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Document 62022CJ0708

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 4 de julho de 2024.
    Asociación Española de Productores de Vacuno de Carne – Asoprovac contra Administración General del Estado.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo.
    Reenvio prejudicial — Pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum — Financiamento, gestão e acompanhamento da política agrícola comum — Prados permanentes de propriedade pública — Condições de acesso ao pagamento direto aos agricultores — Animais que devem pertencer à própria exploração agrícola dos agricultores.
    Processo C-708/22.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:573

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

    4 de julho de 2024 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum — Financiamento, gestão e acompanhamento da política agrícola comum — Prados permanentes de propriedade pública — Condições de acesso ao pagamento direto aos agricultores — Animais que devem pertencer à própria exploração agrícola dos agricultores»

    No processo C‑708/22,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), por Decisão de 21 de outubro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de novembro de 2022, no processo

    Asociación Española de Productores de Vacuno de Carne — Asoprovac

    contra

    Administración General del Estado,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

    composto por: N. Piçarra, presidente de secção, N. Jääskinen e M. Gavalec (relator), juízes,

    advogado‑geral: J. Kokott,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Asociación Española de Productores de Vacuno de Carne — Asoprovac, por J. Marcén Castán, J. C. Martín Aranda, abogados, e J. M. Rico Maesso, procurador,

    em representação do Governo Espanhol, por L. Aguilera Ruiz, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por A. C. Becker, C. Calvo Langdon e E. Sanfrutos Cano, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o e do artigo 32.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.o 637/2008 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 608), bem como do artigo 60.o do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da Política Agrícola Comum e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 352/78, (CE) n.o 165/94, (CE) n.o 2799/98, (CE) n.o 814/2000, (CE) n.o 1290/2005 e (CE) n.o 485/2008 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 549).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Asociación Española de Productores de Vacuno de Carne — Asoprovac, uma associação espanhola de produtores de bovinos de carne, à Administración General del Estado (Administração Geral do Estado, Espanha), a respeito da legalidade de um real decreto que impõe que os prados permanentes de propriedade pública e utilização comum sejam pastoreados por animais da própria exploração do agricultor que pede para beneficiar de apoio financeiro ao abrigo do regime de pagamento direto por superfície.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Regulamento n.o 1306/2013

    3

    Sob a epígrafe «Proteção dos interesses financeiros da União», o artigo 58.o do Regulamento n.o 1306/2013, revogado pelo Regulamento (UE) 2021/2116 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2 de dezembro de 2021, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (UE) n.o 1306/2013 (JO 2021, L 435, p. 187), mas aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal, dispunha, no seu n.o 1:

    «Os Estados‑Membros adotam, no âmbito da [política agrícola comum (PAC)], todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas, bem como quaisquer outras medidas necessárias para assegurarem uma proteção eficaz dos interesses financeiros da União, em especial a fim de:

    a)

    Se certificarem da legalidade e regularidade das operações financiadas pelos Fundos;

    b)

    Garantir uma proteção eficaz contra fraudes, nomeadamente nos setores em que existe um nível de risco mais elevado, que tenha um efeito dissuasivo, tendo em conta os custos e os benefícios, bem como a proporcionalidade das medidas;

    c)

    Prevenir, detetar e corrigir irregularidades e fraudes;

    d)

    Impor sanções efetivas, dissuasivas e proporcionadas, conformes ao direito da União ou, na sua falta, ao direito nacional e, se necessário, intentar ações judiciais para esse efeito;

    e)

    Recuperar os montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros, e, se necessário, intentar ações judiciais para esse efeito.»

    4

    O artigo 60.o deste regulamento, sob a epígrafe «Cláusula de evasão», enunciava:

    «Sem prejuízo de disposições específicas, não é concedida qualquer vantagem ao abrigo da legislação agrícola setorial a pessoas singulares ou coletivas relativamente às quais se conclua terem sido criadas artificialmente as condições requeridas para obter tais vantagens, contrariamente aos objetivos da referida legislação.»

    Regulamento n.o 1307/2013

    5

    Sob a epígrafe «Definições e disposições conexas», o artigo 4.o do Regulamento n.o 1307/2013, revogado pelo Regulamento (UE) 2021/2115 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2 de dezembro de 2021, que estabelece regras para apoiar os planos estratégicos a elaborar pelos Estados‑Membros no âmbito da política agrícola comum (planos estratégicos da PAC) e financiados pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), e que revoga os Regulamentos (UE) n.o 1305/2013 e (UE) n.o 1307/2013 (JO 2021, L 435, p. 1), mas aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal, dispunha:

    «1.   Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    [...]

    b)

    “Exploração”: o conjunto das unidades utilizadas para atividades agrícolas e geridas por um agricultor, situadas no território do mesmo Estado‑Membro;

    c)

    “Atividade agrícola”:

    i)

    a produção, a criação ou o cultivo de produtos agrícolas, incluindo a colheita, a ordenha, a criação de animais, e a detenção de animais para fins de produção,

    ii)

    a manutenção de uma superfície agrícola num estado que a torne adequada para pastoreio ou cultivo sem ação preparatória especial para além dos métodos e máquinas agrícolas habituais, com base em critérios a definir pelos Estados‑Membros a partir de um quadro estabelecido pela Comissão [Europeia], ou

    iii)

    a realização de uma atividade mínima, definida pelos Estados‑Membros, em superfícies agrícolas naturalmente mantidas num estado adequado para pastoreio ou cultivo;

    [...]

    e)

    “Superfície agrícola”: qualquer superfície de terras aráveis, prados permanentes e pastagens permanentes, ou culturas permanentes;

    [...]

