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Document 62023CJ0166

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção) de 6 de junho de 2024.
    Naturvårdsverket contra Nouryon Functional Chemicals AB.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Svea hovrätt, Mark- och miljööverdomstolen.
    Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 2003/87/CE — Anexo I, ponto 5 — Poluição atmosférica — Regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa — Exclusão das unidades de incineração de resíduos perigosos ou resíduos urbanos — Pertinência do objetivo da incineração.
    Processo C-166/23.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:465

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

    6 de junho de 2024 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 2003/87/CE — Anexo I, ponto 5 — Poluição atmosférica — Regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa — Exclusão das unidades de incineração de resíduos perigosos ou resíduos urbanos — Pertinência do objetivo da incineração»

    No processo C‑166/23,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Svea hovrätt, Mark‑ och miljööverdomstolen (Tribunal de Recurso de Estocolmo, enquanto Tribunal de Recurso Fundiário e do Ambiente, Suécia), por Decisão de 15 de março de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de março de 2023, no processo

    Naturvårdsverket

    contra

    Nouryon Functional Chemicals AB,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

    composto por: O. Spineanu‑Matei, presidente de secção, J.‑C. Bonichot (relator) e S. Rodin, juízes,

    advogado‑geral: T. Ćapeta,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por P. Carlin, B. De Meester e G. Wils, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do ponto 5 do anexo I da Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho (JO 2003, L 275, p. 32), conforme alterada pela Diretiva (UE) 2018/410 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2018 (JO 2018, L 76, p. 3) (a seguir «Diretiva 2003/87»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Naturvårdsverket (Agência de proteção do ambiente, Suécia) (a seguir «Agência») à Nouryon Functional Chemicals AB (a seguir «Nouryon»), uma sociedade sueca, a respeito de uma decisão dessa agência que ordena à Nouryon que complete o seu plano de monitorização relativamente às emissões de gases com efeito de estufa.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 2003/87

    3

    O considerando 25 da Diretiva 2003/87 tem a seguinte redação:

    «A fim de se obterem importantes reduções das emissões, deverão ser aplicadas, tanto a nível nacional como comunitário, políticas e medidas que abranjam, não apenas os setores industrial e da energia, mas todos os setores económicos da União Europeia. […]»

    4

    O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto», dispõe:

    «A presente diretiva cria um sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na União, a seguir designado “CELE [da União”], a fim de promover a redução das emissões de gases com efeito de estufa em condições que ofereçam uma boa relação custo‑eficácia e sejam economicamente eficientes.»

    5

    Nos termos do artigo 2.o, intitulado «Âmbito de aplicação», da referida diretiva:

    «1.   A presente diretiva aplica‑se às emissões provenientes das atividades enumeradas no anexo I e aos gases com efeito de estufa enumerados no anexo II.

    2.   A presente diretiva é aplicável sem prejuízo dos requisitos constantes da Diretiva 96/61/CE [do Conselho, de 24 de setembro de 1996, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição (JO 1996, L 257, p. 26)].

    […]»

    6

    O artigo 3.o, alínea e), da Diretiva 2003/87 define «instalação» como «a unidade técnica fixa onde se realizam uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I e quaisquer outras atividades diretamente associadas que tenham uma relação técnica com as atividades realizadas nesse local e que possam ter influência nas emissões e na poluição».

    7

    O artigo 4.o dessa diretiva prevê:

    «Os Estados‑Membros devem assegurar que, a partir de 1 de janeiro de 2005, nenhuma instalação exerça qualquer atividade enumerada no anexo I de que resultem emissões especificadas em relação a essa atividade, salvo se o respetivo operador possuir um título emitido pela autoridade competente nos termos dos artigos 5.o e 6.o ou a instalação estiver excluída do CELE [da União] nos termos do artigo 27.o O mesmo se aplica às instalações contempladas nos termos do artigo 24.o»

    8

    O artigo 6.o da referida diretiva dispõe:

    «1.   O título de emissão de gases com efeito de estufa, pelo qual é permitida a emissão de gases com efeito de estufa de uma parte ou da totalidade de uma instalação, é emitido pela autoridade competente mediante prova de que o operador é capaz de monitorizar e comunicar as emissões.

    O título de emissão de gases com efeito de estufa pode abranger uma ou mais instalações no mesmo local, exploradas pelo mesmo operador.

