Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex
Documento 61999CC0365
Opinion of Mr Advocate General Mischo delivered on 27 March 2001. # Portuguese Republic v Commission of the European Communities. # Agriculture - Animal health - Emergency measures to combat bovine spongiform encephalopathy - "Mad cow disease". # Case C-365/99.
Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 27 de Março de 2001.
República Portuguesa contra Comissão das Comunidades Europeias.
Agricultura - Polícia sanitária - Medidas de emergência contra a encefalopatia espongiforme bovina - Doença dita "das vacas loucas".
Processo C-365/99.
Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 27 de Março de 2001.
República Portuguesa contra Comissão das Comunidades Europeias.
Agricultura - Polícia sanitária - Medidas de emergência contra a encefalopatia espongiforme bovina - Doença dita "das vacas loucas".
Processo C-365/99.
Thuarascálacha na Cúirte Eorpaí 2001 I-05645
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2001:184
Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 27 de Março de 2001. - República Portuguesa contra Comissão das Comunidades Europeias. - Agricultura - Polícia sanitária - Medidas de emergência contra a encefalopatia espongiforme bovina - Doença dita "das vacas loucas". - Processo C-365/99.
Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-05645
1. A Decisão 98/653/CE da Comissão, de 18 de Novembro de 1998, relativa a medidas de emergência em matéria de protecção contra a encefalopatia espongiforme bovina (BSE), tornadas necessárias pela ocorrência de BSE em Portugal , dispõe, nomeadamente, no seu artigo 4.° que:
«Portugal assegurará que, até 1 de Agosto de 1999, não sejam expedidos do seu território para outros Estados-Membros ou países terceiros, quando provenientes de bovinos abatidos em Portugal:
a) Carne;
b) Produtos susceptíveis de entrar nas cadeias alimentares humana ou animal;
c) Matérias destinadas a ser utilizadas em produtos cosméticos ou médicos ou em dispositivos médicos.»
2. Esta decisão baseou-se no Tratado CE, na Directiva 90/425/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1990, relativa aos controlos veterinários e zootécnicos aplicáveis ao comércio intracomunitário de certos animais vivos e produtos, na perspectiva da realização do mercado interno , modificada, em último lugar, pela Directiva 92/118/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1992 , e, nomeadamente, o seu artigo 10.° , n.° 4, bem como na Directiva 89/662/CEE do Conselho, de 11 de Dezembro de 1989, relativa aos controlos veterinários aplicáveis ao comércio intracomunitário, na perspectiva da realização do mercado interno , modificada, em último lugar, pela Directiva 92/118 e, nomeadamente, o seu artigo 9.°
3. O preâmbulo da Decisão 98/653 refere, nomeadamente:
- o aparecimento de sessenta e seis casos de encefalopatia espongiforme bovina (a seguir «BSE») em Portugal, entre 1 de Janeiro de 1998 e 14 de Outubro de 1998, isto é, uma taxa de incidência da BSE, para o período dos últimos doze meses, de 105,6 casos por milhão de animais com idade superior a dois anos (segundo considerando) e, um nítido aumento da incidência de BSE a partir de Junho de 1998 (terceiro considerando);
- o facto de uma deslocação em serviço feita pelo Serviço Alimentar e Veterinário da Comissão de 28 de Setembro a 2 de Outubro de 1998 ter confirmado o resultado de anteriores deslocações em serviço, isto é, que, apesar da melhoria global da situação, permaneciam certas deficiências na aplicação das medidas de controlo dos factores de risco da BSE (terceiro considerando).
4. O artigo 2.° da decisão proíbe também a exportação, para outros Estados-Membros ou para países terceiros, de bovinos vivos e de embriões de bovinos, farinhas de carne, farinhas de ossos e farinhas de carne e de ossos provenientes de mamíferos.
5. O artigo 13.° da decisão dispõe que a República Portuguesa dará execução a um programa para demonstrar a efectiva observância do conjunto da legislação comunitária pertinente no que respeita à identificação e registo dos animais, à notificação das doenças dos animais, à vigilância epidemiológica das encefalopatias espongiformes transmissíveis (a seguir «EET») e de todas as outras disposições legislativas comunitárias relativas à protecção contra a BSE.
