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Document 61989CJ0354

Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 16 de Abril de 1991.
Schiocchet contra Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso de anulação - Decisão relativa à criação de um serviço regular especializado de passageiros entre Estados-membros.
Processo C-354/89.

Colectânea de Jurisprudência 1991 I-01775

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:149

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-354/89 ( *1 )

I — Exposição dos factos

1.

Por força do Regulamento (CEE) n.o 517/72 do Conselho, de 28 de Fevereiro de 1972, relativo à introdução de regras comuns para os serviços regulares especializados efectuados em autocarro entre os Estados-membros (JO L 67 p. 19; EE 07 FI p. 187), os serviços regulares e os serviços regulares especializados serão executados ao abrigo de uma autorização. As decisões de deferimento dos pedidos, particularmente de criação de um serviço regular ou de um serviço regular especializado, são adoptadas de comum acordo pelos Estados-membros no território dos quais os passageiros são tomados e largados. Se as negociações para chegar a acordo entre Estados-membros não surtirem efeito, a Comissão pode ser chamada a intervir no diferendo, a pedido de um Estado-membro interessado.

A Comissão, após consulta dos Estados interessados, adoptará, no mais breve espaço de tempo possível, uma decisão notificada a esses Estados-membros. O artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72 tem o seguinte teor:

«1.

A análise de um pedido de criação de um serviço regular ou de um serviço regular especializado tem por fim determinar se o serviço de tráfego a que o pedido se refere não está já assegurado de forma satisfatória, tanto quantitativa como qualitativamente, pelos serviços de transporte de passageiros já existentes.

2.

Aquando da análise referida no n.o 1, serão tomadas em consideração, nomeadamente :

a)

as necessidades actuais e previsíveis do transporte que o requerente pretende satisfazer;

b)

no caso dos serviços regulares, a situação do mercado de transporte de passageiros nas zonas em questão.

3.

Aquando da análise referida no n.o 1, pode igualmente ser tomada em consideração a possibilidade de as empresas que já exerçam a sua actividade nas zonas em questão organizarem um serviço correspondente.»

Nos termos do n.o 2 do artigo 4.o desse regulamento :

«O titular de uma autorização não pode alterar nenhuma das condições a que a exploração do serviço esteja sujeita, sem autorização prévia do Estado-membro referido no n.o 2 do artigo 12.o, nem suprimir o serviço antes do termo de validade da autorização.»

Por força do disposto no n.o 2 do artigo 12.o, os pedidos de alteração das condições às quais está sujeita a exploração de um serviço serão apresentados ao Estado-membro em cujo território estiver situada a sede da empresa.

2.

Em 9 de Janeiro de 1986, a Autocars Emile Frisch SARL, sociedade de direito luxemburguês, com sede no Luxemburgo (a seguir «Frisch»), apresentou ao Governo luxemburguês um pedido destinado a obter autorização para criar um serviço regular e especializado com vista a transportar trabalhadores de Thil e de alguns outros lugares dessa região de França para a fábrica de cerâmica Villeroy & Boch situada no Luxemburgo (a seguir «Villeroy & Boch»). Propunha-se que esse serviço assegurasse duas carreiras diárias em cada direcção, partindo de Thil às 4.20 horas e às 12.20 horas do Luxemburgo às 14.00 horas e às 22.00 horas, de forma a transportar e a retomar à hora pretendida os trabalhadores das equipas das 6.00 às 14.00 horas e das 14.00 às 22.00 horas. Por outro lado, a Villeroy & Boch apoiava o pedido apresentado pela Frisch e participaria nas despesas de transporte desses trabalhadores. Em 5 de Março de 1987, a Frisch apresentou um novo pedido de criação de um serviço regular especializado, que se afastava do precedente na medida em que transportaria igualmente trabalhadores da fábrica ARBED, em Dommeldange. A ARBED não participava nas despesas de deslocação dos seus operários.

O Ministério dos Transportes luxemburguês solicitou, em 22 de Janeiro de 1986, parecer à direction départementale de l'équipement de la Moselle sobre o pedido apresentado pela Frisch. A administração francesa não deu o seu acordo porque entendia que a criação do novo serviço podia prejudicar os interesses da Schiocchet SARL, com sede em Beuvillers, 54560 França (a seguir «Schiocchet»). Ao longo dos contactos entre as administrações luxemburguesa e francesa, esta última propôs a partilha do tráfego entre a Frisch e a Schiocchet. Essa partilha foi rejeitada pelas autoridades luxemburguesas. Em 14 de Março de 1988, o Governo luxemburguês solicitou, em conformidade com o artigo 14.o do Regulamento n.o 517/72, a intervenção da Comissão, a fim de que ela se pronunciasse quanto ao pedido de autorização da Frisch.

3.

Pela sua Decisão 89/524/CEE, de 7 de Setembro de 1989, sobre o diferendo que opõe o Luxemburgo e a França relativamente à criação de um serviço regular especializado de passageiros entre aqueles dois Estados (JO L 272, p. 18), a Comissão decidiu que:

«A autoridade competente do Grão-Ducado do Luxemburgo autorizará Autocars Émile Frisch SARL a criar um serviço regular especializado entre Thil em França e o Luxemburgo para o transporte dos trabalhadores da fábrica Villeroy & Boch, o qual partirá de Thil às 4.20 horas e às 12.20 horas e da fábrica de Villeroy & Boch às 14.00 horas e às 22.00 horas, servindo as seguintes localidades: Thil, Hussigny, Tiercelet, Aumetz, Beuviller, Audun-le-Roman, Serrouville, Errouville, Crusnes, Cantebonne, Villerupt, Audun-le-Tiche, Esch/Alzette, Schifflange, fábrica de Villeroy & Boch.

