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Document 52009AE0339

    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao comércio de produtos derivados da foca

    JO C 218 de 11.9.2009, p. 55–58 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    11.9.2009   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 218/55


    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao comércio de produtos derivados da foca

    COM(2008) 469 final — 2008/0160 (COD)

    2009/C 218/12

    Em 25 de Setembro de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 251.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

    «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao comércio de produtos derivados da foca»

    Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente que emitiu parecer em 28 de Janeiro de 2009, sendo relator Pedro NARRO.

    Na 451.a reunião plenária de 25 e 26 de Fevereiro de 2009 (sessão de 26 de Fevereiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 95 votos a favor, 59 votos contra e 30 abstenções, o seguinte parecer:

    1.   Conclusões

    1.1

    O CESE acolhe favoravelmente a iniciativa da Comissão Europeia que visa a harmonização do comércio de produtos derivados da foca. A situação actual desta actividade é insustentável, pelo que é oportuno promover alterações importantes à escala internacional.

    1.2

    Como o Tratado não prevê uma base jurídica específica para o bem-estar animal, o Comité concorda em que se utilize o artigo 95.o do Tratado CE, respeitante à «fragmentação do mercado interno», como fundamento jurídico para legislar nesta matéria. A jurisprudência comunitária confirma a legitimidade desta decisão.

    1.3

    O Comité propõe o adiamento da entrada em vigor do sistema de derrogações e sugere que a Comissão apresente, em 2012, um relatório detalhado sobre a evolução da legislação sobre a caça às focas, que venha a servir de base para a eventual concessão de derrogações a partir de 2012.

    1.4

    Durante os três primeiros anos de aplicação do novo regime deveria haver uma proibição absoluta, admitindo-se, como única excepção, a caça praticada pelas comunidades inuítes para fins de subsistência.

    1.5

    Para assegurar a viabilidade das medidas preconizadas na proposta legislativa é imperativo que a Comissão possa estabelecer sistemas de controlo eficazes. A actividade de controlo não poder ser gerida exclusivamente pelo Estado que requer uma derrogação. Cabe à Comissão velar pela correcta aplicação, no terreno, das respectivas disposições legislativas.

    1.6

    O Comité solicita à Comissão a elaboração de estudos capazes de determinar o eventual impacto das alterações climáticas na conservação da espécie em causa.

    2.   Introdução

    2.1

    Da família dos pinípedes fazem parte no total 33 espécies de focas, leões-marinhos, ursos marinhos, elefantes marinhos e morsas. São mamíferos de tamanho variável que se reproduzem em colónias no mar ou no gelo.

    2.2

    Embora as organizações ecologistas (1) comecem a alertar para uma diminuição acentuada das unidades populacionais de focas devido, entre outros factores, aos efeitos das alterações climáticas, as organizações de caçadores e os Governos dos Estados onde as focas se reproduzem negam qualquer problema de conservação desta espécie, salientando que há cerca de 15 milhões de focas expostas à caça. Nos últimos anos, o debate sobre a caça à foca tem-se centrado na questão do bem-estar animal, relegando para segundo plano os aspectos relacionados com a conservação da espécie. A UE dispõe de legislação específica sobre a conservação das focas (2).

    2.3

    A caça comercial à foca tem lugar no Canadá, na Groenlândia, na Namíbia, na Noruega e na Rússia. Todos estes países têm legislações diferentes para regulamentar a prática da caça à foca. A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA) reconhece que não há dados fiáveis sobre as unidades populacionais de focas e o número de espécimes abatidos anualmente. De acordo com os dados disponibilizados pelas autoridades de cada Estado, o país em que são caçadas mais focas é o Canadá, com aproximadamente 300 000 espécimes abatidos anualmente. Segundo os dados do Governo do Canadá (3), em 2008, foram caçadas 275 000 focas, tendo sido emitidas 17 000 licenças no total. Nesta escala destacam-se, a grande distância do Canadá, a Groenlândia (4) e a Namíbia (5) com 160 000 e 80 000 espécimes abatidos por ano, respectivamente.

