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Document 62002CJ0441

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 27 de Abril de 2006.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
Incumprimento de Estado - Artigos 8.º-A e 48.º do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 18.º CE e 39.º CE) - Directivas 64/221/CEE, 73/148/CEE e 90/364/CEE - Regulamento (CEE) n.º 1612/68- Livre circulação dos cidadãos dos Estados-Membros - Ordem pública - Direito ao respeito pela vida familiar - Legislação nacional em matéria de proibição de residência e de afastamento - Prática administrativa - Condenação penal - Expulsão.
Processo C-441/02.

Colectânea de Jurisprudência 2006 I-03449

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:253

Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Partes

No processo C‑441/02,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 5 de Dezembro de 2002,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por C. O’Reilly e W. Bogensberger, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

apoiada por:

República Italiana, representada por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por M. Fiorilli, avvocato dello Stato,

interveniente,

contra

República Federal da Alemanha, representada inicialmente por W.‑D. Plessing, e em seguida por A. Tiemann, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Schiemann, J. N. Cunha Rodrigues (relator), K. Lenaerts e E. Juhász, juízes,

advogada‑geral: C. Stix‑Hackl,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 2 de Junho de 2005,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão

1. Na petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que:

– ao não estipular de modo suficientemente claro na sua legislação que as ordens de expulsão de cidadãos da União não podem assentar numa disposição que obriga, ou obriga em princípio, à expulsão no caso de existir uma condenação penal transitada em julgado, ou ao basear as ordens de expulsão de cidadãos da União nessa disposição imprecisa;

– ao não ter procedido a uma transposição suficientemente clara, no § 12, n.° 1, da Lei relativa à entrada e à residência dos nacionais dos Estados‑Membros da Comunidade Europeia (Gesetz über Einreise und Aufenthalt von Staatsangehörigen der Mitgliedstaaten der Europäischen Wirtschaftsgemeinschaft, BGBl. 1980 I, p. 116), de 21 de Janeiro de 1980 (a seguir «Aufenthaltsgesetz/EWG»), das exigências impostas pelo direito comunitário em matéria de restrição à livre circulação, ou ao basear ordens de expulsão de cidadãos da União nessa disposição imprecisa;

– ao não estipular de modo suficientemente claro na sua legislação que as ordens de expulsão de cidadãos da União não podem assentar numa disposição que prossegue finalidades de prevenção geral, ou ao fundamentar as ordens de expulsão desses cidadãos pela necessidade de dissuasão de outros estrangeiros;

– ao emitir ordens de expulsão de cidadãos da União que não observam a adequação entre, por um lado, o direito fundamental ao respeito da vida familiar e, por outro, a manutenção da ordem pública, e

– ao ordenar a execução imediata das ordens de expulsão de cidadãos da União, sem que se trate de casos urgentes,

a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 18.° CE e 39.° CE, do direito fundamental ao respeito da vida familiar como princípio de direito comunitário, bem como dos artigos 3.° e 9.° da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 1964, 56, p. 850; EE 05 F1 p. 36), do artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), dos artigos 1.°, 4.°, 5.°, 8.° e 10.° da Directiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados‑Membros na Comunidade, em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços (JO L 172, p. 14; EE 06 F1 p. 132), e dos artigos 1.° e 2.° da Directiva 90/364/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa ao direito de residência (JO L 180, p. 26).

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

2. Nos termos do artigo 3.°, n. os  1 e 2, da Directiva 64/221:

«1. As medidas de ordem pública ou de segurança pública devem fundamentar‑se, exclusivamente, no comportamento pessoal do indivíduo em causa.

2. A mera existência de condenações penais não pode, por si só, servir de fundamento à aplicação de tais medidas.»

3. O artigo 9.° da referida directiva prevê:

«1. Não sendo possível interpor recurso para órgãos jurisdicionais, ou, se este recurso apenas permite conhecer da legalidade da decisão, ou, quando não tem efeito suspensivo, a decisão da autoridade administrativa que recuse a renovação da autorização de residência ou que determine a expulsão do titular de uma autorização de residência, salvo por motivo de urgência, só será proferida após a obtenção do parecer prévio de uma autoridade competente do país de acolhimento, perante o qual o interessado deve poder deduzir os seus meios de defesa e fazer‑se assistir ou representar nos termos previstos na legislação nacional.

Esta autoridade deve ser diferente da que for competente para proferir a decisão de recusa de renovação da autorização de residência ou de expulsão.

2. As decisões de recusa de emissão da primeira autorização de residência, bem como as decisões de expulsão proferidas antes da emissão da referida autorização, serão submetidas, a pedido do interessado, à apreciação da autoridade competente para emitir o parecer prévio previsto no n.° 1. O interessado será, então, autorizado a apresentar pessoalmente os seus meios de defesa, salvo quando a isso se oponham os interesses da segurança nacional.»

4. O artigo 1.° do Regulamento n.° 1612/68 dispõe:

«1. Os nacionais de um Estado‑Membro, independentemente do local da sua residência, têm o direito de aceder a uma actividade assalariada e de a exercer no território de outro Estado‑Membro, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais deste Estado.

2. Beneficiarão, nomeadamente, no território de outro Estado‑Membro, da mesma prioridade que os nacionais deste Estado no acesso aos empregos disponíveis.»

5. O artigo 1.° da Directiva 73/148 enuncia:

«1. Os Estados‑Membros suprimirão, nas condições previstas na presente directiva, as restrições à deslocação e à permanência:

a) Dos nacionais de um Estado‑Membro estabelecidos ou que desejem estabelecer‑se em outro Estado‑Membro para nele exercerem uma actividade não assalariada, ou nele desejem efectuar uma prestação de serviços;

b) Dos nacionais dos Estados‑Membros que desejem deslocar‑se a outro Estado‑Membro na qualidade de destinatários de uma prestação de serviços;

c) Do cônjuge e filhos com menos de 21 anos destes nacionais independentemente da sua nacionalidade;

d) Dos ascendentes e descendentes destes nacionais e dos respectivos cônjuges que estejam a seu cargo, independentemente da sua nacionalidade.

2. Os Estados‑Membros favorecerão a admissão de qualquer outro familiar dos nacionais referidos no n.° 1, alínea a) e b), ou do respectivo cônjuge, que se encontre a seu cargo ou que viva sob o mesmo tecto no país de origem.»

6. Nos termos do artigo 4.° da referida directiva:

«1. Os Estados‑Membros reconhecem o direito de residência permanente aos nacionais dos outros Estados‑Membros que se estabeleçam no seu território para nele exercerem uma actividade não assalariada quando, por força do Tratado, tiverem sido suprimidas as restrições relativas a essa actividade.

O direito de residência é comprovado pela emissão de um documento denominado ‘Cartão de Residência de Nacional de um Estado‑Membro das Comunidades Europeias’. Este documento é válido durante, pelo menos, cinco anos a partir da data da emissão e é automaticamente renovável.

As interrupções de residência que não ultrapassem seis meses consecutivos, bem como as ausências motivadas pelo cumprimento de obrigações militares, não afectam a validade do cartão de residência.

O cartão de residência válido não pode ser retirado aos nacionais referidos na alínea a) do n.° 1 do artigo 1.° pelo simples facto de já não exercerem a actividade por motivo de incapacidade temporária decorrente de doença ou acidente.

Os nacionais de um Estado‑Membro não referidos no primeiro parágrafo, mas autorizados a exercer uma actividade no território de outro Estado‑Membro por força da legislação deste Estado, obterão a autorização de residência de duração, pelo menos, igual à da autorização concedida para o exercício da actividade.

Todavia, os nacionais referidos no primeiro parágrafo a que se passe a aplicar, na sequência de uma mudança de actividade, o disposto no parágrafo anterior, conservam o cartão de residência até ao termo da sua validade.

2. Relativamente aos prestadores e aos destinatários de serviços, o direito de permanência corresponde à duração da prestação.

Se esta duração for superior a três meses, o Estado‑Membro em que se efectuar a prestação emite a autorização de residência comprovativa desse direito.

Se essa duração for inferior ou igual a três meses, o bilhete de identidade ou o passaporte ao abrigo do qual o interessado entrou no território bastam para a sua estada. O Estado‑Membro pode, contudo, exigir que o interessado comunique a sua presença no território.

3. Quando um familiar não for nacional de um Estado‑Membro, é‑lhe concedido um documento de residência com a mesma validade do concedido ao nacional de que depende.»

7. Em conformidade com o artigo 5.° da Directiva 73/148:

«O direito de permanência refere‑se à totalidade do território do Estado‑Membro.»

8. Nos termos do artigo 8.° da referida directiva:

«Os Estados‑Membros só podem derrogar a presente directiva por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública.»

9. O artigo 10.° da mesma directiva prevê:

«1. A Directiva do Conselho de 25 de Fevereiro de 1964, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados‑Membros na Comunidade em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços, continua a aplicar‑se até à execução da presente directiva pelos Estados‑Membros.

2. Os documentos de residência emitidos nos termos da directiva referida no n.° 1, e válidos no momento da execução da presente directiva, conservam a sua validade até ao final do prazo.»

10. O artigo 1.° da Directiva 90/364 enuncia:

«1. Os Estados‑Membros concederão o direito de residência aos nacionais dos Estados‑Membros que não beneficiem desse direito por força de outras disposições de direito comunitário e aos membros das respectivas famílias tal como são definidos no n.° 2, na condição de disporem, para si próprios e para as suas famílias, de um seguro de doença que cubra todos os riscos no Estado‑Membro de acolhimento e de recursos suficientes para evitar que se tornem, durante a sua permanência, uma sobrecarga para a assistência social do Estado‑Membro de acolhimento.

Os recursos referidos no primeiro parágrafo são considerados suficientes quando sejam superiores ao nível de rendimentos aquém do qual o Estado‑Membro de acolhimento pode conceder assistência social aos seus nacionais, tendo em conta a situação pessoal do requerente e, eventualmente, das pessoas consideradas beneficiários por força do n.° 2 do presente artigo.

Quando o segundo parágrafo não possa ser aplicado, os recursos do requerente serão considerados suficientes quando forem superiores ao nível da pensão mínima de segurança social paga pelo Estado‑Membro de acolhimento.