Este serviço é exclusivamente destinado aos trabalhadores da fábrica Villeroy & Boch, com sede no Luxemburgo, 330, rue de Rollingergrund, L-1018 Luxemburgo.»

4.

Já em 1982, pela Decisão 82/595/CEE, de 10 de Agosto de 1982, sobre a solução do diferendo entre o Grão-Ducado do Luxemburgo e a República Francesa, relativo à renovação das autorizações de certos serviços regulares especializados (JO L 244, p. 32), a Comissão tinha decidido um diferendo entre estes dois Estados a propósito da oposição das mesmas empresas Frisch e Schiocchet em relação à renovação das autorizações de certos serviços regulares especializados.

II — Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

5.

O recurso da Schiocchet deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de Novembro de 1989. A fase escrita do processo decorreu normalmente.

6.

Com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

7.

Por decisão de 7 de Novembro de 1990, o Tribunal decidiu, tendo em conta o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 95.o do Regulamento de Processo, atribuir a causa à Segunda Secção.

III — Pedidos das partes

8.

A Schiocchet, recorrente, conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular a decisão de 7 de Setembro de 1989 (89/524/CEE).

9.

A Comissão, recorrida, conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso da empresa Schiocchet;

condená-la nas despesas.

IV — Fundamentos e argumentos das partes

A — Quanto à admissibilidade

10.

A Schiocchet julga ter interesse em agir através de recurso de anulação da Decisão 89/524. Com efeito, esta visa autorizar a Frisch, concorrente directa da Schiocchet, a criar uma linha de serviço regular especializada que se sobrepõe, parcialmente pelo menos, às exploradas pela Schiocchet. Esta última veria melhorar a sua situação de exploradora de linhas transfronteiriças se a decisão impugnada fosse anulada. Nestas condições, a Schiocchet tem um interesse suficiente para obter a anulação da Decisão 89/524.

11.

A Schiocchet considera que a decisão em litígio lhe diz directa e individualmente respeito, mesmo que não seja sua destinatária. A autorização concedida com base na Decisão 89/524 causa directamente prejuízo à Schiocchet em virtude dos serviços regulares de passageiros que a recorrente é a única a explorar na região e que se encontram em relação directa de concorrência com a linha autorizada pela decisão posta em causa. Em apoio desta consideração a Schiocchet cita o acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1978, Töpfer (112/77, Recueil, p. 1019).

B — Quanto ao mérito

12.

A Schiocchet alega, em primeiro lugar, que a Comissão deveria ter tido em conta a «longa tradição de ilegalidade da empresa Frisch» e o «respeito permanente e rigoroso das regras pela empresa Schiocchet».

Em apoio desta alegação a Schiocchet lembra que, desde 1970, a Frisch assegura à Villeroy & Boch o transporte do pessoal domiciliado na região fronteiriça da França. A Frisch explorava diariamente as linhas 1) Luxemburgo-Audun-le-Tiche; 2) Luxemburgo-Errouville; 3) Luxemburgo-Longwy e, semanalmente, a linha Luxemburgo-Schifflange. Trata-se de transportes internacionais na acepção do artigo 4.o do Regulamento n.o 117/66/CEE do Conselho, de 28 de Julho de 1966, relativo ao estabelecimento de regras comuns para os transportes rodoviários internacionais de passageiros efectuados em autocarros (JO 1966, 147, p. 2688; EE 07 F1 p. 98). Esse tipo de transporte internacional deveria ter sido autorizado por força do artigo 2,o do Regulamento n.o 517/72. Pelo menos durante o periodo que vai de 1970 a 1976, a Frisch assegurou esse serviço especializado sem ser titular das autorizações exigidas, pois não as requereu, para as quatro linhas já citadas, senão em 1977. Por conseguinte e em primeiro lugar, a Frisch obteve apenas autorizações provisórias, pois as autoridades francesas, consultadas pelas autoridades luxemburguesas, sempre se recusaram a dar o seu acordo a essas autorizações, o que conduziu o Grão-Ducado do Luxemburgo a solicitar a intervenção da Comissão que, por Decisão 82/595, decidiu em favor da Frisch.

Aliás, a Frisch, condenada em processo penal pelos órgãos jurisdicionais franceses por irregularidades denunciadas pela Comissão na Decisão 82/595, não respeitou tais condenações.

