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Document 62004CJ0490

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 18 de Julho de 2007.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
Acção por incumprimento - Admissibilidade - Artigo 49.º CE - Livre prestação de serviços - Destacamento de trabalhadores - Restrições - Contribuições para o Fundo nacional de férias - Tradução de documentos - Declaração relativa ao lugar de afectação dos trabalhadores destacados.
Processo C-490/04.

Colectânea de Jurisprudência 2007 I-06095

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:430

Processo C‑490/04

Comissão das Comunidades Europeias

contra

República Federal da Alemanha

«Acção por incumprimento – Admissibilidade – Artigo 49.° CE – Livre prestação de serviços – Destacamento de trabalhadores – Restrições – Contribuições para o fundo nacional de férias – Tradução de documentos – Declaração relativa ao lugar de afectação dos trabalhadores destacados»

Sumário do acórdão

1.        Acção por incumprimento – Processo pré‑contencioso – Objecto

(Artigo 226.° CE)

2.        Acção por incumprimento – Direito de acção da Comissão – Prazo de exercício

(Artigo 226.° CE)

3.        Acção por incumprimento – Prova do incumprimento – Ónus da prova que incumbe da Comissão

(Artigo 226.° CE)

4.        Livre prestação de serviços – Restrições – Destacamento de trabalhadores

(Artigo 49.° CE)

5.        Livre prestação de serviços – Restrições – Destacamento de trabalhadores

(Artigo 49.° CE)

1.        O objectivo da fase pré‑contenciosa prevista no artigo 226.° CE consiste em dar ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de dar cumprimento às obrigações decorrentes do direito comunitário ou de apresentar utilmente os seus argumentos de defesa contra as acusações formuladas pela Comissão.

(cf. n.° 25)

2.        As regras enunciadas no artigo 226.° CE devem ser aplicadas sem que a Comissão seja obrigada a respeitar um determinado prazo, sem prejuízo das hipóteses em que uma duração excessiva do procedimento pré‑contencioso previsto por esta disposição seja susceptível de aumentar, para o Estado em causa, a dificuldade de refutar os argumentos da Comissão e de violar assim os seus direitos de defesa. Cabe ao Estado‑Membro interessado produzir prova de tal efeito.

(cf. n.° 26)

3.        No âmbito de um procedimento por incumprimento iniciado ao abrigo do artigo 226.° CE, cabe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado. É a Comissão que deve apresentar ao Tribunal de Justiça os elementos necessários para que este último verifique a existência desse incumprimento, não podendo basear‑se numa qualquer presunção.

Além disso, o alcance das disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais deve ser apreciado tendo em conta a interpretação que delas fazem os órgãos jurisdicionais nacionais.

(cf. n.os 48, 49)

4.        Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 46.° CE um Estado‑Membro que impõe aos empregadores estrangeiros com trabalhadores ao seu serviço no território nacional que traduzam para a língua deste Estado‑Membro determinados documentos que devem ser conservados no local de trabalho durante todo o período de ocupação efectiva dos trabalhadores destacados.

A obrigação assim imposta constitui certamente uma restrição à livre prestação de serviços, na medida em que implica custos e despesas administrativas e financeiras suplementares para as empresas estabelecidas noutro Estado‑Membro, não se encontrando, assim, estas últimas em pé de igualdade, do ponto de vista da concorrência, com os empregadores estabelecidos no Estado‑Membro de acolhimento, pelo que podem, portanto, ser desincentivadas de prestar serviços nesse Estado‑Membro.

A referida obrigação pode contudo ser justificada por um objectivo de interesse geral ligado à protecção social dos trabalhadores desde que a mesma permita às autoridades competentes do Estado‑Membro de acolhimento efectuar as fiscalizações necessárias para garantir o respeito das disposições nacionais sobre essa matéria. Na medida em que exige apenas a tradução de alguns documentos e não implica um encargo administrativo ou financeiro pesado para o empregador, não excede o que é necessário para atingir o objectivo de protecção social prosseguido

(cf. n.os 66, 68‑72, 76)

5.        Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE um Estado‑Membro que exige que as empresas de trabalho temporário estrangeiras declarem não só a colocação de um trabalhador à disposição de uma empresa utilizadora no Estado‑Membro em causa, mas também o lugar de afectação desse trabalhador, bem como qualquer modificação relativa a esse lugar, quando as empresas do mesmo tipo estabelecidas no Estado‑Membro não estão sujeitas a essa obrigação suplementar.

(cf. n.os 85, 89 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

18 de Julho de 2007 (*)

«Acção por incumprimento – Admissibilidade – Artigo 49.° CE – Livre prestação de serviços – Destacamento de trabalhadores – Restrições – Contribuições para o fundo nacional de férias – Tradução de documentos – Declaração relativa ao lugar de afectação dos trabalhadores destacados»

No processo C‑490/04,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 29 de Novembro de 2004,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Traversa, G. Braun e H. Kreppel, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Federal da Alemanha, representada por W.‑D. Plessing, M. Lumma e C. Schulze‑Bahr, na qualidade de agentes, assistidos por T. Lübbig, Rechtsanwalt,

demandada,

apoiada por:

República Francesa, representada por G. de Bergues e O. Christmann, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, R. Schintgen, A. Tizzano (relator), M. Ilešič e E. Levits, juízes,

advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Novembro de 2006,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de Dezembro de 2006,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao adoptar legislação nos termos da qual:

–        as empresas estrangeiras são obrigadas a pagar contribuições para o fundo de férias alemão, mesmo quando os trabalhadores, segundo a legislação do Estado de estabelecimento do seu empregador, gozam de uma protecção essencialmente equiparável [§ 1, n.° 3, da Lei relativa ao destacamento de trabalhadores (Arbeitnehmer‑Entsendegesetz), de 26 de Fevereiro de 1996 (BGBl. 1996 I, p. 227, a seguir «AEntG»)];

–        as empresas estrangeiras são obrigadas a traduzir para alemão o contrato de trabalho ou os documentos necessários, nos termos do direito do país de origem do trabalhador no âmbito da Directiva 91/533/CEE do Conselho, de 14 de Outubro de 1991, relativa à obrigação de a entidade patronal informar o trabalhador sobre as condições aplicáveis ao contrato ou à relação de trabalho (JO L 288, p. 32), as folhas de pagamento, o registo do horário de trabalho e os comprovativos do pagamento dos salários, bem como todos os restantes documentos exigidos pelas autoridades alemãs (§ 2 da AEntG);

–        as empresas de trabalho temporário estrangeiras são obrigadas a notificar não só o facto de qualquer trabalhador ter sido colocado à disposição de uma empresa utilizadora na Alemanha mas também os empregos que esta empresa lhe confie numa obra (§ 3, n.° 2, da AEntG);

a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE.