    2.   Os títulos de emissão de gases com efeito de estufa devem incluir os seguintes elementos:

    a)

    Nome e endereço do operador;

    b)

    Descrição das atividades e emissões da instalação;

    c)

    Um plano de vigilância que cumpra as exigências previstas nos atos a que se refere o artigo 14.o Os Estados‑Membros podem autorizar os operadores a atualizarem os planos de vigilância sem alteração do título. Os operadores devem apresentar todos os planos de vigilância atualizados à autoridade competente para a aprovação;

    d)

    Regras de comunicação de informações; e

    e)

    A obrigação de devolver licenças de emissão, com exclusão das licenças de emissão concedidas ao abrigo do capítulo II, equivalentes ao total das emissões da instalação em cada ano civil, verificadas em conformidade com o artigo 15.o, no prazo de quatro meses a contar do termo do ano em causa.»

    9

    O artigo 14.o da mesma diretiva dispõe:

    «1.   A Comissão [Europeia] adota atos de execução no que diz respeito às regras pormenorizadas aplicáveis à monitorização e comunicação das emissões […] que se devem basear nos princípios de monitorização e comunicação de informações estabelecidos no anexo IV e nos requisitos estabelecidos no n.o 2 do presente artigo. […]

    […]

    3.   Os Estados‑Membros asseguram que o operador da instalação […] [vigie] e [comunique] anualmente à autoridade competente as informações relativas às emissões da instalação […], após o termo de cada ano civil, nos termos dos atos a que se refere o n.o 1.

    […]»

    10

    O ponto 5 do anexo I da Diretiva 2003/87 enuncia:

    «Quando se considere que o limiar de capacidade de qualquer atividade constante do presente anexo é superado numa instalação, todas as unidades em que são queimados combustíveis, à exceção das unidades de incineração de resíduos perigosos ou resíduos urbanos, devem ser incluídas na licença de emissão de gases com efeito de estufa.»

    11

    O anexo I da Diretiva 2003/87 contém um quadro que enumera as categorias de atividades abrangidas por esta última. Entre elas figuram, respetivamente a primeira e vigésima terceira atividades:

    «Combustão de combustíveis em instalações com uma potência térmica nominal total superior a 20 MW (exceto em instalações de incineração de resíduos perigosos ou resíduos urbanos) […]

    Produção de produtos químicos orgânicos a granel por craqueamento, reformação, oxidação parcial ou completa ou processos similares, com uma capacidade de produção superior a 100 toneladas por dia».

    Regulamento de Execução (UE) 2018/2066

    12

    O artigo 5.o, primeiro parágrafo, do Regulamento de Execução (UE) 2018/2066 da Comissão, de 19 de dezembro de 2018, relativo à monitorização e comunicação de informações relativas às emissões de gases com efeito de estufa nos termos da Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que altera o Regulamento (UE) n.o 601/2012 da Comissão (JO 2018, L 334, p. 1), prevê:

    «A monitorização e a comunicação de informações devem ser exaustivas e abranger a totalidade das emissões de processo e de combustão de todas as fontes de emissões e de fluxos‑fonte pertencentes às atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2003/87/CE e a outras atividades pertinentes abrangidas nos termos do artigo 24.o dessa diretiva, bem como todos os gases com efeito de estufa especificados em relação a essas atividades, evitando a dupla contagem.»

    13

    Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, primeiro parágrafo, deste regulamento:

    «Cada operador de instalação ou de aeronave deve monitorizar as emissões de gases com efeito de estufa com base num plano de monitorização aprovado pela autoridade competente em conformidade com o artigo 12.o, tendo em conta a natureza e o funcionamento da instalação ou da atividade da aviação a que se aplica.»

    14

    O artigo 14.o, n.o 2, alínea e), do referido regulamento tem a seguinte redação:

    «O operador de instalação […] deve alterar o plano de monitorização, pelo menos, se surgir uma das seguintes situações:

    […]

    e)

    O plano de monitorização não cumprir os requisitos do presente regulamento e a autoridade competente solicitar ao operador de instalação […] que o altere».

    Diretiva 96/61

    15

    O considerando 8 da Diretiva 96/61 enuncia:

    «Considerando que o objetivo de uma abordagem integrada do controlo da poluição consiste na prevenção, sempre que viável, das emissões para o ar, a água e o solo, tendo em conta a gestão dos resíduos ou, quando tal não seja possível, na sua minimização, para se alcançar um nível elevado de proteção do ambiente no seu todo».

