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Document 62022CJ0565

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 5 de outubro de 2023.
Verein für Konsumenteninformation contra Sofatutor GmbH.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof.
Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 2011/83/UE — Direitos dos consumidores — Subscrição de uma plataforma de ensino por um consumidor — Renovação automática do contrato — Direito de retratação.
Processo C-565/22.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:735

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

5 de outubro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 2011/83/UE — Direitos dos consumidores — Subscrição de uma plataforma de ensino por um consumidor — Renovação automática do contrato — Direito de retratação»

No processo C‑565/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria), por Decisão de 20 de julho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de agosto de 2022, no processo

Verein für Konsumenteninformation

contra

Sofatutor GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: M. L. Arastey Sahún (relatora), presidente de secção, F. Biltgen e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Verein für Konsumenteninformation, por S. Langer, Rechtsanwalt,

em representação da Sofatutor GmbH, por M. Görg, Rechtsanwalt,

em representação do Governo Neerlandês, por M. K. Bulterman e A. Hanje, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por I. Rubene e E. Schmidt, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2011, L 304, p. 64).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Verein für Konsumenteninformation (Associação de Informação ao Consumidor, Áustria) (a seguir «VKI») à Sofatutor GmbH, sociedade de direito alemão, a respeito do pedido da VKI destinado a que seja ordenado a esta sociedade que informe os consumidores das condições, dos prazos e do procedimento de exercício do direito de retratação de um contrato celebrado à distância.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 37 da Diretiva 2011/83 enuncia:

«Uma vez que no caso das vendas à distância o consumidor não pode ver os bens antes da celebração do contrato, deverá dispor de um direito de retratação. Pela mesma razão, o consumidor deverá ter o direito de testar e inspecionar os bens que comprou na medida do necessário para avaliar a natureza, as características e o funcionamento dos bens. Em relação aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, o consumidor deverá ter um direito de retratação devido ao eventual elemento de surpresa e/ou pressão psicológica. A retratação do contrato deverá pôr termo à obrigação de as partes contratantes executarem o contrato.»

4

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», define, no seu ponto 7, o «contrato à distância» do seguinte modo:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

7)

“Contrato à distância”: qualquer contrato celebrado entre o profissional e o consumidor no âmbito de um sistema de vendas ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância, sem a presença física simultânea do profissional e do consumidor, mediante a utilização exclusiva de um ou mais meios de comunicação à distância até ao momento da celebração do contrato, inclusive.»

5

Nos termos do artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Nível de harmonização»:

«Os Estados‑Membros não devem manter ou introduzir na sua legislação nacional disposições divergentes das previstas na presente diretiva, nomeadamente disposições mais ou menos estritas, que tenham por objetivo garantir um nível diferente de proteção dos consumidores, salvo disposição em contrário na presente diretiva.»

6

O artigo 6.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Requisitos de informação dos contratos celebrados à distância e dos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial», prevê, no seu n.o 1:

«Antes de o consumidor ficar vinculado por um contrato à distância ou celebrado fora do estabelecimento comercial ou por uma proposta correspondente, o profissional faculta ao consumidor, de forma clara e compreensível, as seguintes informações:

[…]

e)

Preço total dos bens ou serviços, incluindo impostos e taxas ou, quando devido à natureza dos bens ou serviços o preço não puder ser calculado de forma antecipada, a forma como o preço é calculado, bem como, se for caso disso, todos os encargos suplementares de transporte, de entrega e postais, e quaisquer outros custos ou, quando tais encargos não puderem ser razoavelmente calculados de forma antecipada, indicação de que podem ser exigíveis. […]

[…]

h)

Sempre que exista um direito de retratação, as condições, o prazo e o procedimento de exercício desse direito nos termos do artigo 11.o, n.o 1, bem como modelo de formulário de retratação apresentado no anexo I, Parte B;

[…]

o)

Duração do contrato, se aplicável, ou, se o contrato for de duração indeterminada ou de renovação automática, as condições para a sua rescisão;

[…]»

7

O artigo 8.o da Diretiva 2011/83, sob a epígrafe «Requisitos formais aplicáveis aos contratos à distância», dispõe:

«1.   Nos contratos celebrados à distância, o profissional fornece as informações previstas no artigo 6.o, n.o 1, ou disponibiliza essas informações ao consumidor de uma forma adequada aos meios de comunicação à distância utilizados, em linguagem simples e inteligível. Na medida em que essas informações sejam fornecidas em suporte duradouro, elas devem ser legíveis.