 Quadro jurídico

 Direito comunitário

Tratado CE

2        O artigo 49.° CE dispõe:

«No âmbito das disposições seguintes, as restrições à livre prestação de serviços na Comunidade serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados‑Membros estabelecidos num Estado da Comunidade que não seja o do destinatário da prestação.

[...]»

 Directiva 96/71/CE

3        Em virtude do seu artigo 1.°, n.° 1, a Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços (JO L 18, p. 1), «é aplicável às empresas estabelecidas num Estado‑Membro que, no âmbito de uma prestação transnacional de serviços […], procedam ao destacamento de trabalhadores para o território de um Estado‑Membro».

4        Nos termos do artigo 3.° desta directiva, com a epígrafe «Condições de trabalho e emprego»:

«1. Os Estados‑Membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as empresas referidas no n.° 1 do artigo 1.° garantam aos trabalhadores destacados no seu território as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias adiante referidas que, no território do Estado‑Membro onde o trabalho for executado, sejam fixadas:

–        por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas

e/ou

–        por convenções colectivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral na acepção do n.° 8, na medida em que digam respeito às actividades referidas no anexo:

[...]

b)      Duração mínima das férias anuais remuneradas;

[...]

d)      Condições de disponibilização dos trabalhadores, nomeadamente por empresas de trabalho temporário;

         [...]

[...]»

5        O artigo 4.° da referida directiva, com a epígrafe «Cooperação em matéria de informação», dispõe:

«1.      Para efeitos da aplicação da presente directiva, os Estados‑Membros designarão, segundo as respectivas legislações e/ou práticas nacionais, um ou mais serviços de ligação ou uma ou mais instâncias nacionais competentes.

2.      Os Estados‑Membros preverão uma cooperação entre as administrações públicas que, segundo a legislação nacional, sejam competentes para a inspecção das condições de trabalho e emprego referidas no artigo 3.° Essa cooperação consistirá especialmente na resposta a pedidos fundamentados de informações dessas administrações públicas, relativos à disponibilização transnacional de trabalhadores, incluindo abusos manifestos ou casos de actividades transnacionais presumivelmente ilegais.

[...]»

 Direito nacional

6        À data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado notificado à República Federal da Alemanha, o destacamento de trabalhadores regia‑se nesse Estado‑Membro pela AEntG.

7        Nos termos do § 1, n.° 1, da AEntG, as convenções colectivas do sector da construção com força obrigatória geral e que versem sobre a duração das licenças, as férias remuneradas e o pagamento de um subsídio complementar de férias são aplicáveis aos empregadores estabelecidos no estrangeiro que procedam ao destacamento de trabalhadores para a Alemanha.

8        O § 1, n.° 3, da AEntG dispõe:

«Se, no âmbito da concessão dos direitos a férias a que se refere o n.° 1, uma convenção colectiva com força obrigatória geral previr a cobrança de contribuições ou o fornecimento de prestações por um organismo comum dos parceiros sociais, as normas jurídicas dessa convenção também vinculam os empregadores estrangeiros e os seus assalariados que estejam abrangidos pelo âmbito de aplicação territorial dessa convenção, contanto que essa convenção ou qualquer outra disposição garanta que:

1.      o empregador estrangeiro não é obrigado a pagar contribuições por força da presente lei e, simultaneamente, a um organismo equiparável no Estado onde se situa a sede da sua empresa, e

2.      o procedimento do organismo comum dos parceiros sociais preveja a tomada em consideração das prestações já liquidadas pelo empresário estrangeiro para satisfazer os direitos às férias legais, convencionais ou contratuais dos seus empregados.

[…]»

9        O § 2, n.° 3, da AEntG dispõe:

«Qualquer empregador estabelecido no estrangeiro é obrigado a conservar na Alemanha os documentos exigidos para a fiscalização do respeito das obrigações jurídicas decorrentes do § 1, n.° 1, segunda frase, do § 1, n.° 2a, segunda frase, e do § 1, n.° 3a, quinta frase, em língua alemã, durante todo o período de ocupação efectiva do trabalhador no âmbito de aplicação da presente lei e, no mínimo, durante toda a duração da obra, sem contudo exceder o prazo de dois anos, de modo a poder apresentar esses documentos na obra, a pedido das autoridades de fiscalização.»

10      Por último, o § 3, n.° 2, da AEntG tem a seguinte redacção:

«As empresas de trabalho temporário estabelecidas no estrangeiro, que coloquem à disposição de uma empresa utilizadora, no âmbito de aplicação da presente lei, um ou vários trabalhadores, devem […] transmitir por escrito às autoridades aduaneiras competentes, antes do início de cada obra, uma declaração em língua alemã com as seguintes indicações:

1.      apelido, nome e data de nascimento dos trabalhadores colocados à disposição no âmbito da presente lei,

2.      início e termo da disponibilização,

3.      local de trabalho (obra),

[…]»

 Fase pré‑contenciosa

11      Na sequência da análise de inúmeras queixas, a Comissão, por notificação para cumprir de 12 de Novembro de 1998 e por notificação para cumprir suplementar de 17 de Agosto de 1999, chamou a atenção das autoridades alemãs para a incompatibilidade de determinadas disposições da AEntG com o artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE).

12      Não tendo ficado satisfeita com as explicações dadas pela República Federal da Alemanha por ofícios de 8 de Março, 4 de Maio e 25 de Outubro de 1999, a Comissão, em 25 de Julho de 2001, enviou a este Estado‑Membro um parecer fundamentado em que o convidava a tomar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento no prazo de dois meses a contar da sua notificação.

