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Document 62021CO0547

Despacho do vice-presidente do Tribunal de Justiça de 13 de dezembro de 2021.
República Portuguesa contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Processo de medidas provisórias — Auxílios de Estado — Zona Franca da Madeira (Portugal) — Concessão de vantagens fiscais às empresas — Regime de auxílios aplicado pela República Portuguesa — Decisão que declara os auxílios incompatíveis com o mercado interno — Urgência — Prejuízo grave e irreparável.
Processo C-547/21 P(R).

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:1007

DESPACHO DO VICE‑PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

13 de dezembro de 2021 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Processo de medidas provisórias — Auxílios de Estado — Zona Franca da Madeira (Portugal) — Concessão de vantagens fiscais às empresas — Regime de auxílios aplicado pela República Portuguesa — Decisão que declara os auxílios incompatíveis com o mercado interno — Urgência — Prejuízo grave e irreparável»

No processo C‑547/21 P(R),

que tem por objeto um recurso de um despacho do Tribunal Geral nos termos do artigo 57.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 1 de setembro de 2021,

República Portuguesa, representada por P. Barros da Costa, A. Soares de Freitas e L. Borrego, na qualidade de agentes, assistidos por M. Gorjão‑Henriques e A. Saavedra, advogados,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por P. Arenas e G. Braga da Cruz, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O VICE‑PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

ouvido o advogado‑geral M. Szpunar,

profere o presente

Despacho

1        Com o seu recurso, a República Portuguesa pede a anulação do Despacho do presidente do Tribunal Geral da União Europeia de 22 de junho de 2021, Portugal/Comissão (T‑95/21 R, não publicado, a seguir «despacho recorrido», EU:T:2021:383), pelo qual este indeferiu o pedido de medidas provisórias deste Estado‑Membro, no qual se requer, por um lado, a suspensão da execução da Decisão C(2020) 8550 final da Comissão, de 4 de dezembro de 2020, relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C) (ex 2018/NN) aplicado por Portugal a favor da Zona Franca da Madeira (ZFM) — Regime III (a seguir «decisão impugnada»), e, por outro, que seja decretada uma injunção destinada a impedir a publicação desta decisão no Jornal Oficial da União Europeia, pela Comissão, até à prolação do acórdão no processo registado sob a referência T‑95/21.

 Antecedentes do litígio

2        Os antecedentes do litígio estão expostos nos n.os 1 a 11 do despacho recorrido. Para efeitos do presente processo de medidas provisórias, podem ser resumidos do seguinte modo.

3        Em 27 de junho de 2007, a Comissão, através da Decisão C(2007) 3037 final (a seguir «Decisão de 2007»), aprovou o regime de auxílios «Zona Franca da Madeira (Zona Franca da Madeira, Portugal) (ZFM) — Regime III» (N 421/2006) (a seguir «Regime III da ZFM»), destinado a promover o desenvolvimento regional e a diversificação da estrutura económica da Região Autónoma da Madeira (Portugal).

4        Este regime de auxílios previa o estabelecimento de um regime fiscal preferencial e era constituído por uma zona franca industrial, um centro de serviços internacionais e um registo marítimo internacional. O referido regime de auxílios foi aprovado para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2013. As empresas registadas e autorizadas ao abrigo deste regime antes de 31 de dezembro de 2013 podiam beneficiar de uma redução do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas ou de outras isenções fiscais até 31 de dezembro de 2020.

5        Em 2 de julho de 2013, a Comissão autorizou, através da Decisão C(2013) 4043 final, no processo SA.34160 (2011/N) (a seguir «Decisão de 2013»), um aumento de 36,7 % dos limites máximos da base tributável a que era aplicável a redução do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

6        Em 4 de dezembro de 2020, a Comissão adotou a decisão impugnada. No artigo 1.° dessa decisão, a Comissão declarou que o Regime III da ZFM, na medida em que tinha sido aplicado por Portugal em violação das Decisões de 2007 e 2013, tinha sido executado ilegalmente por este último em violação do artigo 108.°, n.° 3, TFUE e era incompatível com o mercado interno. No artigo 4.°, n.° 1, da decisão impugnada, a Comissão declarou que Portugal devia proceder à recuperação dos auxílios incompatíveis concedidos ao abrigo deste regime junto dos beneficiários.