2.   Se um contrato celebrado à distância por via eletrónica colocar o consumidor na obrigação de pagar, o profissional fornece ao consumidor, de forma clara e bem visível e imediatamente antes de o consumidor efetuar a encomenda, as informações previstas no artigo 6.o, n.o 1, alíneas a), e), o) e p).

O profissional garante que, ao efetuar a encomenda, o consumidor reconheça explicitamente que a encomenda implica uma obrigação de pagamento. Se a realização de uma encomenda implicar a ativação de um botão ou uma função semelhante, o botão ou a função semelhante é identificado de forma facilmente legível, apenas com a expressão “encomenda com obrigação de pagar” ou uma formulação correspondente inequívoca, que indique que a realização de uma encomenda implica a obrigação de pagar ao profissional. Se o profissional não respeitar o disposto no presente número, o consumidor não fica vinculado pelo contrato nem pela encomenda.

[…]

8.   Sempre que o consumidor pretenda que a prestação de serviços ou o fornecimento de água, gás ou eletricidade, caso não sejam postos à venda em volume ou quantidade limitados, ou de aquecimento urbano se inicie durante o prazo de retratação previsto no artigo 9.o, n.o 2, o profissional deve exigir que o consumidor apresente um pedido expresso.

[…]»

8

O artigo 9.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de retratação», tem a seguinte redação:

«1.   Ressalvando os casos em que se aplicam as exceções previstas no artigo 16.o, o consumidor dispõe de um prazo de 14 dias para exercer o direito de retratação do contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial, sem necessidade de indicar qualquer motivo, e sem incorrer em quaisquer custos para além dos estabelecidos no artigo 13.o, n.o 2, e no artigo 14.o

2.   Sem prejuízo do disposto no artigo 10.o, o prazo de retratação referido no n.o 1 do presente artigo expira 14 dias a contar do:

a)

Dia da celebração do contrato, no caso dos contratos de prestação de serviços;

[…]

c)

Dia da celebração do contrato, no caso dos contratos de fornecimento […] de conteúdos digitais que não sejam fornecidos num suporte material.

3.   Os Estados‑Membros não devem proibir as partes contratantes de cumprir as respetivas obrigações contratuais durante o prazo de retratação. […]»

9

O artigo 10.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Omissão de informação sobre o direito de retratação», prevê:

«1.   Se o profissional não tiver fornecido ao consumidor a informação relativa ao direito de retratação, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea h), o prazo de retratação expira 12 meses após o termo do prazo de retratação inicial, determinado nos termos do artigo 9.o, n.o 2.

2.   Se o profissional tiver fornecido ao consumidor a informação prevista no n.o 1 do presente artigo no prazo de 12 meses a contar da data referida no artigo 9.o n.o 2, o prazo de retratação expira 14 dias após o dia em que o consumidor recebeu a informação.»

10

O artigo 11.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Exercício do direito de retratação», enuncia, no seu n.o 1:

«O consumidor comunica ao profissional a sua decisão de retratação do contrato antes do termo do prazo de retratação. Para o efeito, o consumidor pode:

a)

Utilizar o modelo de retratação previsto no anexo I, Parte B; ou

b)

Efetuar qualquer outra declaração inequívoca em que comunique a sua decisão de retratação do contrato.