Ademais, a Frisch tentou constantemente ultrapassar os limites das autorizações concedidas. Assim, desde a Decisão 89/524, a Frisch teria alterado, em violação do disposto nos artigos 4.o, n.o 2, e 12.o do Regulamento n.o 517/72, as condições de exploração tais como estão definidas na decisão da Comissão impugnada. Por outro lado, resulta de uma nota de serviço da Villeroy & Boch, de 28 de Novembro de 1989, que a Frisch partia de Thil às 4.30 horas e às 12.30 horas e da Villeroy & Boch às 14.15 horas e às 22.15 horas, quando a decisão impugnada impunha que as partidas de Thil se fizessem às 4.20 horas e às 12.20 horas e as da fábrica às 14.00 horas e às 22.00 horas. Por outro lado, a Frisch não efectuava todas as quinze paragens especificadas pela Comissão na Decisão 89/524. Assim as localidades de Beuvillers, Audun-le-Roman, Serrouville, Thil, Hussigny e Tiercelet já não eram servidas pela Frisch. Para demonstrar a supressão dessas três últimas paragens, a Schiocchet baseia-se em constat de huissier (verificação efectuada por oficial de justiça) relativo ao dia 27 de Fevereiro de 1990 do qual resulta, nomeadamente, que a Frisch «tem por missão receber passageiros em Aumetz e voltar ao Luxemburgo». Tais alterações, efectuadas unilateralmente, com violação do n.o 2 do artigo 4.o do Regulamento n.o 517/72, justificam a retirada da autorização posta em causa.

A Frisch cometeu, ainda, irregularidades no serviço regular especializado explorado sob a autorização n.o 211/8/88 emitida pelas autoridades luxemburguesas. A Frisch fazia esse trajecto simultaneamente com dois autocarros, o segundo dos quais arrancava ao mesmo tempo do da Schiocchet, apenas com a finalidade de lhe fazer concorrência directa. Todas estas considerações constituem um conjunto de indícios que fazem presumir a má fé da Frisch para com a Schiocchet.

Por sua parte, a Schiocchet requereu, em 1975, autorização para explorar a linha Boulange-Luxemburgo. Essa autorização foi-lhe concedida após parecer favorável das autoridades luxemburguesas. Em 1983, e mais tarde em 1985 e em 1986, a Schiocchet solicitou a extensão dessa linha, que lhe foi recusada. A Schiocchet absteve-se por isso de efectuar as paragens especificadas no pedido de extensão indeferido, o que significava que a aceitação de utentes no território luxemburguês lhe era interdita. A Schiocchet respeitou rigorosamente o direito comunitário e os limites das autorizações concedidas.

13.

A Schiocchet considera, em segundo lugar, que a Frisch não tem fundamento jurídico para requerer a exploração exclusiva da linha Thil-Luxemburgo, porque o serviço regular especializado, proposto pela Frisch, não preenche os critérios enunciados no artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72 e, mais particularmente, na alínea a) do n.o 2 desse artigo.

Em primeiro lugar e no que toca às paragens de Aumetz, Errouville, Crusnes e Thil, a Comissão deveria ter recusado às autoridades luxemburguesas a autorização a favor da Frisch, pela razão de essas paragens serem já servidas pela Schiocchet em proveito dos trabalhadores da Villeroy & Boch.

Aliás, no que toca às paragens de Beuvillers, Audun-le-Roman e Hussigny, a Schiocchet apresentou, em 4 de Fevereiro de 1985, um pedido de exploração. Esse pedido, relativo às localidades ainda não exploradas pela Frisch e anterior ao da Frisch de 9 de Janeiro de 1986, deveria ter sido tomado em consideração pela Comissão no momento em que adoptou a sua decisão em litígio.

Ademais, a Schiocchet satisfazia uma necessidade residual real e diária com a exploração da linha Boulange-Luxemburgo. Esta linha sobrepunha, em parte, a de Luxemburgo-Thil. Em apoio desta realidade, a Schiocchet apresenta 45 declarações de trabalhadores da empresa Villeroy & Boch que utilizam com satisfação os transportes da Schiocchet. Onze desses trabalhadores foram, no entanto, prejudicados com o indeferimento do pedido de extensão da linha Boulange-Luxemburgo apresentado pela Schiocchet. O mesmo sucedeu com a clientela potencial de trabalhadores fronteiriços das instituições das Comunidades Europeias situadas no Luxemburgo. Estes factos deveriam ter levado a Comissão a aceitar a partilha das linhas entre a Schiocchet e a Frisch, como foi proposto pelas autoridades francesas durante as negociações.

Por fim, convém ter em conta as alterações, operadas pela Frisch, nas condições de exploração definidas nas decisões impugnadas. Se se verifica estar correcto não servir a Frisch certas localidades, por exemplo, Beuvillers, Audun-le-Roman, Serrouville, Thil, Hussigny e Tiercelet, isso significa ou que a Comissão não tomou em conta as necessidades de transporte «actuais e previsíveis», referidas na alínea a) do n.o 2 do artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72, ou que a Frisch fez o pedido de autorização inicial com a finalidade única de prejudicar a Schiocchet, induzindo em erro a Comissão sobre as necessidades reais que a Frisch perspectivava satisfazer com a nova linha.

14.