    16

    O artigo 3.o da mesma diretiva dispõe:

    «Os Estados‑Membros devem tomar as disposições necessárias para que as autoridades competentes se certifiquem de que a instalação será explorada de modo a que:

    […]

    c)

    Seja evitada a produção de resíduos em conformidade com a Diretiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1975, relativa aos resíduos [(JO 1975, L 194, p. 39)]; não sendo possível, os resíduos devem ser valorizados ou, se tal for técnica e economicamente impossível, eliminados, evitando ou reduzindo o seu impacto no ambiente;

    […]»

    Legislação sueca

    17

    O artigo 1.o, do capítulo 3, do förordningen (2020:1180) om vissa utsläpp av växthusgaser [Regulamento (2020:1180) relativo a Determinadas Emissões de Gases com Efeito de Estufa; a seguir «Regulamento Sueco»] dispõe:

    «É proibido emitir gases com efeito de estufa sem licença a partir de instalações onde sejam exercidas as atividades enumeradas no anexo.»

    18

    O artigo 5.o do capítulo 3 do Regulamento Sueco prevê:

    «Qualquer operador que pretenda solicitar um título de emissão de gases com efeito de estufa deve apresentar o seu pedido à [Agência].

    O pedido deve conter: […]

    3. Um plano de monitorização.»

    19

    A instrução n.o 4 do anexo do Regulamento Sueco enuncia:

    «Quando se considere que uma instalação excedeu o limiar de capacidade definido para as atividades constantes dos pontos 1 a 28 da secção “descrição de atividades”, todas as unidades de combustão de combustíveis, com exceção das unidades de incineração de resíduos perigosos ou resíduos urbanos, devem ser incluídas na licença de emissão de gases com efeito de estufa.»

    20

    No artigo 6.o da lagen (2020:1173) om vissa utsläpp av växthusgaser [Lei (2020:1173) relativa a Determinadas Emissões de Gases com Efeito de Estufa; a seguir «Lei Sueca»)], um plano de monitorização é definido como «uma descrição escrita a que se refere o artigo 12.o do Regulamento relativo à Vigilância e Comunicação de Informações». Em conformidade com a mesma disposição, entende‑se por «Regulamento relativo à Vigilância e Comunicação de Informações» o Regulamento de Execução 2018/2066.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    21

    A Nouryon, situada em Stenungsund, Suécia, fabrica produtos químicos orgânicos a granel. A quantidade de produção é superior a 100 toneladas por dia.

    22

    Esta atividade é exercida ao abrigo de uma autorização concedida em 2004 ao abrigo da miljöbalken (Código do Ambiente). O processo de produção cria resíduos perigosos sob a forma de águas residuais provenientes do processo industrial.

    23

    Por força de um despacho provisório constante dessa autorização, a sociedade deve tratar essas águas num incinerador ou mandar tratar a água noutra instalação autorizada para resíduos perigosos. A Nouryon optou por tratar as águas residuais numa incineradora localizada na instalação de Stenungsund. A instalação está construída de tal modo, que a água poluída é encaminhada diretamente da parte da instalação onde ocorre a produção química para a incineradora.

    24

    A incineradora é utilizada quase exclusivamente para incinerar as águas residuais provenientes do processo industrial, a saber, no total de cerca de 40000 toneladas por ano. O teor energético da água é quase marginal, pelo que a incineração é efetuada com a adição de gás combustível. A energia proveniente da incineração é posteriormente recuperada para a instalação sob a forma de vapor a utilizar no processo de produção. No entanto, a maior parte da energia destinada à produção é obtida a partir de uma caldeira industrial. Em 2017, a incineradora foi abastecida com 4289 toneladas de gás combustível, o que corresponde a 245 terajoules, e devolveu 182 terajoules. Nesse ano, a incineração do gás combustível na caldeira industrial totalizou cerca de 726 terajoules (cerca de 14069 toneladas). A incineradora emite para a atmosfera uma quantidade de cerca de 11500 toneladas de dióxido de carbono por ano, segundo a Nouryon, e 17000 toneladas, segundo a Agência.

    25

    Além disso, a instalação está especificamente autorizada a emitir gases com efeito de estufa no âmbito do CELE.

    26

    A Agência verificou que a incineradora de resíduos perigosos não era mencionada no plano de monitorização da instalação de Stenungsund e que, por conseguinte, as emissões de gases com efeito de estufa provenientes dessa incineradora não estavam incluídas nas emissões totais dessa instalação.

