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Document 62006CJ0300

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 6 de Dezembro de 2007.
    Ursula Voß contra Land Berlin.
    Pedido de decisão prejudicial: Bundesverwaltungsgericht - Alemanha.
    Artigo 141.º CE - Princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos - Funcionários - Prestação de horas extraordinárias - Discriminação indirecta dos trabalhadores femininos a tempo parcial.
    Processo C-300/06.

    Colectânea de Jurisprudência 2007 I-10573

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:757

    Processo C‑300/06

    Ursula Voß

    contra

    Land Berlin

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht)

    «Artigo 141.° CE – Princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos – Funcionários – Prestação de horas extraordinárias – Discriminação indirecta dos trabalhadores femininos a tempo parcial»

    Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer apresentadas em 10 de Julho de 2007 

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 6 de Dezembro de 2007 

    Sumário do acórdão

    Política social – Trabalhadores masculinos e femininos – Igualdade de remuneração

    (Artigo 141.° CE)

    O artigo 141.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional em matéria de remuneração dos funcionários que, por um lado, define as horas extraordinárias prestadas quer pelos funcionários a tempo inteiro quer pelos funcionários a tempo parcial como as horas que cumprem para além do seu horário individual de trabalho e, por outro, remunera essas horas a uma taxa inferior à taxa horária aplicada às horas prestadas no limite do horário individual de trabalho, pelo que os funcionários a tempo parcial recebem uma remuneração inferior à dos funcionários a tempo inteiro relativamente às horas que prestam para além do seu horário individual e até ao limite do número de horas devidas por um funcionário a tempo inteiro, no âmbito do seu horário, sempre que:

    – entre os trabalhadores sujeitos à referida legislação, for afectada uma percentagem consideravelmente mais elevada de trabalhadores femininos que masculinos;

    e

    – a diferença de tratamento não seja justificada por factores objectivos e estranhos a qualquer discriminação baseada no sexo.

    (cf. n.° 44, disp.)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    6 de Dezembro de 2007 (*)

    «Artigo 141.° CE – Princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos – Funcionários – Prestação de horas extraordinárias – Discriminação indirecta dos trabalhadores femininos a tempo parcial»

    No processo C‑300/06,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Alemanha), por decisão de 11 de Maio de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 6 de Julho de 2006, no processo

    Ursula Voß

    contra

    Land Berlin,

    sendo intervenientes:

    Vertreterin des Bundesinteresses beim Bundesverwaltungsgericht,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: P. Jann, presidente de secção, A. Tizzano, A. Borg Barthet (relator), M. Ilešič e E. Levits, juízes,

    advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,

    secretário: R. Grass,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    –       em representação de U. Voß, por E. Ribet Buse, Rechtsanwalt,

    –       em representação do Governo alemão, por M. Lumma e C. Blaschke, na qualidade de agentes,

    –       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por V. Kreuschitz e M. van Beek, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de Julho de 2007,

    profere o presente

    Acórdão

    1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 141.° CE.

    2       Este pedido foi apresentado no âmbito do um litígio que opõe U. Voß ao Land Berlin a respeito da remuneração das horas extraordinárias prestadas pela mesma, que é trabalhadora a tempo parcial.

     Quadro jurídico

     Regulamentação comunitária

    3       O artigo 141.°, n.os 1 e 2, CE dispõe:

    «1.      Os Estados‑Membros assegurarão a aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos, por trabalho igual ou de valor igual.

    2.      Para efeitos do presente artigo, entende‑se por ‘remuneração’ o salário ou vencimento ordinário, de base ou mínimo, e quaisquer outras regalias pagas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do emprego deste último.

    A igualdade de remuneração sem discriminação em razão do sexo implica que:

    a)      A remuneração do mesmo trabalho pago à tarefa seja estabelecida na base de uma mesma unidade de medida;

    b)      A remuneração do trabalho pago por unidade de tempo seja a mesma para um mesmo posto de trabalho.»