13      Por ofícios de 1 de Outubro de 2001, 10 de Dezembro de 2001, 3 de Fevereiro de 2003 e 4 de Dezembro de 2003, a República Federal da Alemanha comunicou à Comissão as suas observações sobre o referido parecer fundamentado. Por ofício de 23 de Janeiro de 2004, este Estado‑Membro notificou à Comissão uma versão da AEntG alterada na sequência da adopção da Terceira Lei sobre a moderna prestação de serviços no mercado laboral (Drittes Gesetz für moderne Dienstleistungen am Arbeitsmarkt), de 23 de Dezembro de 2003 (BGBl. 2003 I, p. 2848).

14      Tendo verificado que apenas uma parte das infracções inicialmente denunciadas tinha sido eliminada na sequência da alteração da AEntG, a Comissão decidiu propor a presente acção.

 Quanto à acção

 Quanto à admissibilidade

15      O Governo alemão suscitou quatro questões prévias de inadmissibilidade da acção, relativas, respectivamente, à escolha do artigo 49.° CE como disposição pertinente para a apreciação da conformidade da AEntG com o direito comunitário, à duração excessiva da fase pré‑contenciosa, à falta de precisão da petição inicial e à modificação do objecto da primeira acusação feita pela Comissão.

 Quanto à escolha do artigo 49.° CE como disposição pertinente para a apreciação da conformidade da AEntG com o direito comunitário

16      As autoridades alemãs consideram que as disposições em causa da AEntG deviam ser analisadas, prioritariamente, à luz da Directiva 96/71, que diz especificamente respeito ao destacamento de trabalhadores efectuado no âmbito de uma prestação de serviços. Em particular, a Comissão devia ter demonstrado que a República Federal da Alemanha fez uma transposição incorrecta dessa directiva ou que as referidas disposições não são aplicadas em conformidade com esta última.

17      A este respeito, há que recordar que a Directiva 96/71 visa coordenar as legislações dos Estados‑Membros mediante a elaboração de uma lista de regras nacionais que todo o Estado‑Membro deve aplicar às empresas estabelecidas noutro Estado‑Membro que, no âmbito de uma prestação de serviços transnacional, procedam ao destacamento de trabalhadores para o seu território.

18      Assim, o artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, desta directiva dispõe que os Estados‑Membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as referidas empresas garantam aos trabalhadores destacados as condições de trabalho e de emprego, nas matérias indicadas no mesmo artigo, existentes no território do Estado‑Membro onde o trabalho for executado.

19      Todavia, a Directiva 96/71 não harmonizou o conteúdo material dessas regras nacionais [v., neste sentido, a comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões, de 25 de Julho de 2003, sobre a aplicação da Directiva 96/71 nos Estados‑Membros, COM(2003) 458 final, p. 7]. Esse conteúdo pode, pois, ser livremente definido pelos Estados‑Membros, no respeito do Tratado e dos princípios gerais do direito comunitário, e, deste modo, no que respeita ao caso vertente, do artigo 49.° CE.

20      Na sua acção, a Comissão contesta que o conteúdo dos §§ 1, n.° 3, 2 e 3, n.° 2, da AEntG seja conforme com o Tratado, na medida em que estas disposições contêm restrições inadmissíveis à livre prestação de serviços no interior da Comunidade.

21      É pacífico que as restrições a esta liberdade fundamental são proibidas pelo artigo 49.° CE. Foi pois correctamente que a Comissão invocou este artigo para contestar a conformidade das disposições controvertidas com o direito comunitário.

22      Por conseguinte, a primeira questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela República Federal da Alemanha não pode ser acolhida.

Quanto à duração excessiva da fase pré‑contenciosa

23      A República Federal da Alemanha considera que a acção é inadmissível devido aos atrasos, imputáveis à Comissão, que afectaram a presente acção por incumprimento. Apesar de a notificação para cumprir que lhe foi enviada pela Comissão remontar a 12 de Novembro de 1998, esta última só propôs a sua acção em 29 de Novembro de 2004, isto é, mais de seis anos após o envio dessa notificação. A negligência que esses atrasos representam traduz‑se na violação, por um lado, da obrigação da Comissão de respeitar um prazo razoável e, por outro, da exigência de segurança jurídica de que deve beneficiar esse Estado‑Membro e os trabalhadores protegidos pela AEntG.

24      Segundo as autoridades alemãs, a Comissão, que tinha poderes para o efeito, devia ter acelerado o desenrolar do procedimento. Com efeito, após o procedimento se ter iniciado, o Tribunal de Justiça proferiu vários acórdãos relativos ao destacamento de trabalhadores em geral, bem como um acórdão específico sobre a AEntG (v. acórdão de 25 de Outubro de 2001, Finalarte e o., C‑49/98, C‑50/98, C‑52/98 a C‑54/98 e C‑68/98 a C‑71/98, Colect., p. I‑7831). Estes acórdãos deviam ter permitido uma conclusão mais rápida do presente processo.

25      A este respeito, porém, há que recordar, por um lado, que o objectivo da fase pré‑contenciosa prevista no artigo 226.° CE consiste em dar ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de dar cumprimento às obrigações decorrentes do direito comunitário ou de apresentar utilmente os seus argumentos de defesa contra as acusações formuladas pela Comissão (acórdão de 5 de Novembro de 2002, Comissão/Áustria, C‑475/98, Colect., p. I‑9797, n.° 35).

26      Assinale‑se que, por outro lado, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as regras enunciadas no artigo 226.° CE devem ser aplicadas sem que a Comissão seja obrigada a respeitar um determinado prazo, sem prejuízo das hipóteses em que uma duração excessiva do procedimento pré‑contencioso previsto por esta disposição seja susceptível de aumentar, para o Estado em causa, a dificuldade de refutar os argumentos da Comissão e de violar assim os seus direitos de defesa. Cabe ao Estado‑Membro interessado produzir prova de tal efeito (v. acórdãos de 16 de Maio de 1991, Comissão/Países Baixos, C‑96/89, Colect., p. I‑2461, n.os 15 e 16; de 21 de Janeiro de 1999, Comissão/Bélgica, C‑207/97, Colect., p. I‑275, n.° 25; e Comissão/Áustria, já referido, n.° 36).