    2.   Os Estados‑Membros:

    a)

    Estabelecem os critérios a respeitar pelos agricultores a fim de cumprirem a obrigação de manter uma superfície agrícola num estado adequado para pastoreio ou cultivo, como referido no n.o 1, alínea c), subalínea ii);

    b)

    Se for caso disso num Estado‑Membro, definem a atividade mínima a desenvolver nas superfícies naturalmente mantidas num estado adequado para pastoreio ou cultivo, como referido no n.o 1, alínea c), subalínea iii);

    [...]

    3.   No intuito de garantir a segurança jurídica, a Comissão fica habilitada a adotar atos delegados [...] que estabeleçam:

    a)

    O quadro dentro do qual os Estados‑Membros estabelecem os critérios a respeitar pelos agricultores a fim de cumprirem a obrigação de manter uma superfície agrícola num estado adequado para pastoreio ou cultivo, como referido no n.o 1, alínea c), subalínea ii);

    [...]»

    6

    O artigo 32.o deste regulamento, sob a epígrafe «Ativação dos direitos ao pagamento», enunciava, nos seus n.os 1 a 2:

    «1.   O apoio a título do regime de pagamento de base é concedido aos agricultores, através da declaração, nos termos do artigo 33.o, n.o 1, mediante ativação de um direito ao pagamento por hectare elegível no Estado‑Membro em que foi atribuído. [...]

    2.   Para efeitos do presente título, entende‑se por “hectare elegível”:

    a)

    Qualquer superfície agrícola da exploração, incluindo as superfícies que não estavam mantidas em boas condições agrícolas à data de 30 de junho de 2003 nos Estados‑Membros que aderiram à União em 1 de maio de 2004 e que, no momento da adesão, optaram por aplicar o regime de pagamento único por superfície, que seja utilizada para uma atividade agrícola ou, se a superfície for igualmente utilizada para atividades não agrícolas, que seja principalmente utilizada para atividades agrícolas, [...]

    [...]»

    Regulamento Delegado (UE) n.o 639/2014

    7

    O considerando 4 do Regulamento Delegado (UE) n.o 639/2014 da Comissão, de 11 de março de 2014, que completa o Regulamento (UE) n.o 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que altera o anexo X do mesmo regulamento (JO 2014, L 181, p. 1), revogado pelo Regulamento Delegado (UE) 2022/2529 da Comissão, de 17 de outubro de 2022 (JO 2022, L 328, p. 74), mas aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal, tinha a seguinte redação:

    «Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, importa esclarecer que, ao aprovarem medidas para transposição da legislação da União, os Estados‑Membros devem exercer o seu poder discricionário em conformidade com determinados princípios, em particular o da não‑discriminação.»

    8

    O artigo 4.o deste regulamento delegado, sob a epígrafe «Quadro dos critérios aplicáveis à manutenção da superfície agrícola num estado adequado para pastoreio ou cultivo», dispunha:

    «1.   Para efeitos do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), subalínea ii), do Regulamento (UE) n.o 1307/2013, os critérios a satisfazer pelos agricultores para cumprirem a obrigação de manutenção da superfície agrícola num estado adequado para pastoreio ou cultivo sem ação preparatória para além dos métodos e máquinas agrícolas habituais devem ser estabelecidos pelos Estados‑Membros por um dos seguintes meios, ou por ambos:

    a)

    Os Estados‑Membros devem impor aos agricultores a realização de, pelo menos, uma atividade anual. Quando razões ambientais o justifiquem, os Estados‑Membros podem decidir reconhecer igualmente atividades realizadas apenas de dois em dois anos.

    b)

    Os Estados‑Membros devem definir as características que uma superfície agrícola deve apresentar para ser considerada mantida num estado adequado para pastoreio ou cultivo.

    2.   No estabelecimento dos critérios a que se refere o n.o 1, os Estados‑Membros podem distinguir tipos diversos de superfície agrícola.»

    Direito espanhol

    9

    O artigo 11.o, n.os 2 e 3, do Real Decreto 1075/2014, sobre la aplicación a partir de 2015 de los pagos directos a la agricultura y a la ganadería y otros regímenes de ayuda, así como sobre la gestión y control de los pagos directos y de los pagos al desarrollo rural (Real Decreto n.o 1075/2014, relativo à Aplicação a partir de 2015 dos Pagamentos Diretos à Agricultura e à Pecuária e Outros Regimes de Apoio, bem como à Gestão e Fiscalização dos Pagamentos Diretos e dos Pagamentos ao Desenvolvimento Rural), de 19 de dezembro de 2014 (BOE n.o 307, de 20 de dezembro de 2014, p. 103644), conforme alterado pelo Real Decreto 41/2021, por el que se establecen las disposiciones específicas para la aplicación en los años 2021 y 2022 de los Reales Decretos 1075/2014, 1076/2014, 1077/2014 y 1078/2014, todos ellos de 19 de diciembre, dictados para la aplicación en España de la Política Agrícola Común (Real Decreto n.o 41/2021, que aprova Disposições Específicas para a Aplicação, durante os anos de 2021 e 2022, dos Reais Decretos n.o 1075/2014, n.o 1076/2014, n.o 1077/2014 e n.o 1078/2014, todos de 19 de dezembro, proferidos para a Aplicação em Espanha da Política Agrícola Comum), de 26 de janeiro de 2021 (BOE n.o 23, de 27 de janeiro de 2021, p. 7955), dispunha:

    «2.   Para cada parcela ou recinto, o requerente declara no seu pedido de ajuda, a cultura ou a utilização a que se destina ou, se for caso disso, se o recinto é objeto de trabalhos de manutenção. O pedido indicará expressamente se os recintos de prado se destinam a produção com base no pastoreio ou, no caso das pastagens, com base no pastoreio ou na ceifa, ou apenas a uma manutenção baseada nas atividades referidas no anexo IV.

    No caso dos prados permanentes de propriedade pública utilizados em comum, só é autorizada a produção baseada no pastoreio com animais da própria exploração do requerente e não com animais das administrações proprietárias desses prados, com animais dos gestores responsáveis pela intermediação no mercado nem com animais dos criadores que não demonstrem ter utilizado o prado, consoante o caso, em conformidade com as condições em que foi concedido aos beneficiários do referido prado a utilização a título comunal, ou em conformidade com as condições, devidamente comprovadas no título correspondente, às quais foi subordinada a utilização do referido prado enquanto bem do domínio privado ou público. Em determinadas circunstâncias, as autoridades competentes das comunidades autónomas podem igualmente autorizar a produção com base na ceifa das pastagens de propriedade pública utilizadas em comum, desde que se demonstre que essa ceifa, para efeitos de utilização pelo proprietário da exploração que pede a ajuda, faz parte da atividade agrícola efetivamente exercida por esse proprietário. As atividades de manutenção enumeradas no anexo IV não são, em caso algum, autorizadas.

    3.   O requerente declarará expressamente e com exatidão, no seu pedido, que as culturas e utilizações, bem como as atividades de manutenção declaradas são o reflexo exato e fiel da sua atividade agrícola. Se, na sequência de um controlo administrativo, no local ou por monitorização, realizado pela autoridade competente, se constatar que as culturas ou as atividades que consistem em utilizar ou manter as superfícies não foram realizadas, e que as declarações são falsas, inexatas ou feitas com negligência e que, além disso, essa falta de concordância condicionou o cumprimento dos requisitos relativos à atividade agrícola nas superfícies em causa, a autoridade competente poderá considerar que se trata de um caso de criação de condições artificiais para beneficiar da ajuda e esta ficará sujeita ao regime de sanções previsto no artigo 102.o»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    10

    A Asoprovac interpôs no Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) um recurso destinado à anulação do quinto parágrafo da primeira disposição final do Real Decreto n.o 41/2021, que altera o artigo 11.o, n.os 2 e 3, do Real Decreto n.o 1075/2014.

    11

    Em apoio do seu recurso, esta associação alegou, nomeadamente, que a exigência segundo a qual os animais que pastam nos prados permanentes de propriedade pública e utilização comum devem provir da exploração do requerente de ajuda é nova e viola o Regulamento n.o 1307/2013 e o Regulamento n.o 1306/2013.

    12

    Em primeiro lugar, o artigo 11.o, n.os 2 e 3, do Real Decreto n.o 1075/2014, conforme alterado pelo Real Decreto n.o 41/2021, viola os artigos 4.o e 32.o do Regulamento n.o 1307/2013 e o artigo 4.o do Regulamento Delegado n.o 639/2014, pelo facto de o Estado Espanhol estabelecer condições de elegibilidade para as ajudas diretas por superfície que acrescem às previstas na regulamentação da União.

    13

    Em segundo lugar, esta regulamentação nacional viola o artigo 60.o do Regulamento n.o 1306/2013, bem como a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à criação artificial de condições de acesso às ajudas, uma vez que institui uma presunção inilidível de fraude e exclui do benefício dessas ajudas os criadores que praticam a criação intensiva de bovinos.

    14

    Em terceiro lugar, a referida regulamentação nacional estabelece um tratamento discriminatório entre os criadores que se dedicam à criação intensiva de bovinos, a dois títulos. Por um lado, existe uma primeira discriminação entre os criadores espanhóis e os que são nacionais de outro Estado‑Membro da União. Por outro lado, há uma segunda discriminação entre os próprios criadores espanhóis, consoante pastoreiem os seus bovinos em prados permanentes de propriedade pública e utilização comum ou em prados privados.

    15

    Nestas circunstâncias, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Devem os artigos 4.o e 32.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 1307/2013] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional como o Real Decreto n.o 41/2021 que, para evitar a criação de condições artificiais na concessão de prados permanentes de utilização em comum de propriedade pública a beneficiários que não os utilizam, dispõe que a atividade de pastoreio apenas é admissível se for realizada com animais da própria exploração do requerente da ajuda?

    2)

    Deve o artigo 60.o do Regulamento [n.o 1306/2013], respeitante à criação de condições artificiais para a obtenção das ajudas, ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como o Real Decreto n.o 41/2021 que estabelece uma presunção de criação artificial de condições de acesso à ajuda nos casos em que a atividade agrícola de pastoreio em prados permanentes de propriedade pública e utilização em comum é exercida com animais que não sejam da própria exploração do requerente da ajuda?

