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Document 62005CJ0295

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 19 de Abril de 2007.
Asociación Nacional de Empresas Forestales (Asemfo) contra Transformación Agraria SA (Tragsa) e Administración del Estado.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunal Supremo - Espanha.
Pedido de decisão prejudicial - Admissibilidade - Artigo 86.º, n.º 1, CE - Falta de alcance autónomo - Elementos que permitem ao Tribunal de Justiça responder de forma útil às questões colocadas - Directivas 92/50/CEE, 93/36/CEE e 93/37/CEE - Legislação nacional que permite a uma empresa pública executar certas operações por encomenda directa das autoridades públicas, sem aplicação do regime geral de adjudicação dos contratos públicos - Estrutura de gestão interna - Condições - A autoridade pública deve exercer sobre a entidade distinta um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços - A entidade distinta deve realizar o essencial da sua actividade com a entidade pública ou as entidades públicas que a detêm.
Processo C-295/05.

Colectânea de Jurisprudência 2007 I-02999

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:227

Processo C‑295/05

Asociación Nacional de Empresas Forestales (Asemfo)

contra

Transformación Agraria SA (Tragsa)

e

Administración del Estado

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo)

«Pedido de decisão prejudicial – Admissibilidade – Artigo 86.°, n.° 1, CE – Falta de alcance autónomo – Elementos que permitem ao Tribunal de Justiça responder de forma útil às questões colocadas – Directivas 92/50/CEE, 93/36/CEE e 93/37/CEE – Legislação nacional que permite a uma empresa pública executar certas operações por encomenda directa das autoridades públicas, sem aplicação do regime geral de adjudicação dos contratos públicos – Estrutura de gestão interna – Condições – A autoridade pública deve exercer sobre a entidade distinta um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços – A entidade distinta deve realizar o essencial da sua actividade com a entidade pública ou as entidades públicas que a detêm»

Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed apresentadas em 28 de Setembro de 2006 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 19 de Abril de 2007 

Sumário do acórdão

1.     Concorrência – Empresas públicas e empresas a que os Estados‑Membros concedem direitos especiais ou exclusivos – Artigo 86.° CE – Alcance

(Artigo 86.°, n.° 1, CE)

2.     Aproximação das legislações – Processos de adjudicação de contratos públicos de empreitadas de obras públicas, de fornecimentos e de serviços – Directivas 92/50, 93/36 e 93/3 – Âmbito de aplicação

(Directivas do Conselho 92/50, 93/36 e 93/37)

1.     O artigo 86.°, n.° 1, CE, nos termos do qual os Estados‑Membros não tomarão nem manterão, no que respeita às empresas públicas e às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, qualquer medida contrária ao disposto no Tratado, designadamente ao disposto nos artigos 12.° CE e 81.° CE a 89.° CE, inclusive, não tem alcance autónomo, na medida em que deve ser lido em conjugação com as regras pertinentes do Tratado.

(cf. n.os 39, 40)

2.     As Directivas 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, 93/36, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento, e 93/37, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, não se opõem a um regime jurídico que permite a uma empresa pública que actua na sua qualidade de instrumento próprio e de serviço técnico de várias autoridades públicas, realizar operações sem estar sujeita ao regime previsto pelas referidas directivas, dado que, por um lado, as autoridades públicas em questão exercem sobre esta empresa um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços e que, por outro, esta empresa realiza o essencial da sua actividade com essas mesmas autoridades.

(cf. n.os 54, 55, 60, 62‑65, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

19 de Abril de 2007 (*)

«Pedido de decisão prejudicial – Admissibilidade – Artigo 86.°, n.° 1, CE – Falta de alcance autónomo – Elementos que permitem ao Tribunal de Justiça responder de forma útil às questões colocadas – Directivas 92/50/CEE, 93/36/CEE e 93/37/CEE – Legislação nacional que permite a uma empresa pública executar certas operações por encomenda directa das autoridades públicas, sem aplicação do regime geral de adjudicação dos contratos públicos – Estrutura de gestão interna – Condições – A autoridade pública deve exercer sobre a entidade distinta um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços – A entidade distinta deve realizar o essencial da sua actividade com a entidade pública ou as entidades públicas que a detêm»

No processo C‑295/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunal Supremo (Espanha), por decisão de 1 de Abril de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 21 de Julho de 2005, no processo

Asociación Nacional de Empresas Forestales (Asemfo)

contra

Transformación Agraria SA (Tragsa),

Administración del Estado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, R. Schintgen, R. Silva de Lapuerta, G. Arestis (relator) e L. Bay Larsen, juízes,

advogado‑geral: L. A. Geelhoed,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Junho de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da Asociación Nacional de Empresas Forestales (Asemfo), por D. P. Thomas de Carranza y Méndez de Vigo, procuradora, e R. Vázquez del Rey Villanueva, abogado,

–       em representação da Transformación Agraria SA (Tragsa), por S. Ortiz Vaamonde e I. Pereña Pinedo, abogados,

–       em representação do Governo espanhol, por F. Díez Moreno, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo lituano, por D. Kriaučiūnas, na qualidade de agente,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por X. Lewis e F. Castillo de la Torre, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de Setembro de 2006,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido prejudicial tem por objecto a questão de saber se, à luz do artigo 86.°, n.° 1, CE, um Estado‑Membro pode atribuir a uma empresa pública um regime jurídico que lhe permita realizar operações sem estar sujeita às Directivas 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1), e 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), e se estas directivas se opõem a esse regime.