    2.4

    Na União Europeia há dois Estados-Membros que procedem ao abate e à esfola de focas, nomeadamente a Finlândia e a Suécia. No Reino Unido (Escócia) são fabricados produtos derivados da foca. No território da Comunidade, esta actividade comercial não assume tanta importância como na Noruega ou no Canadá, sendo exercida com fins de lazer e de controlo das unidades populacionais de piscívoros.

    2.5

    As focas são abatidas pela sua pele, gordura, carne e órgãos genitais, utilizados, respectivamente, para construir abrigos, fabricar óleos, produzir alimentos e afrodisíacos, estes últimos cada vez mais apreciados no continente asiático.

    2.6

    Há diferentes formas de abater focas. Os instrumentos mais utilizados são as espingardas e o hakapik (uma espécie de espigão com uma ponta em forma de martelo). Este tipo de arpão, chamado hakapik, é um instrumento que parece primitivo e rústico, mas é considerado pelos cientistas como o método mais eficaz para atordoar e matar rapidamente uma foca.

    2.7

    A AESA assinalou no seu relatório científico (6), publicado em 2007, que é possível abater as focas rápida e eficazmente sem lhes causar dor ou angústia desnecessárias. No entanto, reconhece que, na prática, o abate nem sempre é eficaz e isento de desumanidade. As diversas legislações nacionais incumbem-se de regulamentar as dimensões e as formas de utilizar o hakapik, bem como o calibre das espingardas e a velocidade da bala.

    3.   Síntese da proposta da Comissão

    3.1

    Em 26 de Setembro de 2006, o Parlamento Europeu adoptou uma Declaração (7), na qual solicitava à Comissão Europeia a elaboração de propostas legislativas destinadas a regulamentar a importação, a exportação e a venda de produtos derivados de duas espécies de foca, nomeadamente as focas harpa e as focas de capuz. Na mesma declaração, solicitava-se ainda um tratamento específico para a caça tradicional de focas praticada pelas comunidades inuítes.

    3.2

    A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa adoptou uma recomendação sobre a caça à foca, instando os seus membros a proibirem todos os métodos cruéis de caça que não garantam a morte instantânea e sem sofrimento dos animais.

    3.3

    Nos últimos anos, a Bélgica, os Países Baixos e a Eslovénia têm elaborado regulamentação com o objectivo de proibir o fabrico e a colocação no mercado de produtos derivados da foca. Outros Estados-Membros da UE decidiram também proceder à regulamentação desta matéria, estando actualmente a ser elaboradas as respectivas legislações nacionais.

    3.4

    A Comissão Europeia lançou, no início de 2007, uma consulta às partes interessadas, que serviu de base a um parecer científico apresentado pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA) (8). Em Abril de 2008, a Direcção-Geral do Ambiente da Comissão Europeia publicou um estudo sobre o potencial impacto da proibição de produtos derivados da foca.

    3.5

    Em 23 de Julho de 2008, a Comissão Europeia publicou uma proposta de regulamento (9) relativo ao comércio de produtos derivados da foca, que tem por base jurídica os artigos 95.o e 133.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia. O artigo 95.o refere-se à fragmentação do mercado interno e o artigo 133.o à política comercial comum. Os critérios para a utilização do artigo 95.o como base jurídica foram estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    3.6

    A proposta de regulamento da Comissão proíbe a colocação no mercado, importação, exportação e trânsito de produtos derivados da foca na Comunidade. Todavia, estabelece-se um regime de derrogações que admite excepções à regra geral mediante a satisfação de um conjunto de condições de bem-estar animal previstas no regulamento (10). O objectivo destas condições é assegurar que as focas sejam abatidas e esfoladas sem dor, angústia e outras formas de sofrimento evitável.

    3.7

    A Comissão Europeia prevê uma derrogação automática da caça à foca praticada pelos métodos tradicionais das comunidades inuítes para fins de subsistência. A legislação de execução estabelecerá as medidas adequadas para garantir a origem dos produtos derivados da foca.

    3.8

    Os Estados-Membros apresentarão à Comissão, com periodicidade quinquenal, um relatório sobre as acções empreendidas para dar execução ao regulamento.

    4.   Observações na generalidade

    4.1

    O CESE acolhe com grande satisfação a iniciativa da Comissão Europeia que visa a regulamentação de forma harmonizada dos métodos aceitáveis de caça à foca e da colocação no mercado dos seus produtos derivados.

