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Document 61998CJ0257

Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 9 de Setembro de 1999.
Arnaldo Lucaccioni contra Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Acção de indemnização.
Processo C-257/98 P.

Colectânea de Jurisprudência 1999 I-05251

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1999:402

61998J0257

Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 9 de Setembro de 1999. - Arnaldo Lucaccioni contra Comissão das Comunidades Europeias. - Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Acção de indemnização. - Processo C-257/98 P.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-05251


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Responsabilidade extracontratual - Condições - Ilicitude - Prejuízo - Nexo de causalidade - Condições cumulativas - Obrigação de o juiz as examinar numa determinada ordem - Inexistência

[Tratado CE, artigo 215._, segundo parágrafo (actual artigo 228._, segundo parágrafo, CE)]

2 Funcionários - Responsabilidade extracontratual das instituições - Avaliação do prejuízo - Tomada em consideração das prestações recebidas a título do artigo 73._ do Estatuto

[Tratado CE, artigo 215._ (actual artigo 288._ CE); Estatuto dos Funcionários, artigo 73._]

3 Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Fundamentos - Apreciação errónea dos factos - Inadmissibilidade - Controlo pelo Tribunal de Justiça da apreciação dos elementos de prova - Exclusão, salvo em caso de desnaturação

[Tratado CE, artigo 168._-A (actual artigo 225._ CE); Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, artigo 51]

4 Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Fundamentos - Insuficiência de fundamentação - Critérios escolhidos pelo Tribunal de Primeira Instância para fixar o montante de uma indemnização atribuída em reparação de um prejuízo - Controlo pelo Tribunal

5 Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Fundamentos - Fundamento não apoiado por uma argumentação jurídica - Inadmissibilidade

[Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, artigo 51._, primeiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 112._, n._ 1]

Sumário


1 O responsabilidade da Comunidade pressupõe que se encontrem reunidas um conjunto de condições relativas à ilicitude do comportamento imputado às instituições, à efectividade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o dano invocado.

O juiz comunitário não é obrigado a examinar as condições da responsabilidade de uma instituição numa determinada ordem. Com efeito, na medida em que estas três condições devem estar cumulativamente reunidas, o facto de uma delas não estar preenchida basta para que improceda uma acção de indemnização.

2 Se a causa de um acidente ou de uma doença profissional for imputável à instituição que emprega o funcionário, este não pode reclamar uma dupla indemnização do prejuízo sofrido, uma nos termos do artigo 73._ do Estatuto e a outra nos termos do artigo 215._ do Tratado (actual artigo 228._ CE).

Donde resulta que, quando o juiz comunitário avalia o prejuízo reparável, no quadro de uma acção de indemnização com fundamento numa falta susceptível de fundamentar a responsabilidade da sua instituição empregadora, deve tomar em conta as prestações recebidas pelo funcionário nos termos do artigo 73._ do Estatuto.

3 Tal como não é competente, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, para a apreciação de factos, o Tribunal de Justiça também não tem, em princípio, competência para examinar as provas que o Tribunal de Primeira Instância considerou determinantes no apuramento de tais factos. Com efeito, tendo as provas sido obtidas regularmente, tendo as normas e princípios gerais de direito em matéria de prova sido respeitados, compete exclusivamente ao Tribunal de Primeira Instância a apreciação do valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Assim, esta apreciação não constitui, excepto em caso de desnaturação desses elementos, uma questão de direito sujeita, como tal, ao controlo do Tribunal de Justiça.

4 Quando o Tribunal de Primeira Instância verificou a existência de um dano, só a ele compete apreciar, nos limites do pedido, o modo e a medida da reparação dos danos. Todavia, para que o Tribunal de Justiça possa exercer a sua fiscalização jurisdicional sobre os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, estes devem ser suficientemente fundamentados e, estando em causa a avaliação de um prejuízo, indicar os critérios tomados em conta para a determinação do montante fixado.

É suficientemente fundamentado a este respeito o acórdão no qual o Tribunal de Primeira Instância utiliza vários critérios diferentes para verificar se o montante recebido pelo recorrente o indemniza de forma adequada pelo prejuízo moral sofrido.