6. Nos termos do artigo 14.° da decisão, a República Portuguesa deve enviar à Comissão, de quatro em quatro semanas, um relatório sobre a aplicação das medidas de protecção adoptadas contra as EET, em conformidade com as disposições comunitárias e nacionais, e sobre os resultados do programa referido no artigo 13.°
7. O artigo 15.° prevê também que «a Comissão realizará em Portugal inspecções comunitárias no local com o objectivo de:
a) Verificar a aplicação das disposições da presente decisão, nomeadamente no que respeita à execução dos controlos oficiais;
b) Examinar a evolução da incidência da doença, a efectiva aplicação das medidas nacionais pertinentes e realizar uma análise de riscos destinada a demonstrar se foram tomadas medidas apropriadas para gerir qualquer risco.»
8. O artigo 16.° está redigido da seguinte forma:
«1. Na pendência de um exame global da situação e, nomeadamente, da evolução da incidência da doença e da efectiva aplicação das medidas pertinentes, e à luz de novos dados científicos, a presente decisão será revista o mais tardar 18 meses após a sua adopção.
2. [...]
3. A presente decisão será alterada, se for caso disso, após consulta do Comité Científico adequado, de acordo com o procedimento previsto no artigo 17.° da Directiva 89/662/CEE.»
9. A República Portuguesa não interpôs recurso de anulação da decisão 98/653.
10. Em 28 de Julho de 1999, a Comissão adoptou a Decisão 1999/517/CE, que altera a Decisão 98/653 relativa a medidas de emergência em matéria de protecção contra a encefalopatia espongiforme bovina (BSE), tornadas necessárias pela ocorrência de BSE em Portugal .
11. O seu artigo 1.° , n.° 2, dispõe que:
«No artigo 4.° , a expressão 1 de Agosto de 1999 é substituída por 1 de Fevereiro de 2000».
12. É contra esta disposição, que prolonga por seis meses a proibição imposta pelo artigo 4.° da Decisão 98/653, que é dirigido o recurso de anulação, interposto pela República Portuguesa em 4 de Outubro de 1999, submetido à nossa análise.
13. Assinalamos que esta análise se inscreve no âmbito de um processo de decisão à revelia.
14. Com efeito, não tendo a Comissão apresentado contestação no prazo prescrito, a República Portuguesa invocou os artigos 38.° do Estatuto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e 94.° do Regulamento de Processo, pedindo ao Tribunal de Justiça que dê provimento ao seu pedido.
15. Mas, para que este o possa fazer, é ainda necessário, nos termos do artigo 94.° , n.° 2, do Regulamento de Processo, que antes tenha analisado a admissibilidade do pedido e verificado se os requisitos de forma se encontram devidamente preenchidos e se os pedidos do demandante parecem procedentes.
16. Não se coloca, pois, a questão de fazer as afirmações da recorrente beneficiarem de uma qualquer presunção de veracidade.
17. Na realidade, longe de aligeirar o trabalho do juiz, o processo à revelia complica-o, uma vez que, na falta de qualquer contestação, por parte do demandado, do mérito do pedido do demandante, é só a ele que incumbe procurar as objecções que podem ser opostas aos fundamentos articulados no recurso.
18. No caso presente, a petição da República Portuguesa, que é admissível, desenvolve quatro fundamentos em apoio do seu pedido de anulação. Alega que a decisão não se encontra suficientemente fundamentada de facto ou de direito, que é contrária ao código sanitário do Gabinete Internacional das Epizootias (a seguir «OIE»), que foi tomada em violação dos requisitos processuais e é contrária às sãs práticas administrativas e, por último, que viola o princípio da proporcionalidade. Analisemo-los sucessivamente, e por essa ordem, para apreciar o respectivo mérito.