[…]»

11

Nos termos do artigo 12.o da Diretiva 2011/83, sob a epígrafe «Efeitos da retratação»:

«O exercício do direito de retratação determina a extinção das obrigações das partes de:

a)

Executar o contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial; ou

b)

Celebrar o contrato à distância ou fora do estabelecimento comercial, nos casos em que tenha sido apresentada uma oferta pelo consumidor.»

12

O artigo 14.o desta diretiva, sob a epígrafe «Obrigações do consumidor em caso de retratação», dispõe:

«[…]

3.   Sempre que exercer o seu direito de retratação após ter apresentado um pedido nos termos do artigo 7.o, n.o 3, ou do artigo 8.o, n.o 8, o consumidor paga ao profissional um montante proporcional ao que foi fornecido até ao momento em que o consumidor comunicou ao profissional o exercício do direito de retratação, em relação ao conjunto das prestações previstas no contrato. O montante proporcional a pagar pelo consumidor ao profissional é calculado com base no preço total acordado no contrato. Se o preço total for excessivo, o montante proporcional é calculado com base no valor de mercado do que foi fornecido.

4.   O consumidor não suporta quaisquer custos:

a)

Relativos à execução dos serviços ou ao fornecimento de água, gás ou eletricidade, caso não sejam postos à venda em volume ou quantidade limitados, ou de aquecimento urbano, total ou parcialmente durante o prazo de retratação, se:

i)

o profissional não tiver prestado informações, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alíneas h) ou j), ou

ii)

o consumidor não tiver solicitado expressamente o início do serviço durante o prazo de retratação, nos termos do artigo 7.o, n.o 3 e do artigo 8.o, n.o 8; ou

b)

Relativos ao fornecimento, na totalidade ou em parte, de conteúdos digitais que não sejam fornecidos num suporte material, se:

i)

o consumidor não tiver dado o seu consentimento prévio para que a execução tenha início antes do fim do prazo de 14 dias referido no artigo 9.o,

ii)

o consumidor não tiver reconhecido que perde o seu direito de retratação ao dar o seu consentimento, ou

iii)

o profissional não tiver fornecido a confirmação, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, ou do artigo 8.o, n.o 7.

5.   À exceção do previsto no artigo 13.o, n.o 2, e no presente artigo, o consumidor não incorre em qualquer responsabilidade decorrente do exercício do direito de retratação.»

Direito austríaco

13

Nos termos do § 4(1), da Fern‑ und Auswärtsgeschäfte‑Gesetz (Lei Federal relativa aos Contratos Celebrados à Distância e aos Contratos Celebrados Fora do Estabelecimento Comercial), de 26 de maio de 2014 (BGBl. I, 33/2014, a seguir «FAGG»):

«Antes de o consumidor se vincular por um contrato ou pela sua declaração contratual, o profissional deve informá‑lo, de forma clara e compreensível, do seguinte:

[…]

8)

Sempre que exista um direito de rescisão, das condições, dos prazos e do procedimento para o exercício do direito de retratação, mediante disponibilização do modelo de formulário de retratação apresentado no anexo I, parte B,

[…]

14)

Da duração do contrato, se aplicável, ou, se o contrato for de duração indeterminada ou de renovação automática, das condições para a sua rescisão,

[…]»

14

O § 11(1), da FAGG, dispõe:

«O consumidor pode exercer o direito de rescisão de um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial no prazo de 14 dias, sem necessidade de justificação.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

15

A Sofatutor explora plataformas de ensino através da Internet para estudantes do ensino primário e secundário. Oferece os seus serviços em todo o território federal austríaco e, assim, está em contacto com consumidores com domicílio ou residência habitual na Áustria. A Sofatutor celebra contratos com base nas suas condições contratuais gerais.

16

Segundo estas condições gerais, com o primeiro registo de subscrição da plataforma a mesma poderá ser testada gratuitamente durante 30 dias a contar da celebração do contrato e a subscrição poderá ser cancelada sem aviso prévio a todo o tempo durante aquele período. As referidas condições gerais estipulam também que essa subscrição só se torna onerosa após o decurso dos 30 dias e, na ausência de cancelamento dentro desse período, inicia‑se o período de subscrição onerosa, acordada no processo de inscrição.