5 Resulta dos artigos 51._, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112._, n._ 1, alínea c), do Regulamento de Processo que o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar de forma precisa os elementos criticados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos que apoiam esse pedido.

Não satisfaz esta exigência um fundamento que critica o Tribunal de Primeira Instância por ter concluído num determinado sentido sem precisar o fundamento jurídico com base no qual o Tribunal de Primeira Instância deveria ter concluído de forma diferente.

Partes


No processo C-257/98 P,

Arnaldo Lucaccioni, antigo funcionário da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Paris (França), representado por Georges Vandersanden, Laure Levi e Olivier Eben, advogados no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo na fiduciaire Myson SARL, 30, rue de Cessange,

recorrente,

que tem por objecto um recurso de anulação do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Segunda Secção) em 14 de Maio de 1998, Lucaccioni/Comissão (T-165/95, ColectFP, p. I-A-203 e II-627), sendo a outra parte no processo: Comissão das Comunidades Europeias, representada por Julian Currall, consultor jurídico, na qualidade de agente, assistido por Jean-Luc Fagnart, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg, recorrida na primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, D. A. O. Edward e L. Sevón (relator), juízes,

advogado-geral: S. Alber,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 4 de Março de 1999,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 20 de Abril de 1999,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 15 de Julho de 1998, A. Lucaccioni interpôs, ao abrigo do artigo 49._ do Estatuto (CE) e das disposições correspondentes dos Estatutos CECA e CEEA do Tribunal de Justiça, recurso de anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Lucaccioni/Comissão (T-165/95, ColectFP, p. I-A-203 e II-627, a seguir «acórdão recorrido»), que julgou improcedente a acção de indemnização que tinha intentado contra a Comissão.

2 Resulta do acórdão recorrido que o recorrente apresentou, em 1990, um pedido de reconhecimento de doença profissional. A Comissão submeteu num primeiro momento o seu caso à comissão de invalidez prevista no artigo 78._ do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto») e seguidamente deu início ao processo de reconhecimento da doença profissional previsto no artigo 73._ do referido Estatuto.

3 O processo nos termos do artigo 78._ do Estatuto conduziu à aposentação do recorrente e à atribuição a este último de uma pensão de invalidez de um montante igual a 70% do seu vencimento de base.

4 O processo nos termos do artigo 73._ do Estatuto, que seguiu os seus trâmites paralelamente ao processo precedente, teve por consequência, por um lado, o reconhecimento do facto de que o recorrente sofria de uma doença profissional e, por outro, a determinação de uma taxa de invalidez permanente total de 130%, 30% da qual em consideração, designadamente, das graves perturbações psicológicas sofridas. Em conformidade com o disposto no artigo 73._ do Estatuto, a Comissão pagou ao recorrente um montante de 25 794 194 BFR.

5 Todavia, o recorrente considerou que este montante não era suficiente para os efeitos da reparação integral do prejuízo que tinha sofrido, tendo em conta as condições em que se viu obrigado a trabalhar. Portanto, intentou uma acção de indemnização no Tribunal de Primeira Instância.

6 Com o acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que o recorrente não tinha demonstrado que o prejuízo que tinha sofrido não tinha sido reparado pela atribuição do montante pago nos termos do artigo 73._ do Estatuto, pelo que julgou a sua acção improcedente.

7 O recurso tem por base um fundamento único, assente em violação do direito comunitário. Este fundamento articula-se em quatro partes. A primeira parte é baseada numa aplicação incorrecta dos princípios da responsabilidade por culpa, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não terá examinado os elementos constitutivos da responsabilidade e, mais especialmente, a falta da Comissão. A segunda baseia-se numa aplicação incorrecta dos princípios da responsabilidade por culpa, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não terá procedido correctamente à avaliação do prejuízo material e moral sofrido pelo recorrente. A terceira baseia-se na falta de fundamentação do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância terá procedido oficiosamente, sem fundamentação apropriada, à inclusão do prejuízo material e moral sofrido pelo recorrente no capital que lhe foi pago nos termos da segurança social dos funcionários comunitários. A quarta parte baseia-se no facto de o Tribunal de Primeira Instância ter incorrectamente concluído que a Comissão não tinha feito uma utilização criticável do seu poder de apreciação na matéria ao não pedir à comissão de invalidez que se pronunciasse sobre a origem profissional da doença do recorrente.