Quanto ao primeiro fundamento
19. Quanto ao primeiro fundamento, o Governo português alega que só se pode adoptar medidas de emergência, tal como a proibição decretada pelo artigo 4.° da Decisão 98/653, na medida em que introduzem excepções ao princípio da livre circulação de mercadorias, se for demonstrado que correspondem a uma verdadeira necessidade.
20. Do seu ponto de vista, esse não era o caso quanto ao prolongamento da proibição por seis meses a que procedeu a Decisão 1999/517.
21. A esse respeito, havia que ter em conta o facto de, em 1998, a República Portuguesa com uma incidência de 105,6 casos de BSE por milhão de animais com idade superior a dois anos, dever ser, em face dos critérios estabelecidos pelo OIE, classificado entre os países com baixa incidência de BSE e o facto de o Governo português ter, desde essa época, tomado medidas para prevenir e erradicar a BSE.
22. A petição refere-se também aos relatórios elaborados na sequência das diferentes missões efectuadas a Portugal pelo Serviço Alimentar e Veterinário da Comunidade, dos quais resultaria que, embora a situação pudesse ser considerada pouco satisfatória em 1998, tinha melhorado sensivelmente em 1999, uma vez que as medidas previstas na regulamentação comunitária tinham sido aplicadas com diligência e as recomendações formuladas pelos peritos correctamente tomadas em consideração.
23. O Governo português não contesta que a última missão efectuada antes da adopção da decisão impugnada, isto é, de 14 a 18 de Junho de 1999, referia certos melhoramentos que deviam ser introduzidos, mas entende que estes apenas se referiam a questões de pormenor.
24. Entre 1998 e 1999, a situação tinha-se alterado totalmente pelo que, mesmo que a Decisão 98/653 pudesse revelar-se justificada, o prolongamento da proibição por seis meses pela Decisão 1999/517 era desprovido de qualquer justificação.
25. Esta argumentação, diga-se desde já, não nos convence, e isto por diversas razões. Antes de as expor, esclareçamos desde logo que não se trata de discutir, no âmbito do presente recurso, o mérito da decisão 98/653.
26. Essa decisão não foi impugnada, na altura própria, pela República Portuguesa e devemos hoje considerar a sua legalidade como adquirida. A única questão que nos cabe analisar é a de saber se o prolongamento da proibição por seis meses que resulta da decisão 1999/517 está fundamentado de facto e de direito.
27. A argumentação do Governo português parte de uma premissa que não é exacta. Afirma-se que, segundo os critérios definidos pelo OIE, Portugal era, em 1998 tal como em 1999, uma zona de baixa incidência de BSE.
28. Ora, se nos reportarmos ao código zoossanitário estabelecido por essa organização, nas suas versões sucessivas, apenas se pode verificar que, em 1998, o referido código não incluía ainda uma definição de zonas de baixa incidência, nem, aliás, de zonas de alta incidência, uma vez que essas definições ainda estavam em estudo. Só na versão de 1999 do referido código foram fornecidas essas definições.
29. Para uma zona ser considerada de baixa incidência, é necessário, entre outras condições, que sejam contados, para os últimos doze meses, menos de 100 casos de BSE por milhão de animais com idade superior a dois anos. Para uma zona ser considerada de alta incidência, é necessário, nomeadamente, que o número de casos de BSE por milhão de animais com idade superior a dois anos seja superior a 100 relativamente ao mesmo período.
30. É, pois, incontestável que Portugal, nem em 1998, por ausência de definição, nem em 1999, com um número não contestado de 211 casos por milhão de animais (v. o quinto considerando da decisão impugnada), não podia ser considerado uma zona de baixa incidência.
31. Em seguida, afirma-se que a leitura dos relatórios relativos às missões efectuadas de 22 de Fevereiro a 3 de Março de 1999 e de 14 a 18 de Junho do mesmo ano revelaria uma situação satisfatória, sem prejuízo de alguns pormenores ainda por resolver.
32. Ora, ou a Comissão e o Governo português não tiveram em mãos os mesmos relatórios ou, mais verosimilmente, um e outro não têm a mesma concepção do que constitui um pormenor.
