até 10 % das terras agrícolas da UE. Oferecerá novas oportunidades para repor o cultivo em terras abandonadas, bem como para a conversão de terras atualmente utilizadas para a produção de biocombustíveis a partir de culturas alimentares. Tal permitirá melhorar a produtividade e os rendimentos agrícolas e, muito provavelmente, aumentar o valor das terras aráveis em conformidade.

No entanto, uma transição baseada na biomassa está limitada pela disponibilidade de terras. Dependendo do material biogénico a partir do qual a biomassa é produzida, os impactos no uso dos solos, no sumidouro natural da UE, na biodiversidade e nos recursos hídricos podem ser substancialmente diferentes. A transição da nossa economia terá sempre de ter em atenção a forma de otimizar a utilização dos recursos dos solos e de outros recursos escassos e de assegurar que a biomassa só seja utilizada da forma mais eficiente e sustentável.

A fim de atenuar as pressões múltiplas exercidas nos recursos dos solos da UE, a melhoria da produtividade dos recursos aquáticos e marinhos desempenhará um papel eminente para captar toda a gama de oportunidades da bioeconomia na luta contra as alterações climáticas. Tal inclui, por exemplo, a produção e utilização de algas e de outras novas fontes de proteínas que têm potencial para aliviar a pressão sobre as terras agrícolas.

7. Eliminar as restantes emissões de CO2 com captura e armazenamento de carbono 

A tecnologia de captura e armazenamento de carbono (CAC) foi anteriormente considerada uma importante opção de descarbonização no setor da eletricidade e das indústrias com utilização intensiva de energia. Este potencial parece hoje ser menor, tendo em conta a rápida implantação das tecnologias de energias renováveis, outras opções para reduzir as emissões em setores industriais e questões relativas à aceitação social da própria tecnologia. No entanto, continua a ser necessário implantar sistemas CAC, especialmente nas indústrias com utilização intensiva de energia e — numa fase transitória — para a produção acarbónica de hidrogénio. A captura e o armazenamento de carbono serão igualmente necessários se as emissões de CO2 provenientes de instalações industriais e energéticas a partir de biomassa devem ser captadas e armazenadas para gerar emissões negativas. Juntamente com o sumidouro do uso dos solos, podia compensar as restantes emissões de gases com efeito de estufa na nossa economia.

Tendo em conta a dependência de tecnologias de combustíveis fósseis — por exemplo, uma instalação construída hoje estará provavelmente ainda a funcionar em 2050 — a capacidade de implantação de tecnologias de remoção de carbono aumenta a credibilidade da Estratégia a longo prazo da UE. A tecnologia CAC ainda não atingiu a fase de comercialização, entravada pela falta de demonstração da tecnologia e da sua viabilidade económica, pelas barreiras regulamentares em alguns Estados-Membros e pela limitada aceitação por parte do público. Para que as tecnologias CAC se materializem em escala real na próxima década, serão também necessários muito maiores esforços de investigação, inovação e demonstração para assegurar a sua implantação em conjugação com as opções supramencionadas, ou seja, a indústria com utilização intensiva de energia, a biomassa e as instalações de combustíveis de síntese neutras em termos de carbono. Além disso, as CAC requerem novas infraestruturas, incluindo as relacionadas com as redes de transporte e de armazenamento. Para realizar o potencial da CAC, é necessária uma ação coordenada e vigorosa para assegurar a construção de instalações de demonstração e comerciais na UE, bem como para dar resposta às preocupações da opinião pública em alguns Estados-Membros.

A prossecução de todas estas prioridades estratégicas contribuirá para tornar a nossa visão uma realidade. No entanto, a gestão da transição exigirá um esforço político de maior dimensão. É necessário um quadro para incentivar a investigação e inovação, aumentar a escala dos investimentos privados, enviar os sinais certos aos mercados e assegurar a coesão social, de modo a que nenhuma região e nenhum cidadão sejam deixados para trás.

4. Investir numa sociedade sustentável — um quadro europeu facilitador da transição a longo prazo

O desenvolvimento das opções e ações exploradas dependerá, em grande medida, da rapidez da sua implantação inicial, da medida em que os cidadãos se tornam participantes ativos na transição, da aceitação pública de determinadas tecnologias hipocarbónicas e acarbónicas e da rapidez com que se pode atingir uma escala suficiente. Tal justifica a aplicação de uma série de políticas adequadas e de um quadro facilitador suscetível de incentivar essa mudança. Com base nos trabalhos realizados no âmbito da União da Energia, este quadro deve ter em consideração todas as grandes tendências que definem o futuro da economia e da sociedade da UE, tais como as alterações climáticas e o ambiente, a digitalização, o envelhecimento e a eficiência na utilização dos recursos.

