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Document 62004CJ0347

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 29 de Março de 2007.
Rewe Zentralfinanz eG contra Finanzamt Köln-Mitte.
Pedido de decisão prejudicial: Finanzgericht Köln - Alemanha.
Liberdade de estabelecimento - Imposto sobre as sociedades - Compensação imediata das perdas sofridas pelas sociedades-mãe - Perdas resultantes da amortização efectuada com base no valor das participações detidas em filiais estabelecidas noutros Estados-Membros.
Processo C-347/04.

Colectânea de Jurisprudência 2007 I-02647

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:194

Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Partes

No processo C‑347/04,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Finanzgericht Köln (Alemanha), por decisão de 15 de Julho de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de Agosto de 2004, no processo

Rewe Zentralfinanz eG, titular universal do património da ITS Reisen GmbH

contra

Finanzamt Köln‑Mitte ,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, J. Klučka, R. Silva de Lapuerta, J. Makarczyk e L. Bay Larsen (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Poiares Maduro,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 16 de Março de 2006,

vistas as observações apresentadas:

– em representação da Rewe Zentralfinanz eG, por M. Lausterer, Rechtsanwalt,

– em representação do Finanzamt Köln‑Mitte, por B. Redmann, na qualidade de agente,

– em representação do Governo alemão, por M. Lumma e U. Forsthoff, na qualidade de agentes,

– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e D. Triantafyllou, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 31 de Maio de 2006,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão

1. O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE), 58.° do Tratado CE (actual artigo 48.° CE), 67.° a 73.° do Tratado CE (revogados pelo Tratado de Amesterdão), 73.°‑B a 73.°‑D do Tratado CE (actuais artigos 56.° CE a 58.° CE), 73.°‑E do Tratado CE (revogado pelo Tratado de Amesterdão), bem como 73.°‑F e 73.°‑G do Tratado CE (actuais artigos 59.° CE e 60.° CE).

2. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Rewe Zentralfinanz eG (a seguir «Rewe»), estabelecida na Alemanha e que actua na qualidade de titular universal do património da sociedade ITS Reisen GmbH (a seguir «ITS»), ao Finanzamt Köln‑Mitte, a respeito da não tomada em conta, a título das despesas de exploração dedutíveis para a determinação do lucro tributável dos exercícios fiscais de 1993 e 1994, das perdas resultantes da depreciação do valor das participações detidas em filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros.

A legislação nacional

3. Por força do § 1 da Lei de 1991 sobre o imposto das sociedades (Körperschaftsteuergesetz 1991, a seguir «KStG 1991»), que é aplicável no processo principal, as sociedades residentes estão sujeitas, na Alemanha, ao imposto sobre as sociedades relativamente aos seus lucros a nível mundial. Estes englobam os lucros realizados pelas sucursais ou agências por intermédio das quais essas sociedades residentes exercem as suas actividades fora do referido Estado. Em contrapartida, uma sociedade residente não é tributada pelos lucros das suas filiais no momento em que estes são realizados.

4. Nos termos do § 8, n.° 1, da KStG 1991, são as disposições da Lei de 1990 relativa ao imposto sobre o rendimento (Einkommensteuergesetz 1990, a seguir «EStG 1990») e da KStG 1991 que definem o que deve ser entendido por «rendimento» e a maneira como este deve ser determinado.

5. Ao abrigo do § 6, n.° 1, ponto 2, segunda frase, da EStG 1990, as depreciações parciais do valor das participações constituem despesas de exploração dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável. Nos termos deste § 6, é considerado valor parcial o montante que um adquirente da totalidade da exploração imputa ao bem económico em causa no contexto do preço de aquisição global. Enquanto os bens económicos amortizáveis que fazem parte dos activos fixos estão, em princípio, para efeitos da determinação do lucro, inscritos no balanço com o seu valor de aquisição ou de produção, ao qual é deduzida a depreciação pelo uso, o sujeito passivo tem igualmente a faculdade de declarar o valor inferior (depreciação parcial) quando, por exemplo, o valor efectivo do bem económico tenha caído abaixo do valor de aquisição ou de produção, deduzido da depreciação pelo uso.

6. Nos termos do § 2, n.° 3, da EStG 1990, a soma das receitas obtidas por um contribuinte num ano é constituída pelo saldo das receitas positivas e negativas. Se no final desta operação subsistirem perdas, elas são dedutíveis a título de outros anos, aquando da determinação do rendimento tributável, no âmbito da antecipação ou do reporte das perdas, nos termos do § 10d da EStG 1990.

7. Em aplicação das disposições da EStG 1990, na redacção dada pela Lei de 1992 relativa à reforma fiscal (Steueränderungsgesetz 1992), de 25 de Fevereiro de 1992 (BGBl. 1992 I, p. 297), a compensação fiscal das perdas resultantes da depreciação do valor de participações numa sociedade de capitais era, à data dos factos do processo principal, tratada de modo diferente, consoante correspondesse a uma sociedade de capitais estabelecida na Alemanha ou fora deste Estado.