2       Este pedido foi submetido no âmbito de um litígio entre a Asociación Nacional de Empresas Forestales (a seguir «Asemfo») e a Administración del Estado, a respeito de uma denúncia apresentada contra o regime jurídico de que beneficia a Transformación Agraria SA (a seguir «Tragsa»).

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       O artigo 1.° da Directiva 92/50 dispõe:

«Para efeitos do disposto na presente directiva:

a)      Os contratos públicos de serviços são contratos a título oneroso celebrados por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante […]

[…]

b)      São consideradas entidades adjudicantes o Estado, as autarquias locais ou regionais, os organismos de direito público, as associações formadas por uma ou mais autarquias ou organismos de direito público.

[…]»

4       O artigo 1.° da Directiva 93/36 prevê:

«Para efeitos da presente directiva:

a)      Contratos públicos de fornecimento são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um fornecedor (pessoa singular ou colectiva), por um lado, e uma das entidades adjudicantes definidas na alínea b), por outro, que tenham por objecto a compra, a locação financeira, a locação ou a locação‑venda, com ou sem opção de compra, de produtos. A entrega dos referidos produtos pode incluir, acessoriamente, operações de colocação e instalação;

b)      São consideradas entidades adjudicantes o Estado, as autarquias locais e regionais, os organismos de direito público e as associações formadas por uma ou mais autarquias locais ou regionais ou um ou mais desses organismos de direito público.

[…]»

5       O artigo 1.° da Directiva 93/37 tem a seguinte redacção:

«Para efeitos da presente directiva:

a)      Os contratos de empreitada de obras públicas são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um empreiteiro, por um lado, e uma entidade adjudicante, definida na alínea b), por outro, que tenham por objecto quer a execução quer conjuntamente a execução e concepção das obras relativas a uma das actividades referidas no anexo II ou de uma obra definida na alínea c), quer a realização, seja por que meio for, de uma obra que satisfaça as necessidades indicadas pela entidade adjudicante;

b)      São consideradas entidades adjudicantes o Estado, as autarquias locais e regionais, os organismos de direito público e as associações formadas por uma ou mais autarquias locais ou regionais ou um ou mais desses organismos de direito público.

[…]»

 Legislação nacional

 Legislação em matéria de contratos públicos

6       A Lei 13/1995, de 18 de Maio de 1995, relativa aos contratos celebrados pelas Administrações Públicas (BOE n.° 119, de 19 de Maio de 1995, p. 14601), na versão codificada pelo Real Decreto Legislativo 2/2000, de 16 de Junho de 2000 (BOE n.° 148, de 21 de Junho de 2000, p. 21775, a seguir «Lei 13/1995»), prevê, no seu artigo 152.°, o seguinte:

«1.      A Administração pode realizar obras mediante a utilização dos seus próprios serviços e dos seus próprios recursos humanos e materiais ou em colaboração com empresas privadas, neste último caso, na condição de o montante das obras em causa ser inferior a […], quando ocorra uma das seguintes circunstâncias:

a)      Quando a Administração disponha de fábricas, estaleiros, oficinas ou serviços técnicos ou industriais aptos para a realização das obras projectadas, caso em que deverá normalmente recorrer‑se a este modo de execução.

[…]»

7       O artigo 194.° da Lei 13/1995 dispõe:

«1.      A Administração pode fabricar bens móveis mediante a utilização dos seus próprios serviços e dos seus próprios recursos humanos e materiais ou em colaboração com empresas privadas, neste último caso, na condição de o montante das obras em causa ser inferior aos limites previstos no n.° 2 do artigo 177.°, quando ocorra uma das seguintes circunstâncias:

a)      Quando a Administração disponha de fábricas, estaleiros, oficinas ou serviços técnicos ou industriais aptos para a realização das obras projectadas, caso em que deverá normalmente recorrer‑se a este modo de execução.

[…]»

 O regime jurídico da Tragsa

8       A constituição da Tragsa foi autorizada pelo artigo 1.° do Real Decreto 379/1977, de 21 de Janeiro de 1977 (BOE n.° 65, de 17 de Março de 1977, p. 6202).

9       O regime jurídico da Tragsa instituído pelo referido Real Decreto sofreu sucessivas alterações até à aprovação da Lei 66/1997, de 30 de Dezembro de 1997, que adopta medidas fiscais, administrativas e de ordem social (BOE n.° 313, de 31 de Dezembro de 1997, p. 38589), na redacção dada pela Lei 53/2002, de 30 de Dezembro de 2002 (BOE n.° 313, de 31 de Dezembro de 2002, p. 46086), e pela Lei 62/2003, de 30 de Dezembro de 2003 (BOE n.° 313, de 31 de Dezembro de 2003, p. 46874, a seguir «Lei 66/1997»).