27      Sem que seja necessário examinar se, tendo em conta os acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça em matéria de destacamento de trabalhadores, o período de tempo decorrido entre a notificação para cumprir enviada à República Federal da Alemanha e a propositura da presente acção pode, no caso vertente, ser considerado excessivo, cumpre declarar que este Estado‑Membro não invocou nem uma violação dos direitos de defesa resultante da duração da fase pré‑contenciosa nem referiu qualquer outro elemento susceptível de consubstanciar uma tal violação.

28      Por conseguinte, a segunda questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Governo alemão não pode ser acolhida.

Quanto à falta de precisão da petição

29      O Governo alemão sustenta que a acção é inadmissível, pois não indica claramente as acusações que o Tribunal de Justiça é chamado a apreciar. Em particular, a Comissão não se pronuncia sobre a questão de saber se pretende contestar apenas as disposições da AEntG enquanto tais ou se também a aplicação que as autoridades administrativas e judiciárias alemãs fizeram destas disposições em casos concretos.

30      A este respeito, há que observar que o artigo 38.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo prevê que a petição deve conter, designadamente, o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido. Por conseguinte, incumbe à Comissão, em qualquer petição apresentada ao abrigo do artigo 226.° CE, apresentar as acusações de forma suficientemente precisa e coerente, a fim de permitir ao Estado‑Membro preparar a sua defesa e ao Tribunal de Justiça verificar a existência do incumprimento alegado (v., neste sentido, acórdãos de 13 de Dezembro de 1990, Comissão/Grécia, C‑347/88, Colect., p. I‑4747, n.° 28, e de 4 de Maio de 2006, Comissão/Reino Unido, C‑98/04, Colect., p. I‑4003, n.° 18).

31      Ora, no caso vertente, resulta de modo suficientemente claro e preciso tanto da fundamentação como dos pedidos apresentados pela Comissão que a presente acção é relativa à conformidade do conteúdo dos §§ 1, n.° 3, 2 e 3, n.° 2, da AEntG com o artigo 49.° CE. Por conseguinte, não existe qualquer ambiguidade na petição.

32      Assim, a terceira questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Governo alemão não pode ser acolhida.

 Quanto à modificação do objecto da primeira acusação 

33      O Governo alemão defende que a primeira acusação é inadmissível, na medida em que o seu objecto não é formulado de forma idêntica no parecer fundamentado e na petição.

34      Por um lado, no parecer fundamentado, a Comissão declarou que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE, ao obrigar as empresas estrangeiras a pagar contribuições para o fundo de férias alemão do sector da construção, «apesar de [estas] continuarem obrigadas a pagar directamente as férias aos seus assalariados no Estado‑Membro de estabelecimento». Por outro lado, na petição, a Comissão refere existir uma violação do Tratado decorrente da obrigação imposta às empresas estrangeiras de pagar contribuições para esse fundo «mesmo quando os trabalhadores» dessas empresas, «segundo a legislação do Estado de estabelecimento do seu empregador, gozem de uma protecção essencialmente equiparável». Deste modo, a Comissão modificou e alargou o objecto do litígio.

35      A Comissão retorque que as diferenças de formulação entre as conclusões do parecer fundamentado e os pedidos da petição não implicaram qualquer modificação do objecto do litígio.

36      A este respeito, é verdade que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o objecto de uma acção intentada nos termos do artigo 226.° CE está circunscrito pelo procedimento pré‑contencioso previsto por essa disposição e que, em consequência, o parecer fundamentado da Comissão e a acção devem basear‑se em acusações idênticas (v. acórdãos de 17 de Novembro de 1992, Comissão/Grécia, C‑105/91, Colect., p. I‑5871, n.° 12, e de 10 de Setembro de 1996, Comissão/Bélgica, C‑11/95, Colect., p. I‑4115, n.° 73).

37      Todavia, esta exigência não pode ir ao ponto de impor em todos os casos uma coincidência perfeita entre o enunciado das acusações na notificação para cumprir, as conclusões do parecer fundamentado e os pedidos formulados na petição, na condição de que o objecto do litígio não tenha sido alargado ou alterado (acórdãos de 29 de Setembro de 1998, Comissão/Alemanha, C‑191/95, Colect., p. I‑5449, n.° 56, e de 6 de Novembro de 2003, Comissão/Espanha, C‑358/01, Colect., p. I‑13145, n.° 28).

38      No caso vertente, resulta do parecer fundamentado que as críticas feitas pela Comissão no decurso da fase pré‑contenciosa diziam respeito ao facto de a obrigação de pagar contribuições para o fundo de férias alemão, imposta às empresas estrangeiras no § 1, n.° 3, da AEntG, conduzir a um duplo pagamento de subsídios de férias, no Estado‑Membro de estabelecimento e no Estado do destacamento, e de as empresas só serem dispensadas desse duplo pagamento no caso de existir um organismo equiparável ao fundo alemão no Estado‑Membro de estabelecimento. Do mesmo modo, na sua petição, a Comissão contesta o duplo encargo financeiro que onera o empregador que proceda ao destacamento de trabalhadores para a Alemanha, bem como a formulação demasiadamente restritiva da dispensa da obrigação de pagamento de contribuições prevista no § 1, n.° 3, da AEntG.

39      Por conseguinte, cumpre considerar que a Comissão não alargou nem alterou o objecto de recurso e que, portanto, não desrespeitou o artigo 226.° CE.

40      Assim, também a quarta questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Governo alemão não pode ser acolhida e, por conseguinte, deve ser julgada admissível a acção proposta pela Comissão.