8. Se uma participação fosse detida numa sociedade de capitais estabelecida na Alemanha, nos termos do § 2, n.° 3, da EStG 1990, as receitas negativas – incluindo as perdas decorrentes da depreciação – imputáveis a um período de tributação podiam ser compensadas com todas as receitas positivas realizadas pelo contribuinte.

9. Nos termos do § 2a, n. os  1 e 2, da EStG 1990, intitulado «Receitas negativas com ligação ao estrangeiro», determinadas receitas negativas de fonte estrangeira só podiam ser tidas em conta, para efeitos fiscais, de forma limitada:

«(1) As receitas negativas

[…]

2. provenientes de um estabelecimento industrial ou comercial situado num país estrangeiro,

3. a) provenientes da tomada em consideração do valor parcial inferior de uma participação, que faça parte dos activos de exploração, numa pessoa colectiva que não tenha a sua direcção nem a sua sede no interior do país (pessoa colectiva estrangeira) [...]

[…]

só podem ser compensadas com receitas positivas da mesma natureza provenientes do mesmo Estado […]; também não podem ser deduzidas nos termos do § 10d. As diminuições de lucro são equiparadas às receitas negativas. Não podendo as receitas negativas ser compensadas em conformidade com o disposto na primeira frase, serão deduzidas das receitas positivas da mesma natureza que o contribuinte realize durante os exercícios fiscais seguintes no mesmo Estado. […]

(2) O n.° 1, primeira frase, ponto 2, não é aplicável se o contribuinte provar que as receitas negativas são provenientes de um estabelecimento industrial ou comercial no estrangeiro, que tenha por objecto exclusivo ou quase exclusivo […] a realização de prestações de natureza comercial, na medida em que estas não consistam na criação ou na exploração de instalações destinadas ao turismo ou na locação de bens económicos […]; a detenção directa de uma participação de, no mínimo, um quarto do capital nominal de uma sociedade de capitais que tenha por objecto exclusivo ou quase exclusivo as actividades acima referidas, bem como o financiamento relacionado com a detenção de tal participação, é considerada uma realização de prestações de natureza comercial quando a sociedade de capitais não tenha a sua direcção nem a sua sede no interior do país. O n.° 1, primeira frase, pontos 3 e 4, não é aplicável se o contribuinte provar que as condições indicadas na primeira frase estavam preenchidas pela pessoa colectiva desde a sua criação ou durante os últimos cinco anos anteriores ao período de tributação durante o qual as receitas negativas são realizadas e no decurso deste período.

[…]»

10. Resulta do § 2a da EStG 1990 que só é possível uma compensação de receitas negativas decorrentes de uma depreciação parcial se a sociedade realizar no estrangeiro receitas na acepção deste § 2a, n.° 2 (ditas receitas «activas»), ou se ela própria detiver uma participação de, pelo menos, 25% noutra sociedade de capitais estrangeira que, por seu lado, realiza receitas activas na acepção do referido § 2a, n.° 2. O exercício de actividades ligadas ao turismo no estrangeiro impede, à partida, a compensação das perdas.

11. Em aplicação do § 8b, n.° 2, da KStG 1991, na redacção dada pela Lei destinada a garantir o local de estabelecimento (Standortsicherungsgesetz), de 13 de Setembro de 1993 (BGBl. 1993 I, p. 1569), as mais‑valias realizadas com a cessão de uma participação ficaram isentas de imposto, pela primeira vez, relativamente ao exercício fiscal de 1994.

12. Por último, a Lei relativa à redução dos impostos (Steuersenkungsgesetz), de 23 de Outubro de 2000 (BGBl. 2000 I, p. 1433), modificou o § 8b, n.° 3, da KStG 1991. Esta disposição prevê, na versão alterada, que as diminuições de receitas decorrentes da tomada em consideração do valor parcial inferior de uma participação não são tidas em conta, independentemente da questão de saber se esta participação é detida numa sociedade de capitais estabelecida fora da Alemanha ou no território deste Estado.

O litígio no processo principal e a questão prejudicial

13. Por contrato celebrado em 6 de Março de 1995, a ITS, uma sociedade do grupo Kaufhof Holding AG, que tem por objecto social actividades ligadas ao turismo, foi cedida por este grupo à Rewe. Por contrato de fusão de 3 de Novembro de 1995, a Rewe passou a ser a titular universal do património da ITS.

14. Em 1989, a ITS tinha criado nos Países Baixos uma filial, a Kaufhof‑Tourism Holdings BV (a seguir «KTH»), da qual detinha a integralidade das partes sociais. Nesse mesmo Estado‑Membro, a KTH criou uma sociedade de participações, a International Tourism Investment Holdings BV, da qual detinha 100% das partes. Além disso, esta última sociedade adquiriu, designadamente, 100% das partes da sociedade German Tourist Facilities Ltd, estabelecida no Reino Unido, bem como 36% das partes da sociedade Travelplan SA, estabelecida em Espanha.

15. Nas suas contas anuais de 1993 e 1994, a ITS procedeu à correcção resultante das depreciações do valor da sua participação na sua filial neerlandesa KTH e a correcções de valor dos créditos relativos às duas filiais da sua subfilial, estabelecidas no Reino Unido e em Espanha. O total destes encargos excepcionais ascendia, relativamente aos exercícios fiscais de 1993 e 1994, a mais de 46 milhões de DEM.