17

Se o período oneroso de subscrição terminar sem que a Sofatutor ou o consumidor a cancelem tempestivamente, a subscrição é automaticamente renovada por um determinado período, nos termos das mesmas condições gerais.

18

A Sofatutor informa os consumidores, no momento da celebração do contrato à distância, sobre o direito de retratação que lhes assiste por força da celebração do mesmo.

19

A VKI considera que, em conformidade com o artigo 9.o da Diretiva 2011/83 e com a FAGG, o direito de retratação assiste ao consumidor não só no que respeita à sua subscrição experimental gratuita de 30 dias mas também à conversão dessa subscrição numa subscrição regular e à renovação desta última subscrição.

20

Nestas condições, a VKI intentou no Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena, Áustria) uma ação destinada a que se ordene à Sofatutor, no âmbito das suas transações comerciais com os consumidores, em caso de renovação de um contrato a termo celebrado à distância, que informe esses consumidores de uma forma clara e compreensível das condições, dos prazos e do procedimento de exercício do seu direito de retratação desse contrato, através da disponibilização do modelo de formulário de retratação ou da adoção de práticas de conteúdo semelhante.

21

Por Sentença de 23 de junho de 2021, o referido órgão jurisdicional deu provimento a este pedido.

22

A Sofatutor interpôs recurso dessa sentença para o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria) que, por Acórdão de 18 de março de 2022, a reformou, julgando improcedente o referido pedido quanto ao mérito.

23

Em seguida, a VKI interpôs recurso de «Revision» desse acórdão no órgão jurisdicional de reenvio, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria).

24

Esse órgão jurisdicional constata, por um lado, que, como resulta dos trabalhos preparatórios do § 11 da FAGG, o direito de rescisão não se limita à primeira celebração de um contrato entre o profissional e o consumidor. Pelo contrário, a renovação de uma relação contratual existente, mas limitada no tempo, ou a alteração substancial dessa relação contratual, quando tenha sido celebrada à distância ou fora do estabelecimento comercial, também podem estar sujeitas à FAGG e, por conseguinte, dar origem ao direito de rescisão do consumidor relativamente a essa renovação ou alteração.

25

Por outro lado, faz referência ao Acórdão de 18 de junho de 2020, Sparkasse Südholstein (C‑639/18, EU:C:2020:477), no qual o Tribunal de Justiça da União Europeia já declarou que o artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2002/65/CE relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores e que altera as Diretivas 90/619/CEE do Conselho, 97/7/CE e 98/27/CE (JO 2002, L 271, p. 16), deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «contrato relativo a serviços financeiros», na aceção desta disposição, não abrange um acordo complementar a um contrato de empréstimo, quando esse acordo se limita a alterar a taxa de juro inicialmente acordada, sem prorrogar a duração do empréstimo nem alterar o seu montante, e as cláusulas iniciais do contrato de empréstimo previam a celebração desse acordo complementar ou, na falta dessa celebração, a aplicação de uma taxa de juro variável.

26

Nestas circunstâncias, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva [2011/83] ser interpretado no sentido de que, em caso de “renovação automática” [artigo 6.o, n.o 1, alínea o), da diretiva] de um contrato celebrado à distância, se constitui um novo direito de retratação?»

Quanto à questão prejudicial

27

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que o direito do consumidor de se retratar de um contrato à distância é garantido uma única vez relativamente a um contrato de prestação de serviços que prevê um período inicial gratuito para o consumidor, seguido, na falta de rescisão ou de retratação pelo consumidor durante esse período, de um período pago, renovado automaticamente, na falta de rescisão desse contrato, por um período determinado, ou no sentido de que o consumidor dispõe desse direito em cada uma dessas etapas de conversão e de renovação do referido contrato.