 Quanto ao mérito

 Quanto à obrigação de pagar contribuições para o fundo de férias alemão (§ 1, n.° 3, da AEntG)

 Argumentos das partes

41      A Comissão alega que a dispensa da obrigação de pagar contribuições, prevista no § 1, n.° 3, primeira frase, da AEntG, é demasiadamente restritiva, na medida em que pode implicar, para o empregador que procede ao destacamento de trabalhadores para a Alemanha, um duplo encargo financeiro incompatível com o artigo 49.° CE. Segundo a Comissão, a AEntG devia dispensar da obrigação de pagar contribuições as empresas estabelecidas noutro Estado‑Membro que procedam ao destacamento de trabalhadores, não só nos casos em que é garantido que estas empresas já contribuem para um regime equiparável no Estado‑Membro de estabelecimento mas também sempre que nesse Estado exista uma legislação que, apesar de não se basear nas contribuições pagas pelo empregador, oferece ao trabalhador uma protecção do direito a férias remuneradas equivalente à prevista na legislação alemã.

42      O Governo alemão responde que a Comissão não forneceu elementos concretos para demonstrar que o § 1, n.° 3, da AEntG é contrário ao Tratado. Acrescenta que as administrações e os órgãos jurisdicionais nacionais aplicam essa disposição de acordo com as obrigações decorrentes do direito comunitário.

43      Com efeito, para evitar um duplo encargo financeiro às empresas estabelecidas noutro Estado‑Membro, a República Federal da Alemanha encetou uma colaboração transfronteiriça pragmática com os outros Estados‑Membros, chegando mesmo a celebrar, com alguns deles, acordos bilaterais de reconhecimento mútuo dos sistemas nacionais de férias remuneradas.

44      Além disso, os órgãos jurisdicionais alemães, em particular o Bundesarbeitsgericht, sempre respeitaram os princípios consagrados pelo Tribunal de Justiça em matéria de destacamento de trabalhadores. Em especial, para além de verificarem a existência de um acordo bilateral, sempre velaram para que o trabalhador destacado lucrasse com a aplicação da legislação alemã sobre o direito a férias remuneradas, só aplicando esta última quando se traduzisse numa vantagem real para o trabalhador comparativamente à situação que seria a sua se lhe fossem aplicadas as disposições em vigor no país de que é originário.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

45      Em primeiro lugar, há que observar que o § 1, n.° 3, primeira frase, da AEntG exige que os empregadores estrangeiros paguem contribuições para o fundo de férias alemão, contanto que não sejam simultaneamente obrigados a pagar contribuições para este fundo e para um organismo equiparável no Estado onde se situa a sede da sua empresa (ponto 1) e que sejam tomadas em consideração as prestações já liquidadas por esses empregadores para satisfazer o direito às férias legais, convencionais ou contratuais dos seus assalariados (ponto 2).

46      Cumpre igualmente recordar que o Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a compatibilidade desta disposição da AEntG com o Tratado no acórdão Finalarte e o., já referido. Em particular, nos n.os 45, 49 e 53 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça sublinhou que a conformidade do § 1, n.° 3, da AEntG com o direito comunitário depende de dois requisitos cujo preenchimento cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Assim, esse órgão devia examinar se a legislação alemã em matéria de férias remuneradas conferia uma verdadeira protecção adicional aos trabalhadores destacados por prestadores de serviços estabelecidos fora da Alemanha e se a aplicação dessa legislação era proporcionada à realização do objectivo de protecção social desses trabalhadores.

47      É pacífico que, no presente processo por incumprimento, era à Comissão que incumbia verificar se esses requisitos estavam preenchidos e fornecer ao Tribunal de Justiça todos os elementos necessários para a verificação da conformidade dessa disposição com o artigo 49.° CE.

48      Com efeito, segundo jurisprudência assente, no âmbito de um procedimento por incumprimento iniciado ao abrigo do artigo 226.° CE, cabe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado. É a Comissão que deve apresentar ao Tribunal de Justiça os elementos necessários para que este último verifique a existência desse incumprimento, não podendo basear‑se numa qualquer presunção (v., designadamente, acórdãos de 20 de Março de 1990, Comissão/França, C‑62/89, Colect., p. I‑925, n.° 37, e de 14 de Abril de 2005, Comissão/Alemanha, C‑341/02, Colect., p. I‑2733, n.° 35).

49      Além disso, importa recordar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o alcance das disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais deve ser apreciado tendo em conta a interpretação que delas fazem os órgãos jurisdicionais nacionais (v., designadamente, acórdãos de 8 de Junho de 1994, Comissão/Reino Unido, C‑382/92, Colect., p. I‑2435, n.° 36, e de 29 de Maio de 1997, Comissão/Reino Unido, C‑300/95, Colect., p. I‑2649, n.° 37).

50      Ora, há que observar que, no caso vertente, a Comissão não forneceu os elementos necessários à verificação da não conformidade do § 1, n.° 3, da AEntG com o artigo 49.° CE. Com efeito, limitou‑se a uma interpretação literal do ponto 1 da referida disposição da AEntG, sem se pronunciar sobre o respeito dos dois requisitos estabelecidos pelo acórdão Finalarte e o., mencionados no n.° 46 do presente acórdão. Além disso, a Comissão não apresentou qualquer argumentação em apoio do seu pedido nem fez referência a decisões de órgãos jurisdicionais nacionais ou a qualquer outro elemento susceptível de demonstrar que, ao contrário do que afirmam as autoridades alemãs, o § 1, n.° 3, da AEntG é, na prática, aplicado ou interpretado de forma não conforme com o direito comunitário.

51      Segundo a Comissão, a sua interpretação literal do § 1, n.° 3, ponto 1, da AEntG é, contudo, confirmada por um exemplo retirado da legislação dinamarquesa. Na Dinamarca, os direitos a férias não são pagos ao trabalhador por um organismo equiparável ao fundo de férias alemão. Assim, se o próprio empregador não efectuar qualquer pagamento a esse título, o trabalhador pode sempre obter esse pagamento do sindicado dos empregadores. Apesar de esta garantia existir, um empregador estabelecido na Dinamarca, que proceda ao destacamento de trabalhadores para a Alemanha, é, não obstante, obrigado a pagar contribuições para o referido fundo. Segundo a Comissão, só foi possível evitar esta obrigação de contribuir graças a um acordo administrativo concluído entre o Reino da Dinamarca e a República Federal da Alemanha, relativo ao reconhecimento mútuo dos sistemas nacionais de férias remuneradas. O princípio da segurança jurídica proíbe, todavia, que os direitos decorrentes do Tratado dependam da celebração de acordos de natureza administrativa.