10     Nos termos do artigo 88.° da Lei 66/1997, que tem por epígrafe «Regime jurídico»:

«1.      [A Tragsa] é uma empresa pública […] que presta serviços essenciais no domínio do desenvolvimento rural e da conservação do ambiente, em conformidade com o disposto na presente lei.

2.      As Comunidades Autónomas podem participar no capital social da Tragsa por meio da aquisição de acções, cuja alienação deve ser autorizada pelo Ministério da Economia e das Finanças, sob proposta do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação e do Ministério do Ambiente.

3.      A Tragsa tem por objecto:

a)      a realização de todo o tipo de acções, obras, trabalhos e a prestação de serviços em matéria agrícola, pecuária, florestal, de desenvolvimento rural, de conservação e protecção dos habitats naturais e do ambiente, de aquicultura e de pesca, bem como das acções necessárias à melhoria da utilização e da gestão dos recursos naturais, nomeadamente a execução de obras de conservação e de enriquecimento do património histórico espanhol no meio rural […];

b)      a elaboração de estudos, planos e projectos e a prestação de qualquer tipo de consultoria, assistência técnica e formação em matéria agrícola, florestal, de desenvolvimento rural, de protecção e melhoria do ambiente, de aquicultura e pesca e de conservação da natureza, bem como em matéria de utilização e de gestão dos recursos naturais;

c)      a actividade agrícola, pecuária, florestal e aquícola e a comercialização de produtos resultantes destas actividades, a administração e a gestão de quintas, de montanhas, de centros agrícolas, florestais, ambientais ou de protecção da natureza, assim como a gestão de espaços e de recursos naturais;

d)      a promoção, o desenvolvimento e a adaptação de novas técnicas, equipamentos e sistemas de natureza agrícola, florestal, ambiental, aquícola e de pesca, de protecção da natureza e para o uso sustentável dos recursos naturais;

e)      o fabrico e a comercialização de bens móveis da mesma natureza;

f)      a prevenção e a luta contra as pragas e as doenças vegetais e animais e contra os incêndios florestais, bem como a realização de obras e tarefas de apoio técnico de carácter urgente;

g)      o financiamento da construção ou da exploração de infra‑estruturas agrícolas e ambientais e dos equipamentos das populações rurais, bem como a constituição de sociedades e a participação em sociedades já constituídas que tenham fins relacionados com o objecto social da empresa;

h)      a realização, a pedido de terceiros, de acções, obras e actividades de assistência técnica, de consultoria e de prestação de serviços em matéria rural, agrícola, florestal e ambiental, dentro ou fora do território nacional, directamente ou através das suas filiais.

4.      Enquanto instrumento próprio e serviço técnico da Administração, a Tragsa está obrigada a realizar, a título exclusivo, directamente ou por intermédio das suas filiais, os trabalhos que lhe são solicitados pela Administração Geral do Estado, pelas Comunidades Autónomas e os organismos públicos delas dependentes, nas matérias que constituem o objecto social da empresa, em particular os trabalhos que têm carácter urgente ou que são ordenados em consequência de situações de urgência declarada.

[…]

5.      Nem a Tragsa nem as suas filiais podem participar nos concursos lançados pelas Administrações Públicas de que constituam um instrumento próprio. Contudo, quando não haja proponente, a Tragsa pode ser encarregada da execução da actividade objecto do concurso público.

6.      O valor das obras, dos trabalhos, dos projectos, dos estudos e dos fornecimentos efectuados através da Tragsa é determinado mediante a aplicação dos preços correspondentes às unidades executadas, que devem ser aprovados pela autoridade competente. Os referidos preços são calculados de maneira a reflectirem os custos reais de realização, e a sua aplicação às unidades executadas serve de justificativo do investimento ou dos serviços realizados.

7.      Os contratos de obras, de fornecimentos, de consultoria e assistência e de serviços que a Tragsa e as suas filiais celebrem com terceiros permanecem sujeitos às disposições da [Lei 13/1995] relativas à publicidade e aos procedimentos de adjudicação, sempre que o valor dos contratos seja igual ou superior aos valores fixados nos artigos 135.°, n.° 1, 177.°, n.° 2, e 203.°, n.° 2, da [referida lei].»

11     O Real Decreto 371/1999, de 5 de Março de 1999, que estabelece o regime da Tragsa (BOE n.° 64, de 16 de Março de 1999, p. 10605), precisa o regime jurídico, económico e administrativo desta sociedade e das suas filiais nas suas relações com as Administrações Públicas, em matéria de acção administrativa dentro ou fora do território nacional, na sua qualidade de instrumento próprio e de serviço técnico das mesmas.

12     Segundo o artigo 2.° do Real Decreto 371/1999, o capital social da Tragsa é integralmente detido por entidades públicas.

13     O artigo 3.° do referido Real Decreto, cuja epígrafe é «Regime jurídico», dispõe:

«1.      A Tragsa e as suas filiais são um instrumento próprio e um serviço técnico da Administração Geral do Estado e da Administração de cada uma das Comunidades Autónomas interessadas.