A Schiocchet entende, em último lugar, que a exploração exclusiva pela Frisch da linha Thil-Luxemburgo tem por consequência afastá-la desse serviço e criar um monopólio em benefício da Frisch. Isso é particularmente injusto pois trata-se, por um lado, de uma linha que coincide, a partir de Errouville, com a linha Boulange-Luxemburgo, utilizada pela Schiocchet, por outro, de urna linha na qual a Schiocchet é a única a ter uma autorização efectivamente utilizada, e, finalmente, de um prolongamento natural da linha Boulange-Luxemburgo, em relação à qual a Schiocchet apresentou pedidos de autorização anteriores ao da Frisch. A linha Boulange-Luxemburgo é a única explorada pela Schiocchet, enquanto a Frisch explora quatro delas. Este desequilíbrio é agravado pelo facto de a Villeroy & Boch exercer pressões sobre os seus trabalhadores para que utilizem os serviços da Frisch. Embora a regulamentação comunitária em matéria de transportes internacionais tenda a que os serviços sejam organizados em função das necessidades, preservando uma concorrência normal, essa regulamentação não pode ter por efeito reduzir o serviço de uma empresa de transportes que tem a preocupação permanente da legalidade, a ponto de o tornar quase inexistente. A decisão em litígio tem por efeito directo e imediato suprimir toda a concorrência em relação à Frisch. Esta encontra-se portanto, de facto e a prazo, numa situação de monopólio. A decisão da Comissão redunda em eliminar pura e simplesmente a Schiocchet. As condições de uma concorrência normal nesta região e em relação ao sector dos transportes por autocarro deixaram de estar asseguradas.

15.

A Comissão alega que, a partir de 21 de Janeiro de 1977, a Frisch beneficiou de autorizações regulares para a exploração de quatro linhas transfronteiriças, autorizações que a França, a seguir, se recusou a renovar. Desde 10 de Agosto de 1982, a Frisch beneficia, de novo, de autorizações regulares e, na medida em que o fundamento extraído do comportamento ilegal da Frisch faz referência aos acontecimentos anteriores à Decisão 82/595, deve ser rejeitado, pois essa decisão tem por efeito regularizar a situação da Frisch.

A Comissão considera que, na medida em que essa alegação faz referência a acontecimentos posteriores à Decisão 82/595, não tem fundamento.

Com efeito, no que toca às irregularidades cometidas entre 1982 e 7 de Setembro de 1989, a Comissão entende que não podia fazer prevalecer considerações extraídas do pretenso «comportamento ilegal» da Frisch sobre as que decorrem do exame das necessidades de transporte e da adequação do serviço pretendido a essas necessidades. As autoridades francesas parecem partilhar desse ponto de vista, porque o memorando enviado à Comissão, no âmbito do processo de que resultou a decisão impugnada, propõem uma partilha da linha entre a Frisch e a Schiocchet e não fazem alusão a qualquer «comportamento ilegal» da Frisch. A Schiocchet não apresentou elementos susceptíveis de provar o bem fundado da afirmação segundo a qual uma das quatro linhas afectadas pela Decisão 82/595 é explorada de forma irregular. Aliás, a Frisch cessou, a partir de 28 de Julho de 1982, a exploração irregular da linha Boulange-Luxemburgo.

No que toca aos factos ocorridos depois da Decisão 89/524, a Comissão considera que a legalidade de uma decisão se aprecia em função das circunstâncias de facto e de direito existentes no momento em que a decisão é tomada. Tais factos só fundamentariam a anulação da decisão impugnada se revelassem um manifesto erro de apreciação da Comissão. Esse não é o caso no que toca às alterações introduzidas aos horários das partidas de Thil e da fábrica, dado que uma diferença de horário de 10 a 15 minutos não põe em causa o objecto da autorização, e não é certo que tais variações possam ser consideradas como alterações sujeitas ao processo previsto no n.o 2 do artigo 12.o do Regulamento n.o 517/72. Tal não é também o caso no que toca às alterações quanto ao serviço de algumas das quinze paragens previstas. Com efeito, o regime organizado pelo Regulamento n.o 517/72 é um regime de autorização que prevê os pontos em que os passageiros podem ser tomados sem dever sê-lo obrigatoriamente. Essa autorização concede a possibilidade, tendo em conta as necessidades actuais e previsíveis, de um serviço para as localidades enunciadas e não implica por isso a obrigação de servir todas as paragens referidas. No caso em apreço, a autorização concedida à Frisch era válida por dois anos, e poderia acontecer que as necessidades evoluíssem e tornassem indispensável o serviço das localidades referidas pela Schiocchet. É prematuro concluir, a partir da inclusão, no itinerário especificado na decisão impugnada, das localidades de Beuvillers, Audun-le-Roman e Serrouville, por um manifesto erro de apreciação da Comissão. Aliás, a supressão do serviço de Thil, de Hussigny e de Tiercelet no dia 27 de Fevereiro de 1990 podia ser devida a circunstâncias especiais tais como, por exemplo, licença ou doença dos trabalhadores que utilizam essas paragens. O pedido destinado à retirada da autorização posta em causa ultrapassa manifestamente o quadro do processo instaurado no Tribunal de Justiça com o recurso da Schiocchet.

No que toca às pretensas irregularidades em relação a uma linha explorada ao abrigo da autorização n.o 211/8/88, a Comissão observa que essa autorização, anterior à decisão impugnada, diz respeito a uma outra linha que não a autorizada pela decisão posta em causa. Aliás, o facto de a Frisch utilizar dois autocarros nessa outra linha não parece em contradição com a autorização n.o 211/8/88 que indica que podem ser utilizados «diversos autocarros da empresa» (Frisch). Aliás, esse duplo emprego poderia ser justificado pelo número dos potenciais utentes.