Figura 3. Quadro facilitador. Fonte: EPSC

Investimentos e finanças

A modernização e a descarbonização da economia da UE incentivarão investimentos adicionais significativos. Atualmente, cerca de 2 % do PIB é investido no nosso sistema energético e nas infraestruturas conexas 6 . Esta percentagem teria de aumentar para 2,8 % (ou cerca de 520-575 mil milhões de euros por ano) para a concretização de uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa. Tal implica investimentos adicionais consideráveis em comparação com a linha de base, na ordem de 175 a 290 mil milhões de euros por ano 7 . Tal está também em consonância com o Relatório Especial do IPCC que estima que entre 2016 e 2035 serão necessários investimentos no sistema energético que representam cerca de 2,5 % do PIB mundial. Contudo, certas opções, tais como uma rápida transformação no sentido de uma economia circular e de alterações comportamentais, são suscetíveis de reduzir a necessidade de investimentos adicionais.

Ao mesmo tempo, podem realizar-se poupanças importantes nas despesas de saúde. Hoje em dia, a poluição atmosférica na UE causa doenças graves e é anualmente responsável por perto de meio milhão de mortes prematuras, sendo os combustíveis fósseis, os processos industriais, a agricultura e os resíduos as principais fontes de poluição. Estas atividades são também as principais fontes de emissões de gases com efeito de estufa. A concretização de uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa, em conjunto com as medidas em vigor no domínio da poluição atmosférica, permitirão uma redução de mais de 40 % no número de mortes prematuras causadas por partículas finas, bem como uma redução anual dos danos para a saúde de cerca de 200 mil milhões de euros.

Figura 4. Necessidades de investimento

As empresas privadas e os agregados familiares serão responsáveis pela vasta maioria destes investimentos. Para promover esses investimentos, é crucial a capacidade da União Europeia e dos Estados-Membros no sentido de enviarem sinais claros a longo prazo, orientarem os investidores, evitarem ativos obsoletos, angariarem financiamentos sustentáveis e afetarem-nos a esforços de inovação não poluente da forma mais produtiva. Uma visão sobre esta matéria definirá em que direção devem ser canalizados os fluxos financeiros e de capitais. Nesta perspetiva, é indispensável a participação transparente das partes interessadas no planeamento de um futuro hipocarbónico. A nova governação da União da Energia integra essa necessidade, prevendo a participação das partes interessadas na elaboração dos planos nacionais em matéria de energia e clima, que devem ser consentâneos com as estratégias a longo prazo, bem como com a estimativa dos investimentos necessários.

Os domínios do ambiente e da eficiência na utilização dos recursos e da energia são já muito importantes no Plano de Investimento para a Europa — o Plano Juncker — no âmbito do qual o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE) e os fundos da política de coesão da UE têm constituído um pilar através do qual a UE disponibiliza cerca de 70 mil milhões de euros para a implementação da Estratégia para a União da Energia. O FEIE 2.0 concentra ainda mais a sua atenção nos investimentos sustentáveis em todos os setores, no intuito de contribuir para a realização dos objetivos do Acordo de Paris e para a transição para uma economia circular, hipocarbónica e eficiente na utilização dos recursos. Pelo menos 40 % dos projetos do FEIE ao abrigo da vertente Infraestruturas e Inovação deverão contribuir para o cumprimento dos compromissos da UE em matéria de ação climática, em conformidade com os objetivos do Acordo de Paris, e o Programa InvestEU reforçará essa incidência. Novos instrumentos financeiros, que abrangem tanto os grandes como os pequenos investimentos (como as comunidades de energia), também contribuirão para a transição energética.

A proposta da Comissão Europeia de intensificar a integração da ação climática para, pelo menos, 25 % no próximo Quadro Financeiro Plurianual demonstra que o orçamento da UE continuaria a atuar como um catalisador para mobilizar o investimento privado e público sustentável e canalizar o apoio da UE à transição para as energias limpas para onde este é mais necessário. Constitui também uma componente-chave da credibilidade da UE na defesa de emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa em 2050. Os rápidos progressos nas negociações do QFP estabilizariam ainda mais este nível de ambição.