Os diversos departamentos ou ministérios das referidas Administrações Públicas, bem como os organismos que delas dependem e as entidades de qualquer natureza que a elas estejam vinculadas tendo em vista a realização dos seus planos de actuação, podem confiar à Tragsa ou às suas filiais os trabalhos e as actividades necessários para o exercício das suas competências e funções, bem como actividades complementares ou acessórias, em conformidade com o regime estabelecido neste Real Decreto.

2.      A Tragsa e as suas filiais devem realizar os trabalhos e as actividades que lhes forem solicitados pela Administração. Esta obrigação abrange exclusivamente os pedidos que lhes são dirigidos enquanto instrumento próprio e serviço técnico da Administração, nas matérias que constituem o seu objecto social.

3.      As intervenções urgentes decididas por motivo de catástrofes ou de calamidades de qualquer natureza que lhes são confiadas pela autoridade competente têm carácter obrigatório e prioritário para a Tragsa e as suas filiais.

Em situações de urgência, nas quais as Administrações Públicas devam agir imediatamente, a autoridade competente poderá dispor directamente da Tragsa e das suas filiais, ordenando‑lhes as intervenções necessárias para assegurar uma protecção das pessoas e dos bens, o mais eficaz possível, e a manutenção dos serviços.

Para este efeito, a Tragsa e as suas filiais serão integradas nos dispositivos existentes de prevenção de riscos e nos planos de intervenção e ficarão sujeitas aos protocolos de aplicação. Neste tipo de situações, mobilizarão, se tal for solicitado, todos os meios ao seu alcance.

4.      No âmbito das suas relações de colaboração ou de cooperação com outras Administrações ou entidades de direito público, as Administrações Públicas podem propor‑lhes os serviços da Tragsa e das suas filiais, enquanto seu instrumento próprio, para que essas outras Administrações ou entidades de direito público as utilizem como seu instrumento próprio […]

5.      […] as funções de organização, de tutela e de fiscalização respeitantes à Tragsa e às suas filiais são exercidas pelo Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação e pelo Ministério do Ambiente.

6.      As relações da Tragsa e das suas filiais com as Administrações Públicas na sua qualidade de meio próprio e de serviço técnico são de natureza instrumental e não contratual. Por conseguinte, são, para todos os efeitos, de natureza interna, dependente e subordinada.»

14     O artigo 4.° do Real Decreto 371/1999, que tem por epígrafe «Regime económico», é do seguinte teor:

«1.      Em contrapartida das obras, dos trabalhos, da assistência técnica, da consultoria, dos fornecimentos e das prestações de serviços que lhes sejam confiados em conformidade com o artigo 3.° do presente Real Decreto, a Tragsa e as suas filiais recebem um montante correspondente às despesas em que tiverem incorrido, sendo aplicável o sistema de preços regulado no presente artigo […]

2.      Os preços são calculados e aplicados por unidades de execução e de maneira a reflectirem os custos reais e totais da realização destas, tanto directos como indirectos.

[…]

7.      Os novos preços, a modificação dos existentes e os procedimentos, mecanismos e fórmulas de revisão são aprovados por cada Administração Pública da qual a Tragsa e as suas filiais constituam um meio próprio e um serviço técnico.

[…]»

15     Por último, o artigo 5.° do Real Decreto 371/1999, cuja epígrafe é «Regime administrativo de actuação», prevê:

«1.      As intervenções obrigatórias que são confiadas à Tragsa ou às suas filiais são definidas, consoante os casos, em projectos, notas ou outros documentos técnicos […]

2.      Antes de formularem a encomenda, os órgãos competentes aprovarão os referidos documentos e cumprirão os procedimentos técnicos, jurídicos, orçamentais e de fiscalização e aprovação das despesas que sejam obrigatórios.

3.      O pedido de cada actuação obrigatória é comunicado formalmente pela Administração à Tragsa ou às suas filiais, devendo constar do mesmo, para além de informações úteis, a denominação da Administração, o prazo de realização, o seu valor, a rubrica orçamental correspondente e, sendo esse o caso, os anos sobre os quais se estende o financiamento e os respectivos montantes, bem como o director designado para a operação a realizar. […]

[…]»

 O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

16     Os factos, tal como resultam da decisão de reenvio, podem ser resumidos nos seguintes termos.

17     Em 23 de Fevereiro de 1996, a Asemfo apresentou uma denúncia contra a Tragsa, com vista a que fosse declarado que esta abusa da sua posição dominante no mercado espanhol das obras, dos serviços e dos projectos florestais, por não respeitar os procedimentos de adjudicação previstos na Lei 13/1995. Segundo a referida associação, o estatuto particular da Tragsa permite‑lhe executar um grande número de operações por encomenda directa da Administração, em violação dos princípios relativos à adjudicação dos contratos públicos e à livre concorrência, o que elimina toda a concorrência no mercado espanhol. Em seu entender, uma vez que se trata de uma empresa pública na acepção do direito comunitário, a Tragsa não pode beneficiar, a pretexto de ser um serviço técnico da Administração, de um tratamento privilegiado no que se refere às regras de adjudicação dos contratos públicos.