     Legislação nacional

    4       O § 35, n.° 2, da Lei regional relativa aos funcionários (Landesbeamtengesetz), na versão alterada de 20 de Fevereiro de 1979 (GVBl BE, p. 368), tem a seguinte redacção:

    «O funcionário deve prestar o seu serviço, sem retribuição, para além do tempo de trabalho semanal quando isso for imposto pelas exigências imperativas do serviço e as horas extraordinárias se limitarem a casos excepcionais. Se for exigido ao funcionário que preste trabalho suplementar, imposto ou autorizado oficialmente, para além das cinco horas mensais, deve beneficiar de um descanso compensatório num prazo de três meses. Se esse descanso compensatório for incompatível com o interesse do serviço, os funcionários classificados em graus e com remunerações progressivas podem obter, em vez desse descanso, uma remuneração das horas extraordinárias correspondentes num máximo de 480 horas anuais.»

    5       A Lei federal que regula a remuneração dos funcionários (Bundesbesoldungsgesetz, a seguir «BBesG»), que, nos termos do seu § 1, n.° 1, ponto 1, regula igualmente a remuneração dos funcionários regionais, prevê no seu § 6, n.° 1:

    «No caso de trabalho a tempo parcial, a remuneração e o tempo de trabalho serão reduzidos nas mesmas proporções.»

    6       O § 48 da BBesG autoriza o Governo federal a adoptar, por regulamento, as modalidades de remuneração das horas extraordinárias, na medida em que as mesmas não são compensadas por um descanso compensatório.

    7       Nos termos do § 2, n.° 1, do Regulamento relativo à remuneração das horas extraordinárias prestadas por funcionários (Verordnung über die Gewährung von Mehrarbeitsvergütung für Beamte), de 13 de Março de 1992 (BGBl. 1992 I, p. 528), como revisto em 3 de Dezembro de 1998 (BGBl. 1998 I, p. 3494, a seguir «MVergV»), adoptado com base no § 48, n.° 1, da BBesG:

    «Os funcionários classificados em graus e com remunerações progressivas podem obter uma remuneração das horas extraordinárias nos seguintes domínios:

    [...]

    6. No ensino para o pessoal docente.»

    8       O § 3, n.° 1, do MVergV dispõe:

    «A remuneração só é concedida se as horas extraordinárias forem prestadas por um funcionário sujeito ao regime do tempo de trabalho dos funcionários e em relação ao qual essas horas extraordinárias:

    1)      forem atribuídas ou estabelecidas por escrito;

    2)      excederem para além das cinco horas mensais o tempo de trabalho mensal normal ou, se o funcionário só trabalhou durante uma parte do mês, a parte proporcional do tempo de trabalho mensal; e

    3)      não puderem ser compensadas, devido às exigências imperiosas do serviço, por um descanso compensatório concedido num prazo de três meses.»

    9       Segundo o § 4 do MVergV, o montante da remuneração estabelecida por hora extraordinária prestada varia em função do grau do funcionário.

    10     O § 5, n.° 2, do MVergV enuncia:

    «No caso de o trabalho suplementar ser prestado no ensino,

    1)      três horas de aulas equivalem a cinco horas [de trabalho], em aplicação do § 3, n.° 1, ponto 2, [do referido regulamento];

    [...]»

    11     Resulta da decisão de reenvio que, nos termos do MVergV, a remuneração das horas extraordinárias é inferior à das horas de trabalho prestadas no âmbito do horário individual de trabalho.

     Litígio no processo principal e questão prejudicial

    12     U. Voß é uma funcionária do Land Berlin onde exerce funções docentes. De 15 de Julho de 1999 a 29 de Maio de 2000, exerceu a sua actividade profissional a tempo parcial, com 23 horas de aulas semanais. O número de horas de aulas devidas por um professor a tempo inteiro era, nessa época, de 26,5 horas.

    13     Entre 11 de Janeiro e 23 de Maio de 2000, U. Voß prestou, por mês, entre quatro e seis horas de aulas suplementares, relativamente ao seu horário individual de trabalho.