Quanto à primeira parte do fundamento

8 Com o primeiro aspecto da primeira parte do fundamento, o recorrente critica ao Tribunal de Primeira Instância ter aplicado mal, no n._ 57 do acórdão recorrido, as regras da responsabilidade por culpa, na medida em que se limitou ao exame do seu prejuízo, pela razão de que, «mesmo na hipótese em que se considerasse estabelecida uma falta da Comissão, a responsabilidade da Comunidade só se verificaria caso o recorrente tivesse conseguido demonstrar a realidade do seu prejuízo».

9 Segundo o recorrente, o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta o princípio estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 8 de Outubro de 1986, Leussink e o./Comissão (169/83 e 136/84, Colect., p. 2401, n.os 18 a 20), que determina a obrigação de se pronunciar em primeiro lugar sobre a responsabilidade da instituição e seguidamente sobre as outras condições da acção de indemnização e, designadamente, sobre uma eventual indemnização do prejuízo alegado através das prestações atribuídas a título do artigo 73._ do Estatuto.

10 A Comissão responde, essencialmente, que as três condições de verificação da responsabilidade da Comunidade no âmbito do artigo 215._, segundo parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 288._, segundo parágrafo, CE) são cumulativas, pelo que a responsabilidade da instituição não se verifica quando uma das três condições esteja em falta. O Tribunal de Justiça não terá derrogado a esta regra no acórdão Leussink e o./Comissão, já referido, mas só não terá examinado os três elementos constitutivos da responsabilidade apenas porque, neste último acórdão, a indemnização estatutária não era suficiente para o completo ressarcimento do funcionário vítima de um acidente ou de uma doença profissional.

11 A este respeito, há que referir que, no n._ 56 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância recordou que, segundo jurisprudência constante, a responsabilidade da Comunidade pressupõe que se encontrem reunidas um conjunto de condições relativas à ilicitude do comportamento imputado às instituições, à efectividade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o dano invocado (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C-136/92 P, Colect., p. I-1981, n._ 42, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1995, Ojha/Comissão, T-36/93, ColectFP, p. I-A-161 e II-497, n._ 130).

12 No n._ 57, o Tribunal de Primeira Instância considerou que daí resultava que, mesmo na hipótese em que se considerasse estabelecida uma falta da Comissão, a responsabilidade da Comunidade só se verificaria caso o recorrente conseguisse demonstrar a realidade do seu prejuízo.

13 Como sublinhou o advogado-geral no n._ 41 das suas conclusões, nem a jurisprudência do Tribunal de Justiça nem a do Tribunal de Primeira Instância permitem concluir pela existência de uma obrigação de examinar as condições da responsabilidade de uma instituição numa determinada ordem.

14 Com efeito, na medida em que estas três condições devem estar cumulativamente reunidas, o facto de uma delas não estar preenchida basta para que improceda uma acção de indemnização.

15 O acórdão Leussink e o./Comissão, já referido, não pode ser considerado como estabelecendo o princípio de um exame prioritário da condição referente à falta. O facto de, nesse acórdão, esta condição ter sido examinada em primeiro lugar não resulta de uma imposição jurídica.

16 Portanto, foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou que podia examinar em primeiro lugar se o recorrente tinha feito prova da existência de um prejuízo ainda não reparado através da indemnização que lhe tinha sido atribuída em aplicação do artigo 73._ do Estatuto.

17 Com o segundo aspecto da primeira parte do fundamento, o recorrente critica ao Tribunal de Primeira Instância ter confundido dois sistemas de indemnização totalmente independentes, sujeitos a critérios diferentes e que são objecto de um sistema de reparação diferente: por um lado, um sistema de avaliação por referência a uma tabela (artigo 73._ do Estatuto) e, por outro, um regime de responsabilidade de direito comum fundado na adequação da reparação de um dano às faltas cometidas pela autoridade responsável. A comparação dos dois prejuízos só poderá ser feita se, previamente, os elementos na base do prejuízo, ou seja, uma invalidez permanente total no caso do artigo 73._ do Estatuto e o exame das faltas imputadas à Comissão no regime da sua responsabilidade, tiverem sido estabelecidos. Com efeito, é à luz das faltas cometidas pela Comissão que serão apreciados o efeito relacional e o prejuízo sofrido pela vítima.