33. Com efeito, o considerando 6 da decisão impugnada refere que as referidas missões, com uma missão efectuada de 19 a 23 de Abril que o Governo português não refere, «levaram à conclusão de que, no que se refere à aplicação das medidas de gestão dos riscos, foram realizados importantes esforços e consideráveis progressos num curto período, apesar de nem todas as medidas terem sido adequadamente postas em prática».
34. Reconhecemos sem dificuldade ao Governo português o direito de considerar que, face à situação de partida, os progressos registados pelas referidas missões constituíam o essencial do que se esperava das autoridades portuguesas e que os esforços por cumprir podiam ser considerados como pouco relativamente ao que já tinha sido feito. Mas isso em nada muda o facto de o resultado a que tinham chegado não ser ainda aquele que se esperava delas.
35. Aliás só podemos admirar-nos com o optimismo manifestado pelo Governo português.
36. Com efeito, o relatório redigido na sequência da missão de 22 de Fevereiro a 3 Março de 1999, manifestando uma melhoria visível, tanto a nível da legislação adoptada como a nível da sua aplicação, refere progressos a realizar quanto ao respeito da proibição de exportação (controlos nas estradas insuficientes e mal organizados), à retirada de matérias de risco especificadas, ao respeito da proibição das farinhas animais (inexistência de controlos a nível das explorações agrícolas), ao controlo das deslocações dos animais (período entre o nascimento do animal e a sua marcação, problemas a nível das coortes de nascimento).
37. No relatório relativo à missão do Serviço Alimentar e Veterinário efectuada a Portugal de 19 a 23 de Abril de 1999 para controlo de estabelecimentos de carne fresca [Directiva 64/433/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1964, relativa a problemas sanitários em matéria de comércio intracomunitário de carne fresca, JO B 121, p. 2012; EE 03 F1 p. 101)] e comércio de carne fresca (Directiva 89/662/CEE) pode-se ler, entre outras coisas, que estabelecimentos de carne fresca não aprovados funcionam de forma ilegal sem que as autoridades competentes, perfeitamente ao corrente, tenham adoptado as medidas para o solucionar, que existem graves deficiências em matéria de higiene do abate e que a identificação dos animais não cumpre as exigências da legislação comunitária.
38. Estas diversas falhas revelam-se tão sérias aos autores do relatório que recomendam à Comissão que pondere seriamente a hipótese de instaurar uma acção contra a República Portuguesa para declaração da não observância, nesta última, de numerosas disposições da legislação comunitária.
39. O relatório redigido na sequência da missão efectuada entre 14 e 18 de Junho de 1999 já não refere deficiências tão graves, insistindo ainda no facto de não ser ainda possível apreciar verdadeiramente se as medidas adoptadas pelas autoridades portuguesas na sequência das recomendações contidas nos relatórios anteriores foram aplicadas de forma adequada e tiveram os efeitos esperados.
40. Fique bem entendido que em nada tencionamos denegrir a acção das autoridades portuguesas. Devemos, no entanto, verificar que no sexto considerando da Decisão 98/653, tinha ficado expressamente indicado que «a proibição da expedição de produtos provenientes de bovinos pode ser limitada no tempo, desde que uma análise de riscos aplicada com base nas conclusões da deslocação em serviço do Serviço Alimentar e Veterinário e que tenha em conta a evolução da doença, demonstre que foram tomadas medidas adequadas para gerir todos os riscos e que as medidas comunitárias e nacionais pertinentes são respeitadas e eficazmente aplicadas». Ora, nos quinto e sexto considerandos da decisão impugnada, a Comissão considerou simultaneamente que, entre 1998 e 1999, o número de casos por milhão de animais de mais de dois anos de idade tinha aumentado de 105,6 para 211 e que os relatórios das missões efectuadas não referiam uma situação totalmente controlada uma vez que «essas missões levaram à conclusão de que, no que se refere à aplicação das medidas de gestão dos riscos, foram realizados importantes esforços e consideráveis progressos num curto período, apesar de nem todas as medidas terem sido adequadamente postas em prática». Impõe-se, assim, verificar que a Comissão pôde referir fundamentos convincentes para justificar o prolongamento da proibição por um período suplementar de seis meses.