2. Gozam do direito de se instalar com o titular do direito de residência noutro Estado‑Membro, independentemente da sua nacionalidade:

a) O seu cônjuge e os seus descendentes a cargo;

b) Os ascendentes do titular do direito de residência e do seu cônjuge que se encontrem a cargo daquele.»

11. Nos termos do artigo 2.° da Directiva 90/364:

«1. O direito de residência é consignado através da emissão de um documento denominado ‘cartão de residência de nacional de um Estado‑Membro da CEE’, cuja validade pode ser limitada a um prazo de cinco anos renovável. Todavia, se o considerarem necessário, os Estados‑Membros podem solicitar a revalidação do cartão no termo dos dois primeiros anos de residência. Quando um membro da família não tiver a nacionalidade de um Estado‑Membro, ser‑lhe‑á emitido um documento de residência com a mesma validade do concedido ao nacional de que depende.

Para a emissão do cartão ou do documento de residência, o Estado‑Membro apenas pode pedir ao requerente que apresente um bilhete de identidade ou um passaporte válido e que comprove que satisfaz as condições previstas no artigo 1.°

2. Os artigos 2.° e 3.°, os n.° 1, alínea a), e n.° 2 do artigo 6.° e o artigo 9.° da Directiva 68/360/CEE são aplicáveis mutatis mutandis aos beneficiários da presente directiva.

O cônjuge e os filhos a cargo de um nacional de um Estado‑Membro beneficiário do direito de residência no território de um Estado‑Membro gozam do direito de aceder a qualquer actividade assalariada ou não assalariada em todo o território desse mesmo Estado‑Membro, mesmo que não possuam a nacionalidade de um Estado‑Membro.

Os Estados‑Membros apenas podem derrogar ao disposto na presente directiva por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública. Nesse caso, será aplicável a Directiva 64/221/CEE.

3. A presente directiva não prejudica a legislação existente em matéria de aquisição de residências secundárias.»

Regulamentação nacional

12. Nos termos do § 2, n.° 2, da Lei dos Estrangeiros (Ausländergesetz, BGB1. 1990 I, p. 1354):

«A presente lei só se aplica aos estrangeiros que tenham direito à livre circulação ao abrigo do direito comunitário se o direito comunitário e a Aufenthaltsgesetz/EWG não contiverem disposições derrogatórias.»

13. Nos termos do § 45 da mesma lei:

«(1) Um estrangeiro pode ser expulso se a sua permanência no território ameaçar a segurança pública, a ordem pública ou outros interesses fundamentais da República Federal da Alemanha.

(2) Ao tomar a decisão de expulsão é necessário ter em conta:

1. a duração do período de residência legal e os laços dignos de protecção, designadamente pessoais e económicos, que o estrangeiro tenha no território federal,

2. as consequências da expulsão para os membros da família do estrangeiro que se encontrem legalmente no território federal e com ele residam em comunhão familiar e

[...]»

14. O § 46 da Ausländergesetz enuncia:

«Pode ser expulso nos termos do § 45, n.° 1, designadamente, quem

[...]

2. Tenha cometido uma infracção, não apenas isolada ou de pouca gravidade, a disposições jurídicas, decisões ou ordens judiciais ou administrativas ou tenha cometido um crime fora do território federal, que seja considerado um crime doloso no território federal,

3. Violar uma disposição jurídica ou uma decisão administrativa relativa ao exercício da prostituição,

4. Consumir heroína, cocaína ou um estupefaciente igualmente perigoso e não esteja disposto a submeter‑se a um tratamento necessário para a sua reabilitação ou o interrompa,

[...]»

15. O § 47 da referida lei dispõe:

«(1) Um estrangeiro é expulso quando,

1. Pela prática de um ou mais crimes dolosos, for condenado, com trânsito em julgado, a uma pena de privativa de liberdade ou a uma pena por delinquência juvenil de, no mínimo, três anos, ou, pela prática de crimes dolosos, for condenado, com trânsito em julgado, num período de cinco anos, a várias penas privativas de liberdade ou penas por delinquência juvenil com a duração total de, no mínimo, três anos, ou quando, na última condenação com trânsito em julgado, lhe tenha sido aplicada medida de segurança privativa da liberdade (Sicherungsverwahrung), ou

2. Pela prática de um crime doloso previsto na Lei relativa aos estupefacientes (Betäubungsmittelgesetz), por ofensa à paz pública […] ou por ofensa à [ordem] pública […], for condenado, com trânsito em julgado, a uma pena por delinquência juvenil de, no mínimo, dois anos ou a uma pena privativa de liberdade, e a execução da pena não tenha sido suspensa com regime de prova.

(2) Um estrangeiro é, em regra, expulso quando,

1. Pela prática de um ou vários crimes dolosos, tenha sido condenado, com trânsito em julgado, a uma pena por delinquência juvenil de, no mínimo, dois anos ou a uma pena privativa de liberdade, e a execução da pena não tenha sido suspensa com regime de prova,

2. Em violação das disposições da lei sobre estupefacientes e sem autorização, cultive, produza, importe, faça transitar ou exporte, venda, ceda a outrem ou de qualquer outro modo ponha em circulação um estupefaciente ou o comercialize, ou instigue à prática de um destes actos ou deles seja cúmplice,

3. No quadro de uma reunião pública proibida ou dissolvida ou de um desfile proibido ou dissolvido participe, como autor ou cúmplice, em actos de violência contra pessoas ou coisas, cometidos colectivamente por vários indivíduos de modo que coloque em perigo a segurança pública,

[...]

(3) Um estrangeiro que beneficie de protecção acrescida contra a expulsão nos termos do artigo 48.°, n.° 1, deve, em regra, ser expulso nos casos previstos no n.° 1. Nos casos previstos no n.° 2, a expulsão é objecto de decisão discricionária. A expulsão de um estrangeiro de idade compreendida entre 18 e 21 anos que cresceu no território federal e que possua uma autorização de residência permanente ou um direito de residência é objecto de decisão discricionária nos casos previstos nos n. os  1 e 2. Os n. os  1 e 2 do ponto 1, não se aplicam a estrangeiros menores.»

16. Em conformidade com o § 48 da Ausländergesetz:

«(1) Um estrangeiro que:

1. Seja titular de uma autorização de residência,

2. Seja titular de uma autorização de residência permanente e tenha nascido no território federal, ou aí tenha entrado sendo menor,

3. Seja titular de uma autorização de residência permanente e viva casado ou em união de facto com um estrangeiro, nos termos dos pontos 1 e 2, num quadro conjugal ou parental,

4. Viva em comunhão com um membro alemão da sua família,

5. Seja reconhecidamente beneficiário do direito de asilo, goze do estatuto de refugiado estrangeiro no território federal ou possua um título de viagem emitido por uma autoridade da República Federal da Alemanha nos termos da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (Abkommen über die Rechtsstellung für Flüchtlinge) de 28 de Julho de 1951 (BGBl. 1953 II, p. 559),

6. Seja titular de uma autorização de residência concedida nos termos do § 32a,

Só pode ser expulso por razões graves de segurança pública e de ordem pública. Em regra, existem razões graves de segurança e ordem públicas nos casos referidos no § 47, n.° 1.

(2) Um estrangeiro menor, cujos pais ou cujo progenitor que exerça o poder paternal se encontrem legalmente no território federal, não pode ser expulso, a menos que tenha sido condenado, com trânsito em julgado, pela prática reiterada de crimes dolosos cuja gravidade não seja reduzida, de crimes graves ou de um crime particularmente grave. Um adolescente com idade compreendida entre os 18 e os 21 anos que tenha crescido no território federal e que resida com os seus pais só pode ser expulso nos termos do § 47, n. os  1 e 2, ponto 1, e n.° 3.

[…]»

17. O § 12 da Aufenthaltsgesetz/EWG dispõe:

(1) No quadro da livre circulação garantida por esta lei e sem prejuízo de limitações previstas em disposições anteriores, a recusa de entrada, de autorização de residência CE ou da sua renovação, as medidas restritivas nos termos do § 3, n.° 5, do § 12, n.° 1, segundo período, e do § 14 da Ausländergesetz, bem como a expulsão ou afastamento do território das pessoas referidas no § 1 só são admissíveis por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública (artigo 48.°, n.° 3, artigo 56.°, n.° 1, do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia). Os estrangeiros titulares de uma autorização de residência permanente CE só podem ser expulsos por razões graves de ordem pública ou segurança pública.

[…]

(3) As decisões ou medidas referidas no n.° 1 só devem ser tomadas quando o comportamento pessoal de um estrangeiro as justificar. Isto não se aplica a decisões ou medidas tomadas para proteger a saúde pública.

(4) Uma condenação penal não pode, por si só, servir de fundamento à aplicação das decisões ou medidas referidas no n.° 1.

[...]

(7) Se for recusada a emissão ou a renovação da autorização de residência CE, ordenada a expulsão ou notificada a intenção de afastamento do território, deve ser indicado o prazo concedido ao estrangeiro para abandonar o território onde vigora a presente lei. Excepto se existir motivo de urgência, o prazo não pode ser inferior a quinze dias caso ainda não tenha sido emitida qualquer autorização de residência CE e a um mês caso já tenha sido emitida uma autorização de residência CE.

[...]»

18. Nos termos do § 4, n.° 2, do Regulamento Geral sobre a livre circulação dos nacionais dos Estados‑Membros (Freizügigkeitsverordnung/EG), o § 12 da Aufenthaltsgesetz/EWG é aplicável por analogia aos nacionais dos Estados‑Membros que não exerçam uma actividade profissional.

19. O § 80, n. os  2 e 3, do Código do Contencioso Administrativo (Verwaltungsgerichtsordnung, a seguir «VwGO») tem a seguinte redacção:

«(2) O efeito suspensivo só está excluído:

[...]

4. Nos casos em que, no interesse público ou no interesse especial preponderante de uma parte, a execução imediata é especificamente ordenada pela autoridade que adoptou o acto administrativo ou que decide do recurso.

Os Länder também podem determinar que os recursos não têm efeito suspensivo quando tenham por objecto medidas de execução administrativa por eles adoptadas nos termos do direito federal.

(3) Nos casos do n.° 2, ponto 4, o interesse especial na execução imediata do acto administrativo deve ser fundamentado por escrito. Não é necessária fundamentação especial quando, em caso de perigo iminente, em particular para a vida, a saúde ou o património, a autoridade toma a título preventivo uma medida designada como medida de emergência no interesse público.