    3)

    Deve o artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento [n.o 1307/2013] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como o Real Decreto n.o 1075/2014 [...] que entende que o pastoreio das superfícies agrícolas não pode ser qualificado de atividade de manutenção dessas superfícies num estado adequado para o seu pastoreio?

    4)

    Deve o artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento [n.o 1307/2013] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como o Real Decreto n.o 1075/2014 [...] que entende que as pessoas que são apenas titulares de um direito não exclusivo de pastoreio sobre terras que não são propriedade sua e cedem esse direito a um terceiro para que este utilize os prados para a alimentação do gado deste último não exercem uma das atividades agrícolas previstas no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), i), desse regulamento?

    5)

    Deve o artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento [n.o 1307/2013] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como o Real Decreto n.o 1075/2014 [...] que entende que as pessoas que são apenas titulares de um direito não exclusivo de pastoreio sobre terras de utilização comum que não são propriedade sua não podem ser consideradas gestoras dos prados sobre os quais incide esse direito de pastoreio para efeitos do exercício das atividades de manutenção dessas superfícies agrícolas num estado adequado para o seu pastoreio?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    16

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o e o artigo 32.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que, para evitar que sejam criadas artificialmente as condições requeridas para a obtenção de uma ajuda quando da concessão de prados permanentes de propriedade pública e utilização comum a agricultores que não os utilizam, exige que a atividade de pastoreio nesses prados seja exercida com animais pertencentes à própria exploração do agricultor requerente da ajuda.

    17

    Em conformidade com o artigo 32.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1307/2013, o apoio a título do regime de pagamento de base é concedido aos agricultores, através da declaração, nos termos do artigo 33.o, n.o 1, deste regulamento, mediante ativação de um direito ao pagamento por «hectare elegível» no Estado‑Membro em que foi atribuído.

    18

    O conceito de «hectare elegível», definido no artigo 32.o, n.o 2, do referido regulamento, abrange, em substância, qualquer superfície agrícola da exploração que seja utilizada para uma atividade agrícola. Daqui decorre que, para poder ser apresentado em apoio de um pedido para beneficiar de uma ajuda financeira ao abrigo do regime de pagamento direto previsto pelo direito da União, um hectare deve preencher três requisitos, a saber, constituir uma superfície agrícola na qual é exercida uma atividade agrícola, que está associada a uma exploração.

    19

    A este respeito, há que salientar, antes de mais, que o conceito de «superfície agrícola» é definido no artigo 4.o, n.o 1, alínea e), do mesmo regulamento como qualquer superfície de terras aráveis, prados permanentes e pastagens permanentes ou culturas permanentes.

    20

    Em seguida, o artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1307/2013 define o conceito de «atividade agrícola» como abrangendo, em substância, três tipos de atividades, a saber, em primeiro lugar, a produção, a criação ou o cultivo de produtos agrícolas, incluindo a colheita, a ordenha, a criação de animais e a detenção de animais para fins agrícolas; em segundo lugar, a manutenção de uma superfície agrícola num estado que a torne adequada para pastoreio ou cultivo sem ação preparatória especial além dos métodos agrícolas habituais, com base em critérios a definir pelos Estados‑Membros; e, em terceiro lugar, a realização de uma atividade mínima em superfícies agrícolas naturalmente mantidas num estado adequado para pastoreio.

    21

    Deste modo, quando o agricultor não exerce nenhuma das três atividades mencionadas no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1307/2013 na superfície agrícola declarada, ou quando realiza apenas uma atividade negligenciável nessa superfície, não se pode considerar que exerce aí uma atividade agrícola.

    22

    No entanto, esta disposição é omissa quanto à questão de saber se essa atividade agrícola deve ser efetuada pelo próprio agricultor requerente da ajuda ou se pode ser efetuada por um terceiro no âmbito de uma cessão de um direito não exclusivo de pastoreio sobre um prado permanente de propriedade pública e utilização comum.

    23

    Por último, o conceito de «exploração» é definido no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1307/2013 como o conjunto das unidades utilizadas para atividades agrícolas e geridas por um agricultor, situadas no território do mesmo Estado‑Membro.

    24

    Assim, o Tribunal de Justiça considerou que as unidades de produção geridas por um agricultor incluem não só as superfícies agrícolas mas também os animais utilizados no pastoreio, contanto que este agricultor tenha um poder de disposição desses animais suficiente para efeitos do exercício da sua atividade agrícola, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional competente apreciar, tendo em conta todas as circunstâncias do caso em apreço (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos,C‑176/20, EU:C:2022:274, n.o 36).

    25

    O conceito de gestão não implica a existência, a favor do agricultor, de um poder de disposição ilimitado sobre a superfície ou sobre os animais em causa no âmbito da sua utilização para fins agrícolas, mas pressupõe a existência de uma autonomia suficiente deste agricultor para efeitos do exercício da sua atividade agrícola (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de outubro de 2010, Landkreis Bad Dürkheim,C‑61/09, EU:C:2010:606, n.os 61 e 62, e de 7 de abril de 2022, Avio Lucos,C‑116/20, EU:C:2022:273, n.o 49).