16. No entanto, o Finanzamt Köln‑Mitte, por entender que o § 2a da EStG 1990 se opunha à tomada em conta desses encargos ligados à participação na KTH, recusou‑se a admitir os referidos encargos a título de despesas de exploração para efeitos fiscais e a considerá‑los receitas negativas na determinação do lucro tributável da Rewe para os exercícios fiscais de 1993 e 1994. Por conseguinte, emitiu avisos modificativos referentes, designadamente, ao imposto sobre as sociedades devido pela Rewe a título dos referidos exercícios.

17. Por entender que podia invocar, para efeitos fiscais, todos os encargos ligados às participações nas sociedades estabelecidas nos Países Baixos, no Reino Unido e em Espanha, a Rewe recorreu, com este fim, para o Finanzgericht Köln, alegando que a aplicação do § 2a da EStG 1990 constitui uma discriminação contrária ao direito comunitário.

18. Segundo este órgão jurisdicional, resulta do direito aplicável à época dos factos no processo principal que, enquanto as depreciações do valor das participações numa filial estabelecida na Alemanha podiam, em princípio, ser fiscalmente tidas em conta, sem restrições, a título de encargos de exploração da sociedade‑mãe para efeitos da determinação do seu lucro tributável, as depreciações do valor das participações numa filial estabelecida noutro Estado‑Membro só podiam ser tidas em conta, para efeitos fiscais, em casos limitados, a saber, quando as receitas negativas decorrentes das referidas depreciações fossem compensadas com receitas positivas provenientes desse outro Estado‑Membro, ou quando as condições do regime derrogatório previsto no § 2a, n.° 2, da EStG 1990 estivessem preenchidas. Considera provável que semelhante diferença de tratamento, que decorre do § 2a, n. os  1, ponto 3, alínea a), e 2, da EStG 1990, seja contrária ao direito comunitário e entende que não descortina razões susceptíveis de justificar esta diferença.

19. Nestas condições, o Finanzgericht Köln decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As disposições conjugadas dos artigos 52.° […], 58.° […], 67.° a 73.° bem como 73.°‑B e seguintes [do Tratado] devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação que – como a regulamentação do § 2a, n.° 1, ponto 3, alínea a), e n.° 2, da EStG […], contestadas no processo principal – restringe a dedução fiscal imediata de perdas resultantes da depreciação do valor das participações em filiais situadas noutros países da Comunidade, quando estas filiais exercem actividades passivas na acepção da disposição nacional e/ou quando realizam actividades activas na acepção da disposição nacional apenas através das suas subfiliais, ao passo que as depreciações do valor das participações em filiais situadas no interior do país são possíveis sem estas restrições?»

Quanto à questão prejudicial

20. Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, em circunstâncias como as do processo principal, as disposições do Tratado CE relativas à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que limita, para uma sociedade‑mãe residente neste Estado, as possibilidades de dedução fiscal das perdas sofridas pela referida sociedade resultantes da depreciação do valor das suas participações nas filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros.

Quanto à interpretação das disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento

21. Antes de mais, importa lembrar que, segundo jurisprudência bem assente, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados‑Membros, estes devem exercê‑la no respeito do direito comunitário (v., designadamente, acórdãos de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft e o., C‑397/98 e C‑410/98, Colect., p. I‑1727, n.° 37; de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer, C‑446/03, Colect., p. I‑10837, n.° 29; de 12 de Setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, C‑196/04, Colect., p. I‑7995, n.° 40; e de 13 de Março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C‑524/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25).

22. Em conformidade com jurisprudência assente, incluem‑se no âmbito de aplicação material das disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento as disposições nacionais que se aplicam à detenção, por um nacional do Estado‑Membro em causa, de uma participação no capital de uma sociedade estabelecida noutro Estado‑Membro que lhe permita exercer uma influência real nas decisões dessa sociedade e determinar as respectivas actividades (v., neste sentido, acórdãos de 13 de Abril de 2000, Baars, C‑251/98, Colect., p. I‑2787, n.° 22; de 21 de Novembro de 2002, X e Y, C‑436/00, Colect., p. I‑10829, n.° 37; Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, já referido, n.° 31; e Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 27).

23. É o que sucede quando, como no processo principal, uma sociedade residente, como a ITS, detém uma participação igual a 100% do capital de uma sociedade estabelecida noutro Estado‑Membro. Com efeito, o facto de um contribuinte deter uma participação igual a 100% do capital de uma sociedade com sede noutro Estado‑Membro inclui, indubitavelmente, este contribuinte no campo de aplicação das disposições do Tratado relativas ao direito de estabelecimento (acórdão Baars, já referido, n.° 21).

24. Consequentemente, deve apreciar‑se se os artigos 52.° e 58.° do Tratado se opõem à aplicação de uma regulamentação como a que está em causa no processo principal.