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e despacho recorrido

7        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de fevereiro de 2021, a República Portuguesa interpôs um recurso, registado sob a referência T‑95/21, destinado, nomeadamente, a obter a anulação do artigo 1.° e dos artigos 4.° a 6.° da decisão impugnada.

8        Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de março de 2021, a República Portuguesa apresentou um pedido de medidas provisórias, no qual se requer, por um lado, a suspensão da execução da decisão impugnada e, por outro, que seja decretada uma injunção destinada a impedir a publicação desta decisão no Jornal Oficial da União Europeia, pela Comissão, até à prolação do acórdão no processo registado sob a referência T‑95/21.

9        Através do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral indeferiu este pedido de medidas provisórias.

10      O presidente do Tribunal Geral verificou, em primeiro lugar, se a República Portuguesa tinha demonstrado o preenchimento do requisito relativo à urgência no que respeita ao pedido de suspensão da execução da decisão impugnada.

11      Para o efeito, examinou, nos n.os 31 a 33 do despacho recorrido, o argumento da República Portuguesa de que a execução dessa decisão poria em causa a própria existência do regime de auxílios da ZFM. No final deste exame, rejeitou este argumento considerando, nomeadamente, que a obrigação de recuperação decorrente da referida decisão abrange apenas uma parte dos beneficiários dos auxílios individuais concedidos ao abrigo deste regime de auxílios.

12      Nos n.os 34 e 36 desse despacho, o presidente do Tribunal Geral declarou que a República Portuguesa não tinha fundamentado validamente as suas alegações relativas ao risco de deslocalização da atividade de numerosas sociedades registadas na ZFM, na sequência da adoção da decisão impugnada.

13      Em consequência, o presidente do Tribunal Geral considerou, no n.° 38 do referido despacho, que o pedido de suspensão da execução da decisão impugnada devia ser indeferido, uma vez que a República Portuguesa não tinha demonstrado a urgência.

14      Em segundo lugar, no n.° 44 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido da República Portuguesa de adoção de medidas provisórias sob a forma de injunção destinada a impedir a publicação da decisão impugnada no Jornal Oficial da União Europeia.

15      Por conseguinte, no n.° 45 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral decidiu indeferir o pedido de medidas provisórias na sua totalidade, sem aceder ao pedido da República Portuguesa de notificação de testemunhas.

 Pedidos das partes

16      A República Portuguesa conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o despacho recorrido;

–        suspender a execução da decisão impugnada até à prolação do acórdão no processo registado sob a referência T‑95/21;

–        adotar medidas provisórias sob a forma de injunção destinada a impedir a publicação da decisão impugnada no Jornal Oficial da União Europeia até à prolação do acórdão no processo registado sob a referência T‑95/21; e

–        condenar a Comissão na totalidade das despesas do processo.

17      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        julgar o recurso improcedente, indeferindo assim o pedido de medidas provisórias apresentado pela República Portuguesa; e

–        condenar este Estado‑Membro nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

18      Em apoio do seu recurso, a República Portuguesa invoca, em substância, cinco fundamentos, relativos, respetivamente, em primeiro lugar, ao requisito relativo à urgência; em segundo lugar, ao requisito relativo ao fumus boni juris; em terceiro lugar, à ponderação dos interesses; em quarto lugar, à violação do Regulamento de Processo do Tribunal Geral; e, em quinto lugar, ao pedido de medidas provisórias sob a forma de injunção destinada a impedir a publicação da decisão impugnada no Jornal Oficial da União Europeia.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa a um erro de direito na definição dos interesses tidos em conta

–       Argumentos

19      Na primeira parte do seu primeiro fundamento, a República Portuguesa sustenta que o n.° 30 do despacho recorrido padece de um erro de direito, na medida em que remete para os interesses apenas dos beneficiários do auxílio em causa, quando o presidente do Tribunal Geral deveria ter tido em consideração os interesses da República Portuguesa.