    26

    Assim, o agricultor deve ter condições para exercer um certo poder de decisão no âmbito da utilização da superfície em causa para efeitos do exercício, por este, nesta superfície, da sua atividade agrícola (Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos,C‑116/20, EU:C:2022:273, n.o 50 e jurisprudência referida).

    27

    Por conseguinte, para ser elegível para o regime de pagamento direto previsto no artigo 32.o do Regulamento n.o 1307/2013, é necessário que o agricultor exerça, na superfície agrícola que declara em apoio do seu pedido, um certo poder de decisão quanto à utilização da superfície em causa para efeitos do exercício da sua atividade agrícola. Neste contexto, a simples cessão a um criador terceiro de um direito de pastoreio não exclusivo sobre prados permanentes de propriedade pública e utilização comum, sem que o agricultor requerente de ajuda mantenha nenhum poder de decisão sobre a atividade exercida nesses prados pelos animais de um criador terceiro, não pode ser considerada, enquanto tal, uma «atividade agrícola» na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), deste regulamento.

    28

    No caso em apreço, resulta do artigo 11.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Real Decreto n.o 1075/2014, conforme alterado pelo Real Decreto n.o 41/2021, que, no seu pedido de ajuda, o requerente declara a utilização que destina ao recinto ou à parcela declarada, a saber, mais precisamente, no caso dos prados, uma utilização de pastoreio. O segundo parágrafo desta disposição prevê, em substância, que, no caso dos prados permanentes de propriedade pública e utilização comum, só é autorizada, em princípio, a atividade de produção baseada no pastoreio com animais da própria exploração do requerente.

    29

    Ao exigirem que a atividade de pastoreio seja exercida com animais pertencentes à própria exploração do requerente, não se afigura que as autoridades espanholas tenham estabelecido condições adicionais de elegibilidade relativamente às previstas no artigo 32.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, conforme enunciado no n.o 18 do presente acórdão. Pelo contrário, esta exigência parece inserir‑se no âmbito da definição da exploração, uma vez que esta regulamentação nacional se limita a recordar que o requerente deve ter um poder de disposição suficiente sobre esses animais para efeitos do exercício da sua atividade agrícola, sem, no entanto, impor a detenção de um direito de propriedade sobre estes últimos.

    30

    Não obstante, há que observar que, tendo em conta a margem de apreciação de que dispõem no âmbito dos regimes de apoio da PAC, os Estados‑Membros devem, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, exercer esta margem de apreciação respeitando os objetivos prosseguidos pela regulamentação da União e pelos princípios gerais do direito da União, particularmente, o princípio da proporcionalidade, que exige que os meios que uma disposição põe em execução sejam aptos para realizar o objetivo visado e não vão além do que é necessário para o alcançar (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos,C‑176/20, EU:C:2022:274, n.os 40 e 42).

    31

    A este respeito, embora incumba ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se este princípio foi respeitado no âmbito da regulamentação nacional em causa no processo principal, importa salientar que, como resulta tanto das indicações do órgão jurisdicional de reenvio como das observações do Governo Espanhol e da Comissão, esta exigência foi imposta para, por um lado, lutar contra as práticas abusivas e as fraudes e, por outro, assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola. Com efeito, tendo em conta a própria natureza dos prados em causa, a saber, zonas muitas vezes montanhosas nas quais podem pastar animais pertencentes a diferentes explorações e nas quais estes se podem deslocar livremente, seria particularmente difícil assegurar não só a efetividade do pastoreio mas, sobretudo, verificar que agricultores exercem efetivamente uma atividade agrícola de pastoreio nesses prados permanentes de propriedade pública e utilização comum.

    32

    No caso em apreço, estes dois objetivos correspondem aos prosseguidos pela regulamentação da União. Com efeito, o artigo 39.o, n.o 1, alínea b), TFUE enuncia que os regimes de apoio da PAC proporcionam um apoio direto ao rendimento, que tem como objetivo assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola, designadamente pelo aumento do rendimento individual dos que trabalham na agricultura.

    33

    Por outro lado, como o Governo Espanhol e a Comissão salientaram nas suas observações escritas, esta regulamentação nacional foi adotada com vista a transpor o artigo 58.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013, que autoriza os Estados‑Membros a tomarem as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para assegurarem uma proteção eficaz dos interesses financeiros da União e, mais especificamente, para se certificarem da legalidade e regularidade das operações financiadas pelos Fundos da União, bem como para garantirem uma proteção eficaz contra fraudes, nomeadamente nos setores em que existe um nível de risco mais elevado.

    34

    No que respeita à aptidão da regulamentação nacional em causa no processo principal para alcançar tais objetivos, basta observar, sem prejuízo das verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, que esta parece ser adequada para os realizar, uma vez que visa, como resulta do n.o 31 do presente acórdão, assegurar‑se do exercício efetivo de uma atividade agrícola de pastoreio nesses prados permanentes de propriedade pública e utilização comum.

    35

    A exigência referida no n.o 29 do presente acórdão também não parece ir além do que é necessário para alcançar os referidos objetivos, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, uma vez que se limita a exigir que a atividade agrícola de pastoreio nesses prados permanentes de propriedade pública e utilização comum seja efetuada com animais da própria exploração do requerente, sem, no entanto, exigir que este último detenha um direito de propriedade sobre esses animais.