25. A liberdade de estabelecimento, que o artigo 52.° do Tratado reconhece aos nacionais da Comunidade e que compreende tanto o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício como a constituição e a gestão de empresas, nas condições definidas na legislação do Estado‑Membro de estabelecimento para os seus próprios nacionais, inclui, nos termos do artigo 58.° do Tratado, para as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e que tenham a sua sede social, a administração central ou o estabelecimento principal na Comunidade, o direito de exercer a sua actividade no Estado‑Membro em causa através de uma filial, de uma sucursal ou de uma agência (v., designadamente, acórdão de 21 de Setembro de 1999, Saint‑Gobain ZN, C‑307/97, Colect., p. I‑6161, n.° 35; acórdão Marks & Spencer, já referido, n.° 30; bem como acórdão de 23 de Fevereiro de 2006, Keller Holding, C‑471/04, Colect., p. I‑2107, n.° 29).

26. Embora, de acordo com o seu teor, as disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento visem assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, elas impedem igualmente que o Estado‑Membro de origem levante obstáculos ao estabelecimento, noutro Estado‑Membro, de um dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação (acórdãos de 16 de Julho de 1998, ICI, C‑264/96, Colect., p. I‑4695, n.° 21, e Marks & Spencer, já referido, n.° 31).

27. Nos termos da regulamentação em causa no processo principal, as perdas patrimoniais relativas à depreciação do valor das participações detidas em filiais situadas na Alemanha entram, imediatamente e sem restrições, na determinação do lucro tributável das sociedades‑mãe sujeitas a tributação global na Alemanha.

28. Pelo contrário, como resulta do § 2a, n. os  1 e 2, da EStG 1990, as perdas do mesmo tipo decorrentes das participações detidas numa filial estabelecida noutro Estado‑Membro só são dedutíveis, a nível da sociedade‑mãe sujeita a tributação global na Alemanha, sob certas condições ligadas às receitas desta sociedade ou ao exercício, pela sua filial, de actividades ditas «activas».

29. É certo que as perdas resultantes, para uma sociedade‑mãe residente na Alemanha, de participações detidas em filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros poderiam ser tomadas em conta na Alemanha, no caso de estas filiais realizarem posteriormente receitas positivas. Todavia, mesmo no caso em que se verificaram suficientes receitas positivas, uma sociedade‑mãe dessa natureza não pode, ao invés de uma sociedade‑mãe com filiais estabelecidas na Alemanha, beneficiar de uma imputação imediata das suas perdas, sendo, deste modo, privada de uma vantagem de tesouraria (v., neste sentido, acórdão Marks & Spencer, já referido, n.° 32).

30. Daqui resulta que a situação fiscal de uma sociedade‑mãe residente na Alemanha que, como a Rewe, tem uma filial e uma subfilial noutro Estado‑Membro é menos favorável do que aquela em que se encontraria se essa filial e essa subfilial estivessem estabelecidas na Alemanha.

31. Uma tal diferença de tratamento causa uma desvantagem fiscal à sociedade‑mãe estabelecida na Alemanha e que tem uma filial noutro Estado‑Membro. Tendo em conta esta diferença, uma sociedade‑mãe poderá ser dissuadida de exercer a sua actividade por intermédio de filiais ou de filiais indirectas estabelecidas noutros Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão de 18 de Setembro de 2003, Bosal, C‑168/01, Colect., p. I‑9409, n.° 27).

32. O Governo alemão alega, contudo, que esta diferença de tratamento não constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento, na medida em que a situação de uma filial estabelecida na Alemanha não é comparável à situação de uma filial estabelecida noutro Estado‑Membro. Segundo este Governo, as filiais são pessoas colectivas autónomas relativamente à sua sociedade‑mãe, que estão sujeitas a tributação no Estado onde se encontram estabelecidas. É provável que a filial KTH tenha indicado perdas na declaração dos seus lucros tributáveis nos Países Baixos. O referido governo entende que a República Federal da Alemanha não está obrigada, como Estado de estabelecimento da sociedade‑mãe, a conceder às filiais estrangeiras autónomas um estatuto jurídico comparável àquele de que beneficia a sociedade‑mãe residente.

33. A este respeito, convém assinalar, como fez o advogado‑geral no n.° 21 das suas conclusões, que a diferença de tratamento fiscal em causa no processo principal não se refere à situação das filiais, consoante estejam ou não estabelecidas na Alemanha, mas à das sociedades‑mãe residentes na Alemanha, consoante tenham ou não filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros.

34. Quanto às perdas sofridas por tais sociedades‑mãe residentes, resultantes da depreciação do valor das suas participações em filiais, essas sociedades encontram‑se numa situação comparável, quer se trate de participações detidas em filiais estabelecidas na Alemanha ou noutros Estados‑Membros. Com efeito, nestes dois casos, por um lado, as perdas cuja dedução é pedida são suportadas pelas sociedades‑mãe e, por outro, os lucros que provenham destas filiais, quer estejam sujeitas a tributação na Alemanha ou noutros Estados‑Membros, não são tributáveis a nível das sociedades‑mãe.