    14     A remuneração recebida por U. Voß relativamente ao referido período foi de 1 075,14 DEM. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a remuneração recebida pelo mesmo número de horas de trabalho por um professor a tempo inteiro era, relativamente ao mesmo período, de 1 616,15 DEM.

    15     O órgão jurisdicional de reenvio justifica esse resultado pelo facto de as horas de trabalho prestadas pela recorrente no processo principal, para além do seu horário individual de trabalho e até ao limite do tempo normal de trabalho a tempo inteiro, consideradas horas extraordinárias, terem sido pagas a uma taxa inferior à das horas de trabalho correspondentes prestadas por um professor a tempo inteiro, que estão compreendidas no horário individual de trabalho do mesmo.

    16     O órgão jurisdicional de reenvio reconheceu assim que, durante os meses de Janeiro a Maio de 2000, relativamente a idêntico volume de trabalho, a recorrente no processo principal recebeu uma remuneração inferior à de um professor a tempo inteiro.

    17     Para calcular a remuneração das horas extraordinárias que prestou no limite das 26,5 horas de aulas semanais, U. Voß solicitou a aplicação da mesma taxa horária paga pelas horas de trabalho realizadas pelos professores a tempo inteiro, no âmbito do seu horário normal de trabalho, em vez da taxa horária prevista pelo MVergV para as horas extraordinárias.

    18     Tendo o Land Berlin indeferido o pedido, U. Voß recorreu dessa decisão de indeferimento para o Verwaltungsgericht, que deu provimento ao recurso. O Land Berlin interpôs um recurso de «Revision» da decisão que acolheu o referido recurso para o Bundesverwaltungsgericht.

    19     Segundo o Bundesverwaltungsgericht, a questão colocada pelo litígio que lhe foi submetido é a de saber se a remuneração a uma taxa inferior das horas de aulas prestadas pelos professores a tempo parcial como horas extraordinárias constitui, em relação à remuneração pro rata recebida pelos professores a tempo inteiro pelo mesmo número de horas, no âmbito do seu tempo de trabalho normal, uma discriminação dos professores do sexo feminino proibida pelo direito comunitário. Segundo o mesmo órgão jurisdicional, a resposta a essa questão depende de saber se o artigo 141.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE exige que as horas extraordinárias prestadas por um trabalhador a tempo parcial até ao limite das que um professor a tempo inteiro deve prestar não sejam pior remuneradas que o serviço de igual duração prestado por um trabalhador a tempo inteiro, no âmbito do seu tempo de trabalho normal.

    20     Nestas condições, o Bundesverwaltungsgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O artigo 141.° CE opõe‑se a uma legislação nacional segundo a qual a remuneração das horas extraordinárias dos funcionários que trabalham a tempo inteiro e dos funcionários que trabalham a tempo parcial é de igual valor, valor este que é inferior à remuneração pro rata à qual os funcionários que trabalham a tempo inteiro têm direito por igual período de trabalho prestado dentro do seu período normal de trabalho, no caso de a maioria dos trabalhadores a tempo parcial serem mulheres?»

     Quanto à questão prejudicial

    21     Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 141.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional em matéria de remuneração dos funcionários, como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, define as horas extraordinárias prestadas quer pelos funcionários a tempo inteiro quer pelos funcionários a tempo parcial como as horas que cumprem para além do seu horário individual de trabalho e, por outro, remunera essas horas a uma taxa inferior à taxa horária aplicada às horas prestadas no limite do horário individual de trabalho, pelo que os funcionários a tempo parcial recebem uma remuneração inferior à dos funcionários a tempo inteiro relativamente às horas que prestam para além do seu horário individual e até ao limite do número de horas devidas por um funcionário a tempo inteiro, no âmbito do seu horário, quando a maioria dos funcionários a tempo parcial são mulheres.

    22     A recorrente no processo principal e a Comissão das Comunidades Europeias alegam que a remuneração dessas horas extraordinárias, quando seja inferior à das horas prestadas no âmbito do horário individual de trabalho, provoca uma discriminação indirecta, uma vez que implica que os professores a tempo parcial, que são maioritariamente mulheres, quando prestam horas para além do seu horário individual e até ao limite do número de horas devidas no âmbito de um emprego a tempo inteiro, recebam, por um mesmo número de horas de trabalho, uma remuneração inferior à dos professores a tempo inteiro.