[…]»

Fase pré‑contenciosa

20. Na sequência da análise de várias dezenas de petições e queixas dirigidas ao Parlamento Europeu e à Comissão por cidadãos italianos residentes no Land de Baden‑Württemberg a propósito de medidas tomadas contra eles pelas autoridades alemãs por razões de ordem pública que lesavam o seu direito de residência na Alemanha, a Comissão, por notificação para cumprir de 8 de Julho de 1998, chamou a atenção da República Federal da Alemanha para certas disposições legais e práticas administrativas à luz da sua compatibilidade com as disposições de direito comunitário relativas ao direito de residência nos Estados‑Membros.

21. Não tendo a resposta do Governo alemão de 25 de Março de 1999 dissipado as dúvidas da Comissão, esta, em 24 de Julho de 2000, dirigiu um parecer fundamentado à República Federal da Alemanha, reiterando as acusações expostas na notificação para cumprir e convidando‑a a adoptar as medidas necessárias para dar cumprimento à referida notificação no prazo de dois meses a contar da sua notificação.

22. Na sua resposta de 26 de Setembro de 2000, o Governo alemão negou a existência de uma prática administrativa contrária ao direito comunitário, declarando‑se disponível para verificar a eventual necessidade de prestar determinados esclarecimentos em domínios específicos da regulamentação nacional.

23. Não tendo sido informada de que foram prestados esses esclarecimentos e considerando, por outro lado, que, de qualquer modo, as anunciadas verificações para determinar a necessidade de proceder a esses esclarecimentos não teriam sido suficientes para fazer cessar os factos objecto das acusações por si formuladas, a Comissão decidiu instaurar a presente acção.

Quanto à acção

Quanto à primeira acusação, relativa à insuficiente importância atribuída na legislação e na prática alemãs ao comportamento pessoal em caso de expulsão de nacionais de outros Estados‑Membros por razões de ordem pública

Argumentos das partes

24. A Comissão alega que, na medida em que o § 47, n.° 1, da Ausländergesetz prescreve obrigatoriamente a expulsão de um estrangeiro (a seguir «expulsão obrigatória») e o n.° 2 do mesmo preceito prescreve, em princípio, a obrigatoriedade da expulsão (a seguir «expulsão por regra») quando o interessado tiver sido condenado pela prática de uma das infracções previstas nesses preceitos, a autoridade competente é privada de qualquer margem de apreciação quando toma a sua decisão.

25. A Comissão salienta que o § 47, n. os  1 e 2, da Ausländergesetz se refere, de um modo geral, aos «estrangeiros» e, por conseguinte, também é aplicável aos cidadãos dos Estados‑Membros. Ora, na medida em que essa disposição se aplica aos cidadãos comunitários, a Comissão, apoiada pelo Governo italiano, alega que a mesma está em contradição directa e irremediável com os requisitos do artigo 3.°, n. os  1 e 2, da Directiva 64/221. Com efeito, nos termos deste artigo, uma decisão de expulsão deve basear‑se exclusivamente no comportamento pessoal do indivíduo em causa, e a mera existência de condenações penais não pode, por si só, servir de fundamento a essa decisão, enquanto o § 47, n. os  1 e 2, da Ausländergesetz priva as autoridades competentes do poder discricionário de que necessitam para proceder a essa análise caso a caso e substituem‑no por uma apreciação geral feita pelo legislador, exclusivamente ligada à condenação do cidadão em causa. A Comissão considera que o referido § 47, n. os  1 e 2, contradiz o § 12, n. os  3 e 4, da Aufenthaltsgesetz/EWG, ao passo que, segundo o Governo alemão, ele especifica estas últimas disposições.

26. Esta situação jurídica contraditória, manifestamente, causa problemas na aplicação prática da regulamentação nacional e, consequentemente, leva a que sejam proferidas decisões contrárias ao direito comunitário. Quando uma decisão de expulsão se baseia no § 47 da Ausländergesetz, é contrária ao direito comunitário, e a sua violação é particularmente manifesta nos casos em que as referidas autoridades referem expressamente na sua decisão que, tendo em conta a existência de uma condenação penal, não dispõem de nenhum poder discricionário que lhes permita não decidir pela expulsão. A legislação alemã tem que ser clarificada, não deixando qualquer margem para dúvidas quanto à consideração das exigências do direito comunitário.

27. A Comissão esclarece que a presente acção não tem por objecto a análise de casos individuais, e que os casos de expulsão mencionados na sua petição só são citados a título de exemplo e para ilustrar o carácter geral de uma prática administrativa contrária ao direito comunitário, na medida em que esta última se baseia numa regulamentação que transpõe de modo insuficientemente claro as exigências da regulamentação comunitária. Segundo afirma, resulta incontestavelmente dos referidos exemplos que as decisões erróneas não são um caso isolado, antes foram tomadas em diversas ocasiões e revestem‑se, assim, de um carácter geral que leva a determinadas práticas incompatíveis com o direito comunitário, embora em grau diverso de região para região.

28. O Governo alemão alega que a expulsão dos cidadãos dos Estados‑Membros não é apenas regulada pelo § 47 da Ausländergesetz, mas também pelo § 12 da Aufenthaltsgesetz/EWG relativamente a cidadãos da União que tenham uma actividade profissional, bem como pelo § 4 do Freizügigkeitsverordnung/EG, que estende a aplicação do referido § 12 aos cidadãos da União que não exerçam uma actividade profissional.

29. Ora, o referido § 12 refere claramente que a apreciação deve ser feita individualmente, analisando o comportamento pessoal do interessado, e que as condenações penais não podem, por si só, justificar uma expulsão. Essa disposição, que reproduz quase literalmente o teor do artigo 3.°, n. os  1 e 2, da Directiva 64/221, transpõe de modo suficientemente claro e preciso estas últimas disposições para o direito interno. Contrariamente à tese defendida pela Comissão, a conjugação dos §§ 47 da Ausländergesetz e 12 da Aufenthaltsgesetz/EWG não cria uma situação jurídica ambígua e contraditória em si mesma. Com efeito, o § 2, n.° 2, da Ausländergesetz refere claramente que as disposições da Aufenthaltsgesetz/EWG prevalecem sobre as regras da Ausländergesetz, de modo que a consequência jurídica que consiste na expulsão obrigatória (§ 47, n.° 1, da Ausländergesetz) ou na expulsão por regra (§ 47, n.° 2, da Ausländergesetz) só se aplica aos estrangeiros que beneficiam da livre circulação ao abrigo do direito comunitário quando os requisitos do referido § 12 estão preenchidos. Assim, a acusação relativa à transposição insuficientemente clara do artigo 3.° da Directiva 64/221 para o direito alemão não deve ser acolhida.

30. Relativamente à acusação segundo a qual a República Federal da Alemanha baseou decisões de expulsão «nessa disposição imprecisa», o Governo alemão responde que não existe nenhuma prática administrativa contrária ao direito comunitário, e que a Comissão não consegue provar a existência dessa prática, como, não obstante, lhe compete.

31. É certo que não pode excluir‑se que, em certos casos, as autoridades administrativas competentes tenham posto fim à permanência de cidadãos de outros Estados‑Membros através de decisões tomadas em violação não só do direito interno, mas também do direito comunitário, que prevalece sobre o primeiro. Todavia, os 51 casos objecto da petição da Comissão, para além de não terem todos conduzido a uma medida de expulsão ou de afastamento, estendem‑se por um período de 9 anos e apenas dizem respeito a 3 dos 16 Länder . As medidas censuradas, assim, não apresentam o grau de constância e de generalidade exigível para se concluir pela existência de uma prática administrativa. A acusação da Comissão, de facto, assenta essencialmente no pressuposto de que, em casos diferentes dos invocados na petição, foram adoptadas decisões igualmente contrárias à regulamentação comunitária, o que não está demonstrado.

Apreciação do Tribunal de Justiça

32. Como o Tribunal de Justiça recordou no seu acórdão de 31 de Janeiro de 2006, Comissão/Espanha (C‑503/03, Colect., p. I‑1122, n.° 43), o direito dos nacionais de um Estado‑Membro de entrar e de residir no território de outro Estado‑Membro não é incondicional. Dentro dos limites previstos ou autorizados pelo direito comunitário, o artigo 2.° da Directiva 64/221 permite aos Estados‑Membros proibir a nacionais de outros Estados‑Membros a entrada no seu território por razões de ordem pública ou de segurança pública.

33. Não obstante, o legislador comunitário sujeitou a limites estritos a invocação de tais razões por um Estado‑Membro. O artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 64/221 estabelece que as medidas de ordem pública ou de segurança pública devem fundamentar‑se, exclusivamente, no comportamento pessoal do indivíduo, e que, por força do n.° 2 deste artigo, a mera existência de condenações penais não pode, por si só, servir de fundamento à aplicação de tais medidas. A existência de uma condenação penal só pode, assim, ser considerada na medida em que as circunstâncias que lhe deram origem revelam a existência de um comportamento pessoal que constitua uma ameaça actual para a ordem pública (acórdãos de 27 de Outubro de 1977, Bouchereau, 30/77, Colect., p. 715, n.° 28; de 19 de Janeiro de 1999, Calfa, C‑348/96, Colect., p. I‑11, n.° 24; e Comissão/Espanha, já referido, n.° 44).

34. O Tribunal de Justiça, por sua vez, sempre salientou que a excepção de ordem pública constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de pessoas, devendo ser objecto de interpretação estrita, e cujo âmbito não pode ser unilateralmente determinado pelos Estados‑Membros (acórdãos de 28 de Outubro de 1975, Rutili, 36/75, Colect., p. 415, n.° 27; Bouchereau, já referido, n.° 33; Calfa, já referido, n.° 23; de 29 de Abril de 2004, Orfanopoulos e Oliveri, C‑482/01 e C‑493/01, Colect., p. I‑5257, n. os  64 e 65; e Comissão/Espanha, já referido, n.° 45).

35. De acordo com jurisprudência assente, o recurso por uma autoridade nacional à noção de ordem pública pressupõe, de qualquer modo, a existência, afora a perturbação da ordem social que qualquer infracção à lei constitui, de uma ameaça real e suficientemente grave que afecte um i nteresse fundamental da sociedade (acórdãos, já referidos, Rutili, n.° 28; Bouchereau, n.° 35; Orfanopoulos e Oliveri, n.° 66; e Comissão/Espanha, n.° 46).