    27

    Por conseguinte, a Agência ordenou à Nouryon que apresentasse um plano de vigilância complementar que incluísse a incineradora. Alegou que a instalação devia ser autorizada para todas as unidades que dela fizessem parte integrante.

    28

    A Nouryon interpôs recurso da injunção da Agência para o Nacka tingsrätt — Mark‑ och miljödomstolen (Tribunal de Primeira Instância de Nacka, enquanto Tribunal Fundiário e do Ambiente, Suécia), alegando que, em aplicação do ponto 5 do anexo I da Diretiva 2003/87, uma unidade de incineração de resíduos perigosos não deve ser incluída no CELE, quer faça ou não parte integrante de uma instalação abrangida por esse regime. Esse órgão jurisdicional acolheu esta argumentação e anulou a injunção da Agência.

    29

    Esta interpôs recurso da decisão do referido órgão jurisdicional para o Svea hovrätt, Mark‑och miljööverdomstolen (Tribunal de Recurso de Estocolmo, enquanto Tribunal de Recurso Fundiário e do Ambiente, Suécia). Este último órgão jurisdicional interroga‑se sobre se a incineradora em causa está abrangida pela exceção prevista no ponto 5 do anexo I da Diretiva 2003/87.

    30

    Nestas condições, o Svea hovrätt, Mark‑och miljööverdomstolen (Tribunal de Recurso de Estocolmo, enquanto Tribunal de Recurso Fundiário e do Ambiente) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1.

    A isenção para as unidades de incineração de resíduos perigosos prevista no ponto 5 do anexo I da Diretiva relativa ao comércio de licenças de emissão, segundo o qual todas as unidades em que são queimados combustíveis devem ser incluídas na licença de emissão de gases com efeito de estufa, à exceção das unidades de incineração de resíduos perigosos, é aplicável a todas as unidades que incineram resíduos perigosos, ou deve existir algum fator de qualificação para que a isenção seja aplicada? Se tal fator for necessário, a finalidade da unidade deve, portanto, ser decisiva para a aplicação da isenção ou podem também ser relevantes outros fatores?

    2.

    Se a finalidade da unidade for decisiva para a avaliação, a isenção aplica‑se igualmente a uma entidade que incinera resíduos perigosos, mas cuja finalidade principal não é a incineração?

    3.

    Se a isenção se aplicar apenas a uma unidade cuja finalidade principal seja a incineração de resíduos perigosos, que critérios devem ser utilizados na avaliação da finalidade?

    4.

    Se, no âmbito de uma avaliação, for decisivo que a unidade deva ser considerada parte integrante de uma atividade numa instalação sujeita a licença nos termos da referida diretiva, por exemplo, como referido no ponto 3.3.3 das Orientações da Comissão, que requisitos devem, assim, ser estabelecidos para que a unidade possa ser considerada parte integrante dessa atividade? Pode exigir‑se, por exemplo, que a produção seja impossível ou não autorizada sem a unidade (v. Orientações da Comissão, página 14, nota de rodapé 14), ou pode ser suficiente que a unidade esteja tecnicamente ligada à instalação e aceite apenas resíduos perigosos dessa instalação?»

    Quanto às questões prejudiciais

    31

    Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o ponto 5 do anexo I da Diretiva 2003/87 deve ser interpretado no sentido de que todas as unidades de incineração de resíduos perigosos ou resíduos urbanos estão excluídas do âmbito de aplicação desta diretiva, incluindo as integradas numa instalação abrangida por esse âmbito e que não têm por único objetivo a incineração desses resíduos.

    32

    A este respeito, importa recordar que a Diretiva 2003/87 tem por objeto a instituição de um regime de comércio de licenças de emissão destinado a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa na atmosfera para um nível que evite uma perturbação antrópica perigosa do clima e cujo objetivo último consiste na proteção do ambiente [Acórdão de 16 de dezembro de 2021, Apollo Tyres (Hungary), C‑575/20, EU:C:2021:1024, n.o 24 e jurisprudência referida].

    33

    O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2003/87 prevê que o seu âmbito de aplicação se estende às emissões provenientes das atividades enumeradas no anexo I e aos gases com efeito de estufa enumerados no anexo II, entre os quais, nomeadamente, o dióxido de carbono [Acórdão de 16 de dezembro de 2021, Apollo Tyres (Hungary), C‑575/20, EU:C:2021:1024, n.o 25 e jurisprudência referida].