16.

A Comissão alega que adoptou a sua Decisão 89/524 em conformidade com os princípios enunciados no artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72.

A Comissão afirma que o serviço do tráfego, objecto do pedido, não estava já assegurado pelos serviços existentes de transportes de passageiros, pois que nenhum serviço existia com os horários correspondentes às idas e vindas das equipas das 6 e das 14 horas e que certos pontos de paragem não eram servidos em nenhum horário. A este propósito, a Comissão lembra o nono considerando da sua decisão impugnada, nos termos do qual «satisfaz a comprovada necessidade de existência na área de um novo serviço quer quantitativa quer qualitativamente, dado que o mesmo proporcionará um serviço a horas convenientes a cerca de cinquenta trabalhadores que presentemente não têm um transporte público para a fábrica Villeroy & Boch que lhes permita iniciar os turnos das 6.00 horas e das 14.00 horas e lhes assegure o regresso após o termo destes ... o serviço cobrirá determinados locais que presentemente não têm transporte público nesse horário».

A Comissão considera que teve em consideração o aspecto qualitativo do serviço proposto quando na sua decisão salientou, no décimo primeiro considerando, que «um serviço regular especializado, mais do que um serviço regular, constitui o tipo de serviço mais apropriado para os trabalhadores de Villeroy & Boch, dado que pode ser facilmente adaptado de modo a satisfazer as suas necessidades».

A Comissão entende que tomou em consideração «a possibilidade de as empresas que já exerçam a sua actividade nas zonas em questão organizarem um serviço correspondente», na acepção do n.o 3 do artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72. A este propósito, a Comissão recorda o décimo segundo considerando da decisão impugnada, nos termos do qual «o horário proposto pela Frisch para o serviço regular e especializado é mais conveniente e o serviço demora menos tempo do que o serviço regular proposto por Schiocchet para os trabalhadores do turno das 6.00 horas... a Schiocchet não prevê qualquer serviço que transporte os trabalhadores do turno das 14.00 horas». A este propósito, a Comissão acrescenta que a partilha das linhas entre a Frisch e a Schiocchet, preconizada pelas autoridades francesas, poderia apenas incidir sobre o serviço da manhã, único pretendido pela Schiocchet, e que, em relação a esse serviço, as prestações propostas pela Frisch estavam melhor adaptadas às necessidades existentes que as da Schiocchet.

No que toca mais particularmente às «necessidades actuais e previsíveis de transporte» na acepção da alínea a) do n.o 2 do artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72, a Comissão salienta que para as paragens de Aumetz, Errouville e Crusnes, embora estivesse efectivamente assegurado um serviço pela empresa Schiocchet, esse mesmo serviço estava igualmente assegurado pela empresa Frisch. A Comissão acrescenta que esse serviço era apenas assegurado pela Schiocchet a horas que permitiam aos utentes estar no Luxemburgo às 6.45 horas, quando a Frisch assegurava um serviço que lhes permitia estar no Luxemburgo tanto às 5.45 horas como às 6.45 horas. A Comissão conclui que, embora a Schiocchet fosse a única a servir Thil, era apenas a uma hora que permitia aos utentes estar no Luxemburgo às 6.45 horas e não às 5.45 horas, e isto não podia convir aos trabalhadores do turno das 6.00-14.00 horas. O argumento extraído do facto de a Schiocchet contar, entre os seus utentes, trabalhadores da fábrica Villeroy & Boch perde todo o seu alcance.

A propósito das 45 declarações juntas pela Schiocchet em apoio da afirmação de que satisfazia uma necessidade residual diária, a Comissão observa que, se os onze trabalhadores descontentes fazem parte de um turno que começa às 6.00 horas, então as suas ncessidades são satisfeitas pelo serviço da Frisch, mas se, pelo contrário, começam o seu trabalho a outra hora, as suas necessidades não tinham de ser consideradas no âmbito da análise, pela Comissão, do pedido de um serviço para os turnos das 6.00 e das 14.00 horas.

Quanto ao argumento da Schiocchet extraído da pretensa anterioridade do seu pedido de extensão, a Comissão observa que resulta da redacção do artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72 que a ordem de apresentação dos pedidos não é tomada em consideração. Aliás, o pedido de extensão feito pela Schiocchet referia-se apenas a Hussigny, ao passo que a decisão impugnada incide sobre quinze paragens, três das quais não tinham sido abrangidas nem pelo serviço da Frisch nem pelo da Schiocchet. De qualquer forma, o pedido da Schiocchet não teria permitido a essa empresa de transportes servir Beuvillers e Audun-le-Roman e satisfazer todas as necessidades geográficas abrangidas pela decisão impugnada. Ademais, não sendo mencionado, no pedido de extensão da Schiocchet, qualquer horário para a cobertura de Hussigny, seria pouco provável que o serviço projectado por esta satisfizesse a mesma necessidade horária que o proposto pela Frisch que, contrariamente à Schiocchet, previa um serviço para o turno das 14.00 horas.