35. Por conseguinte, uma limitação da dedutibilidade de tais perdas por uma sociedade‑mãe residente, que afecta apenas as perdas sofridas com as depreciações do valor das participações detidas no estrangeiro, não reflecte uma diferença objectiva na situação das sociedades‑mãe consoante as suas filiais tenham a respectiva sede na Alemanha ou noutros Estados‑Membros.

36. Resulta do exposto que o diferente tratamento fiscal que decorre da regulamentação em causa no processo principal e a situação fiscal desfavorável que daí resulta para as sociedades‑mãe residentes na Alemanha com uma filial estabelecida noutro Estado‑Membro são susceptíveis de impedir o exercício da liberdade de estabelecimento por tais sociedades, dissuadindo‑as de constituir, adquirir ou manter uma filial noutro Estado‑Membro. Constituem, assim, uma restrição à liberdade de estabelecimento na acepção dos artigos 52.° e 58.° do Tratado.

37. Uma tal restrição à liberdade de estabelecimento só é admissível se prosseguir um objectivo legítimo compatível com o Tratado ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Mas, em tal caso, é ainda necessário que seja adequada a garantir a realização do objectivo em causa e que não vá além do necessário para alcançar esse objectivo (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Marks & Spencer, n.° 35 e jurisprudência aí citada, bem como Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, n.° 47).

38. Segundo o Governo alemão, está justificado, em qualquer caso, restringir, a uma sociedade‑mãe residente na Alemanha, as possibilidades de dedução fiscal das perdas sofridas pela referida sociedade, resultantes da depreciação do valor das suas participações nas filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros, associando a tomada em conta, para efeitos fiscais, das perdas de origem estrangeira unicamente às receitas positivas da mesma natureza provenientes do mesmo Estado. A este respeito, o Governo alemão invocou vários argumentos que, como assinalou o advogado‑geral no n.° 24 das suas conclusões, se resumem, no essencial, aos dois elementos de justificação seguintes.

39. Em primeiro lugar, aludindo, em particular, ao acórdão Marks & Spencer, já referido, no qual o Tribunal de Justiça examinou o princípio da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros, o Governo alemão invoca um primeiro elemento de justificação baseado numa regra de simetria entre o direito de tributar os lucros de uma sociedade e o dever de tomar em consideração as perdas sofridas por essa sociedade. Alega que as autoridades fiscais alemãs não deveriam ter de tomar em consideração, no âmbito do tratamento fiscal da sociedade‑mãe residente na Alemanha, perdas ligadas à actividade de uma filial estabelecida noutro Estado‑Membro, uma vez que não podem tributar os lucros dessa filial.

40. Esta argumentação não pode ser acolhida.

41. Como foi realçado pelo advogado‑geral no n.° 32 das suas conclusões, é necessário precisar o alcance que deve ser reconhecido à exigência legítima da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros. Em particular, deve sublinhar‑se que este elemento de justificação só foi aceite pelo Tribunal de Justiça no acórdão Marks & Spencer, já referido, em ligação com dois outros elementos de justificação, relativos aos riscos de dupla utilização das perdas e de evasão fiscal (v., neste sentido, acórdão Marks & Spencer, já referido, n. os  43 e 51).

42. A este respeito, há que reconhecer que, na verdade, há comportamentos susceptíveis de comprometer o direito de os Estados‑Membros exercerem a sua competência fiscal em relação às actividades realizadas no seu território e de, assim, prejudicar a repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros (v. acórdão Marks & Spencer, já referido, n.° 46) que podem justificar uma restrição à liberdade de estabelecimento (v. acórdão Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, já referido, n. os 55 e 56). Assim, o Tribunal de Justiça declarou que o facto de se conceder às sociedades a faculdade de optarem pela dedução dos seus prejuízos no Estado‑Membro do seu estabelecimento ou noutro Estado‑Membro comprometeria sensivelmente a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros, sendo a matéria colectável aumentada no primeiro Estado e diminuída no segundo, até ao montante dos prejuízos transferidos.

43. No entanto, uma diferença de tratamento fiscal entre as sociedades‑mãe residentes, consoante tenham ou não filiais no estrangeiro, não pode ser justificada pelo simples facto de terem decidido exercer actividades económicas noutro Estado‑Membro, no qual o Estado em causa não pode exercer a sua competência fiscal. Um argumento baseado na repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros não pode, assim, enquanto tal, justificar que um Estado‑Membro se recuse sistematicamente a conceder um benefício fiscal a uma sociedade‑mãe residente, alegando que esta desenvolveu uma actividade económica transnacional que não está imediatamente vocacionada para gerar receitas fiscais nesse Estado.

44. Além disso, importa assinalar que as perdas sofridas por uma sociedade‑mãe, resultantes da depreciação do valor das suas participações nas filiais estabelecidas na Alemanha, podem ser compensadas com as suas receitas positivas, mesmo quando essas filiais não realizaram lucros tributáveis durante o ano fiscal em causa.

45. Em segundo lugar, o Governo alemão alegou que a legislação em causa no processo principal é necessária para evitar que as sociedades‑mãe possam beneficiar de múltiplas vantagens fiscais sob a forma de dupla utilização das perdas sofridas no estrangeiro.