41. Por último, assinalamos, embora não seja relevante para a apreciação da legalidade da decisão impugnada à data em que foi adoptada, que, pela Decisão 2000/104/CE da Comissão, de 31 de Janeiro de 2000, que altera a Decisão 98/653 relativa a medidas de emergência em matéria de protecção contra a encefalopatia espongiforme bovina (BSE), tornadas necessárias pela ocorrência de BSE em Portugal , a Comissão, tendo em conta o facto de ainda não estarem reunidas as condições para uma retoma das exportações portuguesas de carne de bovino, teve que suprimir o limite de 1 de Fevereiro de 2000 da proibição de exportação. O primeiro fundamento da República Portuguesa deve, pois, em nossa opinião, improceder.
Quanto ao segundo fundamento
42. Quanto ao segundo fundamento invocado pelo Governo português, impõe-se uma observação de princípio. O Governo português, ao arguir uma violação do código zoossanitário do OIE, dá a entender que a Comissão tinha que respeitar esse código. Ora, isso está por demonstrar.
43. Em nosso entender, os textos que a Comissão tinha que respeitar são os que constituem a base jurídica da sua decisão, isto é, as Directivas 90/425 e 89/662. O Código zoossanitário do OIE não fixa normas obrigatórias para as instituições comunitárias.
44. É evidente que as normas que estabelece podem, e mesmo devem, na nossa opinião, ser tomadas em consideração para apreciar se as medidas comunitárias se mantêm dentro dos limites do que impõe o princípio da proporcionalidade. Deveremos certamente interrogar-nos sobre o que poderia justificar que a Comunidade adoptasse medidas draconianas de proibição na hipótese, por exemplo, de o referido código apenas prever medidas de vigilância reforçada.
45. Não se pode, no entanto, excluir totalmente que existam razões válidas para que a Comunidade, em certos casos, vá além do que recomenda o OIE e, verificando-se tais razões, seria em vão que um litigante invocaria a violação do código zoossanitário, que não tem qualquer carácter vinculativo no ordenamento jurídico comunitário.
46. Mas, no caso presente, nem se tem que colocar tal questão, uma vez que não existe qualquer contradição entre as recomendações do código zoossanitário e a proibição imposta pela decisão impugnada. Ao contrário do que afirma o Governo português, no momento da sua adopção, Portugal era uma zona de alta incidência e, para se poder efectuar exportações a partir de tal zona, o código zoossanitário dispõe que devem encontrar-se preenchidas determinadas condições estritas, enunciadas no seu artigo 3.2.13.10.
47. Entre essas condições figuram a proibição efectiva de alimentação a partir de farinhas cárneas, a existência de um sistema permanente de identificação que permita identificar retroactivamente os animais até à mãe e ao efectivo de origem do animal, a eliminação de todas as matérias de risco especificadas, o abate e destruição dos animais de alto risco, tais como a descendência e as coortes de nascimento dos animais portadores de BSE.
48. Na realidade, a exportação de carne de bovino só pode ser realizada com base em dois regimes: um que assenta na certificação dos efectivos, indicando que os produtos provêm de animais nascidos, criados e que permaneceram em efectivos em que não foi detectado qualquer caso de BSE ao longo dos sete últimos anos, o outro de base temporal, em que se indica que os produtos provêm de animais nascidos depois da data em que foi aplicada a proibição efectiva de alimentação a partir de farinhas cárneas.
49. As condições colocadas pelo código zoossanitário não estavam, manifestamente, à vista dos relatórios das missões efectuadas durante o primeiro semestre de 1999, reunidas relativamente a Portugal, à data em que foi adoptada a decisão impugnada.