A Comissão acrescenta que lhe tinha sido apresentado um pedido de serviço em proveito dos trabalhadores dos turnos das 6.00 e das 14.00 horas da Villeroy & Boch e que não tinha de levar em conta necessidades da clientela potencial constituída pelos trabalhadores que asseguram a limpeza dos locais de trabalho das instituições comunitárias no Luxemburgo, após a saída dos funcionários. Estas necessidades não têm qualquer relação com as dos operários da Villeroy & Boch, e a partilha proposta pelas autoridades francesas não teria permitido satisfazer essas necessidades, dado que a Schiocchet previa apenas um serviço de manhã e não à tarde.

17.

A Comissão sublinha que o pedido da Frisch incidia sobre a criação de um serviço regular especializado e por isso não tinha de ser analisado sob o aspecto da «situação do mercado de transportes de passageiros nas zonas em questão», na acepção da alínea b) do n.o 2 do artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72, aplicável aos pedidos relativos à criação de um serviço regular na acepção do Regulamento n.o 117/66. Por conseguinte, o fundamento aduzido pela Schiocchet e extraído do facto de a decisão impugnada criar um monopólio em benefício da Frisch é inoperante.

Além disso, essa alegação não tem fundamento, pois o serviço assegurado pela Schiocchet na linha Boulange-Luxemburgo é diferente do explorado pela Frisch com base na decisão impugnada. Por um lado, o serviço prestado pela Schiocchet dirige-se a todos os eventuais interessados, ao passo que o oferecido pela Frisch diz respeito exclusivamente aos trabalhadores da Villeroy & Boch. Por outro lado, assegura a recolha a horas mais tardias, susceptíveis de interessar aos trabalhadores que têm um horário normal. O serviço recentemente criado não entra em concorrência directa com o serviço assegurado pela Schiocchet. O «mercado» no qual se situa é diferente e não coincide com aquele em que se exerce a actividade da empresa Schiocchet. A concessão à Frisch da autorização que solicitou para a exploração da linha Thil-Luxemburgo não tem, portanto, por efeito redundar na criação de uma situação de monopólio.

G. F. Mancini

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: francês.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

16 de Abril de 1991 ( *1 )

No processo C-354/89,

A Schiocchet, sociedade de direito francês, com sede em Beuvillers (54560 França), representada por Charrière, Champetier e Spitzer, advogados no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Aloyse May, 31, Grand-Rue,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Ricardo Gosalbo-Bono, membro do Serviço Jurídico da Comissão e por Geneviève Pons, funcionária francesa posta à disposição do Serviço Jurídico da Comissão ao abrigo do regime de mobilidade, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Guido Berardis, membro do Serviço Jurídico da Comissão, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da Decisão 89/524/CEE da Comissão, de 7 de Setembro de 1989, sobre o diferendo que opõe o Luxemburgo e a França relativamente à criação de um serviço regular especializado de passageiros entre aqueles dois Estados (JO L 272, p. 18),

O TRIBUNAL (Segunda Secção),

composto por T. F. O'Higgins, presidente de secção, G. F. Mancini e F. A. Schockweiler, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs

secretário: V. Di Bucci, administrador

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 7 de Fevereiro de 1991, na qual a empresa Schiocchet foi representada por Giles Bouneau, advogado no foro do Luxemburgo,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 7 de Março de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de Novembro de 1989, a sociedade de direito francês Schiocchet (a seguir «Schiocchet»), com sede em Beuvillers (França), interpôs, nos termos do segundo parágrafo do artigo 173.o do Tratado CEE, um recurso que tem por objecto a anulação da Decisão 89/524/CEE da Comissão, de 7 de Setembro de 1989, sobre o diferendo que opõe o Luxemburgo e a França relativamente à criação de um serviço regular especializado de passageiros entre aqueles dois Estados (JO L 272, p. 18).

2

A sociedade de direito luxemburguês Émile Frisch (a seguir «Frisch»), com sede no Luxemburgo, tinha apresentado às autoridades luxemburguesas, em 9 de Janeiro de 1986, um pedido destinado a obter autorização para criar um serviço regular especializado de transporte de passageiros efectuado em autocarro, entre Thil e algumas outras localidades situadas na Lorena (França), por um lado, e a fábrica de cerâmica Villeroy & Boch (a seguir «Villeroy & Boch») situada no Luxemburgo, por outro. Em conformidade com as disposições do artigo 13.o do Regulamento (CEE) n.o 517/72 do Conselho, de 28 de Fevereiro de 1972, relativo à introdução de regras comuns para os serviços regulares especializados efectuados em autocarro entre os Estados-membros (JO L 67, p. 19; EE 07 Fl p. 187), as decisões decorrentes dos pedidos de criação de um serviço regular especializado serão tomadas de comum acordo pelos Estados-membros em cujo território forem tomados e largados os passageiros.

3

Não tendo as autoridades dos Estados-membros afectados pelo pedido da Frisch conseguido pôr-se de acordo quanto ao seguimento a dar a esse pedido, o Luxemburgo solicitou a intervenção da Comissão, que adoptou a impugnada Decisão 89/524, cujo artigo 1.o é o seguinte:

«A autoridade competente do Grão-Ducado do Luxemburgo autorizará Autocars Émile Frisch SARL a criar um serviço regular especializado entre Thil (França) e o Luxemburgo para o transporte dos trabalhadores da fábrica Villeroy & Boch, o qual partirá de Thil às 4.20 horas e às 12.20 horas e da fábrica de Villeroy & Boch às 14.00 horas e às 22.00 horas, servindo as seguintes localidades:

Thil, Hussigny, Tiercelet, Aumetz, Beuvillers, Audun-le-Roman, Serrouville, Errouville, Crusnes, Cantebonne, Villerupt, Audun-le-Tiche, Esch/Alzette, Schifflange, Usine Villeroy & Boch.