18 A Comissão considera que o recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância é incoerente, na medida em que, por um lado, critica a este Tribunal não ter tido em conta os princípios do acórdão Leussink e o./Comissão, já referido, o qual previu uma indemnização de direito comum complementar ao regime estatuário e, por outro, ter procedido a uma comparação de dois sistemas de indemnização totalmente diferentes. Aliás, contesta os princípios da responsabilidade de direito comum tal como são descritos pelo recorrente.

19 A este respeito, há que recordar que a cobertura dos riscos de doença profissional e de acidente, prevista no artigo 73._ do Estatuto e na regulamentação relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional dos funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «regulamentação de cobertura»), permite atribuir ao funcionário lesado uma indemnização de montante previamente fixado a cargo da instituição que o emprega. Esta indemnização é calculada em função da taxa de invalidez e do vencimento de base do funcionário, sem que seja tomada em consideração a responsabilidade do autor do acidente ou a da instituição que impôs condições de trabalho que tenham podido contribuir para a ocorrência da doença profissional.

20 Esta indemnização de montante previamente fixado não pode, todavia, conduzir a uma dupla indemnização do prejuízo sofrido. Aliás, é para esse efeito que, quando a causa de um acidente ou de uma doença é imputável a um terceiro, o artigo 85._-A do Estatuto prevê que as Comunidades ficam sub-rogadas nos direitos e acções do funcionário indemnizado contra o terceiro responsável, nomeadamente no que toca às prestações que lhe tenham sido concedidas nos termos do artigo 73._ do Estatuto.

21 De igual modo, se a causa de um acidente ou de uma doença for imputável à instituição que emprega o funcionário, este não pode reclamar uma dupla indemnização do prejuízo sofrido, uma nos termos do artigo 73._ do Estatuto e a outra nos termos do artigo 215._ do Tratado. Neste sentido, os dois sistemas de indemnização não são, contrariamente ao que afirma o recorrente, independentes.

22 Foi tendo em conta a necessidade de uma indemnização completa, e não dupla, que o Tribunal de Justiça reconheceu ao funcionário, no n._ 13 do acórdão Leussink e o./Comissão, já referido, o direito de pedir uma indemnização complementar quando a instituição seja responsável pelo acidente nos termos do direito comum e as prestações do regime estatutário não sejam suficientes para garantir a plena reparação do prejuízo sofrido.

23 Donde resulta que, ao considerar, no n._ 72 do acórdão recorrido, que, em conformidade com o princípio estabelecido no acórdão Leussink e o./Comissão, já referido, as prestações recebidas nos termos do artigo 73._ do Estatuto na sequência de um acidente ou de uma doença profissional deviam ser tomadas em conta pelo Tribunal de Primeira Instância para os efeitos da avaliação do prejuízo reparável, no quadro de uma acção de indemnização intentada por um funcionário com fundamento numa falta susceptível de fundamentar a responsabilidade da sua instituição empregadora, o Tribunal de Primeira Instância aplicou correctamente os artigos 215._ do Tratado e 73._ do Estatuto.

24 Resulta das precedentes considerações que não colhe a primeira parte do fundamento.

Quanto à segunda parte do fundamento

25 Com o primeiro aspecto da segunda parte do fundamento, A. Lucaccioni critica ao Tribunal de Primeira Instância ter considerado, nos n.os 73 e seguintes do acórdão recorrido, que o montante atribuído nos termos do artigo 73._ do Estatuto constituía uma reparação adequada dos prejuízos sofridos. Com efeito, o pedido formulado por A. Lucaccioni era distinto de um pedido formulado nos termos do artigo 73._ do Estatuto. Tratava-se de um pedido de reparação complementar, fundado numa outra causa e submetido a outros critérios de reparação. Foi, portanto, incorrectamente que o Tribunal de Primeira Instância, no n._ 74 do acórdão recorrido, considerou que o acórdão de 2 de Outubro de 1979, B./Comissão (152/77, Recueil, p. 2819), dizia respeito a uma questão diferente e não podia ser invocado para limitar o alcance do acórdão Leussink e o./Comissão, já referido, sendo que, nesse acórdão B./Comissão, o Tribunal de Justiça definiu, em termos de princípio, o alcance e o objectivo das prestações permitidas pelo artigo 73._ do Estatuto, ou seja, as prestações que se destinam exclusivamente a reparar um dano causado à integridade física ou psíquica do funcionário, mas não o prejuízo material cuja indemnização o recorrente reclama.