46. Este argumento não é pertinente no âmbito do processo principal.

47. Com efeito, embora seja necessário reconhecer que os Estados‑Membros devem ter a possibilidade de combater o risco de dupla utilização das perdas (v. acórdão Marks & Spencer, já referido, n.° 47), importa sublinhar que as perdas em causa no processo principal não são, como assinalou o advogado‑geral nos n. os  37 e 38 das suas conclusões, comparáveis com as perdas sofridas no estrangeiro por filiais, que a sociedade‑mãe residente pede para serem transferidas para reduzir o seu lucro tributável, como aconteceu no processo que deu origem ao acórdão Marks & Spencer, já referido.

48. A sociedade‑mãe sofreu as perdas em causa no processo principal devido à depreciação do valor das suas participações em filiais estrangeiras. Estas perdas ligadas à depreciação do valor das participações só são tomadas em conta relativamente à sociedade‑mãe e são objecto, para efeitos fiscais, de um tratamento distinto do que está reservado às perdas sofridas pelas próprias filiais. Esta imputação diferente, por um lado, das perdas sofridas pelas próprias filiais e, por outro, das perdas sofridas pela sociedade‑mãe não pode, de modo algum, ser qualificada como dupla utilização das mesmas perdas.

49. Além disso, é de notar, como a Comissão das Comunidades Europeias fez na audiência, que uma sociedade‑mãe estabelecida na Alemanha e que disponha de filiais neste mesmo Estado está autorizada a deduzir do seu rendimento tributável a depreciação do valor parcial das suas participações nas suas filiais residentes, sem que estas estejam impedidas de utilizar as suas próprias perdas no âmbito da sua própria tributação na Alemanha.

50. Em terceiro lugar, o Governo alemão sustenta que a legislação em causa no processo principal visa combater uma forma especial de evasão fiscal que consiste no facto de as sociedades‑mãe residentes na Alemanha, cuja actividade é exercida, em particular, no domínio do turismo, transferirem actividades tipicamente geradoras de perdas para outros Estados‑Membros onde criam filiais, com o único objectivo de reduzir os seus lucros tributáveis na Alemanha. Na audiência, este governo acrescentou que era necessário, segundo ele, flexibilizar a jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria, dado que a exigência ligada ao objectivo específico do combate a montagens puramente artificiais lhe parece ser demasiado restritiva. Defende que é indispensável autorizar os Estados‑Membros a tomar medidas gerais, de princípio, para combater a evasão fiscal e a adoptar normas abstractas e gerais baseadas em casos típicos.

51. A este respeito, basta notar que a simples circunstância de, num determinado sector económico como o turismo, as autoridades fiscais de um Estado‑Membro terem detectado casos de perdas importantes e contínuas sofridas por filiais estrangeiras de sociedades‑mãe residentes neste Estado não é suficiente para demonstrar a existência de montagens puramente artificiais destinadas a criar perdas resultantes da depreciação do valor das participações detidas em filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros (v., quanto à exigência ligada ao objectivo específico do combate a montagens puramente artificiais, acórdãos, já referidos, ICI, n.° 26; Marks & Spencer, n.° 57; bem como Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, n.° 51).

52. No presente caso, uma disposição como o § 2a, n.° 1, ponto 3, alínea a), da EStG 1990, que visa, de maneira geral, qualquer tomada em consideração do valor parcial inferior de uma participação quando as filiais detidas por uma sociedade‑mãe estabelecida na Alemanha estejam, por qualquer razão, estabelecidas noutros Estados‑Membros, não pode, sem exceder o que é necessário para atingir o objectivo que pretende prosseguir, ser considerada justificada pelo risco de evasão fiscal. Com efeito, esta disposição não tem por objecto específico excluir do benefício de uma vantagem fiscal as montagens puramente artificiais cujo objectivo seja contornar a lei fiscal alemã, mas visa, de maneira geral, qualquer situação na qual as filiais estejam, por qualquer razão, estabelecidas fora da Alemanha. Ora, o estabelecimento de uma sociedade fora deste Estado‑Membro não implica, por si só, a existência de uma evasão fiscal, dado que a sociedade em questão está, em qualquer caso, sujeita à legislação fiscal do Estado de estabelecimento.

53. Da mesma maneira, ao excluir as actividades ditas «activas» que enumera, em particular, as que consistem na criação ou na exploração de instalações relacionadas com o turismo, o § 2a, n.° 2, da EStG 1990 vai além do que é necessário para combater montagens abusivas. O combate à evasão fiscal não pode justificar que as receitas negativas provenientes de um estabelecimento industrial ou comercial com sede no estrangeiro, que tenha por objecto a realização de prestações de natureza comercial, possam, regra geral, ser compensadas sem restrição com receitas positivas, ao passo que, quando se trata de estabelecimentos que exercem uma actividade no domínio do turismo, a compensação com receitas positivas está subordinada a várias condições.

54. Em quarto lugar, o Governo alemão também não pode invocar a necessidade de facilitar a eficácia dos controlos fiscais das operações que se desenrolam no estrangeiro, para justificar a legislação nacional em causa no processo principal.