52      Porém, esta argumentação não pode ser acolhida. Com efeito, resulta dos autos que na Dinamarca existe o Arbejdsmarkedets Feriefond (fundo de férias remuneradas) equiparável ao fundo de férias alemão e que o § 1, n.° 3, primeira frase, da AEntG, tal como aplicado em virtude do acordo administrativo, dispensa as empresas dinamarquesas que contribuam para o referido fundo da obrigação de contribuir para esse fundo alemão.

53      Por outro lado, embora a exigência de segurança jurídica se oponha a que os direitos que os particulares retiram do direito comunitário estejam sujeitos, na prática, a condições e limites fixados pelas normas administrativas nacionais (v., neste sentido, acórdãos de 28 de Abril de 1993, Comissão/Itália, C‑306/91, Colect., p. I‑2133, n.° 14, e de 8 de Julho de 1999, Comissão/França, C‑354/98, Colect., p. I‑4927, n.° 11), importa, não obstante, declarar que, no âmbito do destacamento transnacional de trabalhadores, as dificuldades que podem surgir quando da comparação dos sistemas nacionais de férias remuneradas não podem ser resolvidos – não existindo harmonização na matéria – sem uma cooperação eficaz entre as administrações dos Estados‑Membros (v., neste sentido, a comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões, de 25 de Julho de 2003). A celebração de acordos administrativos tendo em vista assegurar o reconhecimento mútuo desses regimes faz parte dessa cooperação e, em termos mais gerais, do dever de cooperação leal entre Estados‑Membros nos domínios abrangidos pelo direito comunitário.

54      Nestas condições, há que declarar que a Comissão não demonstrou que as empresas estrangeiras são obrigadas a contribuir para o fundo de férias alemão mesmo quando os trabalhadores que empregam beneficiam, no essencial, de uma protecção comparável ao abrigo da legislação do Estado de estabelecimento dessas empresas.

55      Assim, a primeira acusação da Comissão deve ser julgada improcedente.

 Quanto à obrigação de conservar determinados documentos em língua alemã no local da obra (§ 2, n.° 3, da AEntG)

 Argumentos das partes

56      Segundo a Comissão, a obrigação imposta às empresas estrangeiras de traduzirem, para a língua alemã, todos os documentos exigidos em virtude do § 2, n.° 3, da AEntG, a saber, o contrato de trabalho (ou um documento equivalente, na acepção da Directiva 91/533), as folhas de pagamento, o registo do horário de trabalho e os comprovativos do pagamento dos salários, bem como todos os restantes documentos exigidos pelas autoridades alemãs, constitui uma restrição injustificada e desproporcionada à livre prestação de serviços garantida pelo artigo 49.° CE.

57      No que respeita ao carácter injustificado dessa disposição da AEntG, a Comissão observa que, no acórdão de 23 de Novembro de 1999, Arblade e o. (C‑369/96 e C‑376/96, Colect., p. I‑8453), o Tribunal de Justiça declarou que a obrigação, imposta às empresas estrangeiras, de conservar determinados documentos no território do Estado de acolhimento não pode ter como fundamento o objectivo de facilitar, em geral, o cumprimento da missão de fiscalização que incumbe às autoridades desse Estado. Ora, na opinião da Comissão, se essa obrigação não pode encontrar justificação nesse objectivo, a obrigação – no mínimo, igualmente vinculativa – de traduzir todos os documentos em causa é também pouco justificável.

58      No que toca à proporcionalidade da disposição em questão, a Comissão, invocando igualmente o acórdão Arblade e o., já referido, alega que a obrigação geral de tradução dos referidos documentos se tornou supérflua em virtude do sistema de cooperação entre Estados‑Membros previsto no artigo 4.° da Directiva 96/71.

59      A República Federal da Alemanha, apoiada pela República Francesa, considera que a obrigação de tradução prevista no § 2, n.° 3, da AEntG é conforme com o artigo 49.° CE.

60      Com efeito, segundo as autoridades alemãs, essa obrigação justifica­‑se pela necessidade de permitir uma fiscalização efectiva do respeito pelas obrigações jurídicas decorrentes da AEntG e, portanto, de assegurar uma protecção eficaz dos trabalhadores. As autoridades fiscalizadoras devem estar em condições de ler e compreender os documentos em causa, o que implica a sua tradução. Com efeito, a efectividade da fiscalização não pode depender das competências linguísticas das autoridades que fiscalizam as obras em causa.

61      Os Governos alemão e francês acrescentam que o acórdão Arblade e o., já referido, não permite extrair conclusões claras relativamente à justificação e ao carácter proporcionado do § 2, n.° 3, da AEntG.

62      Por último, os referidos governos consideram que a cooperação entre as autoridades nacionais, prevista no artigo 4.° da Directiva 96/71, não pode substituir a obrigação de tradução imposta aos empregadores estrangeiros.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

63      Constitui jurisprudência assente que o artigo 49.° CE exige não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços estabelecido noutro Estado‑Membro, em razão da sua nacionalidade, mas também a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada aos prestadores nacionais e aos de outros Estados‑Membros, quando seja susceptível de impedir, entravar ou tornar menos atractivas as actividades do prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, onde preste legalmente serviços análogos (v. acórdãos de 25 de Julho de 1991, Säger, C‑76/90, Colect., p. I‑4221, n.° 12; de 28 de Março de 1996, Guiot, C‑272/94, Colect., p. I‑1905, n.° 10; e de 19 de Janeiro de 2006, Comissão/Alemanha, C‑244/04, Colect., p. I‑885, n.° 30).