    23     O Governo alemão sustenta que, no processo principal, não existe desigualdade de tratamento relativamente às horas extraordinárias, uma vez que se aplica aos professores a tempo inteiro e aos professores a tempo parcial a mesma taxa de remuneração horária, prevista no § 4, n.° 3, do MVergV, para a retribuição das horas extraordinárias que prestam.

    24     A este respeito, há que recordar que o artigo 141.° CE consagra o princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e os trabalhadores femininos por um mesmo trabalho. Esse princípio faz parte dos fundamentos da Comunidade Europeia (v. acórdão de 8 de Abril de 1976, Defrenne, 43/75, Colect., p. 193, n.° 12).

    25     O princípio da igualdade de remuneração obsta à aplicação não só de normas que criem discriminações directamente baseadas no sexo mas também das que mantenham diferenças de tratamento entre os trabalhadores masculinos e os trabalhadores femininos através de critérios não baseados no sexo, quando tais diferenças de tratamento não possam ser explicadas por factores objectivamente justificados e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo (acórdãos de 13 de Maio de 1986, Bilka‑Kaufhaus, 170/84, Colect., p. 1607, n.os 29 e 30; de 15 de Dezembro de 1994, Helmig e o., C‑399/92, C‑409/92, C‑425/92, C‑34/93, C‑50/93 eC‑78/93, Colect., p. I‑5727, n.° 20; e de 27 de Maio de 2004, Elsner‑Lakeberg, C‑285/02, Colect., p. I‑5861, n.° 12).

    26     Tratando‑se da legislação em causa no processo principal, é pacífico que a mesma não estabelece nenhuma discriminação directamente baseada no sexo. Cumpre, no entanto, verificar se essa legislação é susceptível de instituir uma discriminação indirecta contrária ao artigo 141.° CE.

    27     Para esse efeito, importa determinar, em primeiro lugar, por um lado, se a referida legislação institui uma diferença de tratamento entre trabalhadores a tempo inteiro e trabalhadores a tempo parcial e, por outro, se essa diferença de tratamento afecta um número consideravelmente mais elevado de mulheres do que de homens.

    28     Em caso de resposta positiva a estas duas questões, coloca‑se, em segundo lugar, a questão da existência de factores objectivos e estranhos a qualquer discriminação baseada no sexo susceptíveis de justificar a diferença de tratamento das mulheres assim apurada.

    29     A este respeito, deve considerar‑se que existe desigualdade de tratamento sempre que a remuneração paga aos trabalhadores a tempo inteiro for mais elevada do que a paga aos trabalhadores a tempo parcial, havendo paridade de horas do mesmo trabalho prestadas devido à existência de uma relação de trabalho assalariado (acórdão Helmig e o., já referido, n.° 26).

    30     O Tribunal de Justiça já por duas vezes se pronunciou sobre a questão da existência de uma diferença de tratamento entre os trabalhadores a tempo parcial e os trabalhadores a tempo inteiro relativamente à remuneração das horas extraordinárias.

    31     Nos n.os 26 a 30 do acórdão Helmig e o., já referido, o Tribunal de Justiça declarou que não existe diferença de tratamento entre os trabalhadores a tempo parcial e os trabalhadores a tempo inteiro, se as disposições nacionais aplicáveis só previrem o pagamento de acréscimos de salário pelas horas extraordinárias prestadas para além do limiar do tempo normal de trabalho, tal como fixado por uma convenção colectiva, e não para além do horário individual de trabalho. O Tribunal de Justiça verificou, nessas circunstâncias, que, em paridade de horas prestadas, os trabalhadores a tempo parcial recebem a mesma remuneração que os trabalhadores a tempo inteiro, quer não seja excedido o limiar do tempo normal de trabalho, tal como fixado pelas convenções colectivas, quer o seja, beneficiando, neste segundo caso, o acréscimo por horas extraordinárias as duas categorias de trabalhadores.