Este serviço é exclusivamente destinado aos trabalhadores da fábrica Villeroy & Boch com sede no Luxemburgo, 330, rue de Rollingergrund, L-1018 Luxemburgo.»

4

Nos termos do artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72, já referido,

«1.

A análise de um pedido de criação de um serviço regular ou de um serviço regular especializado tem por fim determinar se o serviço de tráfego a que o pedido se refere não está já assegurado de forma satisfatória, tanto quantitativa como qualitativamente, pelos serviços de transporte dos passageiros já existentes.

2.

Aquando da análise referida no n.o 1, serão tomadas em consideração, nomeadamente :

a)

as necessidades actuais e previsíveis do transporte que o requerente pretende satisfazer;

b)

no caso dos serviços regulares, a situação do mercado de transporte de passageiros nas zonas em questão.

3.

Aquando da análise refenda no n.o 1, pode igualmente ser tomada em consideração a possibilidade de as empresas que já exerçam a sua actividade nas zonas em questão organizarem um serviço correspondente.»

5

Em apoio do seu recurso, a Schiocchet aduz três fundamentos extraídos, respectivamente, de certas irregularidades imputáveis à Frisch, da não conformidade do serviço regular especializado, proposto pela Frisch, com as exigências estabelecidas no artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72, já referido, e, por fim, do facto de a decisão impugnada conduzir à criação de um monopólio em benefício da Frisch.

6

Para mais ampla exposição dos factos do processo, da tramitação processual e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto ao fundamento extraído das pretensas irregularidades censuradas à Frisch

7

A Schiocchet alega, em primeiro lugar, que a Frisch tem explorado, a partir de 1970 e pelo menos até 1976, algumas linhas entre o Luxemburgo e a região fronteiriça em França sem ser detentora das autorizações previstas no Regulamento n.o 517/72, já referido. A Schiocchet, entende, em seguida, que a Frisch alterou unilateralmente, sem respeitar o processo de alteração previsto no n.o 2 do artigo 4.o desse regulamento, o trajecto e o horário do serviço regular especializado em questão, de tal forma que já não corresponde às condições às quais a exploração do serviço tinha sido sujeita pela decisão impugnada. A este propósito, a Schiocchet esclarece que a Frisch deixa a localidade de Thil às 4.30 horas e às 12.30 horas e a Villeroy & Boch às 14.15 horas e às 22.15 horas. Aliás, a Frisch já não serve a totalidade das quinze paragens especificadas na decisão impugnada.

8

No que toca aos factos anteriores a 1982, convém notar que é a justo título que a Comissão observa que a sua Decisão 82/595/CEE, de 10 de Agosto de 1982, sobre a solução do diferendo que opõe o Grão-Ducado do Luxemburgo e a República Francesa relativamente à renovação das autorizações de certos serviços regulares especializados (JO L 244, p. 32) regularizou, de certa forma, a situação da Frisch.

9

Quanto à argumentação relativa às alterações unilaterais do trajecto e do horário do serviço em questão, a Comissão entende que essas alterações não puseram em causa o objecto do serviço autorizado pela decisão impugnada e, por conseguinte, não constituíram alterações na acepção do Regulamento n.o 517/72, já referido, de sorte que não era necessário respeitar o processo previsto no n.o 2 do artigo 4.o desse regulamento.

10

A este propósito, há que declarar em primeiro lugar que o objecto do serviço regular especializado, proposto pela Frisch, é o transporte apenas dos trabalhadores da Villeroy & Boch que integram os turnos das 6.00 e das 14.00 horas, respectivamente para a fábrica e para as localidades enumeradas na decisão impugnada e que, para esses trabalhadores, o referido serviço constitui um meio de transporte adequado facilmente adaptável às suas necessidades.

11

Convém salientar em seguida que as ligeiras alterações introduzidas pela Frisch no itinerário e no horário do serviço regular especializado em causa não alteram o seu objecto e, por conseguinte, não estão sujeitas à autorização prévia prevista no n.o 2 do artigo 4.o do Regulamento n.o 517/72. Este fundamento não deve, portanto, ser acolhido.

Quanto ao fundamento extraído da violação do artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72

12

A Schiocchet alega que o serviço regular especializado assegurado pela Frisch sobrepõe parcialmente as linhas já exploradas pela Schiocchet que servem certas localidades mencionadas pela decisão impugnada. Aliás, o serviço regular especializado em causa não convém a um certo número de trabalhadores fronteiriços que recorrem a serviços alternativos em relação aos quais a Schiocchet apresentou, antes da Frisch, pedidos de autorização relativos à extensão de certos serviços já explorados.