36. É à luz destas considerações que há que examinar a primeira acusação da Comissão. Esta decompõe‑se em duas partes, sendo a primeira relativa à transposição incorrecta para o direito interno das regras de direito comunitário em matéria de expulsão de cidadãos comunitários por razões de ordem pública e tendo a segunda por objecto a prática adoptada pela administração a este respeito.

– Quanto à alegada transposição incorrecta

37. Por força do § 47 da Ausländergesetz, um estrangeiro, ou seja, qualquer pessoa que não seja de nacionalidade alemã (§ 1, n.° 2, da mesma lei), é expulso (expulsão obrigatória) quando for condenado, com trânsito em julgado, numa pena pelos crimes enumerados no n.° 1 do referido § 47, sendo essa expulsão ordenada em princípio (expulsão por regra) quando a condenação for numa pena pelas infracções enumerados no n.° 2, ponto 1, do mesmo artigo.

38. As disposições do § 47, n. os  1 e 2, ponto 1, da Ausländergesetz, consideradas isoladamente, na medida em que conduzem à expulsão de cidadãos comunitários na sequência de uma condenação penal sem que seja levado em conta, de modo sistemático, o comportamento pessoal do agente da infracção nem o perigo actual que ele representa para a ordem pública, não respondem às exigências do direito comunitário (v., neste sentido, a propósito do § 47, n.° 1, ponto 2, da Ausländergesetz, acórdão Orfanopoulos e Oliveri, já referido, n. os  59 e 69 a 71).

39. Todavia, como correctamente observou o Governo alemão, a Aufenthaltsgesetz/EWG é aplicável, enquanto lei especial, aos cidadãos dos Estados‑Membros que beneficiam da livre circulação ao abrigo do Tratado CE. Com efeito, em conformidade com o § 2, n.° 2, da Ausländergesetz, esta última lei só se aplica aos estrangeiros que beneficiam da livre circulação ao abrigo do direito comunitário se este e a Aufenthaltsgesetz/EWG, que se aplica, designadamente, aos cidadãos dos outros Estados‑Membros que exerçam uma actividade profissional, não contiverem disposições derrogatórias. Por outro lado, o § 4, n.° 2, da Freizügigkeitsverordnung/EG estende a aplicação do § 12, n. os  2 a 9, da Aufenthaltsgesetz/EWG aos cidadãos dos Estados‑Membros que não exerçam uma actividade profissional.

40. Daqui resulta que as disposições da Aufenthaltsgesetz/EWG, enquanto lei especial ( lex specialis ), prevalecem sobre as da Ausländergesetz ( lex generalis ) nas situações que a primeira visa especificamente regulamentar (v., a propósito de directivas comunitárias, acórdão de 19 de Junho de 2003, Mayer Parry Recycling, C‑444/00, Colect., p. I‑6163, n.° 57).

41. Ora, de acordo com a própria letra do § 12, n. os  3 e 4, da Aufenthaltsgesetz/EWG, uma medida de expulsão só deve ser tomada contra um estrangeiro que beneficie da livre circulação ao abrigo do direito comunitário quando o seu comportamento pessoal o justifique, e a existência de uma condenação penal não é suficiente, por si só, para fundamentar essa medida.

42. Por outro lado, se é verdade que o alcance das disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais deve ser apreciado tendo em conta a interpretação que lhes é dada pelos tribunais nacionais (v., nomeadamente, acórdão de 9 de Dezembro de 2003, Comissão/Itália, C‑129/00, Colect., p. I‑14637, n. os  30 a 33), no caso em apreço, a Comissão não sustenta que a regulamentação em causa seja objecto de interpretações jurisprudenciais divergentes que possam ser levadas em conta, umas conduzindo à aplicação da referida regulamentação compatível com o direito comunitário e outras a uma aplicação incompatível com este, de modo que essa regulamentação não seria suficientemente clara para garantir uma aplicação compatível com o direito comunitário.

43. Nestas condições, deve ser julgada improcedente a acusação da Comissão relativa à violação do direito comunitário decorrente do facto de a regulamentação alemã alegadamente não impedir de modo suficientemente claro que a expulsão do território da República Federal da Alemanha de um cidadão dos outros Estados‑Membros que beneficie da livre circulação ao abrigo do direito comunitário seja ordenada de modo automático na sequência de uma condenação penal, não sendo levado em conta o comportamento pessoal do agente da infracção nem o perigo actual que representa para a ordem pública.

– Quanto à existência de uma alegada prática administrativa contrária ao direito comunitário

44. Resulta dos pedidos formulados na petição inicial que, com a sua primeira acusação, a Comissão pretende, para além da declaração de que as regras do direito comunitário foram incorrectamente transpostas para o direito interno, que seja também declarado que foram tomadas «decisões de expulsão» em violação dessas regras.

45. O Tribunal de Justiça já decidiu em várias ocasiões que a Comissão lhe pode fazer um pedido de declaração de incumprimento que consista em não ter sido alcançado, num caso determinado, o resultado visado por uma directiva (v., nomeadamente, acórdãos de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha, C‑20/01 e C‑28/01, Colect., p. I‑3609, n.° 30; de 14 de Abril de 2005, Comissão/Espanha, C‑157/03, Colect., p. I‑2911, n.° 44; e de 31 de Janeiro de 2006, Comissão/Espanha, já referido, n.° 59).

46. Como resulta do n.° 27 do presente acórdão, e não obstante a formulação ampla dos pedidos da petição inicial sobre este aspecto, a Comissão referiu expressamente, no decurso do processo no Tribunal de Justiça, que a sua acção tem o objectivo não de lhe solicitar que examine, no âmbito das diversas acusações, questões particulares suscitadas por casos individuais, mas sim salientar o facto de a regulamentação alemã transpor de modo insuficiente as exigências do direito comunitário, o que origina uma prática administrativa contrária ao direito comunitário. Neste contexto, a Comissão refere um certo número de casos que apenas invoca a título de exemplo para ilustrar determinados tipos de decisões e de práticas administrativas que censura à República Federal da Alemanha na presente acção. O facto de a Comissão citar casos específicos não excluiu de modo algum que sejam igualmente de considerar outros casos como exemplos da violação do direito comunitário.

47. De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, mesmo que a legislação nacional aplicável seja, em si, como resulta dos n. os  39 a 43 do presente acórdão, compatível com o direito comunitário, o incumprimento pode decorrer da existência de uma prática administrativa que viola esse direito (v., nomeadamente, acórdão de 12 Maio de 2005, Comissão/Itália, C‑278/03, Colect., p. I‑3747, n.° 13).

48. A este propósito, importa recordar, a título liminar, que, de acordo com jurisprudência assente, no âmbito de uma acção por incumprimento, cabe à Comissão provar a existência do alegado incumprimento e compete‑lhe trazer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação por este da existência desse incumprimento, sem que se possa basear em presunções (v., nomeadamente, acórdão de 12 de Maio de 2005, Comissão/Bélgica, C‑287/03, Colect., p. I‑3761, n.° 27).

49. Relativamente a um fundamento concretamente respeitante à aplicação de uma disposição nacional, o Tribunal de Justiça decidiu que a demonstração de um incumprimento de Estado exige a produção de elementos de prova específicos em comparação com os que entram habitualmente em linha de conta numa acção por incumprimento que tenha exclusivamente por objecto o conteúdo de uma disposição nacional e que, nestas condições, o incumprimento só pode ser provado através de uma demonstração suficientemente documentada e circunstanciada da prática censurada à administração e/ou aos órgãos jurisdicionais e imputável ao Estado‑Membro em causa (acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 28).

50. O Tribunal de Justiça também declarou que, se um comportamento do Estado se consubstanciar numa prática administrativa contrária às exigências de direito comunitário susceptível de constituir um incumprimento na acepção do artigo 226.° CE, essa prática administrativa tem de apresentar um certo grau de constância e de generalidade (v. acórdãos de 29 de Abril de 2004, Comissão/Alemanha, C‑387/99, Colect., p. I‑3751, n.° 42; de 26 de Abril de 2005, Comissão/Irlanda, C‑494/01, Colect., p. I‑3331, n.° 28; e Comissão/Bélgica, já referido, n.° 29).

51. Ora, a Comissão não demonstrou a existência, na Alemanha, de uma prática administrativa que se revista das características exigidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

52. A Comissão limitou‑se a enumerar, na petição, um certo número de casos em que as decisões administrativas foram alegadamente adoptadas em violação das exigências do direito comunitário, não tendo apresentado ao Tribunal de Justiça as decisões em causa, tendo apenas reproduzido breves trechos de algumas delas na petição inicial. Assim, a Comissão está manifestamente em falta no que toca a carrear para o Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação por este da existência do alegado incumprimento, e isto tanto mais quanto o Governo alemão contesta concretamente a fiabilidade dos elementos produzidos citando, nalguns casos, decisões proferidas na sequência de reclamações dos interessados (processos Condo, Ferri, Gaudino, Guaglianone, Marchese e Procopio) contra as decisões a que a Comissão se refere na petição.

53. Por outro lado, as cerca de cinquenta decisões enumeradas pela Comissão foram tomadas, segundo as informações que resultam da petição inicial, entre o mês de Dezembro de 1992 (processo Torsello) e de Janeiro de 2001 (processo Sulimanov), ou seja, ao longo de um período de perto de nove anos. Assim, o Tribunal de Justiça não pode, de qualquer modo, concluir pela existência de uma prática generalizada e constante contrária ao direito comunitário, quando a Comissão, que não pode basear‑se numa qualquer presunção, está em falta no que toca a facultar‑lhe os elementos necessários para refutar a alegação do Governo alemão segundo a qual estão em causa decisões isoladas e não uma prática generalizada e constante.

54. Esta conclusão impõe‑se tanto mais que, como sustenta o Governo alemão, as disposições administrativas gerais relativas à Ausländergesetz (Allgemeine Verwaltungsvorschrift zum Ausländergesetz), que se dirigem e se impõem à administração alemã, esclarecem, por um lado, que a expulsão por razões de ordem pública, nos termos do § 12, n.° 1, da Aufenthaltsgesetz/EWG, só pode ser ordenada quando o estrangeiro dê causa a essa medida pelo seu comportamento pessoal, não sendo a existência de uma condenação penal suficiente para justificar uma expulsão e, por outro, que o n.° 3 do mesmo § 12 só permite basear a expulsão no comportamento pessoal do estrangeiro e a mesma só pode ser ordenada por razões de prevenção especial e em caso de ameaça efectiva e suficientemente grave que lese um interesse fundamental da sociedade.