    32     Em contrapartida, no n.° 17 do acórdão Elsner‑Lakeberg, já referido, o Tribunal de Justiça considerou que existe uma diferença de tratamento entre os trabalhadores a tempo parcial e os trabalhadores a tempo inteiro, quando as disposições nacionais aplicáveis estabelecerem que todos os trabalhadores devem prestar um mínimo de três horas de aulas mensais para além do seu horário individual de trabalho para poderem obter uma remuneração a título das horas extraordinárias.

    33     Nesse processo, E. Elsner‑Lakeberg, que era professora, dava 15 horas de aulas por semana, enquanto os professores a tempo inteiro cumpriam 24,5 horas de aulas semanais. E. Elsner‑Lakeberg tinha dado 2,5 horas de aulas suplementares durante um mês. Por conseguinte, não tinha direito a qualquer remuneração por essas horas extraordinárias. Daí resultava que era remunerada apenas pelas 15 horas de aulas, apesar de ter prestado 17,5 horas. Em contrapartida, um professor a tempo inteiro que tivesse dado 17,5 horas de aulas era remunerado pelas 17,5 horas de aulas, dado que não tinha excedido o seu horário individual de trabalho semanal. O Tribunal de Justiça declarou que daí resultava uma diferença de tratamento relativamente à remuneração, uma vez que, em paridade de horas de aulas prestadas, os trabalhadores a tempo parcial recebiam uma remuneração inferior à dos trabalhadores a tempo inteiro.

    34     No processo principal, resulta da decisão de reenvio que U. Voß, que trabalha a tempo parcial, recebe uma remuneração que, em paridade de horas prestadas, é inferior à que é paga a um professor que exerça a sua actividade profissional a tempo inteiro, relativamente às horas que cumpriu para além do seu horário individual de trabalho e até ao limite do tempo normal de trabalho a tempo inteiro.

    35     Assim, um professor a tempo parcial com um horário individual de trabalho de 23 horas de aulas semanais recebe, ao prestar 3,5 horas de aulas para além desse horário, uma remuneração inferior à que é obtida por um professor a tempo inteiro por 26,5 horas de aulas.

    36     Uma análise dos elementos da remuneração evidencia que essa situação decorre do facto de as horas extraordinárias, que são pior remuneradas que as horas ditas «normais», serem definidas como as horas prestadas para além do tempo normal de trabalho, tal como fixado pelo horário individual do professor, horário que varia claramente consoante trabalhe a tempo parcial ou a tempo inteiro. Daí resulta que a taxa de remuneração inferior das horas extraordinárias só se aplica aos professores a tempo inteiro para além das 26,5 horas de aulas semanais, enquanto, no caso dos trabalhadores a tempo parcial, essa taxa se aplica sempre que estes últimos excedam o seu horário individual de trabalho, que é, por definição, inferior a 26,5 horas. No caso de U. Voß, a taxa de remuneração inferior aplica‑se às horas prestadas para além das 23 horas de aulas semanais.

    37     Deve, assim, concluir‑se que a legislação nacional em causa no processo principal, segundo a qual a remuneração das horas de trabalho extraordinárias prestadas pelos funcionários a tempo parcial para além do seu horário individual de trabalho e até ao limite do tempo normal de trabalho a tempo inteiro é inferior à das horas cumpridas pelos funcionários a tempo inteiro, implica uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de funcionários em detrimento dos que trabalham a tempo parcial.

    38     Caso essa diferença de tratamento afecte um número consideravelmente mais elevado de mulheres do que de homens e na medida em que não existam factores objectivos e estranhos a qualquer discriminação baseada no sexo susceptíveis de justificar essa diferença de tratamento, o artigo 141.° CE opõe‑se à referida legislação nacional.

    39     Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, cerca de 88% dos professores a tempo parcial do Land Berlin, na Primavera de 2000, eram mulheres.