    36

    Tendo em conta os fundamentos expostos, há que responder à primeira questão que o artigo 4.o e o artigo 32.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que, para evitar que sejam criadas artificialmente as condições requeridas para a obtenção de uma ajuda quando da concessão de prados permanentes de propriedade pública e utilização comum a agricultores que não os utilizam, exige que a atividade de pastoreio nesses prados seja exercida com animais pertencentes à própria exploração do agricultor requerente da ajuda.

    Quanto à segunda questão

    37

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 60.o do Regulamento n.o 1306/2013 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que, para evitar que sejam criadas artificialmente as condições requeridas para a obtenção de uma ajuda quando da concessão de prados permanentes de propriedade pública e utilização comum a agricultores que não os utilizam, exige que a atividade de pastoreio nesses prados seja exercida com animais pertencentes à própria exploração do agricultor requerente da ajuda.

    38

    Nos termos do artigo 60.o deste regulamento, sem prejuízo de disposições específicas, não é concedida nenhuma vantagem ao abrigo da legislação agrícola setorial a pessoas singulares ou coletivas relativamente às quais se conclua terem sido criadas artificialmente as condições requeridas para obter tais vantagens, contrariamente aos objetivos da referida legislação.

    39

    À luz destes termos, o artigo 60.o do referido regulamento é, em substância, uma reiteração de disposições anteriores, procedendo à codificação de uma jurisprudência existente segundo a qual os particulares não podem fraudulenta ou abusivamente invocar as normas da União (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de abril de 2022, Avio Lucos,C‑176/20, EU:C:2022:274, n.o 68, e de 9 de fevereiro de 2023, Druvnieks,C‑668/21, EU:C:2023:82, n.o 31).

    40

    Com efeito, é jurisprudência constante que a aplicação dos regulamentos da União não pode ser ampliada a fim de cobrir práticas abusivas dos operadores económicos (Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos,C‑176/20, EU:C:2022:274, n.o 69 e jurisprudência referida).

    41

    Ora, o Tribunal de Justiça declarou que a prova de uma prática abusiva do possível beneficiário de um auxílio exige, por um lado, um conjunto de circunstâncias objetivas das quais resulte que, não obstante o respeito formal dos requisitos previstos pela regulamentação pertinente, o objetivo prosseguido por esta regulamentação não foi alcançado e, por outro lado, um elemento subjetivo que consiste na vontade de obter uma vantagem resultante da regulamentação da União criando artificialmente as condições exigidas para a sua obtenção (Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos,C‑176/20, EU:C:2022:274, n.o 70 e jurisprudência referida).

    42

    Além disso, o Tribunal de Justiça especificou que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar a existência destes dois elementos, cuja prova deve ser feita em conformidade com as regras de direito nacional, sempre que isso não ponha em causa a eficácia do direito da União (Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos,C‑176/20, EU:C:2022:274, n.o 71 e jurisprudência referida).

    43

    Daqui decorre que seria contrária ao artigo 60.o do Regulamento n.o 1306/2013 uma regulamentação nacional que estabelecesse, de forma geral e sem apreciação das circunstâncias concretas, uma presunção de criação artificial de condições de acesso às ajudas no caso de a atividade agrícola de pastoreio em prados permanentes de propriedade pública e utilização comum ser exercida com animais que não pertencem à própria exploração do requerente de ajuda.

    44

    Ora, no caso em apreço, sem prejuízo de verificações pelo órgão jurisdicional de reenvio, a regulamentação nacional em causa no processo principal não estabelece uma presunção de criação artificial de condições de acesso às ajudas referida neste artigo 60.o

    45

    Com efeito, como resulta da decisão de reenvio, o artigo 11.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Real Decreto n.o 1075/2014, conforme alterado pelo Real Decreto n.o 41/2021, prevê, em substância, que o requerente declara, no seu pedido de ajuda, a utilização a que destina o recinto ou a parcela declarada a saber, mais precisamente, no caso dos prados, uma utilização de pastoreio. O artigo 11.o, n.o 2, segundo parágrafo, deste real decreto prevê, em substância, que, no caso dos prados permanentes de propriedade pública e utilização comum, só é autorizada, em princípio, a atividade de produção baseada no pastoreio com animais da própria exploração do requerente. O mesmo artigo 11.o, no seu n.o 3, deixa à autoridade administrativa competente o cuidado de apreciar, em circunstâncias concretas, se uma declaração é falsa, inexata ou feita com negligência, e se essa falta de concordância condicionou o cumprimento dos requisitos relativos à atividade agrícola nas superfícies em causa, pelo que poderá considerar que se trata de um caso de criação de condições artificiais para beneficiar da ajuda.

    46

    Como recordado no n.o 33 do presente acórdão, esta regulamentação foi adotada no contexto da transposição do artigo 58.o, n.o 1, deste regulamento, que autoriza os Estados‑Membros a tomarem, no âmbito da PAC, as medidas legislativas, regulamentares ou administrativas necessárias para assegurarem uma proteção eficaz dos interesses financeiros da União e, mais especificamente, para se certificarem da legalidade e da regularidade das operações financiadas pelos Fundos, bem como para garantir uma proteção eficaz contra fraudes, nomeadamente nos setores em que existe um nível de risco mais elevado.