55. Por conseguinte, apesar de o Governo alemão não contestar que possam ter sido adoptadas decisões isoladas de expulsão que não levaram suficientemente em conta as exigências do direito comunitário, o fundamento invocado pela Comissão relativo à existência de uma prática administrativa incompatível com o direito comunitário deve ser julgado improcedente.

56. Consequentemente, a primeira acusação deve ser julgada improcedente na íntegra.

Quanto à segunda acusação relativa ao facto de não ser atribuída a devida importância na legislação e na prática alemãs à existência de uma ameaça grave para a ordem pública no caso de expulsão de cidadãos de outros Estados‑Membros que disponham de uma autorização de residência de duração limitada

Quanto à admissibilidade

– Argumentos das partes

57. O Governo alemão alega que, na sua petição, a Comissão censura à República Federal da Alemanha não só o facto de ter cumprido de modo defeituoso a sua obrigação de transpor para o direito interno a Directiva 64/221, mas também de ter desenvolvido uma prática administrativa contrária à regulamentação comunitária. Todavia, no seu parecer fundamentado, a Comissão limitou‑se a mencionar a transposição ambígua, no § 12, n.° 1, da Aufenthaltsgesetz/EWG, das regras de direito comunitário, e não lhe censurou uma suposta prática administrativa contrária à referida regulamentação no que respeita à execução dessa disposição. Assim, a segunda acusação é inadmissível, na medida em que a Comissão pretende ver declarada a existência dessa prática administrativa, uma vez que, de acordo com jurisprudência assente, a Comissão não pode invocar na acção elementos novos em relação aos que foram expostos na fase pré‑contenciosa.

58. A Comissão não aceita qualquer crítica em relação à ampliação do objecto do litígio, alegando que as suas três primeiras acusações criticam a situação jurídica alemã em matéria de expulsão dos estrangeiros principalmente devido ao facto de, na prática, a coexistência de disposições por vezes contraditórias, fonte de equívoco para as instâncias encarregadas de aplicar o direito, levar constantemente a que sejam tomadas decisões de expulsão incompatíveis com o direito comunitário. Do mesmo modo que a imprecisão da situação jurídica resulta precisamente da coexistência dessas disposições, as decisões de expulsão tomadas com base nelas estão necessariamente relacionadas com essas três acusações e não podem ser delas dissociadas.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

59. De acordo com jurisprudência assente (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1999, Comissão/Itália, C‑365/97, Colect., p. I‑7773, n.° 23), a notificação para cumprir dirigida pela Comissão ao Estado‑Membro e, seguidamente, o parecer fundamentado emitido pela Comissão delimitam o objecto do litígio, o qual, a partir de então, já não pode ser ampliado. Com efeito, a faculdade de o Estado‑Membro em causa apresentar as suas observações constitui, mesmo que ele pense não a dever utilizar, uma garantia essencial pretendida pelo Tratado CE, e o respeito dessa garantia é uma formalidade essencial da regularidade do processo que verifica um incumprimento de um Estado‑Membro.

60. Por conseguinte, o parecer fundamentado e a acção da Comissão devem ter por base as mesmas acusações já constantes da notificação para cumprir que dá início à fase pré‑contenciosa (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998, Comissão/Alemanha, C‑191/95, Colect., p. I‑5449, n.° 55). Na medida em que o parecer fundamentado da Comissão e a acção devem basear‑se nos mesmos fundamentos e argumentos, o Tribunal de Justiça não pode examinar uma acusação que não tenha sido formulada no parecer fundamentado (acórdão de 11 de Maio de 1989, Comissão/Alemanha, 76/86, Colect., p. 1021, n.° 8), e este último deve conter uma exposição coerente e detalhada das razões que criaram na Comissão a convicção de que o Estado‑Membro interessado não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado (v., nomeadamente, acórdão de 24 de Junho de 2004, Comissão/Países Baixos, C‑350/02, Colect., p. I‑6213, n.° 20).

61. Todavia, esta exigência não pode ir ao ponto de impor, em todos os casos, uma coincidência perfeita entre o enunciado das acusações na notificação para cumprir, a parte decisória do parecer fundamentado e os pedidos formulados na petição, quando o objecto do litígio não tenha sido ampliado ou alterado, mas, pelo contrário, simplesmente reduzido (acórdãos de 29 de Setembro de 1998, Comissão/Alemanha, já referido, n.° 56; de 9 de Novembro de 1999, Comissão/Itália, já referido, n.° 25; e de 14 de Março de 2006, Comissão/França, C‑177/04, Colect., p. I‑2479, n.° 37).

62. No caso em apreço, a parte da segunda acusação relativa à existência de uma prática administrativa contrária ao direito comunitário corresponde substancialmente à acusação formulada no ponto IV do parecer fundamentado, nos termos do qual a Comissão acusa a República Federal da Alemanha de ter adoptado decisões de expulsão em casos em que não tinha sido provada a existência de uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública que lesasse um interesse fundamental da sociedade. Ao que acresce o facto de, na parte do parecer fundamentado intitulado «Ameaça para a ordem pública», a Comissão ter precisamente invocado a existência na Alemanha de «práticas administrativas» baseadas numa interpretação do § 12, n.° 1, primeiro período, da Aufenthaltsgesetz/EWG que não preenche os requisitos que o direito comunitário estabelece para admitir restrições à livre circulação por razões de ordem pública.

63. Nestas circunstâncias, não se pode acusar a Comissão de não ter reproduzido literalmente as acusações invocadas na fase pré‑contenciosa nos pedidos formulados na petição inicial, quando teve a preocupação de estabelecer uma concordância entre esses pedidos e a exposição circunstanciada das acusações.

64. A excepção de inadmissibilidade parcial da segunda acusação não deve, consequentemente, ser acolhida.

Quanto ao mérito

– Argumentos das partes

65. A Comissão alega que a Aufenthaltsgesetz/EWG, que é suposto transpor para o direito alemão as regras de direito comunitário em matéria de restrições à livre circulação por razões de ordem pública, não é suficientemente clara no que diz respeito à regra constante do seu § 12, n.° 1, que é crucial no caso vertente. Com efeito, enquanto o primeiro período da referida disposição enuncia que, «por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública», pode ser recusada a permanência a um estrangeiro que beneficia da livre circulação, o segundo período da mesma disposição prevê, apenas relativamente aos estrangeiros que sejam titulares de «uma autorização de residência permanente CE», que estes só podem ser expulsos por razões «graves» de ordem pública ou segurança pública. A inserção sistemática da disposição em causa pode ser enganadora, na medida em que pode ser interpretada, e, aliás, o é efectivamente, como demonstra a prática administrativa, no sentido de que bastam meras razões de segurança e de ordem públicas para expulsar os titulares do direito de livre circulação que não disponham de uma «autorização de residência permanente CE», e que a existência de razões graves apenas é exigida para expulsar estrangeiros que disponham dessa autorização.

66. Segundo a Comissão, são numerosas as decisões que deixam transparecer na sua base uma interpretação errada do conceito de ordem pública na acepção do § 12, n.° 1, primeiro período, da Aufenthaltsgesetz/EWG. Por vezes, é mesmo expressamente afirmado nessas decisões que não há que verificar a existência de razões graves relativas à ordem pública, uma vez que a sua existência apenas é exigida nos casos previstos no segundo período da referida disposição, ou seja, para os estrangeiros titulares de uma «autorização de residência permanente CE». A Comissão refere, a título de exemplo, sete casos para ilustrar esta última alegação.

67. Segundo a Comiss ão, a situação jurídica e a prática administrativa alemãs nesta matéria devem ser clarificadas de modo preciso, não deixando a mínima dúvida quanto à exigência segundo a qual, independentemente da duração da autorização de residência, uma medida de expulsão pressupõe que o comportamento pessoal do interessado demonstre a existência de uma ameaça real e suficientemente grave que lese um interesse fundamental da sociedade (v., nomeadamente, acórdão Bouchereau, já referido, n. os  33 a 35).

68. Em contrapartida, o Governo alemão sustenta que o § 12, n.° 1, da Aufenthaltsgesetz/EWG transpõe de modo suficientemente claro as exigências resultantes da regulamentação comunitária em matéria de restrições à livre circulação.

69. Relativamente à acusação respeitante à existência de uma prática administrativa contrária ao direito comunitário, o Governo alemão alega que, ainda que essa parte da segunda acusação fosse admissível, não compreende de que modo a Comissão pode concluir, apenas com base em menos de 20 casos individuais referidos na petição, pela existência de tal prática administrativa, que seria aplicada de forma sistemática em todo o território nacional.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

Quanto à alegada transposição incorrecta

70. Como foi recordado no n.° 35 do presente acórdão, de acordo com jurisprudência assente, o recurso por uma autoridade nacional à noção de ordem pública pressupõe, de qualquer modo, a existência, afora a perturbação da ordem social que qualquer infracção à lei constitui, de uma ameaça real e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade.

71. O § 12, n.° 1, primeiro período, da Aufenthaltsgesetz/EWG dispõe que os cidadãos de outros Estados‑Membros que beneficiam da livre circulação ao abrigo do direito comunitário só podem ser objecto de uma medida de expulsão por razões de ordem pública, de segurança e de saúde públicas e menciona, entre parêntesis, os artigos 48.°, n.° 3, e 56.°, n.° 1, do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 46.°, n.° 1, CE). O segundo período do mesmo número enuncia que a expulsão de estrangeiros titulares de uma «autorização de residência permanente CE» só é autorizada por razões «graves» de segurança ou de ordem públicas.

72. Embora possa considerar‑se que a remissão para o direito comunitário primário, efectuada pelo § 12, n.° 1, primeiro período, da Aufenthaltsgesetz/EWG, indica que o conceito de ordem pública deve ser interpretado em conformidade com a interpretação que é dada ao mesmo conceito constante dos referidos artigos do Tratado, como concretizado pela Directiva 64/221 e esclarecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça, não é menos verdade que o segundo período da referida disposição nacional, na medida em que acrescenta que, relativamente a cidadãos comunitários que disponham de uma autorização de residência permanente, só «graves» razões de ordem pública podem justificar uma expulsão, suscita uma dúvida no que respeita à correcta consideração das exigências de direito comunitário em relação aos cidadãos comunitários que dispõem de uma autorização de residência de duração limitada.