28

A título preliminar, importa salientar que a Diretiva 2011/83 foi alterada pela Diretiva (UE) 2019/2161 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e as Diretivas 98/6/CE, 2005/29/CE e 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho a fim de assegurar uma melhor aplicação e a modernização das regras da União em matéria de defesa dos consumidores (JO 2019, L 328, p. 7). Todavia, a Diretiva 2019/2161, que entrou em vigor em 7 de janeiro de 2020, obriga os Estados‑Membros a transpor as suas disposições para as respetivas ordens jurídicas até 28 de novembro de 2021 e a aplicá‑las a partir de 28 de maio de 2022. Uma vez que o litígio no processo principal foi julgado em primeira instância pelo Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena) em 23 de junho de 2021 e o órgão jurisdicional de reenvio não faz nenhuma referência às disposições nacionais introduzidas a título de transposição da Diretiva 2019/2161 para a ordem jurídica austríaca, há que observar que, no presente processo, a Diretiva 2011/83 continua a ser aplicável na sua versão não alterada pela Diretiva 2019/2161.

29

Feita esta precisão, importa recordar que, nos termos do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83, ressalvando os casos em que se aplicam as exceções previstas no seu artigo 16.o, o consumidor dispõe de um prazo de 14 dias para exercer o direito de retratação do contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial, sem necessidade de indicar um motivo, e sem incorrer em custos além dos estabelecidos no artigo 13.o, n.o 2, e no artigo 14.o desta diretiva.

30

O artigo 9.o, n.o 2, alíneas a) e c), da referida diretiva prevê que, sem prejuízo do disposto no seu artigo 10.o, esse prazo de retratação expira após 14 dias a contar, no caso dos contratos de prestação de serviços e dos contratos de fornecimento de conteúdos digitais que não sejam fornecidos num suporte material, do dia da celebração do contrato.

31

Resulta do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83 que, se o consumidor pretender exercer o seu direito de retratação, comunica ao profissional a sua decisão de retratação do contrato antes do termo desse prazo. Esta disposição precisa que, para o efeito, o consumidor pode utilizar o modelo de retratação previsto no anexo I, Parte B, desta diretiva ou efetuar qualquer outra declaração inequívoca em que comunique essa decisão.

32

Em conformidade com o artigo 12.o, alínea a), da referida diretiva, o exercício do direito de retratação determina a extinção das obrigações das partes de executar o contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial.

33

Uma das consequências da existência do direito do consumidor de se retratar desse contrato é o requisito de informação previsto no artigo 6.o, n.o 1, alínea h), da Diretiva 2011/83. De acordo com esta disposição, antes de o consumidor ficar vinculado por um contrato à distância ou celebrado fora do estabelecimento comercial ou por uma proposta correspondente, o profissional faculta ao consumidor, de forma clara e compreensível, as informações sobre as condições, o prazo e o procedimento de exercício do direito de retratação nos termos do artigo 11.o, n.o 1, bem como o modelo de formulário de retratação apresentado no anexo I, Parte B, da referida diretiva.

34

A este respeito, há que recordar que, tendo em conta a importância do direito de retratação para a defesa do consumidor, a informação pré‑contratual relativa a esse direito é, para o consumidor, de uma importância fundamental e permite‑lhe tomar, de forma esclarecida, a decisão de celebrar ou não o contrato com o profissional. A fim de poder tirar pleno partido desta informação, o consumidor deve conhecer antecipadamente as condições, o prazo e o procedimento de exercício do referido direito (Acórdão de 23 de janeiro de 2019, Walbusch Walter Busch, C‑430/17, EU:C:2019:47, n.o 46).

35

Além disso, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83 visa, nomeadamente, assegurar que, antes da celebração de um contrato, são comunicadas ao consumidor as informações necessárias para a boa execução desse contrato e, especialmente, para o exercício dos seus direitos, nomeadamente o seu direito de retratação. (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2019, Amazon EU, C‑649/17, EU:C:2019:576, n.o 43).