    47

    Tendo em conta os fundamentos expostos, há que responder à segunda questão que o artigo 60.o do Regulamento n.o 1306/2013 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que, para evitar que sejam criadas artificialmente as condições requeridas para a obtenção de uma ajuda quando da concessão de prados permanentes de propriedade pública e utilização comum a agricultores que não os utilizam, exige que a atividade de pastoreio nesses prados seja exercida com animais pertencentes à própria exploração do agricultor requerente da ajuda.

    Quanto à terceira questão

    48

    Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1307/2013 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que exclui que a atividade de pastoreio num prado permanente de propriedade pública e utilização comum possa ser qualificada de atividade de manutenção destas superfícies num estado adequado para pastoreio.

    49

    A este respeito, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre o ponto ii) desta disposição, que prevê, em substância, que o conceito de «atividade agrícola» abrange a manutenção de uma superfície agrícola num estado que a torne adequada para pastoreio sem ação preparatória especial além dos métodos agrícolas habituais, com base em critérios a definir pelos Estados‑Membros a partir de um quadro estabelecido pela Comissão.

    50

    O artigo 4.o, n.o 1, alínea c), ii), do Regulamento n.o 1307/2013 deve ser lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento, que enuncia que os Estados‑Membros estabelecem os critérios a respeitar pelos agricultores a fim de cumprirem a obrigação de manter uma superfície agrícola num estado adequado para pastoreio ou cultivo.

    51

    Uma vez que a atividade de manutenção não é definida nestas disposições nem em nenhuma outra disposição deste regulamento, os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação para fixarem os critérios relativos à manutenção de uma superfície agrícola num estado adequado para pastoreio.

    52

    Quanto à questão de saber se esta margem de apreciação inclui a possibilidade de um Estado‑Membro excluir, na sua regulamentação nacional, a atividade de pastoreio de superfícies agrícolas como uma atividade de manutenção dessas superfícies num estado adequado para pastoreio, importa ainda salientar que o artigo 4.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1307/2013 dispõe que, no intuito de garantir a segurança jurídica, a Comissão fica habilitada a adotar atos delegados que estabeleçam o quadro dentro do qual os Estados‑Membros estabelecem os critérios a respeitar pelos agricultores a fim de cumprirem a obrigação de manter uma superfície agrícola num estado adequado para pastoreio.

    53

    Ora, o Regulamento Delegado n.o 639/2014, adotado para este efeito, ao mesmo tempo que enuncia, no seu considerando 4, que, ao aprovarem medidas para transposição da legislação da União, os Estados‑Membros devem exercer o seu poder discricionário em conformidade com, nomeadamente, o princípio da não‑discriminação, limita‑se a prever, no seu artigo 4.o, n.o 1, que os critérios a satisfazer pelos agricultores para cumprirem a obrigação de manutenção da superfície agrícola num estado adequado para pastoreio ou cultivo sem ação preparatória além dos métodos e máquinas agrícolas habituais devem ser estabelecidos pelos Estados‑Membros por um dos seguintes meios, ou por ambos, a saber, em substância, impondo aos agricultores a realização de, pelo menos, uma atividade anual e/ou definindo as características que uma superfície agrícola deve apresentar para ser considerada mantida num estado adequado para pastoreio ou cultivo. O n.o 2 deste artigo prevê que, no estabelecimento destes critérios, os Estados‑Membros podem distinguir tipos diversos de superfícies agrícolas.

    54

    Daqui resulta que, embora a atividade de manutenção deva, em princípio, ser exercida pelo agricultor numa determinada superfície agrícola, pelo menos, uma vez por ano, o artigo 4.o do Regulamento Delegado n.o 639/2014 não proíbe um Estado‑Membro de excluir que a atividade de pastoreio num prado permanente de propriedade pública e utilização comum possa ser qualificada de atividade de manutenção destas superfícies num estado adequado para pastoreio.

    55

    Esta interpretação é coerente com o objetivo recordado no n.o 33 do presente acórdão, que consiste em proteger os interesses financeiros da União lutando contra as irregularidades e as fraudes. Com efeito, tendo em conta a própria natureza dos prados em causa, referida no n.o 31 do presente acórdão, a saber, zonas frequentemente montanhosas nas quais podem pastar animais de diferentes explorações e nas quais estes se podem deslocar livremente, seria particularmente difícil, se não impossível, verificar, num mesmo prado permanente de propriedade pública e utilização comum, que agricultores exercem efetivamente uma atividade de pastoreio de produção e os que exercem uma atividade de manutenção destas superfícies num estado adequado para pastoreio, uma vez que estas duas atividades são, em substância, idênticas.

    56

    Tendo em conta os fundamentos expostos, o artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1307/2013 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que exclui que a atividade de pastoreio num prado permanente de propriedade pública e utilização comum possa ser qualificada de atividade de manutenção destas superfícies num estado adequado para pastoreio.

    Quanto à quarta e quinta questões

    57

    Com a quarta e quinta questões, que importa tratar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 1307/2013 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual uma pessoa que é unicamente titular de um direito de pastoreio não exclusivo sobre prados permanentes de propriedade pública e utilização comum e que cede esse direito a um criador terceiro para que este exerça a atividade de pastoreio com os seus próprios animais não exerce uma atividade agrícola, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), i), deste regulamento, e não pode ser considerada gestora desses prados para efeitos do exercício de uma atividade de manutenção desta superfície num estado adequado para pastoreio, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), ii), do referido regulamento.