73. Ora, de acordo com jurisprudência assente, as disposições de uma directiva devem ser aplicadas com carácter obrigatório incontestável, com a especificidade, precisão e clareza necessárias, a fim de ser satisfeita a exigência de segurança jurídica (v., nomeadamente, acórdãos de 17 de Maio de 2001, Comissão/Itália, C‑159/99, Colect., p. I‑4007, n.° 32, e de 27 de Fevereiro de 2003, Comissão/Bélgica, C‑415/01, Colect., p. I‑2081, n.° 21).

74. Por conseguinte, o § 12, n.° 1, da Aufenthaltsgesetz/EWG não transpõe com clareza suficiente, no que respeita aos cidadãos dos Estados‑Membros que dispõem de uma autorização de residência de duração limitada, as exigências decorrentes da jurisprudência recordada no n.° 70 do presente acórdão, nos termos da qual uma medida de expulsão só se justifica em caso de ameaça real e suficientemente grave que lese um interesse fundamental da sociedade.

75. As disposições administrativas gerais relativas à Ausländergesetz, invocadas pelo Governo alemão em apoio da sua tese segundo a qual a regulamentação nacional satisfaz a exigência de segurança jurídica, não põem em causa esta apreciação.

76. A este respeito, basta recordar que o princípio da segurança jurídica exige uma publicidade adequada para as medidas nacionais adoptadas em aplicação de uma regulamentação comunitária, de forma a permitir que os sujeitos de direito afectados por essas medidas possam conhecer o alcance dos seus direitos e obrigações no domínio especial regido pelo direito comunitário (v., nomeadamente, acórdão de 27 de Fevereiro de 2003, Comissão/Bélgica, já referido, n.° 21). Ora, não é esse o caso das referidas disposições administrativas, que, indiscutivelmente, têm natureza interna e dirigem‑se à administração com vista a assegurar uma homogeneidade de posições desta administração sobre questões determinadas.

77. Nestas circunstâncias, a primeira parte da segunda acusação é procedente.

Quanto à alegada prática administrativa contrária ao direito comunitário

78. Nos n. os  49 e 50 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça recordou que, relativamente a acusações respeitantes à aplicação de uma disposição nacional, a demonstração de um incumprimento de Estado exige a produção de elementos de prova específicos em comparação com os que entram habitualmente em linha de conta numa acção por incumprimento que tenha exclusivamente por objecto o conteúdo de uma disposição nacional. Nestas condições, o incumprimento só pode ser provado através de uma demonstração suficientemente documentada e circunstanciada da prática censurada à administração e/ou aos órgãos jurisdicionais e imputável ao Estado‑Membro em causa. Se um comportamento do Estado se consubstanciar numa prática administrativa contrária às exigências de direito comunitário susceptível de constituir um incumprimento na acepção do artigo 226.° CE, essa prática administrativa tem de apresentar um certo grau de constância e de generalidade.

79. Ora, a Comissão limitou‑se a mencionar 17 casos em que foram alegadamente tomadas decisões administrativas inobservando exigências de direito comunitário, sem que tenha facultado essas decisões ao Tribunal de Justiça e sem reproduzir a mais pequena passagem dessas decisões para sustentar a sua tese. Assim, a Comissão, manifestamente, não cumpriu a sua obrigação de facultar ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação por este Tribunal da existência do alegado incumprimento, e isto tanto mais que o Governo alemão contesta de forma concreta a fiabilidade dos dados invocados, reproduzindo, designadamente, a propósito dos dois casos a que se refere a Comissão na sua petição (processos Moffa e Nardelli), um extracto da decisão em causa, que vai no sentido de uma tomada em consideração das exigências do direito comunitário.

80. Basta esta razão para que a segunda parte da segunda acusação deva ser julgada improcedente.

Quanto à terceira acusação, relativa à importância atribuída pela legislação e pela prática alemãs aos aspectos relativos à prevenção geral em casos de expulsão

Quanto à admissibilidade

– Argumentos das partes

81. O Governo alemão sustenta que o parecer fundamentado não continha uma acusação relativa a uma falta de clareza da regulamentação alemã no que diz respeito à proibição de adoptar medidas de prevenção geral, de modo que esta parte da terceira acusação deveria ser julgada inadmissível.

82. A Comissão responde que, na notificação para cumprir, alega que todas as decisões que têm como base jurídica o § 47, n. os  1 e 2, da Ausländergesetz, devido à finalidade de prevenção geral dessa disposição, se revestem necessariamente de um carácter ilícito de prevenção geral e que, consequentemente, violam o direito comunitário. O parecer fundamentado mantém essa acusação, dando‑lhe ênfase, e, portanto, a excepção de inadmissibilidade não deve ser acolhida.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

83. O parecer fundamentado e a acção da Comissão devem basear‑se nos mesmos fundamentos e argumentos (v., nomeadamente, n.° 60 do presente acórdão). Ora, isso acontece no caso vertente.

84. Como observou a advogada‑geral nos n. os  111 e 112 das suas conclusões, a parte da terceira acusação relativa a uma transposição incorrecta para o direito interno da exigência segundo a qual a expulsão de cidadãos comunitários não pode basear‑se em razões de prevenção geral corresponde, no essencial, à acusação enunciada no ponto III do parecer fundamentado, em que a Comissão censura à República Federal da Alemanha o facto de não ter indicado de modo suficientemente claro na sua legislação que as decisões de expulsão contra cidadãos da União não podem basear‑se numa norma que prevê a expulsão obrigatória ou por regra quando tenha havido uma condenação penal transitada em julgado. A isto acresce que, na parte do parecer fundamentado intitulada «Dissuasão», a Comissão invoca precisamente a circunstância de todas as decisões de expulsão baseadas no § 47 da Ausländergesetz terem necessariamente, devido à finalidade de prevenção geral dessa norma, um carácter ilícito de prevenção geral, deste modo visando directamente a legislação censurada.

85. Nestas circunstâncias, não se pode acusar a Comissão de não ter reproduzido literalmente as acusações invocadas na fase pré‑contenciosa nos pedidos formulados na petição inicial, quando se preocupou em estabelecer uma concordância entre estes e a exposição circunstanciada das acusações.

86. Consequentemente, a questão prévia de inadmissibilidade parcial da terceira acusação não deve ser acolhida.

Quanto ao mérito

– Argumentos das partes

87. A Comissão alega que o regime de expulsão previsto no § 47, n. os  1 e 2, da Ausländergesetz prossegue finalidades de prevenção geral, na medida em que a expulsão obrigatória ou por regra se destina a dissuadir outros estrangeiros de cometer crimes de natureza idêntica ou análoga aos cometidos por estrangeiros que foram expulsos. Todas as decisões que se baseiam nessas disposições contêm, pela natureza das coisas, um elemento ilícito de prevenção geral, tendo em conta o objectivo dessa norma e são, só por esta razão, contrárias ao direito comunitário. A referência ao § 12 da Aufenthaltsgesetz/EWG, que apenas foi feita a título complementar, em nada altera a circunstância de as referidas decisões serem fundamentadas numa base jurídica cuja aplicação é incompatível com o direito comunitário, devido ao objectivo de prevenção geral que prossegue.

88. Em algumas decisões, essa finalidade de prevenção geral prosseguida pela expulsão obrigatória é, aliás, expressamente mencionada, não resultando da sua fundamentação que assentem igualmente, de modo autónomo, em finalidades de prevenção especial. De qualquer modo, tal distinção só é perceptível em algumas decisões, quando estas enumeram, sobrepondo‑as, finalidades de prevenção geral e de prevenção especial sob a forma de fundamentação cumulativa, fazendo assim crer que a medida em causa se baseia nesses dois tipos de finalidades. Além disso, nessas decisões, a fundamentação atribui por vezes uma importância específica ao efeito de prevenção geral. Segundo a Comissão, daí resulta que essa prática administrativa equivale a basear as decisões em causa igualmente em considerações de prevenção geral e, por essa razão, é contrária ao direito comunitário (acórdão de 10 de Fevereiro de 2000, Nazli, C‑340/97, Colect., p. I‑957, n.° 63).

89. Nestas circunstâncias, a situação jurídica e a prática administrativa alemãs nessa matéria têm que ser clarificadas de modo preciso, a fim de eliminar qualquer dúvida que pudesse subsistir quanto à aplicação da regulamentação nacional. Uma transposição imprecisa e ambígua de obrigações decorrentes do direito comunitário não é conforme às exigências de uma transposição correcta da Directiva 64/221.

90. No que diz respeito à acusação relativa à falta de clareza da regulamentação nacional em si mesma, o Governo alemão responde que esta indica claramente e sem ambiguidade que os cidadãos comunitários não podem ser expulsos por razões relativas a objectivos de prevenção geral. A Comissão ignora o facto de as decisões de expulsão desses cidadãos não terem por base jurídica exclusiva o § 47 da Ausländergesetz, antes devendo sempre observar as disposições do § 12 da Aufenthaltsgesetz/EWG, que são imperativas e prevalecem sobre as do referido § 47. A prevenção geral só está prevista para os cidadãos de Estados terceiros.

91. Quanto à acusação relativa à existência de uma prática administrativa contrária ao direito comunitário, o Governo alemão contesta a existência de uma sequência de decisões individuais erradas que consagrem tal prática. Os poucos casos que a Comissão menciona não são suficientes para concluir pela existência de uma prática administrativa corrente e geral contrária à regulamentação comunitária. Há que acrescentar que resulta das disposições administrativas gerais relativas à Ausländergesetz, que têm uma influência determinante sobre a questão de saber se existe uma prática administrativa, na medida em que vinculam juridicamente a administração na sua actuação, que é vedado à administração justificar decisões de expulsão de cidadãos comunitários através do efeito dissuasivo que essa expulsão tem noutros cidadãos estrangeiros.