O setor financeiro tem um papel fundamental a desempenhar no apoio à transição para emissões líquidas nulas, uma vez que pode reorientar os fluxos de capitais e os investimentos para as soluções necessárias, melhorando simultaneamente a eficiência dos processos de produção e reduzindo o custo do financiamento. A reorientação dos capitais privados para investimentos mais sustentáveis exige uma União dos Mercados de Capitais a funcionar corretamente. Em particular, o Plano de Ação sobre Finanças Sustentáveis contribuirá para ligar o financiamento à estratégia da UE para o desenvolvimento sustentável, enquanto a proposta da Comissão Europeia relativa a um sistema único de classificação (taxonomia) das atividades económicas sustentáveis, as regras propostas para parâmetros de referência de baixas emissões de carbono e melhores requisitos de divulgação para produtos de investimento reforçarão a transparência e ajudarão os investidores a visar os investimentos certos. A transparência contribuirá para evitar os riscos de depreciação de ativos que consomem muita energia e/ou estão dependentes de combustíveis fósseis antes do fim do seu ciclo económico. Para além do próprio setor financeiro, as autoridades de supervisão e os bancos centrais, incluindo o Banco Central Europeu, podem também desempenhar um papel ativo nesta reorientação. Será necessário desenvolver soluções inovadoras para mobilizar investimentos apoiados por capital paciente e capital de risco numa perspetiva a longo prazo.

A fiscalidade ambiental, os sistemas de fixação do preço do carbono e as estruturas da subvenção revistas poderiam desempenhar um importante papel na orientação desta transição. A fiscalidade é uma das ferramentas mais eficientes para a política ambiental. Por conseguinte, os impostos e a fixação dos preços do carbono devem ser utilizados para ter em conta os impactos ambientais negativos e incidir no aumento da eficiência energética, na redução das emissões de gases com efeito de estufa e no reforço da economia circular. É importante que a fiscalidade ambiental continue a ser socialmente justa. Uma abordagem comum entre a UE e os Estados-Membros seria crucial para evitar riscos de relocalização e perda de competitividade. A implementação da Estratégia exigirá finanças públicas sustentáveis e formas alternativas de financiamento das infraestruturas públicas. Para tal, terão de ser exploradas novas fontes de financiamento como, por exemplo, taxas resultantes de uma aplicação coerente dos princípios do «poluidor-pagador» e a eliminação progressiva dos atuais subsídios aos combustíveis fósseis, em conformidade com os compromissos assumidos pela UE no âmbito do G20. As reformas que apoiam uma afetação eficiente dos recursos a atividades hipocarbónicas de alta produtividade, como a facilitação da entrada de novas empresas e a promoção da concorrência nos mercados de produtos, permitirão uma transformação que reforce a competitividade e o crescimento económico.

Investigação, inovação e implantação

Atualmente, os custos de algumas das tecnologias e vetores avançados de energia hipocarbónica ainda são elevados e a sua disponibilidade é limitada. Nas próximas duas décadas, é necessário um enorme esforço coordenado de investigação e inovação na UE, assente numa agenda estratégica coerente de investimento, investigação e inovação para tornar as soluções com emissões de carbono baixas ou nulas economicamente viáveis e trazer para o mercado novas soluções ainda sem maturidade adequada ou até mesmo desconhecidas. Neste contexto, uma estratégia virada para o futuro em matéria de investigação e inovação deve estar centrada em soluções acarbónicas com potencial para implantação até 2050. O clima está no cerne do Programa Horizonte Europa, a proposta da Comissão Europeia para o novo programa de investigação e inovação da UE. A Comissão Europeia propõe investir 35 % do orçamento de perto de 100 mil milhões de euros em objetivos relacionados com o clima, mediante o desenvolvimento de soluções inovadoras acarbónicas e eficazes em termos de custos. A abordagem destinada a apoiar projetos e inovações deve permitir o financiamento de inovação disruptiva de alto risco. A UE está a criar esses novos instrumentos. Um desses instrumentos é o Conselho Europeu de Inovação, que centrará a sua atenção em produtos, serviços e processos radicalmente novos e revolucionários. O Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia continuará também a apoiar jovens inovadores e empresas em fase de arranque em toda a Europa. Além disso, o Fundo de Inovação no âmbito do Regime de Comércio de Licenças de Emissão da UE apoiará a demonstração à escala comercial de tecnologias revolucionárias. Para ajudar as empresas a inovar e a estabelecer ligações com organizações de investigação, a política de coesão continuará a prestar apoio de acordo com a abordagem de especialização inteligente. Estas são oportunidades para um sólido conjunto de atividades de investigação, inovação e implantação ao longo da próxima década. A Comissão Europeia estudará a forma como os ativos da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço em liquidação poderiam apoiar tecnologias revolucionárias para a siderurgia hipocarbónica.