64      Mesmo não existindo harmonização na matéria, a livre prestação de serviços, enquanto princípio fundamental do Tratado, só pode ser limitada por regulamentações justificadas por razões imperativas de interesse geral e que se apliquem a qualquer pessoa ou empresa que exerça uma actividade no território do Estado‑Membro de acolhimento, na medida em que esse interesse não esteja salvaguardado pelas regras a que o prestador está sujeito no Estado‑Membro em que está estabelecido (v., designadamente, acórdãos Arblade e o., já referido, n.os 34 e 35; de 24 de Janeiro de 2002, Portugaia Construções, C‑164/99, Colect., p. I‑787, n.° 19; e de 21 de Outubro de 2004, Comissão/Luxemburgo, C‑445/03, Colect., p. I‑10191, n.° 21).

65      Por fim, a aplicação da legislação nacional de um Estado‑Membro aos prestadores estabelecidos noutros Estados‑Membros deve ser adequada para garantir a realização do objectivo que a mesma prossegue e não ultrapassar o necessário para atingir esse objectivo (v., designadamente, acórdãos Säger, já referido, n.° 15; de 31 de Março de 1993, Kraus, C‑19/92, Colect., p. I‑1663, n.° 32; e de 30 de Novembro de 1995, Gebhard, C‑55/94, Colect., p. I‑4165, n.° 37).

66      No caso vertente, resulta do § 2, n.° 3, da AEntG que, quando um empregador estabelecido fora da Alemanha ocupa trabalhadores no território deste Estado‑Membro, é obrigado a conservar determinados documentos em língua alemã durante todo o período de ocupação efectiva dos trabalhadores destacados e, no mínimo, durante toda a duração da obra, sem que, contudo, essa obrigação seja imposta por um período superior a dois anos, de modo a poder apresentar esses documentos na obra a pedido das autoridades de fiscalização. Como indicado pelo Governo alemão na audiência, sem ser contestado pela Comissão, os documentos em causa são o contrato de trabalho, as folhas de pagamento, o registo do horário de trabalho e os comprovativos do pagamento dos salários.

67      Dado que não existem medidas de harmonização comunitárias na matéria, importa, pois, para apreciar a procedência da segunda acusação da Comissão, examinar, em primeiro lugar, se as exigências constantes dessa disposição da AEntG implicam efeitos restritivos da livre prestação de serviços e, em seguida, se for esse o caso, se, no domínio de actividade considerado, existem razões imperativas de interesse geral que justifiquem essas restrições à livre prestação de serviços. Em caso de resposta afirmativa, importa, por último, verificar se o mesmo resultado pode ser obtido através de meios menos restritivos.

68      Em primeiro lugar, importa observar que, ao exigir a tradução para alemão dos documentos em causa, a referida disposição constitui uma restrição à livre prestação de serviços.

69      Com efeito, a obrigação assim imposta implica custos e despesas administrativas e financeiras suplementares para as empresas estabelecidas noutro Estado‑Membro, não se encontrando, assim, estas últimas em pé de igualdade, do ponto de vista da concorrência, com os empregadores estabelecidos no Estado‑Membro de acolhimento, pelo que podem, portanto, desistir de prestar serviços nesse Estado‑Membro.

70      Em segundo lugar, importa, todavia, observar que o § 2, n.° 3, da AEntG prossegue um objectivo de interesse geral ligado à protecção social dos trabalhadores do sector da construção e à fiscalização do seu respeito. O Tribunal de Justiça já reconheceu esse objectivo entre as razões imperativas que justificam essas restrições à livre prestação de serviços (v. acórdãos de 3 de Fevereiro de 1982, Seco e Desquenne & Giral, 62/81 e 63/81, Recueil, p. 223, n.° 14; de 27 de Março de 1990, Rush Portuguesa, C‑113/89, Colect., p. I‑1417, n.° 18; Guiot, já referido, n.° 16; e Arblade e o., já referido, n.° 51).

71      Com efeito, ao exigir a conservação no local da obra dos documentos em causa na língua do Estado‑Membro de acolhimento, o § 2, n.° 3, da AEntG visa permitir às autoridades competentes desse Estado efectuar, no local de trabalho, as fiscalizações necessárias para garantir o respeito das disposições nacionais em matéria de protecção dos trabalhadores, em particular das relativas à remuneração e ao horário de trabalho. Na prática, este tipo de fiscalizações no local seria excessivamente difícil, mesmo impossível, se esses documentos pudessem ser apresentados na língua do Estado‑Membro de estabelecimento do empregador, dado que os funcionários do Estado‑Membro de acolhimento não conhecem necessariamente essa língua.

72      Tendo em consideração o que precede, conclui‑se que a obrigação prevista no § 2, n.° 3, da AEntG se justifica.

73      Esta conclusão não é posta em causa pelo acórdão Arblade e o., já referido.

74      Embora seja verdade que, no n.° 76 desse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que não basta, para justificar uma restrição à livre prestação de serviços que consiste na obrigação de o empregador estrangeiro conservar determinados documentos no domicílio de uma pessoa singular domiciliada no Estado‑Membro de acolhimento, que a presença de tais documentos no território desse Estado‑Membro seja de molde a facilitar em geral o cumprimento da missão de fiscalização das autoridades deste Estado, esse número do referido acórdão diz, contudo, respeito à obrigação imposta ao empregador de manter à disposição das autoridades competentes determinados documentos, embora já não tenha trabalhadores ocupados no Estado‑Membro de acolhimento.

75      Ora, não é isso o que se verifica no presente caso, uma vez que o § 2, n.° 3, da AEntG estabelece uma obrigação de conservar os documentos em língua alemã durante o período de ocupação efectiva dos trabalhadores destacados na Alemanha e durante a duração da obra. Além disso, como resulta do n.° 74 do presente acórdão, essa disposição não se limita a facilitar em geral o cumprimento da missão de fiscalização das autoridades alemãs competentes, antes visando tornar possível, na prática, o desenrolar das inspecções efectuadas por essas autoridades nos locais das obras.

76      Em terceiro lugar, importa observar que a referida disposição exige apenas a tradução de quatro documentos (o contrato de trabalho, as folhas de pagamento, o registo do horário de trabalho e os comprovativos do pagamento dos salários) que não são excessivamente longos e para cuja redacção são, geralmente, utilizados formulários‑tipo. Por conseguinte, visto não implicar, para o empregador que procede ao destacamento de trabalhadores para a Alemanha, um encargo administrativo ou financeiro pesado, o § 2, n.° 3, da AEntG não excede o que é necessário para atingir o objectivo de protecção social prosseguido.