50. Se fosse necessário uma prova suplementar, encontrar-se-ia na Decisão 2000/104, onde se indica, nos quinto e sexto considerandos, que:
«Portugal apresentou à Comissão uma primeira proposta de um regime de base temporal em 3 de Dezembro de 1999; o regime em questão terá de ser examinado à luz das medidas tomadas por Portugal no que respeita à proibição ao nível dos alimentos para animais, à possibilidade de identificar retroactivamente a origem dos bovinos, ao abate selectivo dos descendentes e das coortes de nascimento dos casos de BSE e à remoção das matérias de risco especificadas; a implantação de tais medidas terá, além disso, de ser confirmada por uma missão comunitária antes de a Comissão poder propor um levantamento parcial da proibição ao Comité Veterinário Permanente.
Nestas circunstâncias, afigura-se conveniente manter a proibição de expedição de produtos procedentes de bovinos até que o regime proposto por Portugal possa ser aprovado.»
51. Apenas podemos considerar, pois, que o segundo fundamento apresentado pelo Governo português deve, também este, ser rejeitado.
Quanto ao terceiro fundamento
52. Pelo terceiro fundamento, o Governo português alega essencialmente que a consulta ao Comité Veterinário Permanente, previamente à adopção da decisão impugnada esteve ferida de irregularidades, na medida em que esse comité não teve à sua disposição nem o relatório elaborado na sequência da missão realizada a Portugal de 14 a 19 de Junho de 1999, nem os relatórios periódicos enviados à Comissão pelas autoridades portuguesas, de acordo com o artigo 14.° da Decisão 98/653. Essa retenção de informações teria viciado o parecer do comité, favorável ao projecto de decisão apresentado pela Comissão.
53. O facto de o relatório da missão não ter estado à disposição do comité não é contestável e assinalaremos que os considerandos da decisão impugnada apenas fazem referência às missões de Fevereiro-Março e Abril de 1999.
54. Na nossa opinião, se o relatório da missão de Junho tivesse estado disponível em 16 de Julho, quando reuniu o Comité Veterinário Permanente, o fundamento da República Portuguesa seria incontestavelmente procedente.
55. Mas, como aliás reconhece o Governo português, esse relatório só existia, nessa data, de forma provisória. Há que observar, com efeito, que o artigo 7.° , n.° 1, da Decisão 98/139/CE da Comissão, de 4 de Fevereiro de 1998, que fixa determinadas regras específicas relativas aos controlos no local, no domínio veterinário, realizados por peritos da Comissão nos Estados-Membros , dispõe que «a Comissão confirmará igualmente os resultados dos controlos, no prazo de 20 dias úteis, através de um relatório escrito [...]. O Estado-Membro comunicará as suas observações no prazo de 25 dias úteis a contar da data de recepção do relatório escrito da Comissão.»
56. Concretamente, neste caso, o relatório foi enviado, dentro do prazo, à República Portuguesa, segundo as suas próprias palavras, em 14 de Julho de 1999, e chegou à representação permanente de Portugal em 19 e Julho, isto é, depois da reunião do Comité Veterinário Permanente.
57. A contar de 19 de Julho, o Governo português dispunha do prazo previsto no artigo 7.° , n.° 1, para apresentar as suas observações. Não se podia, assim, pôr um relatório definitivo à disposição do Comité Veterinário Permanente no dia da reunião.
58. Tal como reconhece o Governo português, a Comissão propôs, na reunião, apresentar o relatório oralmente, ao que se opôs, como era seu direito, a República Portuguesa.
59. Não se pode, pois, afirmar que o comité não estava na posse do último relatório efectivamente disponível.
60. Mas, poder-se-ia objectar, porque não enviou a Comissão uma missão de inspecção suficientemente cedo para que o comité pudesse dispor do seu relatório, ou porque não adiou a reunião do Comité Veterinário Permanente?
61. Tal como reconhece o Governo português, quando refere que a missão de Fevereiro-Março, efectuada três meses depois da adopção da Decisão 98/653, tinha ocorrido demasiado cedo para que se pudesse verificar resultados positivos, de nada teria servido enviar a Portugal uma missão no decurso de Maio de 1999, uma vez que havia muito poucas probabilidades de que tivessem sido resolvidas, nesse momento, as deficiências referidas em Fevereiro-Março e Abril. Adiar a reunião do Comité Veterinário Permanente também não faria sentido uma vez que, tendo em conta os prazos estabelecidos pelo artigo 7.° , n.° 1, não se poderia esperar ter um relatório definitivo no final de Julho, ao passo que a Comissão tinha que adoptar uma decisão, o mais tardar, até 31 de Julho visto que a proibição decretada pelo artigo 4.° da Decisão 98/653 expirava em 1 de Agosto de 1999.