A investigação da UE deve centrar a sua atenção em soluções transformacionais neutras em carbono em domínios como a eletrificação (energias renováveis, redes inteligentes e baterias), o hidrogénio e as pilhas de combustível, o armazenamento de energia, a transformação neutra em carbono das indústrias com utilização intensiva de energia, a economia circular, a bioeconomia e a intensificação sustentável da agricultura e da silvicultura. Os custos diminuirão com uma maior implantação, mas num período de distorções crescentes do comércio mundial, é necessário definir uma estratégia de inovação e modernização industrial europeia proativa para estabelecer o modo como pode ser dado maior apoio à implantação inicial. Para o efeito, será fundamental a plena exploração do Mercado Único e o respeito das obrigações internacionais, por exemplo através de contratos públicos ecológicos e de auxílios estatais orientados e definidos no tempo. Com base em iniciativas como a Aliança Europeia para as Baterias, a UE deve criar cadeias de valor sólidas, apoiadas por tecnologias facilitadoras como novos materiais, digitalização, inteligência artificial, computação de alto desempenho e biotecnologias.

Impactos económicos e sociais

Mesmo sem a transformação para emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa, a economia e a sociedade europeias serão significativamente diferentes em 2050 relativamente ao presente. A demografia indica que a nossa sociedade estará significativamente envelhecida, com potenciais implicações para a sustentabilidade das finanças públicas. Por outro lado, a nossa população estará geralmente mais bem equipada para trabalhar com as tecnologias da informação e das comunicações. Estas tendências facilitarão a transição.

Os impactos económicos gerais da transformação profunda são positivos apesar dos investimentos adicionais significativos necessários em todos os setores da nossa economia. Prevê-se uma duplicação da economia da UE até 2050, em comparação com 1990, mesmo com a sua plena descarbonização. Uma trajetória compatível com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa, juntamente com um quadro facilitador coerente, deverá ter um impacto moderado a positivo no PIB com benefícios estimados de até 2 % em 2050, em comparação com a linha de base. Muito importante é o facto de estas estimativas não incluírem os benefícios dos danos evitados das alterações climáticas e dos respetivos custos de adaptação.

A transição dinamizará o crescimento em novos setores. Os «empregos verdes» já representam 4 milhões de empregos na UE. Maiores investimentos na modernização industrial, na transformação energética, na economia circular, na mobilidade limpa, em infraestruturas verdes e azuis e na bioeconomia criarão novas oportunidades de emprego local e de alta qualidade. As ações e políticas para a realização dos objetivos da UE para 2020 em matéria de clima e energia já resultaram num aumento de 1 % e 1,5 % na mão de obra da UE e esta tendência manter-se-á.

Embora se venha a verificar um aumento do emprego nos setores da construção, da agricultura, da silvicultura e das energias renováveis, a transição pode ser difícil numa série de setores. As regiões mais afetadas podem ser as regiões cujas economias dependem de atividades em que se preveja um declínio ou a necessidade de uma transformação no futuro. É provável que sejam afetados setores como os da extração de carvão, petróleo e gás. Nos setores com utilização intensiva de energia, como os do aço, cimento e produtos químicos, bem como o da indústria automóvel, assistir-se-á a uma mudança para novos processos de produção que exigem novas competências. As regiões economicamente dependentes destes setores poderão enfrentar dificuldades, estando muitas delas localizadas na Europa Central e Oriental, frequentemente em Estados-Membros com rendimentos mais baixos.

Outros empregos existentes terão de ser transformados e adaptadas à nova economia. A gestão desta mudança implica também tomar em consideração a possibilidade de uma população ativa possivelmente em baixa e envelhecida na UE e uma crescente substituição da mão de obra devido à evolução tecnológica, incluindo a digitalização e a automatização. Por exemplo, as zonas rurais terão de manter uma mão de obra suficientemente qualificada para responder às necessidades crescentes e em evolução nos setores agrícola e silvícola, ao mesmo tempo que se veem confrontadas com uma redução da população rural. Para as pequenas e médias empresas, a transição constitui uma oportunidade, mas também cria desafios específicos, tais como o acesso a competências e a financiamento aos quais é necessário dar resposta.

Figura 5. Emprego regional na extração de combustíveis fósseis e indústrias com utilização intensiva de energia (nível NUTS2)

Estes desafios são suscetíveis de aumentar as disparidades sociais e regionais na UE, bem como dificultar os esforços de descarbonização. Por conseguinte, o subsequente processo de modernização profunda terá de ser gerido de forma adequada, assegurando uma transição justa e socialmente aceitável para todos, num espírito de inclusividade e solidariedade. As consequências sociais da transição não podem ser abordadas post factum. Tanto a UE como os Estados-Membros devem ter em conta as implicações sociais desde o início e implementar plenamente todas as políticas relevantes a fim de atenuar as consequências deste desafio. O orçamento e as políticas sociais e de emprego da UE, bem como as políticas de coesão, podem reduzir as disparidades económicas, sociais e territoriais em toda a União. As iniciativas regionais em curso lançadas pela Comissão Juncker, como a plataforma e os projetos-piloto sobre regiões carboníferas e com uso intensivo de carbono em transição, marcam um passo nessa direção e devem ser reforçadas, numa antecipação de necessidades futuras. Além disso, deve ser assegurada a participação dos parceiros sociais na preparação dessas medidas de transição.