92. A circunstância de as autoridades administrativas alemãs invocarem razões de prevenção geral que acrescem às razões específicas de prevenção é perfeitamente compatível com o artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 64/221, uma vez que é respeitada a única obrigação prevista nessa disposição, que consiste em expor razões suficientes relativas à pessoa e ao comportamento da pessoa.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

Quanto à alegada transposição incorrecta

93. De acordo com a jurisprudência do Tribunal e Justiça, o direito comunitário opõe‑se à expulsão de um cidadão de um Estado‑Membro decidida por motivos de prevenção geral, com um fim de dissuasão em relação a outros estrangeiros (v., designadamente, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1975, Bonsignore, 67/74, Colect., p. 125, n.° 7, e Nazli, já referido, n.° 59), em particular quando esta medida é decidida de forma automática na sequência de uma condenação penal, sem ter em conta quer o comportamento pessoal do autor da infracção quer o perigo que ele representa para a ordem pública (acórdão Calfa, já referido, n.° 27).

94. Como foi observado nos n. os  39 a 43 do presente acórdão, as disposições da Aufenthaltsgesetz/EWG, enquanto lei especial, prevalecem sobre as da Ausländergesetz nas situações que aquela se destina especificamente a regular.

95. Ora, em conformidade com o § 12, n.° 3, primeiro período, da Aufenthaltsgesetz/EWG, as medidas de expulsão de cidadãos comunitários titulares do direito de livre circulação ao abrigo do direito comunitário só devem ser tomadas quando o comportamento pessoal do interessado o justifique. Por conseguinte, qualquer expulsão relacionada com finalidades de prevenção geral é proibida no que respeita a essa categoria de pessoas.

96. Por outro lado, como foi observado no âmbito da primeira acusação (v. n.° 42 do presente acórdão), a Comissão não alega, no caso vertente, que a regulamentação em causa seja objecto de interpretações jurisprudenciais divergentes que possam ser levadas em conta, conduzindo umas a uma aplicação da referida regulamentação compatível com o direito comunitário, e outras a uma aplicação incompatível com ele, de modo que essa regulamentação não fosse suficientemente clara para garantir uma aplicação compatível com o direito comunitário.

97. Nestas circunstâncias, a acusação da Comissão relativa à violação do direito comunitário, na medida em que a regulamentação alemã não proíbe de modo suficientemente claro a tomada em consideração de aspectos de prevenção geral aquando da expulsão do território alemão de um cidadão dos outros Estados‑Membros titular do direito de livre circulação ao abrigo do direito comunitário, é improcedente.

Quanto à alegada prática administrativa contrária ao direito comunitário

98. Há que observar que, na petição inicial, a Comissão se limitou a enumerar certos casos em que a decisão de expulsão se baseia, em parte, na prossecução de finalidades de prevenção geral, sem ter facultado as decisões em causa ao Tribunal de Justiça, antes se limitando a reproduzir uma curta passagem dessas decisões, e apenas de algumas delas. Assim, a Comissão, manifestamente, não cumpriu a sua obrigação de facultar ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação, por este Tribunal, da existência do alegado incumprimento, e isto tanto mais que o Governo alemão contesta a fiabilidade dos dados apresentados, referindo um determinado número de casos em que, designadamente, foram proferidas decisões na sequência de reclamações apresentadas pelos interessados (processos Condo e Procopio) em sentido contrário às decisões a que a Comissão se refere na petição inicial.

99. Por outro lado, as onze decisões mencionadas pela Comissão foram tomadas, segundo as informações que resultam da petição inicial, entre o mês de Março de 1993 (processo Sassano) e o mês de Novembro de 1997 (processo Pugliese), ou seja, ao longo de um período de perto de cinco anos. Assim, o Tribunal de Justiça não pode, de qualquer modo, concluir pela existência de uma prática geral e constante contrária ao direito comunitário, quando a Comissão, que não pode basear‑se em qualquer presunção, não conseguiu fornecer‑lhe os elementos necessários para contestar a alegação do Governo alemão segundo a qual estavam em causa decisões isoladas e não uma prática geral e constante.

100. Esta conclusão impõe‑se tanto mais que, como sustenta o Governo alemão, uma das disposições administrativas gerais relativas à Ausländergesetz dispõe que a expulsão só pode ter lugar por razões de prevenção especial e em caso de ameaça efectiva e suficientemente grave que lese um interesse fundamental da sociedade.

101. Por conseguinte, apesar de o Governo alemão não contestar que possam ter sido adoptadas decisões isoladas de expulsão que não tenham levado suficientemente em conta as exigências decorrentes da Directiva 64/221, a acusação da Comissão relativa à existência de uma prática administrativa incompatível com o direito comunitário deve, à luz da jurisprudência referida nos n. os 48 a 50 do presente acórdão, ser julgada improcedente.

102. Consequentemente, a terceira acusação deve ser julgada improcedente na íntegra.

Quanto à quarta acusação, relativa à pouca importância atribuída ao direito fundamental ao respeito pela vida familiar aquando da adopção de decisões de expulsão

Argumentos das partes

103. A Comissão alega que os Estados‑Membros têm a obrigação de levar em consideração, na expulsão de cidadãos comunitários baseada na excepção de ordem pública regulamentada pela Directiva 64/221, não apenas o princípio fundamental da livre circulação de pessoas, mas também os efeitos dessa expulsão nos direitos fundamentais, nomeadamente o direito ao respeito pela vida familiar consagrado no artigo 8.° da Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), direito cuja observância deve ser garantida pelo Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdão de 11 de Julho de 2002, Carpenter, C‑60/00, Colect., p. I‑6279, n.° 41).

104. A Comissão menciona, a este respeito, alguns casos em que, segundo afirma, as autoridades administrativas alemãs infringiram o princípio da proporcionalidade de modo particularmente grosseiro e manifesto. Invoca dois casos em que essas autoridades não analisaram a questão da proporcionalidade, cinco casos em que não procederam à análise da proporcionalidade por terem considerado que a expulsão automática não obriga a essa análise, e catorze casos em que não levaram suficientemente em conta a importância do direito fundamental à protecção da vida familiar.

105. O Governo alemão sustenta que a Comissão não conseguiu demonstrar a existência de uma prática administrativa que consista em não conjugar o direito a uma vida familiar com a necessidade de preservar a ordem pública. Essa alegada prática administrativa não foi provada, uma vez que, designadamente, o simples facto de haver algumas decisões de expulsão cuja fundamentação não se pronuncia sobre os laços familiares dos interessados não permite concluir pela existência de uma prática administrativa geral.

106. Contrariamente às alegações da Comissão, as disposições que regulam a expulsão dos cidadãos comunitários, nomeadamente os §§ 48 da Ausländergesetz e 12 da Aufenthaltsgesetz/EWG, impõem quase de modo obrigatório a apreciação da proporcionalidade da medida de expulsão e a tomada em consideração da importância primordial da protecção do casamento e da vida familiar. Nos termos do artigo 6.° da Constituição Alemã, o casamento e a família beneficiam da protecção específica do regime federal, e compete às autoridades administrativas levar obrigatoriamente em consideração essa qualificação constitucional na aplicação dos diplomas. A Comissão acusa erradamente as autoridades alemãs de não terem feito uma apreciação quanto à proporcionalidade e, nos processos em que a Comissão concluiu pelo carácter desproporcionado das decisões de expulsão, os critérios que aplicou também são errados, o que a levou quase inelutavelmente a falsas conclusões.

Apreciação do Tribunal de Justiça

107. De acordo com a jurisprudência do Tribunal da Justiça, o exame efectuado, caso a caso, pelas autoridades nacionais da eventual existência de um comportamento pessoal que constitua uma ameaça actual para a ordem pública e, eventualmente, a questão de saber onde se situa o justo equilíbrio entre os interesses legítimos em presença, deve ser feito respeitando os princípios gerais de direito comunitário (acórdão Orfanopoulos e Oliveri, já referido, n.° 95).

108. A este respeito, devem ser tomados em consideração os direitos fundamentais cuja observância o Tribunal de Justiça garante. Só se podem invocar razões de interesse geral para justificar uma medida nacional que seja susceptível de entravar o exercício das liberdades fundamentais se a medida em causa tiver em conta esses direitos (v., neste sentido, acórdãos de 18 de Junho de 1991, ERT, C‑260/89, Colect., p. I‑2925, n.° 43; de 26 de Junho de 1997, Familiapress, C‑368/95, Colect., p. I‑3689, n.° 24; Carpenter, já referido, n.° 40; e Orfanopoulos e Oliveri, já referido, n.° 97).

109. Neste contexto, foi reconhecida, no âmbito do direito comunitário, a importância de assegurar a protecção da vida familiar dos cidadãos comunitários para eliminar os obstáculos ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado. É pacífico que retirar uma pessoa do país onde vivem os seus parentes próximos pode constituir uma ingerência no direito ao respeito pela vida familiar, tal como é protegido pelo artigo 8.° da CEDH, o qual faz parte dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, são protegidos na ordem jurídica comunitária (v., nomeadamente, acórdão Orfanopoulos e Oliveri, já referido, n.° 98). Semelhante ingerência viola a CEDH se não cumprir as exigências do n.° 2 do mesmo artigo, ou seja, se não estiver «prevista na lei» e não for inspirada por uma ou várias finalidades legítimas à luz do referido número e «necessária numa sociedade democrática», isto é, justificada por uma necessidade social imperiosa e, nomeadamente, proporcionada ao objectivo legítimo prosseguido (v., nomeadamente, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acórdão Boultif c. Suíça, de 2 de Agosto de 2001, Colectânea dos acórdãos e decisões 2001‑IX, §§ 39, 41 e 46; e acórdão Carpenter, já referido, n.° 42).

110. A Comissão não demonstrou a existência, na Alemanha, de uma prática administrativa contrária à exigências em matéria de protecção do direito ao respeito da vida familiar que se revista das características de constância e generalidade exigidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

111. A Comissão, na petição inicial, limitou‑se a enumerar certos casos em que a decisão de expulsão não levou suficientemente em conta o direito ao respeito pela vida familiar, ou mesmo não levou de todo em todo esse direito em conta, não tendo facultado as decisões em causa ao Tribunal de Justiça, antes se limitando a reproduzir, e apenas em relação a algumas delas, uma curta passagem. Não pode deixar de observar‑se que a Comissão não cumpriu a sua obrigação de facultar ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação por este Tribunal da existência do alegado incumprimento, e isto tanto mais que o Governo alemão contesta de modo concreto (em particular nos processos Solimando, Racabulto e Condo) a procedência da afirmação da Comissão segundo a qual o direito ao respeito da vida familiar não foi suficientemente tomado em consideração em todas as decisões referidas por esta última.