26 A Comissão considera que o acórdão Leussink e o./Comissão, já referido, afastou a acumulação do capital pago nos termos do artigo 73._ do Estatuto e as perdas e danos reclamados nos termos de uma acção de responsabilidade por culpa de direito comum. Portanto, esta parte do fundamento é juridicamente improcedente, na medida em que o recorrente sustenta que o Tribunal de Primeira Instância não terá tido em conta o princípio enunciado no acórdão Leussink e o./Comissão, já referido.

27 A esse respeito, há que referir que, na medida em que o recorrente critica ao Tribunal de Primeira Instância ter confundido o pedido que tinha formulado com um pedido de indemnização baseado no artigo 73._ do Estatuto, o primeiro aspecto da segunda parte do fundamento é, essencialmente, idêntico ao segundo aspecto da primeira parte do fundamento que já foi examinado.

28 Como o Tribunal de Justiça precisou no n._ 22 do presente acórdão, o acórdão Leussink e o./Comissão, já referido, consagra o princípio de uma indemnização completa, mas não dupla, do funcionário que sofreu um prejuízo na sequência de uma falta cometida por uma instituição. O acórdão B./Comissão, já referido, relativo à avaliação da taxa de invalidez que deve ser reconhecida a um funcionário, diz efectivamente respeito a uma questão diferente e em nada infirma o princípio consagrado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Leussink e o./Comissão, já referido.

29 Portanto, foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n._ 74 do acórdão recorrido, que não existia qualquer razão válida para não ter em conta as prestações recebidas nos termos do artigo 73._ do Estatuto quando da avaliação do prejuízo material reparável num caso como o em apreço, tal como a perda de remuneração.

30 Com o segundo aspecto da segunda parte do fundamento, o recorrente contesta a avaliação do seu prejuízo pelo Tribunal de Primeira Instância. Em seu entender, o prejuízo material resultante da diferença entre a sua pensão de invalidez e o seu vencimento de funcionário (reconstituição da carreira a posteriori) não será indemnizado através dos 100% que lhe foram atribuídos a título da invalidez permanente e total.

31 A este respeito, há que recordar que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância só pode, por força dos artigos 168._-A do Tratado CE (actual artigo 225._ CE) e 51._, primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, assentar em fundamentos relativos à violação de normas jurídicas, com exclusão de qualquer apreciação da matéria de facto (v., designadamente, acórdão de 1 de Outubro de 1991, Vidrányi/Comissão, C-283/90 P, Colect., p. I-4339, n._ 12, e despacho de 17 de Setembro de 1996, San Marco/Comissão, C-19/95 P, Colect., p. I-4435, n._ 39).

32 Aliás, tal como não é competente para a apreciação de factos, o Tribunal de Justiça também não tem, em princípio, competência para examinar as provas que o Tribunal de Primeira Instância considerou determinantes no apuramento de tais factos (v. acórdão Comissão/Brazzelli Lualdi e o., já referido, n._ 66).

33 Com efeito, tendo as provas sido obtidas regularmente, tendo as normas e princípios gerais de direito em matéria de prova sido respeitados, compete exclusivamente ao Tribunal de Primeira Instância a apreciação do valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Assim, esta apreciação não constitui, excepto em caso de desnaturação desses elementos, uma questão de direito sujeita, como tal, ao controlo do Tribunal de Justiça (v. acórdão de 28 de Maio de 1998, Deere/Comissão, C-7/95 P, Colect., p. I-3111, n._ 22).