O apoio a uma transição justa está previsto no âmbito do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, com destaque para o apoio a transições com sistemas de proteção social adequados, incluindo a educação, a formação e a aprendizagem ao longo da vida. O desenvolvimento de competências é essencial. As pessoas não necessitarão apenas de competências profissionais específicas, mas também de «competências essenciais» em domínios como a ciência, a tecnologia, a engenharia e a matemática (STEM). Investir na requalificação e na melhoria das competências da população é essencial para que não deixemos ninguém para trás.

Se não estiverem em vigor medidas regulamentares ou de atenuação adequadas, corre-se o risco de a transição afetar desproporcionadamente as pessoas com rendimentos baixo, levando à emergência de alguma forma de pobreza energética. Este risco tem de ser enfrentado. Na maioria dos Estados-Membros, os clientes vulneráveis podem beneficiar de tarifas de energia regulamentadas, mas essas tarifas podem distorcer os sinais do mercado e reduzir a eficácia das políticas em matéria de eficiência energética ou prejudicar a implantação de tecnologias como os contadores inteligentes. Estas questões sociais são geralmente abordadas de melhor forma no âmbito da política social e dos sistemas de proteção social, cujo financiamento poderia beneficiar de transferências da tributação e de reciclagem das receitas.

Papel da UE a nível mundial

O sucesso dos esforços da UE na liderança de uma transição bem-sucedida para uma economia hipocarbónica a nível mundial e da luta contra as alterações climáticas depende, em última análise, da cooperação internacional. Esta é a força motriz do Acordo de Paris, que anuncia uma passagem da ação por parte de alguns para uma ação por parte de todos. A estratégia a longo prazo da UE não pode ser implementada isoladamente. Por conseguinte, a UE deve promover a adoção, a nível mundial, de políticas e ações destinadas a inverter a trajetória atualmente insustentável de emissões, bem como gerir uma transição ordenada para um futuro com baixas emissões de carbono a nível mundial. A UE deve continuar a liderar pelo exemplo, bem como a promover uma cooperação multilateral baseada em regras. Esta continua a ser a melhor forma de a UE enfrentar este desafio intrinsecamente mundial, sublinhando a importância da implementação do Acordo de Paris e do seu sucesso a nível mundial.

Isto significa antecipar e preparar-se para as mudanças geopolíticas e geoeconómicas inerentes à transição para uma economia hipocarbónica, como, por exemplo, as dependências novas e alteradas que surgirão devido ao abandono progressivo dos combustíveis fósseis e que alterarão as atuais relações económicas, bem como a gestão dos riscos relativos à segurança climática, que se multiplicarão mesmo com as previsões mais otimistas de aumento da temperatura.

Ao mesmo tempo, a UE deve tomar todas as medidas necessárias para salvaguardar e reforçar as suas próprias perspetivas de desenvolvimento económico e social, bem como enfrentar as suas próprias vulnerabilidades decorrentes das alterações climáticas ou de políticas unilaterais prejudiciais por parte de outros protagonistas mundiais.

A UE utilizará a sua ação externa, a política comercial e a cooperação internacional para apoiar a transição global para vias de desenvolvimento sustentável hipocarbónicas, em consonância com o Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento. Tal exigirá esforços continuados para integrar as alterações climáticas e o ambiente nas políticas públicas, bem como um quadro de investimento fiável em países parceiros da UE.

Embora dependente das importações de energia, a UE é o maior exportador mundial de produtos manufaturados e de serviços. Em setores a jusante, como os dos produtos químicos, das máquinas e dos equipamentos de transporte, a UE é um exportador líder a nível mundial. Ao mesmo tempo, a UE é também um importador importante plenamente integrado nas cadeias de valor mundiais.

Na sua qualidade de maior mercado único do mundo, as normas ambientais rigorosas da UE em matéria de produtos têm efeitos que vão muito para além das fronteiras da UE. Tal facto sublinha o papel para uma prossecução da liderança da UE em matéria de normas regulamentares, colocando as empresas europeias na vanguarda do desenvolvimento de novas tecnologias e modelos empresariais.