18     Por decisão da autoridade competente de 16 de Outubro de 1997, a referida denúncia foi arquivada com o fundamento de que a Tragsa é um serviço próprio da Administração, que não dispõe de poder de decisão autónomo e está obrigada a executar os trabalhos que lhe são solicitados. Esta sociedade opera fora do mercado, pelo que a sua actividade não é abrangida pelo direito da concorrência.

19     A Asemfo interpôs recurso da referida decisão de arquivamento para o Tribunal de Defensa de la Competencia. Por sentença de 30 de Março de 1998, este tribunal negou provimento ao recurso, considerando que as operações executadas pela Tragsa são realizadas pela própria Administração e que, por conseguinte, só poderia haver uma violação do direito do concorrência se esta sociedade actuasse autonomamente.

20     A Asemfo interpôs recurso dessa sentença para a Audiencia Nacional, que confirmou a decisão proferida em primeira instância por acórdão de 26 de Setembro de 2001.

21     A Asemfo interpôs recurso de revista desse acórdão para o Tribunal Supremo, alegando que a Tragsa, na qualidade de empresa pública, não pode ser qualificada como um serviço próprio da Administração, o que lhe permitiria derrogar as regras de adjudicação de contratos públicos, e que o regime jurídico desta sociedade, conforme definido no artigo 88.° da Lei 66/1997, não é compatível com o direito comunitário.

22     Após ter concluído que a Tragsa constitui um meio da Administração e que esta sociedade se limita a executar as ordens das autoridades públicas, sem poder recusá‑las nem fixar o preço das suas intervenções, o Tribunal Supremo manifestou dúvidas quanto à compatibilidade do regime jurídico da Tragsa com o direito comunitário, atendendo à jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a aplicabilidade às empresas públicas das regras de direito comunitário relativas à adjudicação de contratos públicos e à livre concorrência.

23     Além disso, recordando que, no seu acórdão de 8 de Maio de 2003, Espanha/Comissão (C‑349/97, Colect., p. I‑3851), o Tribunal de Justiça decidiu, a propósito da Tragsa, que esta sociedade deve ser considerada um meio de actuação directa da Administração, o tribunal de reenvio precisa que, no processo nele pendente, existem circunstâncias de facto que não foram tidas em conta no referido acórdão, como a forte participação pública no mercado das obras de natureza agrícola, que tem como consequência uma distorção significativa do mesmo, ainda que a actuação da referida sociedade seja de jure alheia ao mercado, na medida em que, do ponto de vista jurídico, é a Administração que actua.

24     Foi nestas condições que o Tribunal Supremo decidiu suspender a sua decisão e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Nos termos do artigo 86.°, n.° 1, do Tratado da União Europeia, um Estado‑Membro da União pode atribuir ex lege a uma empresa pública um regime jurídico que lhe permite realizar obras públicas sem sujeição ao regime geral da contratação administrativa mediante concurso, quando não ocorram circunstâncias especiais de emergência ou interesse público, tanto abaixo como acima do valor económico estabelecido pelas directivas europeias a este respeito?

2)      Esse regime jurídico é compatível com as Directivas 93/36 […] e 93/37 […] e com as Directivas 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997 [JO L 328, p. 1], e 2001/78[/CE] da Comissão [, de 13 de Setembro de 2001 (JO L 285, p. 1)], que altera as anteriores – regulamentação recentemente alterada pela Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004 [, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114)]?

3)      O acórdão [Espanha/Comissão] é aplicável em todos os casos à Tragsa e às suas filiais, tendo em conta a restante jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de contratação pública, e considerando que a Administração encarrega a Tragsa de um elevado número de obras não sujeitas ao regime da livre concorrência e que esta circunstância pode causar uma distorção significativa do mercado relevante?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

25     A Tragsa, o Governo espanhol e a Comissão das Comunidades Europeias contestam a competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre o pedido de decisão prejudicial e põem em dúvida a admissibilidade das questões apresentadas pelo tribunal de reenvio, invocando vários argumentos.

26     Antes de mais, essas questões dizem unicamente respeito à apreciação de medidas nacionais e, por conseguinte, não são da competência do Tribunal de Justiça.

27     As referidas questões são ainda hipotéticas, na medida em que pretendem obter uma resposta a problemas não pertinentes e alheios à resolução do litígio no processo principal. Uma vez que o único fundamento pertinente invocado pela Asemfo foi a violação das regras relativas à adjudicação de contratos públicos, essa violação, por si só, não pode permitir afirmar que a Tragsa abusa de uma posição dominante no mercado. Além disso, não parece que o Tribunal de Justiça possa ser chamado a interpretar as directivas relativas à adjudicação de contratos públicos, no âmbito de um processo nacional que se destina a verificar se essa sociedade abusou de uma alegada posição dominante.

28     Por último, a decisão de reenvio não contém nenhuma informação sobre o mercado relevante e a alegada posição dominante da Tragsa neste mercado. Também não contém uma fundamentação detalhada sobre a questão da aplicabilidade do artigo 86.° CE e nada refere em relação à aplicação deste último em conjugação com o artigo 82.° CE.