    34

    Nos termos do artigo 4.o da Diretiva 2003/87, «[o]s Estados‑Membros devem assegurar que, a partir de 1 de janeiro de 2005, nenhuma instalação exerça qualquer atividade enumerada no anexo I de que resultem emissões especificadas em relação a essa atividade, salvo se o respetivo operador possuir um título emitido pela autoridade competente nos termos dos artigos 5.o e 6.o ou a instalação estiver excluída do CELE [da União] nos termos do artigo 27.o […]».

    35

    O artigo 3.o, alínea e), dessa diretiva define «instalação» como «a unidade técnica fixa onde se realizam uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I e quaisquer outras atividades diretamente associadas que tenham uma relação técnica com as atividades realizadas nesse local e que possam ter influência nas emissões e na poluição».

    36

    Entre as atividades referidas nesse anexo I, figura a «[p]rodução de produtos químicos orgânicos a granel por craqueamento, reformação, oxidação parcial ou completa ou processos similares, com uma capacidade de produção superior a 100 toneladas por dia».

    37

    A instalação da Nouryon, que fabrica produtos químicos orgânicos a granel, está sujeita à obtenção de uma autorização para o efeito.

    38

    Essa instalação inclui uma incineradora para queimar as águas residuais provenientes do processo industrial. O equipamento emite, em consequência, dióxido de carbono. A energia proveniente da incineração é posteriormente recuperada para a instalação sob a forma de vapor a utilizar no processo de produção.

    39

    Uma vez que está tecnicamente ligado às atividades exercidas no local de Stenungsund e que pode ter influência nas emissões, essa incineradora constitui, portanto, uma parte da instalação, na aceção do artigo 3.o, alínea e), da Diretiva 2003/87.

    40

    O litígio no processo principal tem por objeto a questão de saber se essa incineradora deve ser autorizada como o resto da instalação nos termos da Diretiva 2003/87 ou se não o deve ser ao abrigo da exceção mencionada no ponto 5 do anexo I desta diretiva. É por esta razão que o órgão jurisdicional de reenvio considera que a solução deste litígio depende da interpretação a dar a esta disposição.

    41

    Nos termos do ponto 5 do anexo I da Diretiva 2003/87, «[q]uando se considere que o limiar de capacidade de qualquer atividade constante do presente anexo é superado numa instalação, todas as unidades em que são queimados combustíveis, à exceção das unidades de incineração de resíduos perigosos ou resíduos urbanos, devem ser incluídas na licença de emissão de gases com efeito de estufa.»

    42

    Segundo a interpretação seguida pela Comissão nas suas «Orientações para a interpretação do anexo I da Diretiva CELE», adotadas em 18 de março de 2010, não basta que a unidade incinere os resíduos perigosos ou resíduos urbanos para ser excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 2003/87. A Comissão considera que é necessário, além disso, que, por um lado, a unidade de incineração de resíduos perigosos ou resíduos urbanos não faça parte de uma instalação cuja atividade é mencionada no anexo I da diretiva e que, por outro, a incineração desses resíduos constitua a sua finalidade essencial.

    43

    É por esta razão que, segundo a Comissão, uma unidade de incineração de resíduos perigosos cujo calor produzido é recuperado e serve para o funcionamento de uma instalação abrangida pelo âmbito de aplicação do ponto 5 do anexo I da Diretiva 2003/87 não está excluída desse âmbito de aplicação.

    44

    Todavia, tal interpretação não é corroborada pelos métodos de interpretação literal, sistemática e teleológica a que o Tribunal de Justiça habitualmente recorre.

    45

    No que respeita, em primeiro lugar, à interpretação literal do ponto 5 do anexo I da Diretiva 2003/87, há que salientar que este prevê expressamente a hipótese de uma instalação que deve apresentar uma licença de emissão de gases com efeito de estufa incluir várias unidades de combustão de combustíveis e dispõe que, nesse caso, essas unidades devem ser incluídas nessa licença, com exceção das unidades de incineração de resíduos perigosos ou resíduos urbanos.

    46

    Por conseguinte, a redação deste ponto 5 parece excluir que a unidade de incineração de produtos perigosos deva ser incluída no plano de monitorização da instalação por fazer parte integrante dessa instalação.