    58

    Em primeiro lugar, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), i), do Regulamento n.o 1307/2013, o conceito de «atividade agrícola» abrange a produção, a criação ou o cultivo de produtos agrícolas, incluindo a ordenha, a criação de animais e a detenção de animais para fins de produção.

    59

    Daqui resulta que esta disposição não exclui expressamente do conceito de «atividade agrícola» a cessão de um direito de pastoreio não exclusivo em prados permanentes de propriedade pública e utilização comum a um criador terceiro para que este exerça a atividade de pastoreio com os seus próprios animais.

    60

    No entanto, e como recordado no n.o 27 do presente acórdão, para ser elegível para o regime de pagamento direto previsto no artigo 32.o do Regulamento n.o 1307/2013, é necessário que o agricultor exerça, na superfície agrícola que declara em apoio do seu pedido, um certo poder de decisão quanto à utilização da superfície em causa para efeitos do exercício da sua atividade agrícola, o que implica que tenha um poder de disposição suficiente, bem como uma autonomia suficiente, para efeitos do exercício da sua atividade agrícola.

    61

    Portanto, a cessão a um criador terceiro de um direito de pastoreio não exclusivo sobre prados permanentes de propriedade pública e utilização comum, sem que o agricultor requerente de ajuda mantenha nenhum poder de decisão sobre a atividade exercida nesses prados pelos animais de um criador terceiro, não pode ser considerada uma «atividade agrícola» na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), deste regulamento.

    62

    Em segundo lugar, resulta do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), ii), do Regulamento n.o 1307/2013 que o conceito de «atividade agrícola» abrange a manutenção de uma superfície agrícola num estado que a torne adequada para pastoreio, com base em critérios a definir pelos Estados‑Membros a partir de um quadro estabelecido pela Comissão.

    63

    Todavia, esta disposição não exclui expressamente do conceito de «atividade agrícola» a cessão de um direito de pastoreio não exclusivo em prados permanentes de propriedade pública e utilização comum a um criador terceiro para que este exerça a atividade de pastoreio com os seus próprios animais.

    64

    No entanto, como recordado no n.o 18 do presente acórdão, esta atividade deve ser exercida no âmbito de uma exploração, o que implica que o agricultor cedente tenha um poder de disposição suficiente sobre os animais para efeitos do exercício da sua atividade agrícola.

    65

    Ora, não resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio que a cessão de um direito de pastoreio não exclusivo nesses prados seja acompanhada de disposições que estabeleçam que o agricultor cedente mantém um poder de disposição sobre a atividade de pastoreio e sobre os animais do criador terceiro que permita apreciar se este agricultor exerce uma atividade de manutenção de uma superfície agrícola num estado adequado para pastoreio.

    66

    Tendo em conta os fundamentos expostos, há que responder à quarta e quinta questões, que o artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 1307/2013 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual uma pessoa que é unicamente titular de um direito de pastoreio não exclusivo sobre prados permanentes de propriedade pública e utilização comum e que cede esse direito a um criador terceiro para que este exerça a atividade de pastoreio com os seus próprios animais não exerce uma atividade agrícola na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), i), deste regulamento e não pode ser considerada gestora desses prados para efeitos do exercício de uma atividade de manutenção desta superfície num estado adequado para pastoreio, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), ii), do referido regulamento.

    Quanto às despesas

    67

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 4.o e o artigo 32.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.o 637/2008 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho,

    devem ser interpretados no sentido de que:

    não se opõem a uma regulamentação nacional que, para evitar que sejam criadas artificialmente as condições requeridas para a obtenção de uma ajuda quando da concessão de prados permanentes de propriedade pública e utilização comum a agricultores que não os utilizam, exige que a atividade de pastoreio nesses prados seja exercida com animais pertencentes à própria exploração do agricultor requerente da ajuda.

     

    2)

    O artigo 60.o do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da Política Agrícola Comum e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 352/78, (CE) n.o 165/94, (CE) n.o 2799/98, (CE) n.o 814/2000, (CE) n.o 1290/2005 e (CE) n.o 485/2008 do Conselho,

    deve ser interpretado no sentido de que:

    não se opõe a uma regulamentação nacional que, para evitar que sejam criadas artificialmente as condições requeridas para a obtenção de uma ajuda quando da concessão de prados permanentes de propriedade pública e utilização comum a agricultores que não os utilizam, exige que a atividade de pastoreio nesses prados seja exercida com animais pertencentes à própria exploração do agricultor requerente da ajuda.

     

    3)

    O artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1307/2013

    deve ser interpretado no sentido de que:

    não se opõe a uma regulamentação nacional que exclui que a atividade de pastoreio num prado permanente de propriedade pública e utilização comum possa ser qualificada de atividade de manutenção destas superfícies num estado adequado para pastoreio.

     

    4)

    O artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 1307/2013

    deve ser interpretado no sentido de que:

    não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual uma pessoa que é unicamente titular de um direito de pastoreio não exclusivo sobre prados permanentes de propriedade pública e utilização comum e que cede esse direito a um criador terceiro para que este exerça a atividade de pastoreio com os seus próprios animais não exerce uma atividade agrícola na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), i), deste regulamento e não pode ser considerada gestora desses prados para efeitos do exercício de uma atividade de manutenção desta superfície num estado adequado para pastoreio, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), ii), do referido regulamento.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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