29     Em primeiro lugar, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, apesar de não competir ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se, no âmbito de um processo instaurado ao abrigo do artigo 234.° CE, sobre a compatibilidade de normas de direito interno com as disposições do direito comunitário, dado que a interpretação dessas normas é da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, o Tribunal continua a ser competente para fornecer a estes órgãos todos os elementos de interpretação do direito comunitário que lhe permitam apreciar a compatibilidade das referidas normas com a regulamentação comunitária (acórdão de 19 de Setembro de 2006, Wilson, C‑506/04, ainda não publicado na Colectânea, n.os 34 e 35 e a jurisprudência aí referida).

30     Em segundo lugar, de acordo com jurisprudência igualmente assente, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais prevista no artigo 234.° CE, compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo que lhe foi submetido, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Por conseguinte, desde que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais incidam sobre a interpretação de uma disposição de direito comunitário, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v., nomeadamente, acórdãos de 1 de Abril de 2004, Bellio F.lli, C‑286/02, Colect., p. I‑3465, n.° 27, e de 14 de Dezembro de 2006, Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, C‑217/05, ainda não publicado na Colectânea, n.os 16 e 17 e a jurisprudência aí referida).

31     Em terceiro lugar, segundo jurisprudência bem assente, só é possível indeferir um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional quando seja manifesto que a interpretação solicitada do direito comunitário não tem qualquer relação com a realidade ou o objecto do litígio no processo principal, quando o problema é de natureza hipotética ou quando o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (acórdão de 23 de Novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, C‑238/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 17 e a jurisprudência aí referida).

32     Além disso, o Tribunal de Justiça também já decidiu que a necessidade de chegar a uma interpretação do direito comunitário que seja útil para o órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e legal em que se inserem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões se baseiam (acórdãos de 9 de Novembro de 2006, Nemec, C‑205/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25, e Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, já referido, n.° 26 e a jurisprudência aí referida).

33     A este respeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é indispensável que o juiz nacional forneça um mínimo de explicações sobre os motivos da escolha das disposições comunitárias cuja interpretação pede e sobre o nexo que estabelece entre estas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio (acórdãos Nemec, já referido, n.° 26, e de 5 de Dezembro de 2006, Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 38).

34     No processo na causa principal, embora seja verdade que o Tribunal de Justiça não se pode pronunciar especificamente sobre a compatibilidade do regime jurídico da Tragsa com o direito comunitário, nada o impede de fornecer os elementos de interpretação do direito comunitário que permitirão ao tribunal de reenvio decidir ele próprio sobre a compatibilidade do regime jurídico da Tragsa com o direito comunitário.

35     Nestas condições, há que examinar se, à luz da jurisprudência recordada nos n.os 31 a 33 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são colocadas.

36     No que se refere à segunda e à terceira questão, deve observar‑se que a decisão de reenvio expõe, sucintamente mas com precisão, os factos que estão na origem do litígio no processo principal e as disposições pertinentes da legislação nacional aplicável.

37     Com efeito, resulta claramente dessa decisão que o referido litígio surgiu na sequência de uma denúncia apresentada pela Asemfo a respeito do estatuto jurídico da Tragsa, na qual a recorrente no processo principal alegou que esta última pode executar um grande número de operações a pedido directo da Administração, sem que sejam respeitadas as regras em matéria de publicidade enunciadas nas directivas relativas à adjudicação de contratos públicos. No âmbito desse processo, a Asemfo sustenta igualmente que, sendo uma empresa pública, a Tragsa não pode beneficiar, a pretexto de ser um serviço técnico da Administração, de um tratamento privilegiado no que se refere às regras de adjudicação dos contratos públicos.

38     Acresce que, no âmbito da segunda e da terceira questão, a decisão de reenvio explica, fazendo referência à jurisprudência do Tribunal de Justiça, por um lado, as razões pelas quais o tribunal de reenvio solicita a interpretação das directivas relativas à adjudicação dos contratos públicos e, por outro, o nexo existente entre a regulamentação comunitária pertinente e a legislação nacional aplicável na matéria.

39     No que concerne à primeira questão, que consiste em saber se o artigo 86.°, n.° 1, CE se opõe ao regime jurídico da Tragsa, cumpre recordar que, segundo este artigo, os Estados‑Membros não tomarão nem manterão, no que respeita às empresas públicas e às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, qualquer medida contrária ao disposto no Tratado CE, designadamente ao disposto nos artigos 12.° CE e 81.° CE a 89.° CE, inclusive.

40     Resulta desta redacção inequívoca do artigo 86.°, n.° 1, CE que este não tem alcance autónomo, na medida em que deve ser lido em conjugação com as regras pertinentes do Tratado.

41     É possível inferir da decisão de reenvio que a regulamentação pertinente a que o tribunal de reenvio se refere é o artigo 86.°, n.° 1, CE, em conjugação com o artigo 82.° CE.

42     Importa assinalar a este respeito que, na decisão de reenvio, não há nenhuma indicação precisa sobre a existência de uma posição dominante, a utilização abusiva desta posição pela Tragsa e os efeitos desta posição nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros.