    47

    Por outro lado, uma vez que há que fazer uma interpretação estrita das exceções, a prevista no referido ponto 5 deve limitar‑se às unidades verdadeiramente dedicadas à incineração dos resíduos perigosos ou resíduos urbanos e que, por conseguinte, só marginalmente incineram outros resíduos.

    48

    Em contrapartida, não resulta da letra do ponto 5 do anexo I da Diretiva 2003/87 que a exclusão das unidades de incineração dos resíduos perigosos ou resíduos urbanos da licença de emissão de gases com efeito de estufa depende da finalidade para a qual esses resíduos são incinerados.

    49

    No que respeita, em segundo lugar, às interpretações sistemática e teleológica do ponto 5 do anexo I da Diretiva 2003/87, importa, no caso em apreço, examiná‑las em conjunto.

    50

    Como resulta nomeadamente do considerando 25 e do artigo 1.o da Diretiva 2003/87, o objetivo geral desta última é alcançar, através da instauração do regime de atribuição de licenças de gases com efeito de estufa, uma redução das emissões desses gases.

    51

    No entanto, a exceção prevista no ponto 5 do anexo I da Diretiva 2003/87 para as unidades de incineração de resíduos perigosos e urbanos não prossegue prioritariamente este objetivo. Em contrapartida, responde a um objetivo secundário desta diretiva, tendo o legislador da União considerado que a implementação do regime de atribuição de licenças de emissão não devia entravar a eliminação dos resíduos perigosos e urbanos por incineração.

    52

    A este respeito, cumpre salientar que a Diretiva 2003/87, como resulta do seu título, altera a Diretiva 96/61. O artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2003/87 especifica que «a presente diretiva é aplicável sem prejuízo dos requisitos constantes da Diretiva [96/61].» Ora, a Diretiva 96/61, cujo objeto é mais lato que o da Diretiva 2003/87 e diz respeito à prevenção e redução integradas da poluição, prevê expressamente, no seu artigo 3.o, alínea c), a valorização ou a eliminação dos resíduos.

    53

    O considerando 8 da Diretiva 96/61 enuncia igualmente que «o objetivo de uma abordagem integrada do controlo da poluição consiste na prevenção, sempre que viável, das emissões para o ar, a água e o solo, tendo em conta a gestão dos resíduos ou, quando tal não seja possível, na sua minimização, para se alcançar um nível elevado de proteção do ambiente no seu todo».

    54

    Resulta dos elementos precedentes que o legislador da União pretendeu favorecer a incineração dos resíduos perigosos e urbanos subtraindo‑os à obrigação de autorização nos termos do CELE. Ora, a limitação do alcance desta exceção pelo conceito de «finalidade essencial» não é coerente com este objetivo.

    55

    Além disso, o alcance da exceção deve igualmente ser interpretado à luz do objetivo principal da Diretiva 2003/87. Ora, a interpretação defendida pela Comissão — segundo a qual uma unidade de incineração de resíduos perigosos ou resíduos urbanos que contribui, ao fornecer‑lhe calor, para o funcionamento de uma instalação que integra o CELE deve ela própria estar abrangida pelo âmbito de aplicação do CELE — iria de encontro a esse objetivo.

    56

    Com efeito, tal interpretação levaria a reservar o benefício da derrogação às unidades de incineração de resíduos perigosos e urbanos cujo calor produzido não fosse recuperado por uma instalação abrangida pela Diretiva 2003/87, o que favoreceria um desperdício de energia e um acréscimo de emissões.

    57

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o ponto 5 do anexo I da Diretiva 2003/87 deve ser interpretado no sentido de que todas as unidades de incineração de resíduos perigosos ou resíduos urbanos estão excluídas do âmbito de aplicação desta diretiva, incluindo as que estão integradas numa instalação abrangida por esse âmbito e que não têm por único objetivo a incineração desses resíduos, desde que sirvam apenas para incineração de outros resíduos de modo marginal.

    Quanto às despesas

    58

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

     

    O ponto 5 do anexo I da Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho, conforme alterada pela Diretiva (UE) 2018/410 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2018,

     

    deve ser interpretado no sentido de que:

     

    todas as unidades de incineração de resíduos perigosos ou resíduos urbanos estão excluídas do âmbito de aplicação desta diretiva, conforme alterada, incluindo as que estão integradas numa instalação abrangida por esse âmbito e que não têm por único objetivo a incineração desses resíduos, desde que sirvam apenas para incineração de outros resíduos de modo marginal.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: sueco.

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