55. Com efeito, se a eficácia dos controlos fiscais autoriza um Estado‑Membro a aplicar medidas que permitem a verificação, de maneira clara e precisa, do montante dos encargos dedutíveis nesse Estado a título das participações no capital de filiais estrangeiras (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Maio de 1997, Futura Participations e Singer, C‑250/95, Colect., p. I‑2471, n.° 31, e de 28 de Outubro de 1999, Vestergaard, C‑55/98, Colect., p. I‑7641, n.° 23), não pode, contudo, justificar que o referido Estado‑Membro possa submeter essa dedução a condições diferentes, consoante as participações respeitem a filiais situadas no seu território ou no de outros Estados‑Membros.

56. A este respeito, há que recordar que a Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos directos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), pode ser invocada por um Estado‑Membro para obter das autoridades competentes de outro Estado‑Membro todas as informações susceptíveis de lhe permitir calcular correctamente o imposto sobre as sociedades.

57. Além disso, quanto ao argumento do Governo alemão segundo o qual o controlo de operações estrangeiras, mesmo em caso de colaboração com as autoridades de outro Estado‑Membro, é frequentemente muito difícil, basta sublinhar que as autoridades fiscais em causa podem exigir da própria sociedade‑mãe as provas que considerem necessárias para determinar se há ou não que conceder a dedução solicitada de perdas resultantes da depreciação do valor das participações detidas em filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão Vestergaard, já referido, n.° 26).

58. Tal possibilidade deve ser particularmente útil numa situação como a que deu origem ao processo principal, no qual está em causa uma sociedade‑mãe que deveria poder exigir todos os documentos necessários directamente das suas filiais estrangeiras. Além disso, as eventuais dificuldades quanto à determinação das perdas resultantes da depreciação do valor das participações detidas em filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros não justificam, em caso algum, um obstáculo à liberdade de estabelecimento (v., neste sentido, acórdãos de 4 de Março de 2004, Comissão/França, C‑334/02, Colect., p. I‑2229, n.° 29, e de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C‑319/02, Colect., p. I‑7477, n.° 54).

59. Em quinto lugar, para justificar a desvantagem fiscal sofrida, no caso vertente, pelas sociedades‑mãe estabelecidas na Alemanha e que detêm participações em filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros, o Governo alemão sustenta que a legislação em causa no processo principal está objectivamente justificada pela necessidade de salvaguardar a uniformidade do regime fiscal. Essencialmente, esta justificação pode ser relacionada com dois argumentos invocados pelo referido governo, um baseado na necessidade de salvaguardar a coerência do sistema fiscal alemão, o outro, no respeito do princípio da territorialidade.

60. No que toca à necessidade de salvaguardar a coerência do referido sistema fiscal, o Governo alemão alega, antes de mais, que, devido sobretudo a uma convenção para evitar a dupla tributação, celebrada com o Reino dos Países Baixos, Estado onde está estabelecida a KTH, filial da Rewe, os dividendos pagos pelas filiais estabelecidas nesse Estado estão isentos de imposto na Alemanha. Por esta razão, é coerente não atribuir vantagens às sociedades‑mãe residentes na Alemanha, em razão das perdas ligadas às suas filiais estrangeiras.

61. A este respeito, o argumento baseado na necessidade de salvaguardar a coerência do sistema fiscal nacional, invocado pelo Governo alemão, não pode ser acolhido, na medida em que as perdas do tipo das que estão em causa no processo principal são igualmente tomadas em conta na Alemanha quando uma filial estrangeira exerce uma actividade dita «activa» na acepção do § 2a, n.° 2, da EStG 1990, ao passo que, neste caso, os dividendos pagos por essa filial não são menos susceptíveis de estar isentos em aplicação de convenções para evitar a dupla tributação.

62. Além disso, quanto à necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal nacional estabelecido pela legislação em causa no processo principal, que, segundo o Governo alemão, é assegurada pelas referidas convenções, importa recordar que, nos n. os  28 e 21, respectivamente, dos acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann (C‑204/90, Colect., p. I‑249) e Comissão/Bélgica (C‑300/90, Colect., p. I‑305), o Tribunal de Justiça admitiu que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal pode justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado. Contudo, para que um argumento baseado numa justificação dessa natureza possa vingar, é necessário que se demonstre a existência de um nexo directo entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem através de determinada imposição fiscal (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Keller Holding, n.° 40, e Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, n.° 68).

63. Ora, resulta do exame da legislação nacional em causa no processo principal que as sociedades‑mãe sujeitas a tributação global na Alemanha, que detêm participações em filiais estabelecidas neste Estado‑Membro, beneficiam não só da possibilidade de deduzir imediatamente perdas resultantes da depreciação do valor das participações detidas nessas filiais mas também da isenção fiscal dos dividendos. Pelo contrário, embora os dividendos que uma sociedade‑mãe, sujeita a tributação global na Alemanha, recebe da sua filial estabelecida nos Países Baixos estejam igualmente isentos de imposto em aplicação da convenção para evitar a dupla tributação, a dedução das perdas resultantes da depreciação do valor das participações detidas nesta filial é objecto de restrições.