43     Além disso, parece que, na sua primeira questão, o tribunal de reenvio se refere essencialmente às operações susceptíveis de serem qualificadas como contratos públicos, premissa sobre a qual o Tribunal de Justiça é, em todo o caso, convidado a pronunciar‑se no âmbito da segunda questão.

44     Por conseguinte, resulta das considerações que precedem que, diversamente do que se verifica no âmbito da segunda e da terceira questão, o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para fornecer uma resposta útil à primeira questão.

45     Daqui resulta que, embora a primeira questão seja inadmissível, o pedido de decisão prejudicial deve ser declarado admissível quanto às duas outras questões.

 Quanto ao mérito

 Quanto à segunda questão

46     Com a sua segunda questão, o tribunal de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se as Directivas 93/36 e 93/37, na redacção dada pelas Directivas 97/52, 2001/78 e 2004/18, se opõem a um regime jurídico como aquele de que a Tragsa beneficia, que lhe permite realizar operações sem estar sujeita ao regime previsto pelas referidas directivas.

47     A título liminar, importa assinalar que, não obstante as referências feitas pelo tribunal de reenvio às Directivas 97/52, 2001/78 e 2004/18, e tendo em conta tanto o contexto e a data dos factos em causa no processo principal como a natureza das actividades da Tragsa, conforme precisada no artigo 88.°, n.° 3, da Lei 66/1997, se afigura necessário examinar esta segunda questão à luz das regras enunciadas nas directivas relativas à adjudicação de contratos públicos, a saber, as Directivas 92/50 e 93/37, que são relevantes no caso em apreço.

48     A este respeito, deve recordar‑se que, segundo as definições dadas no artigo 1.°, alínea a), das directivas referidas no número anterior, um contrato público de serviços, de fornecimento ou de empreitada é um contrato a título oneroso, celebrado por escrito entre, por um lado, um prestador de serviços, um fornecedor ou um empreiteiro e, por outro, uma entidade adjudicante, na acepção do mesmo artigo 1.°, alínea b), dessas directivas.

49     No presente caso, há que constatar, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 88.°, n.os 1 e 2, da Lei 66/1997, a Tragsa é uma empresa pública cujo capital social também pode ser detido pelas Comunidades Autónomas. O n.° 4 desse artigo 88.° e o artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Real Decreto 371/1999 precisam que a Tragsa é instrumento próprio e um serviço técnico da Administração Geral do Estado e da Administração de cada uma das Comunidades Autónomas interessadas.

50     Em segundo lugar, conforme resulta dos artigos 3.°, n.os 2 a 5, e 4.°, n.os 1, 2 e 7, do Real Decreto 371/1999, a Tragsa está obrigada a realizar as tarefas que lhe são confiadas pela Administração Geral do Estado, pelas Comunidades Autónomas e os organismos públicos que dependem destas últimas, nos domínios abrangidos pelo seu objecto social, e não dispõe da possibilidade de fixar livremente os preços dessas prestações.

51     Por fim, segundo o artigo 3.°, n.° 6, do referido Real Decreto, as relações da Tragsa com as referidas colectividades públicas, na sua qualidade de instrumento próprio e de serviço técnico destas últimas são, não de natureza contratual mas, para todos os efeitos, de natureza interna, dependente e subordinada.

52     A Asemfo sustenta que, embora a relação jurídica que decorre das tarefas que são confiadas à Tragsa tenha formalmente um carácter unilateral, traduz, na realidade, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma ligação contratual incontestável com o comitente. Refere, a este respeito, o acórdão de 12 de Julho de 2001, Ordine degli Architetti e o. (C‑399/98, Colect., p. I‑5409). Nestas condições, ainda que a Tragsa pareça actuar por ordem das autoridades públicas, é, na realidade, um co‑contratante da Administração, pelo que deveriam ser aplicadas as regras de adjudicação dos contratos públicos.

53     A este respeito, há que recordar que, no n.° 205 do acórdão Espanha/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça considerou, num contexto diferente do que está em causa no processo principal, que, como instrumento e serviço técnico da Administração espanhola, incumbe à Tragsa efectuar, a título exclusivo, directamente ou através das suas filiais, os trabalhos que lhe são confiados pela Administração Geral do Estado, pelas Comunidades Autónomas e os organismos públicos destas dependentes.

54     Deve observar‑se que se a Tragsa não dispuser de liberdade quanto ao seguimento a dar a um pedido feito pelas autoridades competentes em causa nem quanto à fixação do preço aplicável às suas prestações, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar, não está reunida a condição de aplicabilidade das directivas em causa, relativa à existência de um contrato.