Mercados abertos, um mundo globalizado e o multilateralismo constituem uma condição prévia para a UE poder beneficiar da transição para as energias limpas a nível interno e também a nível mundial. Com a transição para energias limpas, novos tipos de bens e recursos estão a tornar-se estratégicos, como as matérias-primas de importância crítica para as energias renováveis, a eletromobilidade, os dispositivos digitais, bem como as patentes. Poderão ser necessárias políticas proativas ou corretivas para garantir um sistema plenamente competitivo e condições de concorrência equitativas em consonância com as obrigações internacionais. Tal como continua aberta ao comércio e aos investimentos favoráveis ao clima, a UE deve igualmente defender o seu direito a um acesso recíproco justo e gerido de forma transparente aos mercados, infraestruturas e matérias-primas de importância crítica dos países parceiros.

Tal começa com o reforço da diplomacia climática e energética da UE e com uma maior integração das considerações e dos objetivos em matéria de alterações climáticas nos diálogos políticos, nomeadamente nos domínios da migração, da segurança e da cooperação para o desenvolvimento. Com base na Estratégia «Comércio para Todos» da Comissão Europeia, a política comercial da UE já está a contribuir para o desenvolvimento sustentável na UE e em países terceiros. Um comércio equitativo e baseado em regras pode contribuir para a aceitação global de tecnologias respeitadoras do ambiente mundial, facilitar a transição energética e promover um aprovisionamento seguro das matérias-primas necessárias, incluindo as utilizadas em tecnologias hipocarbónicas. A UE deverá também manter o seu papel de catalisador no que diz respeito aos intervenientes não estatais, por exemplo através do Pacto Global de Autarcas.

Papel dos cidadãos e das autoridades locais

Tornar a transformação rumo a uma economia de emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa numa realidade não é apenas uma questão de tecnologias e postos de trabalho. Trata-se das pessoas e da sua vida quotidiana, da forma como os europeus trabalham, se deslocam e vivem juntos. A transição para uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa só poderá ter êxito com cidadãos que adiram à mudança, participem e a considerem benéfica para as suas vidas e as dos seus filhos. A apropriação local dos investimentos é um bom exemplo. Os consumidores têm um importante papel a desempenhar no avanço da transformação rumo a uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa. Atualmente, os consumidores estão cada vez mais desejosos de participar em atividades sustentáveis. A escolha de cada pessoa na compra de uma casa, de um novo veículo, eletrodoméstico ou equipamento ou de um fornecedor de energia tem impactos na sua pegada de carbono durante muitos anos. As escolhas de estilos de vida pessoais podem fazer uma verdadeira diferença, melhorando simultaneamente a qualidade de vida. Medidas regulamentares, iniciativas de responsabilidade empresarial e tendências societais emergentes podem apoiar-se mutuamente, contemplando uma evolução rápida, conforme demonstrado, por exemplo, pelo sucesso do sistema de rotulagem energética da UE que está a ser replicado em muitas partes do mundo.

As cidades são já os laboratórios para soluções transformadoras e sustentáveis. A renovação urbana e um melhor ordenamento do território, incluindo espaços verdes, podem ser motores importantes para a renovação das habitações e para levar as pessoas a viverem novamente perto do trabalho, melhorando as condições de vida, reduzindo o tempo de deslocação e o stress associado. Para proteger os cidadãos europeus dos efeitos adversos das alterações climáticas, será imperativa uma opção que não ponha em risco o futuro no planeamento e na construção de infraestruturas públicas para resistir aos fenómenos meteorológicos mais excessivos. Quanto a esta matéria, a UE deve capitalizar e reforçar o papel das regiões, das cidades e dos municípios. O Pacto de Autarcas da UE, que representa 200 milhões de cidadãos europeus, é um exemplo de uma plataforma colaborativa que permite a aprendizagem mútua entre autoridades locais. A iniciativa conjunta da Comissão Europeia e do Banco Europeu de Investimento — URBIS — é um exemplo concreto do apoio da UE às cidades para o desenvolvimento das suas estratégias de investimento. A Agenda Urbana da UE, que reforça a dimensão urbana das políticas relevantes da UE, também pode desempenhar um papel.

5. Conclusão e próximas etapas

A UE já iniciou a modernização e a transformação rumo a uma economia neutra em termos de clima e continuará a liderar os esforços mundiais nesse sentido. A fim de responder ao recente Relatório do IPCC e de contribuir para a estabilização do clima neste século, a UE deverá estar, até 2050, entre os primeiros a atingir emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa e a assumir um papel de liderança a nível mundial. Para tal, a UE deve intensificar os seus esforços.

As alterações climáticas são uma ameaça global e a Europa não pode, por si só, evitá-las. Por conseguinte, a cooperação com os países parceiros será essencial para reforçar as vias de redução de gases com efeito de estufa que estejam em consonância com o Acordo de Paris.