64. Dado que o Governo alemão não demonstrou a existência de um nexo entre a dedutibilidade imediata, para a sociedade‑mãe residente, das perdas resultantes da depreciação do valor das participações detidas em filiais e a isenção fiscal dos dividendos recebidos destas filiais, não pode ser acolhido o argumento segundo o qual a necessidade de salvaguardar a coerência do sistema fiscal alemão justifica que não sejam concedidas vantagens às sociedades‑mãe domiciliadas na Alemanha, por perdas ligadas às suas filiais estrangeiras, dado que os dividendos pagos por estas filiais estão isentos de imposto na Alemanha, devido às convenções para evitar a dupla tributação.

65. O Governo alemão alega, em segundo lugar, que a coerência, no plano fiscal, da legislação em causa no processo principal era assegurada pela isenção das mais‑valias geradas pela cessão de participações, prevista no § 8b, n.° 2, da KStG 1991, na redacção dada pela lei destinada a garantir o local de estabelecimento.

66. Em primeiro lugar, importa sublinhar, como fez o órgão jurisdicional de reenvio, que esta isenção foi aplicável, pela primeira vez, relativamente ao exercício fiscal de 1994 e, portanto, não visava o primeiro exercício fiscal controvertido no processo principal.

67. Em segundo lugar, importa constatar que, no âmbito da determinação do rendimento tributável das sociedades‑mãe residentes que detêm participações em filiais no estrangeiro, a proibição de deduzir perdas como as que estão em causa no processo principal produz efeitos imediatos. Assim, o facto de ser possível, posteriormente, obter uma isenção das mais‑valias realizadas em caso de cessão, na hipótese de ser alcançado um nível suficiente de lucro, não constitui uma consideração de coerência fiscal susceptível de justificar a recusa de dedução imediata das perdas sofridas pelas sociedades‑mãe que detêm participações em filiais no estrangeiro.

68. No respeitante, em último lugar, ao princípio da territorialidade tal como foi admitido pelo Tribunal de Justiça no n.° 22 do acórdão Futura Participations e Singer, já referido, importa salientar que este princípio também não justifica a legislação nacional em causa no processo principal.

69. É certo que, nos termos do referido princípio, o Estado‑Membro de estabelecimento da sociedade‑mãe pode tributar as sociedades residentes pelos seus lucros a nível mundial, ao passo que só pode tributar as filiais não residentes pelos lucros provenientes da actividade que exercem no seu território (v., neste sentido, acórdão Marks & Spencer, já referido, n.° 39). Todavia, este princípio não justifica, por si só, que o Estado de residência da sociedade‑mãe possa negar uma vantagem a esta última porque não tributa os lucros das suas filiais não residentes (v., neste sentido, acórdão Marks & Spencer, já referido, n.° 40). Como o advogado‑geral sublinhou no n.° 49 das suas conclusões, a função deste princípio consiste em introduzir, na aplicação do direito comunitário, a necessidade de tomar em consideração os limites das competências fiscais dos Estados‑Membros. Ora, no processo principal, a concessão da vantagem reclamada pela Rewe não tem como consequência pôr em causa o exercício de uma competência fiscal concorrente. Diz respeito às sociedades‑mãe residentes na Alemanha que estão sujeitas, a esse título, a uma obrigação fiscal ilimitada nesse Estado. Consequentemente, a regulamentação em causa no processo principal não pode ser considerada uma aplicação do princípio da territorialidade.

70. Face às considerações precedentes, há que responder ao órgão jurisdicional de reenvio que, em circunstâncias como as do processo principal, em que uma sociedade‑mãe detém, numa filial não residente, uma participação que lhe permite exercer uma influência real nas decisões dessa filial estrangeira e determinar as respectivas actividades, os artigos 52.° e 58.° do Tratado opõem‑se à legislação de um Estado‑Membro que restringe, para uma sociedade‑mãe residente nesse Estado, as possibilidades de dedução fiscal das perdas sofridas pela referida sociedade, resultantes da depreciação do valor das suas participações em filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros.

Quanto à interpretação das disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais

71. Visto que as disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento se opõem, assim, a uma legislação como a que está em causa no processo principal, não é necessário examinar se as disposições comunitárias respeitantes à livre circulação de capitais se opõem igualmente a essa legislação (v., neste sentido, acórdão Keller Holding, já referido, n.° 51).

Quanto às despesas

72. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Parte decisória

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

Em circunstâncias como as do processo principal, em que uma sociedade‑mãe detém, numa filial não residente, uma participação que lhe permite exercer uma influência real nas decisões dessa filial estrangeira e determinar as respectivas actividades, os artigos 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE) e 58.° do Tratado CE (actual artigo 48.° CE) opõem‑se à legislação de um Estado‑Membro que restringe, para uma sociedade‑mãe residente nesse Estado, as possibilidades de dedução fiscal das perdas sofridas pela referida sociedade, resultantes da depreciação do valor das suas participações em filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros.

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