55     Em todo o caso, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, não é obrigatório lançar um concurso, em conformidade com as directivas relativas à adjudicação de contratos públicos, mesmo que o co‑contratante seja uma entidade juridicamente distinta da entidade adjudicante, quando estão reunidas duas condições. Por um lado, a autoridade pública que seja uma entidade adjudicante deve exercer sobre a entidade distinta em questão um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e, por outro, essa entidade deve realizar o essencial da sua actividade com a ou as colectividades públicas que a detêm (v. acórdãos de 18 de Novembro de 1999, Teckal, C‑107/98, Colect., p. I‑8121, n.° 50; de 11 de Janeiro de 2005, Stadt Halle e RPL Lochau, C‑26/03, Colect., p. I‑1, n.° 49; de 13 de Janeiro de 2005, Comissão/Espanha, C‑84/03, Colect., p. I‑139, n.° 38; de 10 de Novembro de 2005, Comissão/Áustria, C‑29/04, Colect., p. I‑9705, n.° 34; e de 11 de Maio de 2006, Carbotermo e Consorzio Alisei, C‑340/04, Colect., p. I‑4137, n.° 33).

56     Assim, há que examinar se as duas condições exigidas pela jurisprudência referida no número anterior estão reunidas no que se refere à Tragsa.

57     No que respeita à primeira condição, relativa ao controlo da autoridade pública, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a circunstância de a entidade adjudicante deter, isoladamente ou em conjunto com outras autoridades públicas, a totalidade do capital de uma sociedade adjudicatária constitui, em princípio, um indício de que essa entidade adjudicante exerce sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços (acórdão Carbotermo e Consorzio Alisei, já referido, n.° 37).

58     No processo principal, conforme resulta dos autos e sem prejuízo do posterior exame a realizar pelo tribunal de reenvio, o Estado espanhol detém directamente, ou indirectamente, por meio de uma holding e de um fundo de garantia, 99% do capital social da Tragsa, e quatro Comunidades Autónomas, que dispõem cada uma de uma acção, detêm 1% do referido capital.

59     A este respeito, não é possível perfilhar a tese de que a referida condição só está reunida no que se refere às tarefas realizadas a pedido do Estado espanhol, com exclusão das que são solicitadas pelas Comunidades Autónomas, relativamente às quais a Tragsa deve ser considerada um terceiro.

60     Com efeito, parece decorrer do artigo 88.°, n.° 4, da Lei 66/1997 e dos artigos 3.°, n.os 2 a 6, e 4.°, n.os 1 e 7, do Real Decreto 371/1999 que a Tragsa tem o dever de realizar as tarefas que lhe são confiadas pelas autoridades públicas, incluindo as Comunidades Autónomas. Parece igualmente resultar desta legislação nacional que, à semelhança do que se verifica relativamente ao Estado espanhol, no âmbito das suas actividades com estas últimas enquanto instrumento próprio e serviço técnico, a Tragsa não dispõe da possibilidade de fixar livremente os preços das suas prestações e que as suas relações com as referidas comunidades não são de natureza contratual.

61     Por conseguinte, parece que a Tragsa não pode ser considerada um terceiro relativamente às Comunidades Autónomas que detêm parte do seu capital.

62     Quanto à segunda condição, relativa ao facto de o essencial da actividade da Tragsa dever ser realizado com a colectividade pública ou as colectividades públicas que detêm esta sociedade, resulta da jurisprudência que, no caso de várias autarquias deterem uma empresa, a referida condição pode ser satisfeita se esta empresa realizar o essencial da sua actividade, não necessariamente com uma ou outra autarquia mas com essas autarquias consideradas no seu conjunto (acórdão Carbotermo e Consorzio Alisei, já referido, n.° 70).

63     No processo principal, como resulta dos autos, a Tragsa realiza, em média, mais de 55% da sua actividade com as Comunidades Autónomas e quase 35% da sua actividade com o Estado. Verifica‑se assim que o essencial da actividade desta sociedade é realizado com as colectividades e os organismos públicos que a detêm.

64     Nestas circunstâncias, e sem prejuízo do posterior exame a realizar pelo tribunal de reenvio, impõe‑se considerar que, no presente caso, estão reunidas as duas condições exigidas pela jurisprudência referida no n.° 55 do presente acórdão.

65     Resulta de todas as considerações que precedem que se deve responder à segunda questão que as Directivas 92/50, 93/36 e 93/37 não se opõem a um regime jurídico como aquele de que a Tragsa beneficia, que lhe permite, enquanto empresa pública que actua na sua qualidade de instrumento próprio e de serviço técnico de várias autoridades públicas, realizar operações sem estar sujeita ao regime previsto pelas referidas directivas, dado que, por um lado, as autoridades públicas em questão exercem sobre esta empresa um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços e que, por outro, esta empresa realiza o essencial da sua actividade com essas mesmas autoridades.

 Quanto à terceira questão

66     Tendo em conta a resposta dada à segunda questão colocada pelo tribunal de reenvio, não é necessário responder à terceira questão.

 Quanto às despesas

67     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

As Directivas 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento, e 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, não se opõem a um regime jurídico como aquele de que a Tragsa beneficia, que lhe permite, enquanto empresa pública que actua na sua qualidade de instrumento próprio e de serviço técnico de várias autoridades públicas, realizar operações sem estar sujeita ao regime previsto pelas referidas directivas, dado que, por um lado, as autoridades públicas em questão exercem sobre esta empresa um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços e que, por outro, esta empresa realiza o essencial da sua actividade com essas mesmas autoridades.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.

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