No entanto, a UE tem um interesse vital em trabalhar no sentido de uma economia com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa até meados do século e em demonstrar que as emissões líquidas nulas podem coexistir com a prosperidade, fazendo com que outras economias sigam o seu bom exemplo. Deve basear-se na capacitação de todos os cidadãos e consumidores para tornar a mudança possível, bem como na prestação ao público de informações adequadas.

Tal representa uma tremenda oportunidade para canalizar a resposta aos desafios do século XXI de uma forma estratégica, em vez de nos submetermos e adaptarmos à mudança inevitável que se aproxima. É de importância crucial assegurar uma transição socialmente justa com vista a garantir uma transição politicamente viável. Tal constituirá um grande desafio, mas não tão grande como o de enfrentar as consequências económicas e sociais da inação. O objetivo desta visão estratégica não é fixar objetivos, mas sim criar uma visão e um sentido de direção, planeando, inspirando e habilitando as partes interessadas, os investigadores, os empresários e os cidadãos a desenvolver as indústrias e empresas novas e inovadoras e os empregos associados.

O facto de iniciar, numa fase precoce, o planeamento para essa visão de uma Europa com emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa permitirá aos Estados-Membros, às empresas e aos cidadãos fazer escolhas e adaptar a eventual via às circunstâncias nacionais, à afetação de recursos, à inovação das indústrias e às preferências dos consumidores.

Figura 6. Trajetória das emissões de GEE num cenário de 1,5 C 8

Há uma série de vias para atingir emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa neutras em termos de clima, consentâneas com a nossa visão: todas constituem desafios, mas poderiam ser exequíveis do ponto de vista tecnológico, económico, ambiental e social. A prossecução deste objetivo exige profundas transformações societais e económicas no período de uma geração, com repercussões em todos os setores da economia. A aplicação dos princípios de uma abordagem europeia competitiva, inclusiva, socialmente justa e multilateral e uma série de prioridades fundamentais, plenamente coerentes com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, devem orientar a transição para uma Europa neutra em termos de clima:

 

·Acelerar a transição para energias limpas, intensificando a produção de energias renováveis, melhorando a eficiência energética e a segurança do aprovisionamento, com maior incidência na redução das ameaças à cibersegurança, garantindo simultaneamente preços de energia competitivos, sendo todos eles fatores que dinamizam a modernização da nossa economia;

·Reconhecer e reforçar o papel fulcral dos cidadãos e dos consumidores na transição energética, promover e apoiar as escolhas dos consumidores, reduzindo o impacto ambiental, e colher os benefícios societais colaterais que melhoram a sua qualidade de vida;

·Implantar uma mobilidade de transportes rodoviários acarbónicos, conectados e automatizados; promover a multimodalidade e a transição para modos hipocarbónicos, tais como o transporte ferroviário e por vias navegáveis; reestruturar as taxas e os impostos de transporte para ter em conta as infraestruturas e os custos externos; abordar a questão das emissões da aviação e da navegação recorrendo a tecnologias e combustíveis avançados; investir numa infraestrutura de mobilidade moderna e reconhecer o papel de um melhor planeamento urbano;

·Reforçar a competitividade industrial da UE através da investigação e da inovação no sentido de uma economia circular e digitalizada que limite o surgimento de novas dependências de materiais; iniciar o ensaio de tecnologias revolucionárias à escala real; acompanhar as implicações nas condições de comércio da UE, em especial para as indústrias com utilização intensiva de energia e os fornecedores de soluções hipocarbónicas, garantir mercados competitivos que atraiam indústrias hipocarbónicas e, em consonância com as obrigações internacionais, aliviar as pressões concorrenciais que possam conduzir a fuga de carbono e a relocalização industrial indesejada;

·Promover uma bioeconomia sustentável, diversificar a produção agrícola, pecuária, aquícola e silvícola, aumentando a produtividade, ao mesmo tempo que se adapta às alterações climáticas, preservar e recuperar os ecossistema e garantir o uso e a gestão sustentáveis dos solos naturais e dos recursos aquáticos e marinhos;

·Reforçar as infraestruturas e torná-las resistentes às alterações climáticas. Adaptar-se, com recurso a soluções digitais inteligentes e ciberseguras, às necessidades futuras das redes de eletricidade, gás, aquecimento e outras, permitindo que a integração setorial comece a nível local e com os principais agregados industriais/energéticos;

·Acelerar a investigação, a inovação e o espírito empresarial a curto prazo numa ampla carteira de soluções acarbónicas, reforçando a liderança mundial da UE;

·Mobilizar e orientar os financiamentos e investimentos sustentáveis e atrair o apoio de capital «paciente» (ou seja, capital de risco a longo prazo) e investir em infraestruturas verdes e reduzir ao mínimo os ativos obsoletos, bem como explorar plenamente o potencial do Mercado Único;