13

A este propósito, há que declarar previamente que, em conformidade com o disposto no artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72, a análise de um pedido de criação de um serviço regular especializado implica a apreciação de uma situação económica complexa. Assim devem ser tomados em consideração, tanto quantitativa como qualitativamente, os serviços existentes, as necessidades de transporte actuais e previsíveis, bem como, se necessário, as possibilidades de organização de um serviço correspondente pelas empresas que exercem já a sua actividade nas zonas em causa.

14

Segue-se que, quando a Comissão é levada a tomar uma decisão, ao abrigo do artigo 14.o do Regulamento n.o 517/72, goza de um amplo poder de apreciação quanto à existência das condições que justificam a autorização dada ao Estado-membro para permitir a criação de um serviço regular ou de um serviço regular especializado. Face a tal poder, o Tribunal de Justiça deve limitar-se a examinar se o seu exercício não foi afectado de erro manifesto ou de desvio de poder, ou ainda se a Comissão não excedeu manifestamente os limites do seu poder de apreciação.

15

Basta, por isso, verificar que a Comissão salienta, nos considerandos da decisão impugnada, que o novo serviço satisfaz uma necessidade comprovada, quer quantitativa quer qualitativamente, de um novo serviço na região, dado que o mesmo proporcionará um serviço a horas convenientes a cerca de 50 trabalhadores que presentemente não têm transporte público para a fábrica Villeroy & Boch, que lhes permita iniciar os turnos das 6.00 horas e das 14.00 horas e lhes assegure o regresso após o termo destes; que o serviço cobrirá determinados locais que presentemente não têm transporte público com esse horário; que o horário proposto pela Frisch é mais conveniente e o serviço demora menos tempo do que o serviço regular proposto pela Schiocchet para os trabalhadores do turno das 6.00 horas; que a Schiocchet não prevê a criação de qualquer serviço que transporte os trabalhadores do turno das 14.00 horas.

16

Tendo presentes estas considerações, há que concluir que a Comissão não excedeu os limites do seu poder de apreciação, ao adoptar a decisão impugnada. Segue-se que o fundamento extraído das condições de aplicação do artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72 não deve ser acolhido.

Quanto ao fundamento extraído da eliminação de toda a concorrência em relação à Frisch pela decisão impugnada

17

Em apoio deste fundamento, a Schiocchet entende essencialmente que a decisão em litígio suprime toda a concorrência em relação à Frisch e, a termo, afasta a Schiocchet do mercado de serviços em autocarro na zona em causa. A Frisch beneficia assim do monopólio de um serviço regular especializado, de cujo itinerário uma parte está já assegurada pela Schiocchet e o restante trajecto é apenas um seu prolongamento natural para a exploração do qual a Schiocchet apresentou, a seu tempo, pedidos de autorização.

18

A Comissão entende que a análise de um pedido de criação de um serviço regular especializado se distingue da relativa a um serviço regular e não incide sobre a situação do mercado do transporte de passageiros nas zonas em questão. Por outro lado, o serviço já oferecido pela Schiocchet nesta região dirige-se a todos os interessados, compreendidos os passageiros que não trabalhem na Villeroy & Boch, e efectua-se em horários que não convêm aos turnos dos trabalhadores das 6.00 horas e das 14.00 horas. O serviço regular especializado da Frisch não faz, portanto, concorrência ao já explorado pela Schiocchet.

19

Convém salientar que, por força do disposto na alínea b) do n.o 2 do artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72, aquando da análise de um pedido de criação de um serviço é tomada em consideração, no que toca aos serviços regulares, a situação do mercado do transporte de passageiros nas zonas em questão.

20

Basta notar, neste contexto, que o serviço em causa, explorado pela Frisch, é um serviço regular especializado na acepção do n.o 3 do artigo 1.o do Regulamento n.o 117/67/CEE do Conselho, de 28 de Julho de 1966, relativo ao estabelecimento de regras comuns para os transportes rodoviários internacionais de passageiros efectuados em autocarros (JO 1966, 147, p. 2688; EE 07 F1 p. 98). Por conseguinte, e em conformidade com as disposições da alínea b) do n.o 2 do artigo 8.o do Regulamento n.o 517/72, a Comissão não era obrigada, aquando da análise do pedido da criação desse serviço, a tomar em consideração a situação do mercado do transporte de passageiros nas zonas em questão.

21

Ademais, convém salientar, como fez o advogado-geral no ponto 15 das suas conclusões, que o serviço regular especializado explorado pela Frisch é substancialmente diferente do oferecido pela Schiocchet, tanto do ponto de vista do horário como dos clientes a que se dirige. Por conseguinte, está excluído que a decisão em litígio elimine a Schiocchet do mercado dos serviços por autocarro nas zonas em questão.

22

Tendo presentes estas considerações, o terceiro fundamento não deve ser acolhido.

23

Daí decorre que, não devendo nenhum fundamento ser acolhido, deve negar-se provimento ao recurso da Schiocchet.

Quanto às despesas

24

Por força do disposto no n.o 2 do artigo 69.o do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a empresa Schiocchet sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

decide:

 

1)

E negado provimento ao recurso.

 

2)

A Schiocchet é condenada nas despesas.

 

O'Higgins

Mancini

Schockweiler

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Abril de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Segunda Secção

T. F. O'Higgins


( *1 ) Língua do processo: francês.

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