34 Pelas mesmas razões, quando o Tribunal de Primeira Instância verificou a existência de um dano, só a ele compete apreciar, nos limites do pedido, o modo e a medida da reparação dos danos (v. acórdão Comissão/Brazzelli Lualdi e o., já referido, n._ 66, e de 14 de Maio de 1998, Conselho/De Nil e Impens, C-259/96 P, Colect., p. I-2915, n._ 32).

35 Todavia, para que o Tribunal de Justiça possa exercer a sua fiscalização jurisdicional sobre os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, estes devem ser suficientemente fundamentados e, estando em causa a avaliação de um prejuízo, indicar os critérios tomados em conta para a determinação do montante fixado (v. acórdão Conselho/De Nil e Impens, já referido, n.os 32 e 33).

36 Para dar efeito útil ao segundo aspecto da segunda parte do fundamento, há que interpretá-lo como referindo-se a uma falta de fundamentação do acórdão recorrido no que respeita aos critérios de determinação do montante considerado pelo Tribunal de Primeira Instância como reparando efectivamente o prejuízo material sofrido pelo recorrente.

37 A este respeito, há que referir que, no n._ 76 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância referiu-se ao montante de 8 400 000 BFR correspondente ao resultado do cálculo actuarial efectuado pelo recorrente e descrito nos n.os 59 e 60 do acórdão recorrido, que representa o montante em capital que permite cobrir a perda de rendimentos periódicos resultante da diferença entre a pensão de invalidez e o seu vencimento de funcionário até à idade da reforma, pressupondo a reforma aos 65 anos.

38 Donde resulta que, ao fazer referência a este cálculo preciso efectuado pelo próprio recorrente e ao considerar, no n._ 77 do acórdão recorrido, que, mesmo só tendo em conta uma avaliação da invalidez em 100%, o simples montante de 19 841 688 BFR pago A. Lucaccioni constitui uma indemnização suficiente do prejuízo sofrido, o Tribunal de Primeira Instância fundamentou a sua decisão.

39 Com o terceiro aspecto da segunda parte do fundamento, o recorrente contesta a tomada em consideração, pelo Tribunal de Primeira Instância, dos 30% suplementares atribuídos nos termos do artigo 14._ da regulamentação de cobertura. Em seu entender, esses 30% apenas corresponderão à reparação de um prejuízo físico e, portanto, não constituirão uma reparação adequada dos prejuízos moral, sexual e de bem-estar que invoca.

40 A. Lucaccioni contesta também o acórdão recorrido na medida em que afirma, no n._ 88, que «não forneceu qualquer elemento que provasse que os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros poderiam conceder um montante desta ordem a título da reparação de um dano moral comparável», tendo ele remetido para um acórdão da Cour de cassation francesa e, após o encerramento da fase escrita, oferecido a apresentação de outras decisões.

41 No que toca a apreciação do dano moral, a Comissão refere que foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instâncias se referiu ao artigo 14._ da regulamentação de cobertura para apreciar a importância do prejuízo moral invocado por A. Lucaccioni, uma vez que esta disposição remete explicitamente, no seu n._ 2, para o artigo 12._ da regulamentação de cobertura, o qual, para a avaliação das lesões que não determinam uma invalidez total, se refere a uma tabela que menciona, na sua primeira linha, as perturbações psicológicas. Portanto, esta parte do fundamento não procede, na medida em que o recorrente sustenta que o acórdão recorrido terá feito uma má aplicação do artigo 14._ da regulamentação de cobertura.

42 Além disso, a Comissão indica que A. Lucaccioni reclama a reparação de prejuízos não económicos em relação aos quais nunca demonstrou a realidade e a importância.

43 Por último e, no que toca à crítica do n._ 88 do acórdão recorrido, a Comissão considera que é dirigida contra um fundamento superabundante e que é, portanto, inadmissível. Mesmo se fosse admissível, também não seria procedente, uma vez que nenhuma das decisões referidas por A. Lucaccioni contêm uma avaliação de um qualquer prejuízo moral.

44 Por razões análogas às desenvolvidas no âmbito do segundo aspecto da segunda parte do fundamento, há que interpretar este terceiro aspecto da segunda parte do fundamento como referindo-se à falta de fundamentação do acórdão recorrido no que toca aos critérios utilizados para a avaliação do prejuízo moral de A. Lucaccioni.