    4.2

    A proposta de regulamento centra-se no bem-estar animal e não foca a problemática da conservação da espécie. As organizações ecologistas europeias têm apontado para a necessidade de o aspecto da conservação ser contemplado no texto legislativo. No entanto, a UE dispõe de uma sólida legislação sobre conservação, bem como de instrumentos específicos sobre a conservação das focas, complementares às medidas previstas na proposta em apreço.

    4.3

    Não há dúvida de que as alterações climáticas (principalmente o fenómeno do degelo) afectarão directamente as condições de vida e reprodução das focas. Por este motivo, solicita-se à Comissão Europeia que proceda a avaliações e estudos científicos pertinentes a fim de obter dados reais sobre o potencial efeito negativo das alterações climáticas nas unidades populacionais de focas e, se for caso disso, rever e adoptar os instrumentos comunitários em matéria de conservação.

    4.4

    A UE não dispõe no Tratado que institui a Comunidade Europeia de uma base jurídica específica para regulamentar os aspectos relacionados com o bem-estar animal. Para colmatar esta omissão, a UE tem de recorrer a outras bases jurídicas distintas mas legítimas para abordar esta questão. Neste caso, o controverso artigo 95.o referente à «fragmentação do mercado interno» dá à UE a possibilidade de harmonizar as legislações em matéria de bem-estar animal, aliás um aspecto que foi qualificado de «interesse geral» pela jurisprudência comunitária. No seu parecer sobre as peles de cão e de gato (11), o CESE referiu que aceitava a referida base jurídica para se legislar em matéria de bem-estar animal, tendo salientado a sua conformidade com as regras de comércio elaboradas pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

    4.5

    A ausência de controlo comunitário neste domínio, a falta de dados (reconhecida oficialmente pela AESA) e os interesses económicos dificultam uma visão autêntica e não deformada da caça à foca fora da UE. As eventuais alterações legislativas nos países que praticam a caça à foca, para adaptação aos novos critérios comunitários, não implicam necessariamente, na prática, uma melhoria substancial das condições de caça à foca.

    4.6

    A proibição geral acompanhada de um regime de derrogações a posteriori é um instrumento inédito que pode representar um inestimável precedente para futuros processos normativos comunitários. Assim, o CESE não rejeita totalmente o sistema comunitário de derrogações, mas solicita o adiamento da sua entrada em vigor, de modo que, nos primeiros três anos da aplicação do regulamento, vigore uma proibição total com a única excepção das comunidades inuítes, cuja subsistência depende da caça à foca. Um adiamento não só daria à UE a possibilidade técnica de desenvolver um sistema de derrogações mais detalhado e rigoroso do que o regime actual apresentado na proposta original, como também facilitaria os controlos e proporcionaria novos pontos de reflexão para avaliar a eventual concessão de derrogações.

    4.7

    A apresentação, em 2012, de um relatório comunitário sobre as alterações verificadas nas legislações nacionais sobre a caça à foca, bem como sobre a execução legislativa e os mecanismos de controlo, pode vir a ser muito útil à autoridade comunitária para avaliar os progressos realizados e a eventual concessão de derrogações. A inexistência de dados justifica um maior esforço comunitário que permita recolher todos os dados relevantes e necessários.

    4.8

    O CESE deseja que a proposta legislativa da Comissão constitua um verdadeiro incentivo aos Estados que praticam a caça à foca para que adaptem as respectivas legislações e adoptem práticas de caça mais «humanas». O actual statu quo no que respeita ao abate de focas não pode ser mantido e há que promover as necessárias alterações, sem que, contudo, se extravase o âmbito de competências da UE neste domínio.

    4.9

    O CESE salienta a necessidade de os Estados-Membros adoptarem um dispositivo de sanções efectivas, dissuasoras e proporcionadas, tendo por objectivo assegurar o alcance e a eficácia da nova regulamentação sobre a caça à foca. Um regime de sanções efectivas contribuirá para reforçar o mercado interno e a protecção dos consumidores.