62. Quanto aos relatórios enviados mensalmente por Portugal, são documentos unilaterais, certamente muito úteis para a Comissão na medida em que lhe permitem precisamente programar as missões enviadas ao local e definir melhor o seu objecto, mas não nos parece que possam constituir um elemento a partir do qual o Comité Veterinário Permanente emita a sua opinião quanto à situação de Portugal relativamente à BSE.
63. Assim, não se pode afirmar, como faz o Governo português, que a Comissão se dispensou das obrigações processuais que lhe eram impostas antes da adopção da decisão impugnada.
64. Apenas podemos observar que o terceiro fundamento do Governo português não procede.
Quanto ao quarto fundamento
65. Quanto ao quarto fundamento podemos ser relativamente breves na medida em que a análise dos dois primeiros fundamentos revelou que a Comissão tomou, pela decisão impugnada, uma decisão adaptada às condições concretas que se verificavam em Portugal em matéria de BSE.
66. É certo que o Governo português alega que Portugal não é um exportador importante de carne de bovino e que, por isso, as suas exportações são fáceis de controlar. Este argumento em nada nos convence.
67. Com efeito, por um lado, não são as quantidades exportadas que devem ser tidas em consideração quando se trata do risco de presença, na alimentação humana, de produtos contaminados pela BSE, mas sim as garantias que podem ser dadas quanto à ausência de contaminação dos produtos. Por outro lado, uma proibição de exportação, manifestamente, não impõe um sacrifício desproporcionado a um Estado-Membro que se qualifica a si próprio como um pequeno exportador.
68. O Governo português refere também que, não obstante o facto de ter uma alta incidência de BSE, o Reino Unido foi autorizado a retomar as suas exportações e que as exportações da carne de bovino para a Comunidade a partir da Suíça não foram proibidas, apesar de este país estar longe de ser indemne de BSE.
69. Quanto ao Reino Unido, embora seja verdade que se trata do Estado-Membro mais afectado pela BSE, observaremos que, se foi autorizada a retoma das exportações, é porque o Reino Unido fez a prova de que tinha posto em prática um dos regimes preconizados pelo OIE, que já referimos na análise do segundo fundamento do Governo português. Lembramos também que só bastante depois da aplicação das medidas previstas no código zoossanitário foi autorizada a retoma das exportações, ao passo que, no momento em que foi tomada a decisão impugnada, as autoridades portuguesas ainda estavam a estudar as modalidades do regime que iam aplicar e que submeteram à Comissão, como acima lembramos, em 3 de Dezembro de 1999. Não se podia, pois, comparar a situação de Portugal, em Julho de 1999, à do Reino Unido na mesma época.
70. Quanto à Suíça, embora seja verdade que esse Estado é afectado pela BSE, não se pode considerar que os problemas aí tenham, em qualquer momento, atingido o mesmo grau de gravidade que em Portugal. Na missão que aí foi efectuada de 8 a 12 de Fevereiro pelo Serviço Alimentar e Veterinário, é certo que os peritos referiram um determinado número de lacunas e formularam recomendações, mas o seu relatório não preconiza uma proibição das exportações suíças para a Comunidade e refere uma apreciação muito positiva sobre os programas de controlo e erradicação postos em prática pelas autoridades helvéticas.
71. Assim, não se nos afigura possível considerar fundada a alegação de violação do princípio da proporcionalidade que o Governo português formula como quarto fundamento.
Conclusão
72. Não se nos afigurando procedente nenhum dos fundamentos invocados pela República Portuguesa, propomos ao Tribunal de Justiça que julgue que:
«- o recurso é julgado improcedente;
- a República Portuguesa suportará as respectivas despesas.»