36

No caso em apreço, no processo principal, o recurso da VKI destina‑se a que se ordene à Sofatutor, no âmbito das suas transações comerciais com os consumidores, em caso de renovação de um contrato a termo celebrado à distância, que informe esses consumidores de uma forma clara e compreensível das condições, dos prazos e do procedimento de exercício do seu direito de retratação desse contrato, através da disponibilização do modelo de formulário de retratação ou da adoção de práticas de conteúdo semelhante.

37

Resulta da decisão de reenvio que o legislador austríaco transpôs o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83 para a ordem jurídica austríaca através da adoção do § 11, n.o 1, da FAGG, que prevê que o consumidor pode exercer o direito de rescisão de um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial no prazo de 14 dias, sem necessidade de justificação. Há que observar que a redação desta última disposição não dá resposta quanto à questão de saber se o consumidor dispõe desse direito de retratação uma única vez a título da celebração de um contrato ou se dispõe de novo desse direito por ocasião de uma renovação desse contrato, como a que está em causa no processo principal.

38

Ora, visto que, em conformidade com o artigo 4.o da Diretiva 2011/83, esta procede a uma harmonização, em princípio, total da legislação dos Estados‑Membros, o alcance e as condições de exercício do direito de retratação previsto no artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva determinam as do direito de retratação previsto nas regulamentações nacionais que transpõem esta disposição para a ordem jurídica dos Estados‑Membros.

39

No que respeita ao objetivo do direito de retratação, este é suposto compensar a desvantagem resultante, para o consumidor, de um contrato à distância, concedendo‑lhe um prazo adequado durante o qual tem a possibilidade de analisar e experimentar o bem adquirido (Acórdão de 27 de março de 2019, slewo, C‑681/17, EU:C:2019:255, n.o 33 e jurisprudência referida).

40

Esta conclusão é corroborada pelo considerando 37 da Diretiva 2011/83, que enuncia que o consumidor deverá dispor de um direito de retratação, uma vez que, «no caso das vendas à distância, [este] não pode ver os bens antes da celebração do contrato». Nos termos desse considerando, «pela mesma razão, o consumidor deverá ter o direito de testar e inspecionar os bens que comprou na medida do necessário para avaliar a natureza, as características e o funcionamento dos bens».

41

A este respeito, há que observar que o período de reflexão concedido ao consumidor é justificado pelos mesmos objetivos tanto no caso da venda de bens como no da prestação de serviços.

42

Por um lado, o direito de retratação visa permitir ao consumidor tomar conhecimento, em tempo útil, das características do serviço objeto do contrato em causa. Por outro lado, este direito favorece uma tomada de decisão esclarecida pelo consumidor, tendo em conta todas as condições contratuais e as consequências da celebração do contrato em causa, as quais permitem ao referido consumidor decidir se deseja vincular‑se contratualmente a um profissional (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de janeiro de 2019, Walbusch Walter Busch, C‑430/17, EU:C:2019:47, n.o 36, e de 10 de julho de 2019, Amazon EU, C‑649/17, EU:C:2019:576, n.o 43).

43

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a prestação de serviços em causa no processo principal é gratuita durante 30 dias e que, na falta de rescisão ou de retratação pelo consumidor durante esses 30 dias, se converte em prestação paga durante um período fixo renovável. No entanto, esta decisão não contém informações que indiquem que essa conversão ou renovação do contrato em causa teria como consequência uma alteração de outras condições desse contrato.

44

A este respeito, importa salientar que, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, alínea e), e com o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2011/83, uma das características essenciais de um contrato à distância, na aceção desta diretiva, é o preço total dos serviços objeto desse contrato.