77      Por último, há que observar que, no estado actual do direito, não existem medidas menos restritivas que permitam assegurar esse objectivo.

78      Com efeito, o sistema organizado de cooperação e de troca de informações entre as administrações nacionais previsto no artigo 4.° da Directiva 96/71 não torna supérflua a obrigação de tradução imposta aos empregadores estabelecidos fora da Alemanha. Com efeito, resulta dos autos que os documentos exigidos aos empregadores pela AEntG não ficam na posse dessas administrações, pelo que estas não os podem transmitir, com a respectiva tradução, num prazo razoável às autoridades competentes dos outros Estados‑Membros.

79      Por outro lado, como observado pelo advogado‑geral no n.° 86 das suas conclusões, não existe actualmente nenhum instrumento normativo comunitário que imponha a utilização de documentos plurilingues em caso de destacamento transnacional de trabalhadores.

80      Resulta do conjunto das considerações que precedem que a segunda acusação da Comissão deve ser julgada improcedente.

 Quanto à obrigação de as empresas de trabalho temporário estrangeiras efectuarem uma declaração relativa ao lugar de afectação dos trabalhadores destacados (§ 3, n.° 2, da AEntG)

 Argumentos das partes

81      A Comissão alega que a obrigação imposta às empresas de trabalho temporário estrangeiras de declararem às autoridades competentes não só o facto de qualquer trabalhador ter sido colocado à disposição de uma empresa utilizadora mas também todas as mudanças de afectação desse trabalhador entre obras, quando essa obrigação suplementar não é imposta às empresas de trabalho temporário estabelecidas na Alemanha, constitui uma medida que torna a prestação de serviços transfronteiriça mais difícil do que a prestação de serviços interna. Segundo a Comissão, não há nenhum motivo válido que justifique esta disparidade de tratamento.

82      A República Federal da Alemanha responde que a obrigação de declaração prevista no § 3, n.° 2, da AEntG é compatível com o artigo 49.° CE. Com efeito, essa obrigação é justificada pela necessidade de efectuar fiscalizações eficazes, no interesse de uma melhor protecção dos trabalhadores. Além disso, não representa um encargo excessivo para a empresa de trabalho temporário em causa.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

83      Resulta de jurisprudência assente que a livre prestação de serviços implica, nomeadamente, a eliminação de toda e qualquer discriminação do prestador em razão da sua nacionalidade ou com fundamento no facto de se encontrar estabelecido num Estado‑Membro diferente daquele em que a prestação é efectuada (v. acórdãos de 25 de Julho de 1991, Collectieve Antennevoorziening Gouda, C‑288/89, Colect., p. I‑4007, n.° 10; Comissão/Países Baixos, C‑353/89, Colect., p. I‑4069, n.° 14; e de 4 de Maio de 1993, Distribuidores Cinematográficos, C‑17/92, Colect., p. I‑2239, n.° 13).

84      A este respeito, importa observar que o § 3, n.° 2, da AEntG implica uma discriminação dos prestadores de serviços estabelecidos fora da Alemanha.

85      Com efeito, essa disposição exige que as empresas de trabalho temporário estabelecidas noutros Estados‑Membros comuniquem por escrito às autoridades alemãs competentes não só o início e o termo da colocação de um trabalhador à disposição de uma empresa utilizadora na Alemanha mas também o lugar de afectação desse trabalhador, bem como qualquer modificação relativa a esse lugar, quando as empresas do mesmo tipo estabelecidas na Alemanha não estão sujeitas a essa obrigação suplementar, que incumbe sempre às empresas utilizadoras.

86      Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que uma legislação nacional, não indistintamente aplicável às prestações de serviços independentemente da sua origem, apenas estará em conformidade com o direito comunitário se puder ser abrangida por uma disposição derrogatória expressa, como o artigo 46.° CE, para o qual remete o artigo 55.° CE (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 1991, ERT, C‑260/89, Colect., p. I‑2925, n.° 24; Collectieve Antennevoorziening Gouda, já referido, n.° 11; e de 21 de Março de 2002, Cura Anlagen, C‑451/99, Colect., p. I‑3193, n.° 31). Resulta do artigo 46.° CE, que é de interpretação estrita, que regras discriminatórias podem ser justificadas por razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública.

87      A este respeito, basta observar que, no caso vertente, o Governo alemão não invocou qualquer elemento que possa integrar qualquer uma dessas razões.

88      Assim, a terceira acusação da Comissão deve ser julgada procedente.

89      Por conseguinte, importa declarar que, ao adoptar uma disposição, como o § 3, n.° 2, da AEntG, por força da qual as empresas de trabalho temporário estrangeiras são obrigadas a declarar não só o facto de qualquer trabalhador ter sido colocado à disposição de uma empresa utilizadora na Alemanha mas também todas as alterações relativas ao local de afectação desse trabalhador, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE.

 Quanto às despesas

90      Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 69.°, n.° 3, do mesmo regulamento, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou em circunstâncias excepcionais, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes, ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

91      No caso vertente, há que condenar a Comissão, que foi vencida em duas das três acusações, em dois terços das despesas e a República Federal da Alemanha em um terço das mesmas.

92      Em conformidade com o artigo 69.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, a República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      Ao adoptar uma disposição, como o § 3, n.° 2, da Lei relativa ao destacamento de trabalhadores (Arbeitnehmer‑Entsendegesetz), de 26 de Fevereiro de 1996, por força da qual as empresas de trabalho temporário estrangeiras são obrigadas a declarar não só o facto de qualquer trabalhador ter sido colocado à disposição de uma empresa utilizadora na Alemanha mas também todas as alterações relativas ao local de afectação desse trabalhador, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE.

2)      Quanto ao mais, nega‑se provimento ao pedido.

3)      A Comissão das Comunidades Europeias é condenada em dois terços das despesas e a República Federal da Alemanha em um terço das mesmas.

4)      A República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.

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