    5.   Observações na especialidade

    5.1

    Apesar de a proposta de regulamento não abordar a questão da justificação da caça à foca, o CESE deveria pronunciar-se sobre determinadas questões recorrentemente levantadas no debate sobre a caça à foca. Em primeiro lugar, é preciso assinalar claramente que o abate de focas não pode definir-se como uma actividade de pesca, mas de caça a mamíferos. Em segundo lugar, é problemático culpar as focas da diminuição dos recursos marinhos e, concretamente, dos bancos de bacalhau. Não há nenhum estudo científico que confirme esta tese, através da qual se pretende justificar em alguns Estados a caça à foca. A complexidade do ecossistema marinho não permite fazer afirmações absolutas a esse respeito.

    5.2

    A Comissão não estabelece na sua proposta uma distinção entre a caça à foca praticada em grande e em pequena escala. Esta filosofia da Comissão é correcta se se tiver em consideração que o derradeiro objectivo da proposta é respeitar os princípios do bem-estar animal. A introdução de excepções particulares para os países europeus que praticam a caça à foca em pequena escala não é justificável na óptica do bem-estar animal, para além de que pode pôr em causa a legalidade internacional do conjunto da proposta.

    5.3

    As actividades de controlo da caça à foca são especialmente difíceis, complexas e realizadas em condições climáticas muito adversas. Os controlos devem determinar ao certo quantos animais foram abatidos e qual o nível de cumprimento, no terreno, das disposições legislativas aplicáveis nesta matéria. Um sistema de controlo gerido na íntegra pelo país que requer uma derrogação não parece ser, a priori, a melhor forma de garantir a sua independência. A UE deveria criar uma equipa de peritos incumbida de efectuar controlos in situ nos países que requerem derrogações. O financiamento do trabalho destes inspectores europeus deveria ficar a cargo do país que deseja exportar para o mercado comunitária. A UE poderia, assim, dispor de mais informações para avaliar a eficácia dos regimes de certificação e de rotulagem.

    5.4

    O lançamento de um regime de certificação e de rotulagem facultativo nos países que requerem uma derrogação corresponde ao desejo reiteradamente manifestado pelos cidadãos europeus e às opiniões recolhidas na consulta pública organizada pela Comissão. As iniciativas sobre certificação e rotulagem devem ser acompanhadas, em todo o caso, de medidas gerais de proibição da colocação no mercado de produtos derivados da foca. Caso contrário, é duvidoso que possam ser alcançados os objectivos de bem-estar animal perseguidos pela Comissão na sua proposta.

    5.5

    Os requisitos de certificação devem ser desenvolvidos no âmbito da legislação de execução do regulamento, a fim de definir, de forma precisa, as condições de certificação e de rotulagem. No passado, a inexactidão resultou numa rotulagem imprecisa susceptível de confundir e induzir em erro o consumidor. É habitual encontrar no mercado produtos derivados da foca com rótulos que identificam o produto como «óleo marinho» ou «óleo de peixe». É, pois, imprescindível que a rotulagem destes produtos indique não só a espécie de foca utilizada para o seu fabrico, como também a proveniência do animal.

    5.6

    O Comité, ao assistir a Comissão Europeia no procedimento de autorização de derrogações, deveria facilitar a participação de todas as organizações e operadores interessados.

    Bruxelas, 26 de Fevereiro de 2009.

    O Presidente

    do Comité Económico e Social Europeu

    Mario SEPI


    (1)  IFAW (Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal), boletim informativo 2008/01.

    (2)  Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992.

    (3)  Seals and sealing in Canada, Facts about seals 2008.

    (4)  Home Rule da Groenlândia, 2006.

    (5)  Relatório da AESA intitulado «Animal welfare aspects of the killing and skinning of seals», Dezembro de 2007.

    (6)  Parecer científico da AESA, de 6 de Dezembro de 2007, EFSA Journal (2007) 610, p. 122.

    (7)  Declaração 38/2006 do Parlamento Europeu.

    (8)  Parecer científico da AESA, de 6 de Dezembro de 2007, EFSA Journal (2007) 610, p. 122.

    (9)  COM(2008) 469 final.

    (10)  Ver artigo 4.o, n.o 1, da proposta de regulamento.

    (11)  JO C 168 de 20.7.2007, p. 42.


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