45

Por força deste artigo 6.o, n.o 1, alínea e), antes da celebração desse contrato, o profissional é obrigado a facultar ao consumidor a informação sobre esse preço de forma clara e compreensível. Como resulta deste artigo 8.o, n.o 2, se um contrato celebrado à distância por via eletrónica colocar o consumidor na obrigação de pagar, o profissional fornece ao consumidor, de forma clara e bem visível e imediatamente antes de o consumidor efetuar a encomenda, o preço total dos serviços objeto desse contrato. Esta última disposição precisa que o profissional garante que, ao efetuar a encomenda, o consumidor reconheça explicitamente que a encomenda implica uma obrigação de pagamento. Se a realização de uma encomenda implicar a ativação de um botão ou uma função semelhante, o botão ou a função semelhante é identificado de forma facilmente legível, apenas com a expressão «encomenda com obrigação de pagar» ou uma formulação correspondente inequívoca, que indique que a realização de uma encomenda implica a obrigação de pagar ao profissional. Se o profissional não respeitar esta exigência, o consumidor não fica vinculado pelo contrato nem pela encomenda.

46

A importância da comunicação pelo profissional ao consumidor da informação explícita sobre o preço dos serviços objeto do contrato em causa foi confirmada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 25 a 30 do Acórdão de 7 de abril de 2022, Fuhrmann‑2 (C‑249/21, EU:C:2022:269).

47

Tendo em conta o que precede, há que constatar que o objetivo do direito do consumidor de se retratar de um contrato celebrado à distância e relativo à prestação de serviços é cumprido se esse consumidor dispuser, antes da celebração desse contrato, de uma informação clara, compreensível e explícita sobre o preço dos serviços objeto do referido contrato, devido desde a celebração ou a partir de uma data posterior, como a da conversão do mesmo contrato em contrato pago ou da sua renovação por um período determinado.

48

Por conseguinte, embora, no momento da celebração de um contrato que prevê um período gratuito de prestação de serviços, o consumidor seja informado de maneira clara, compreensível e explícita pelo profissional de que, após esse período gratuito e na falta de rescisão ou de retratação desse contrato pelo consumidor durante o referido período, essa prestação passará a ser paga, as condições contratuais levadas ao conhecimento do consumidor não mudam. Nesse caso, o objetivo referido no número anterior não justifica que o consumidor em causa disponha novamente de um direito de retratação na sequência da conversão do referido contrato num contrato pago. Por outro lado, esse consumidor também não pode dispor desse direito de retratação por ocasião de uma renovação desse contrato pago por um período determinado.

49

No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se a Sofatutor comunicou aos consumidores uma informação clara, compreensível e explícita sobre o preço total dos serviços em causa, em conformidade com a Diretiva 2011/83.

50

Em contrapartida, na falta de uma comunicação transparente dessa informação no momento da celebração do contrato em causa, admitindo que o consumidor esteja vinculado por esse contrato como resulta do n.o 45 do presente acórdão, a diferença entre, por um lado, a informação realmente comunicada sobre as condições contratuais e, por outro, as condições do referido contrato após um período experimental gratuito, como o que está em causa no processo principal, seria de tal modo fundamental que um novo direito de retratação, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83, deveria ser reconhecido após esse período experimental gratuito.

51

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que o direito do consumidor de se retratar de um contrato à distância é garantido uma única vez relativamente a um contrato de prestação de serviços que prevê um período inicial gratuito para o consumidor, seguido, na falta de rescisão ou de retratação pelo consumidor durante esse período, de um período pago, renovado automaticamente, na falta de rescisão desse contrato, por um período determinado, desde que, no momento da celebração do referido contrato, o consumidor seja informado de maneira clara, compreensível e explícita pelo profissional de que, após o referido período inicial gratuito, esta prestação de serviços passará a ser paga.

Quanto às despesas

52

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

 

O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

o direito do consumidor de se retratar de um contrato à distância é garantido uma única vez relativamente a um contrato de prestação de serviços que prevê um período inicial gratuito para o consumidor, seguido, na falta de rescisão ou de retratação pelo consumidor durante esse período, de um período pago, renovado automaticamente, na falta de rescisão desse contrato, por um período determinado, desde que, no momento da celebração do referido contrato, o consumidor seja informado de maneira clara, compreensível e explícita pelo profissional de que, após o referido período inicial gratuito, esta prestação de serviços passará a ser paga.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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