·Investir em capital humano ao longo da próxima década e mais além, dotar as gerações presentes e futuras da melhor educação e formação possível nas competências necessárias (nomeadamente em tecnologias verdes e digitais) com sistemas de formação que reajam rapidamente à evolução das exigências do mercado de trabalho;

·Alinhar importantes políticas de apoio e geradoras de crescimento em domínios como a concorrência, o mercado do trabalho, as competências, a política de coesão, a fiscalidade e outras políticas estruturais, com a política em matéria de ação climática e energia;

·Assegurar que a transição seja socialmente justa; Coordenar as políticas a nível da UE com as dos Estados-Membros e dos governos regionais e locais, permitindo uma transição justa e bem gerida que não deixe nenhuma região, comunidade, trabalhador ou cidadão para trás;

·Prosseguir os esforços internacionais da UE para que todas as outras grandes economias e economias emergentes entrem a bordo e continuar a criar uma dinâmica positiva para reforçar as ambições mundiais em matéria de clima; partilhar conhecimentos e experiências no desenvolvimento de estratégias a longo prazo e implementar políticas eficientes para a realização, de forma coletiva, dos objetivos do Acordo de Paris. Antecipar e preparar-se para as mudanças geopolíticas, incluindo a pressão migratória, e reforçar as parcerias bilaterais e multilaterais, por exemplo, mediante o apoio a países terceiros na definição de um desenvolvimento hipocarbónico resiliente através da integração das questões climáticas e de investimentos neste domínio.

Os Estados-Membros apresentarão à Comissão Europeia, até ao final de 2018, os seus projetos de planos nacionais em matéria de clima e energia, que são essenciais para a prossecução dos objetivos climáticos e energéticos para 2030 e que devem ser orientados para o futuro e tidos em conta na Estratégia da UE a longo prazo. Além disso, um número crescente de regiões, municípios e associações empresariais está a elaborar a sua própria visão para 2050, que enriquecerá o debate e contribuirá para definir a resposta da Europa ao desafio global das alterações climáticas.

A Comissão Europeia convida o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, o Conselho, o Comité das Regiões, o Comité Económico e Social Europeu e o Banco Europeu de Investimento a considerar a visão da UE para uma Europa com um impacto neutro no clima até 2050. A fim de preparar os Chefes de Estado e de Governo da UE para moldar o futuro da Europa na Cimeira Especial de 9 de maio de 2019, a realizar em Sibiu, todas as formações relevantes do Conselho deverão realizar debates políticos abrangentes sobre a contribuição dos respetivos domínios políticos para a visão global.

Paralelamente, no primeiro semestre de 2019, a Comissão Europeia lançará o debate sobre a transformação económica profunda necessária e a mudança societal profunda de uma forma aberta e inclusiva para todos os Estados-Membros da UE. Os parlamentos nacionais, as empresas, as organizações não governamentais, as cidades e as comunidades, bem como os cidadãos em geral e os jovens, deveriam participar nos Diálogos com os Cidadãos para debater a contribuição justa da UE para a prossecução eficiente dos objetivos a longo prazo em matéria de temperatura do Acordo de Paris para identificar os elementos-chave para concretizar essa transformação.

Este debate informado a nível da UE deveria permitir à UE adotar e apresentar à CQNUAC uma estratégia ambiciosa até ao início de 2020, tal como solicitado no âmbito do Acordo de Paris.

A nível internacional, durante o próximo ano, a UE deveria alargar a sua estreita cooperação com os seus parceiros internacionais, de modo a que todas as partes no Acordo de Paris desenvolvam e apresentem, até 2020, uma estratégia nacional de longo prazo para meados do século, à luz do recente Relatório Especial do IPCC sobre o aumento de temperatura de 1,5 °C,

(1) Segundo o Relatório do Eurobarómetro sobre as alterações climáticas, publicado em setembro de 2017, cerca de três quartos dos cidadãos da União Europeia (UE) (74 %) consideram que as alterações climáticas são um problema muito grave e mais de nove em cada dez (92 %) consideram-no um problema grave.
(2) Programa de trabalho da Comissão Europeia para 2019 (COM(2018) 800), página 4.
(3) Artigo 15.º do Regulamento Governação da União da Energia e Ação Climática.
(4) No contexto das reduções necessárias do conjunto dos países desenvolvidos.
(5) COM(2016) 759.
(6) Excluindo os investimentos necessários para a substituição de veículos.
(7) Incluindo os investimentos necessários para a substituição de veículos.
(8) As barras representam as emissões e as absorções em 2050 dos 7.º e 8.º cenários.
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