    40     No entanto, para apreciar se a diferença de tratamento apurada entre os trabalhadores a tempo inteiro e os trabalhadores a tempo parcial afecta um número consideravelmente mais elevado de mulheres do que de homens, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio tomar em consideração o conjunto dos trabalhadores sujeitos à legislação nacional em que está subjacente a diferença de tratamento apurada no n.° 37 do presente acórdão. Para o efeito, compete‑lhe determinar se a referida diferença de tratamento está subjacente à BBesG e/ou ao MVergV, visto que, em princípio, é o âmbito de aplicação da legislação em causa que determina o círculo de pessoas susceptíveis de serem incluídas na comparação (acórdão de 13 de Janeiro de 2004, Allonby,C‑256/01, Colect., p. I‑873, n.° 73).

    41     Importa igualmente recordar, como o Tribunal de Justiça decidiu no n.° 59 do acórdão de 9 de Fevereiro de 1999, Seymour‑Smith e Perez(C‑167/97, Colect., p. I‑623), que o melhor método de comparação das estatísticas consiste na comparação da proporção de trabalhadores afectados pela referida diferença de tratamento, por um lado, entre a mão‑de‑obra masculina e, por outro, entre a mão‑de‑obra feminina.

    42     Se os dados estatísticos disponíveis mostram que a percentagem de trabalhadores a tempo parcial entre o grupo de trabalhadores femininos é consideravelmente mais elevada que a percentagem de trabalhadores a tempo parcial entre o grupo de trabalhadores masculinos, há que considerar que essa situação revela uma aparente discriminação baseada no sexo, a menos que a legislação em causa no processo principal seja justificada por factores objectivos e estranhas a qualquer discriminação baseada no sexo (v., neste sentido, acórdão Seymour‑Smith e Perez, já referido, n.os 60 a 63).

    43     No processo principal, não resulta da decisão de reenvio que a remuneração inferior das horas extraordinárias prestadas pelos trabalhadores a tempo parcial se baseia em factores objectivamente justificados por razões estranhas a qualquer discriminação em razão do sexo. No entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar essa hipótese.

    44     Por conseguinte, há que responder à questão submetida que o artigo 141.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional em matéria de remuneração dos funcionários, como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, define as horas extraordinárias prestadas quer pelos funcionários a tempo inteiro quer pelos funcionários a tempo parcial como as horas que cumprem para além do seu horário individual de trabalho e, por outro, remunera essas horas a uma taxa inferior à taxa horária aplicada às horas prestadas no limite do horário individual de trabalho, pelo que os funcionários a tempo parcial recebem uma remuneração inferior à dos funcionários a tempo inteiro relativamente às horas que prestam para além do seu horário individual e até ao limite do número de horas devidas por um funcionário a tempo inteiro, no âmbito do seu horário, sempre que:

    –       entre os trabalhadores sujeitos à referida legislação, for afectada uma percentagem consideravelmente mais elevada de trabalhadores femininos que masculinos;

    e

    –       a diferença de tratamento não seja justificada por factores objectivos e estranhos a qualquer discriminação baseada no sexo.

     Quanto às despesas

    45     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação das observações ao Tribunal do Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

    O artigo 141.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional em matéria de remuneração dos funcionários, como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, define as horas extraordinárias prestadas quer pelos funcionários a tempo inteiro quer pelos funcionários a tempo parcial como as horas que cumprem para além do seu horário individual de trabalho e, por outro, remunera essas horas a uma taxa inferior à taxa horária aplicada às horas prestadas no limite do horário individual de trabalho, pelo que os funcionários a tempo parcial recebem uma remuneração inferior à dos funcionários a tempo inteiro relativamente às horas que prestam para além do seu horário individual e até ao limite do número de horas devidas por um funcionário a tempo inteiro, no âmbito do seu horário, sempre que:

    –       entre os trabalhadores sujeitos à referida legislação, for afectada uma percentagem consideravelmente mais elevada de trabalhadores femininos que masculinos;

    e

    –       a diferença de tratamento não seja justificada por factores objectivos e estranhos a qualquer discriminação baseada no sexo.

    Assinaturas


    * Língua do processo: alemão.

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