45 Antes de examinar os critérios utilizados pelo Tribunal de Primeira Instância, há, todavia, que examinar se, ao considerar que o recorrente não tinha fornecido qualquer elemento que demonstrasse a possibilidade de lhe ser concedido um montante na ordem de 5 950 000 BFR, a título da reparação de um prejuízo moral comparável, pelos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros, o Tribunal desnaturou os elementos de prova regularmente apresentados pelo recorrente.

46 A este respeito, há que referir que a jurisprudência nacional a que faz alusão o recorrente no seu recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância foi por este enviada ao Tribunal de Primeira Instância por carta de 1 de Abril de 1998, ou seja, após o decurso, em 9 de Outubro de 1997, da fase oral.

47 Por conseguinte, foi de forma juridicamente correcta que o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta esta jurisprudência.

48 Donde se conclui que foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n._ 88 do acórdão recorrido, que o recorrente não tinha fornecido qualquer elemento que demonstrasse que os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros poderiam conceder um montante na ordem de 5 950 000 BFR, a título de reparação de um dano moral comparável ao que sofreu o recorrente.

49 No que toca aos critérios utilizados pelo Tribunal de Primeira Instância para verificar se o prejuízo moral sofrido pelo recorrente tinha sido objecto de uma reparação adequada, o Tribunal tomou em consideração, no n._ 85 do acórdão recorrido, o montante de 5 950 000 BFR que lhe tinha sido conferido nos termos do artigo 14._ da regulamentação de cobertura e atribuído, segundo a comissão médica, «em consideração dos sinais permanentes (cicatrizes, deformação da mama esquerda, redução da força muscular do braço esquerdo) e das graves perturbações psicológicas de que sofre o Sr. Lucaccioni».

50 No n._ 88 do acórdão recorrido, verificou a falta de elementos que demonstrassem que um montante desta ordem podia ser concedido, a título de reparação de um prejuízo moral comparável, pelos tribunais dos Estados-Membros.

51 A título superabundante, procedeu, no n._ 90, ao cálculo do montante que representaria a indemnização do prejuízo moral do recorrente caso se deduzisse da quantia de 25 800 000 BFR que lhe foi paga pela Comissão o montante de 8 400 000 BFR que por si foi considerado, segundo um cálculo actuarial preciso, como representando a reparação do dano material alegadamente sofrido.

52 Há que considerar que, ao utilizar vários critérios diferentes para verificar se o montante recebido por A. Lucaccioni indemnizava de forma adequada o prejuízo moral por si sofrido, o Tribunal de Primeira Instância fundamentou de forma suficiente o acórdão recorrido.

53 Resulta das precedentes considerações que a segunda parte do fundamento também não deve ser acolhida.

Quanto à terceira parte do fundamento

54 Com a terceira parte do fundamento, A. Lucaccioni contesta os n.os 76, 77 e 87 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não deu, para além de uma apreciação «de equidade» e absolutamente subjectiva, qualquer explicação objectiva e verificável ou qualquer fundamentação que permitisse justificar a inclusão dos prejuízos sofridos nas prestações atribuídas a título dos artigos 73._ do Estatuto e 14._ da regulamentação de cobertura.

55 Todavia, há que referir que esta parte do fundamento, baseado na falta de fundamentação do acórdão recorrido no que toca à avaliação do prejuízo, é, no essencial, idêntica ao segundo e terceiro aspectos da segunda parte do fundamento, como foram interpretados pelo Tribunal de Justiça e que mereceram já resposta.

56 Nestas condições, há que, pelas mesmas razões, julgar improcedente a terceira parte do fundamento.

Quanto à quarta parte do fundamento

57 Com a quarta parte do fundamento, intitulada «falta de atribuição de juros compensatórios sobre o capital pago a título do artigo 73._ do Estatuto como indemnização pelo atraso que sofreu o processo do recorrente», A. Lucaccioni critica ao Tribunal de Primeira Instância ter concluído, no n._ 144, que a Comissão «não utilizou de forma criticável o seu poder de apreciação na matéria ao não ter pedido à comissão de invalidez que se pronunciasse sobre a origem profissional da doença do demandante» ou, no n._ 147, «não ultrapassou esta margem de apreciação no caso concreto».