112. Por outro lado, as 21 decisões em causa foram tomadas, segundo as informações que resultam da petição inicial, entre o mês de Dezembro de 1992 (processo Torsello) e o mês de Março de 2001 (processo Theodoridis), ou seja, ao longo de um período de perto de nove anos. Assim, o Tribunal de Justiça não pode, de qualquer modo, concluir pela existência de uma prática geral e constante contrária ao direito comunitário, quando a Comissão, que não pode basear‑se em qualquer presunção, não cumpriu a sua obrigação de lhe facultar os elementos necessários para refutar a alegação do Governo alemão segundo a qual estão em causa, quando muito, decisões isoladas, e não uma prática geral e constante.

113. Por conseguinte, apesar de o Governo alemão não contestar que possam ter sido adoptadas decisões isoladas de expulsão que não tenham levado suficientemente em conta as exigências relativas ao direito ao respeito pela vida familiar, a acusação da Comissão relativa à existência de uma prática administrativa incompatível com o direito comunitário deve, à luz da jurisprudência recordada nos n. os  48 a 50 do presente acórdão, ser julgada improcedente.

Quanto à quinta acusação, relativa ao recurso sistemático à execução imediata das medidas de expulsão não obstante a inexistência de uma situação de urgência

Argumentos das partes

114. A Comissão alega que, quando é interposto um recurso para órgãos jurisdicionais contra a aplicação de uma medida de expulsão que apenas tem por objecto a legalidade da medida ou não tem efeito suspensivo, o artigo 9, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 64/221 exige, «salvo por motivo de urgência», o tramitar prévio de um procedimento específico perante uma autoridade independente que deve emitir o seu parecer. Não prevendo o direito alemão relativo aos estrangeiros tal procedimento específico na acepção dessa disposição, daí decorre que, em caso de expulsão de cidadãos comunitários, o efeito suspensivo só pode ser excluído por uma injunção dada nos termos do § 80, n.° 2, ponto 4, da VwGO em «caso de urgência» na acepção da referida disposição da Directiva 64/221.

115. Segundo a Comissão, só se pode considerar que se trata de um caso de urgência quando a execução imediata é o único meio de prevenir um risco concreto, iminente e grave de lesão da ordem pública. Constituindo a expulsão imediata uma lesão ao direito fundamental à livre circulação e ao direito ao respeito pela vida familiar, cabe à autoridade competente provar, em cada caso concreto que lhe seja submetido, que os requisitos exigidos estão preenchidos. Pelo menos em relação aos cidadãos comunitários que residam há muito tempo no Estado‑Membro de acolhimento, o princípio da proporcionalidade impõe que a execução imediata de uma decisão de expulsão só seja ordenada a título excepcional, e apenas em casos de gravidade e urgência notórias.

116. A Comissão sustenta que, nos termos do § 80, n.° 2, ponto 4, da VwGO, o efeito suspensivo de uma medida de expulsão pode ser excluído nos casos em que atinja um cidadão comunitário que tenha deduzido oposição ou tenha intentado uma acção de anulação, se existir um interesse particular na execução imediata da expulsão. Apesar de este «interesse específico» dever ir além do interesse que justifica a própria expulsão, a prática administrativa alemã conclui regularmente, de modo quase automático e sem fundamentação suficiente, pela existência de um interesse específico na execução imediata da expulsão. A análise do caso submetido à Comissão não permite de modo algum concluir pela tomada em consideração pelas autoridades administrativas do critério de urgência exigido pelo direito comunitário para proceder a uma execução imediata. A Comissão menciona a este respeito 17 casos que não satisfazem as exigências da regulamentação comunitária. Para além do recurso quase sistemático à execução imediata, não pode deixar de observar‑se que a existência de um interesse específico da colectividade na execução imediata, interesse que está necessariamente para além do interesse, mais geral, que justifica a expulsão, constitui mais uma afirmação lapidar do que o objecto de uma demonstração concreta.

117. Por conseguinte, a situação jurídica e a prática administrativa alemãs têm que ser clarificadas de modo a não deixar subsistir a mínima dúvida a este respeito.

118. O Governo alemão responde que a ordem de execução imediata intervém depois de uma verificação especial dos requisitos específicos exigidos para que se possa proceder a essa execução. O paralelismo que se verifica frequentemente entre as decisões de expulsão e as decisões de execução imediata, que são independentes umas das outras, resulta quase necessariamente da circunstância de os cidadãos comunitários que preenchem as condições muito estritas para poderem ser objecto de uma medida de expulsão preencherem também quase sempre os requisitos que permitem que seja ordenada a execução imediata dessa decisão.

119. A ordem de execução imediata proferida com as decisões de expulsão também não lesa as garantias processuais previstas no direito comunitário. Por um lado, os cidadãos dos outros Estados‑Membros podem defender‑se de uma decisão de expulsão usando os mesmos recursos que aqueles que são postos à disposição dos cidadãos alemães contra os actos administrativos e, por outro, sempre têm a faculdade de requerer que seja atribuído efeito suspensivo ao seu recurso (§ 80, n.° 5, da VwGO). Assim, o direito alemão preenche os requisitos mínimos exigidos pelo artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 64/221 em matéria de efeito suspensivo dos recursos.

120. De resto, a ampla protecção processual que a República Federal da Alemanha disponibiliza para reagir contra as expulsões ultrapassa de longe as garantias previstas no artigo 9.° da Directiva 64/221 e garante uma protecção efectiva dos direitos subjectivos que o direito comunitário concede aos cidadãos comunitários. Por um lado, a legalidade e a oportunidade de um acto administrativo que afecte os particulares é, em princípio, mesmo tratando‑se de uma decisão de expulsão, examinada antes de um recurso de anulação num procedimento prévio que corre perante a autoridade administrativa. Essas garantias processuais subsistem mesmo quando a decisão de expulsão é acompanhada de uma ordem de execução imediata. Por outro lado, é sempre possível uma fiscalização por parte dos tribunais administrativos, e isto mesmo nos casos em que não haja procedimento prévio. O tribunal administrativo fixa oficiosamente os elementos de facto determinantes e faz um controlo pleno da legalidade da decisão de expulsão, tanto no plano formal como substancial.

Apreciação do Tribunal de Justiça

121. Há que recordar que as disposições do artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 64/221 têm o objectivo de assegurar uma garantia processual mínima às pessoas a quem é imposta uma decisão de afastamento do território. Esse artigo, que se aplica em três casos, concretamente, se não houver possibilidade de recurso jurisdicional, se esses recursos apenas tiverem por objecto a legalidade da decisão ou se não tiverem efeito suspensivo, prevê a intervenção de uma autoridade competente diferente da habilitada a tomar a decisão. Salvo em caso de urgência, a autoridade administrativa só pode tomar uma decisão depois de a outra autoridade competente ter emitido o seu parecer (v., nomeadamente, acórdão Orfanopoulos e Oliveri, já referido, n.° 105).

122. A Comissão também não demonstrou a existência, na Alemanha, de uma prática administrativa contrária às exigências decorrentes do artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 64/221 que se revista das características de constância e generalidade exigidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

123. A Comissão, na petição inicial, limitou‑se a enumerar certos casos em que a decisão de expulsão imediata foi tomada em violação das exigências do referido artigo 9.°, n.° 1, sem, no entanto, ter facultado as decisões em causa ao Tribunal de Justiça, apenas tendo sido reproduzido uma curta passagem dessas decisões na petição inicial. A Comissão, também aqui, manifestamente, não cumpriu a sua obrigação de facultar ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação por este Tribunal da existência do alegado incumprimento, e isto tanto mais que o Governo alemão contesta a tese defendida pela Comissão segundo a qual a análise dos casos que lhe são submetidos não permite concluir pela tomada em consideração pelas autoridades alemãs do critério de urgência cuja observância o direito comunitário impõe antes de proceder a uma execução imediata.

124. Por outro lado, as 17 decisões mencionadas pela Comissão foram tomadas, segundo as informações que resultam da petição inicial, entre o mês de Agosto de 1993 (processo Clarizia) e o mês de Julho de 2000 (processo Moffa), ou seja, ao longo de um período de sete anos. Assim, o Tribunal de Justiça não pode, de qualquer modo, concluir pela existência de uma prática geral e constante contrária ao direito comunitário, quando a Comissão, que não pode basear‑se numa qualquer presunção, não cumpriu a sua obrigação de lhe facultar os elementos necessários para refutar a tese do Governo alemão segundo a qual não existe uma prática geral e constante na acepção das alegações da Comissão.

125. Por conseguinte, a acusação da Comissão relativa à existência de uma prática administrativa incompatível com o direito comunitário deve, de acordo com a jurisprudência mencionada nos n. os  48 a 50 do presente acórdão, ser julgada improcedente.

126. À luz de todas as considerações precedentes, há que referir que, ao não ter transposto de modo suficientemente claro, no § 12, n.° 1, da Aufenthaltsgesetz/EWG, os requisitos exigidos pelo direito comunitário em matéria de restrição à livre circulação, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 39.°CE, 3.° da Directiva 64/221 e 10.° da Directiva 73/148.

Quanto às despesas

127. Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Federal da Alemanha pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida no essencial dos seus fundamentos, há que condená‑la nas despesas. Em conformidade com o n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, os Estados‑Membros que intervieram no processo em apoio dos pedidos da Comissão suportarão as respectivas despesas.

Parte decisória

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1) Ao não ter procedido a uma transposição suficientemente clara, no § 12, n.° 1, da Lei relativa à entrada e residência dos nacionais dos Estados‑Membros da Comunidade Europeia (Gesetz über Einreise und Aufenthalt von Staatsangehörigen der Mitgliedstaaten der Europäischen Wirtschaftsgemeinschaft), de 21 de Janeiro de 1980, das exigências impostas pelo direito comunitário em matéria de restrição à livre circulação, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 39.° CE, 3.° da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública e 10.° da Directiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados‑Membros na Comunidade, em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços.

2) Quanto ao restante, a acção é julgada improcedente.

3) A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.

4) A República Italiana suportará as suas próprias despesas.

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