58 Segundo o recorrente, tendo em conta o seu pedido de abertura de um processo de reconhecimento de doença profissional, a única utilização regular que a Comissão podia atribuir à definição do mandato da comissão de invalidez era a de lhe requerer que se pronunciasse sobre a origem da sua eventual invalidade, em conformidade com o disposto no artigo 78._, segundo parágrafo, do Estatuto.

59 A Comissão considera que esta parte do fundamento, na medida em que não precisa nem os elementos criticados do acórdão cuja anulação é pedida nem os argumentos jurídicos que servem de apoio a esse pedido, é inadmissível. A. Lucaccioni contentou-se em reproduzir os fundamentos e argumentos já submetidos ao Tribunal de Primeira Instância.

60 Importa, a título preliminar, referir que só se pode estabelecer uma ligação entre o título da quarta parte do fundamento do recurso de anulação da decisão do Tribunal de Primeira Instância e o seu conteúdo através da referência ao n._ 112 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal de Primeira Instância resumiu a argumentação desenvolvida por A. Lucaccioni, segundo a qual o processo teria sido conduzido mais rapidamente se se tivesse recorrido à comissão de invalidez no quadro do artigo 78._, segundo parágrafo, do Estatuto.

61 Quanto ao conteúdo do fundamento, há que recordar que resulta dos artigos 51._, primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e 112._, n._ 1, alínea c), do Regulamento de Processo que o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar de forma precisa os elementos criticados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos que apoiam esse pedido (v., designadamente, despacho de 6 de Março de 1997, Bernardi/Parlamento, C-303/96 P, Colect., p. I-1239, n._ 37, e de 9 de Julho de 1998, Smanor e o./Comissão, C-317/97 P, Colect., p. I-4269, n._ 20).

62 Na medida em que a quarta parte do fundamento critica ao Tribunal de Primeira Instância ter concluído que a Comissão não desrespeitou os processos previstos nos artigos 73._ e 78._ do Estatuto, sem contudo precisar o fundamento jurídico com base no qual o Tribunal de Primeira Instância deveria ter considerado que a Comissão violou estas disposições ao não ter pedido à comissão de invalidez, constituída em 1991 com base no artigo 78._ do Estatuto, que se pronunciasse sobre a eventual origem profissional da doença do recorrente, deve ser julgada inadmissível.

63 Aliás, ainda que esta parte fosse julgada admissível, seria, todavia, inoperante. Com efeito, para obter uma indemnização do prejuízo resultante de um atraso imputável à Comissão na condução de um processo, incumbe ao recorrente fazer prova da falta da instituição, do prejuízo sofrido e de um nexo de causalidade, sendo estas três condições cumulativas.

64 Ora, o recorrente não contesta a verificação feita pelo Tribunal de Primeira Instância, no n._ 143 do acórdão recorrido, de que o facto de não pedir à comissão de invalidez que se pronunciasse sobre a origem profissional da doença não lhe causou qualquer prejuízo, pois que tinha já direito à taxa máxima da pensão referida no artigo 78._, segundo parágrafo, do Estatuto.

65 Portanto, esta parte do fundamento deve ser julgada inadmissível.

66 Resulta do conjunto das precedentes considerações que o fundamento é parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente, pelo que há que negar provimento ao recurso.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

67 Por força do disposto no n._ 2 do artigo 69._ do Regulamento de Processo, aplicável no processo de recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância por força do seu artigo 118._, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. De acordo com o artigo 70._ do mesmo regulamento, as despesas efectuadas pelas instituições nos recursos dos agentes ficam a cargo destas. No entanto, em virtude do artigo 122._, segundo parágrafo, deste regulamento, o artigo 70._ não é aplicável aos recursos interpostos pelos funcionários ou outros agentes de uma instituição contra esta. Tendo o recorrente neste processo sido vencido, há que condená-lo nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Primeira Secção)

decide:

1) É negado provimento ao recurso.

2) A. Lucaccioni é condenado nas despesas.

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