20      Além disso, quando haja que considerar os interesses de um Estado‑Membro, a ponderação dos interesses não deveria assentar em presunções automáticas de legalidade das decisões da Comissão que tornam na prática impossível a adoção de medidas provisórias.

21      A Comissão conclui pedindo que a primeira parte do primeiro fundamento seja julgada parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

–       Apreciação

22      No n.° 30 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral precisou que, no âmbito de um pedido de suspensão da execução da obrigação, imposta pela Comissão, de reembolsar um auxílio ilegalmente concedido, declarado incompatível com o mercado interno, o interesse da União Europeia devia normalmente prevalecer sobre o interesse dos beneficiários do auxílio, a saber, evitar a execução da obrigação de reembolso antes da prolação do acórdão a ser proferido no processo principal. Acrescentou que só em circunstâncias excecionais e na hipótese, designadamente, de o requisito relativo à urgência estar preenchido é que os beneficiários desse auxílio podem obter a concessão de medidas provisórias.

23      A este respeito, decorre efetivamente da jurisprudência do Tribunal de Justiça, conforme alega a República Portuguesa, que os Estados‑Membros são responsáveis pelos interesses considerados gerais no plano nacional e podem garantir a defesa destes no âmbito de um processo de medidas provisórias (v., neste sentido, Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 13 de abril de 2021, Lituânia/Parlamento e Conselho, C‑541/20 R, não publicado, EU:C:2021:264, n.° 21 e jurisprudência referida).

24      Todavia, há que sublinhar, em primeiro lugar, que o presidente do Tribunal Geral não pretendeu afastar este princípio no despacho recorrido, visto que se referiu a ele diretamente no n.° 25 do mesmo.

25      Em segundo lugar, embora seja verdade que a primeira frase do n.° 30 deste despacho não se refere aos interesses gerais defendidos pela República Portuguesa, mas apenas aos interesses dos beneficiários do auxílio, importa salientar que esta frase diz respeito às condições em que o presidente do Tribunal Geral deve proceder à ponderação dos interesses antes de deferir um pedido de medidas provisórias.

26      Ora, resulta do n.° 38 do referido despacho que o presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido de medidas provisórias apresentado pela República Portuguesa, considerando que não havia que proceder à ponderação dos interesses.

27      Neste contexto, decorre da segunda frase do n.° 30 do mesmo despacho e do posicionamento deste número no raciocínio exposto pelo presidente do Tribunal Geral que as considerações enunciadas no referido número têm essencialmente por objetivo sublinhar que o pedido de medidas provisórias apresentado pela República Portuguesa só podia proceder na medida em que se demonstrasse que o requisito relativo à urgência estava preenchido, o que não é contestado por este Estado‑Membro no seu recurso.

28      Em terceiro lugar, ao examinar este requisito, o presidente do Tribunal Geral baseou‑se na constatação de que a República Portuguesa não tinha demonstrado que a execução da decisão impugnada poria em causa a própria existência do regime de auxílios da ZFM nem que essa execução acarretaria um risco de deslocalização da atividade de numerosas sociedades registadas na ZFM.

29      Daqui decorre que o indeferimento do pedido de medidas provisórias não assenta de modo algum numa apreciação dos interesses dos beneficiários dos auxílios em causa em lugar dos interesses invocados pela República Portuguesa.

30      Tendo em conta estes elementos, há que considerar, por um lado, que a primeira parte do primeiro fundamento, a entender‑se que se baseia no argumento de que o presidente do Tribunal Geral considerou erradamente que o requisito relativo à urgência devia ser apreciado sem ter em conta os interesses invocados pela República Portuguesa, assenta numa leitura errada do despacho recorrido e, por outro, que os argumentos apresentados em apoio da primeira parte do primeiro fundamento relativos às condições em que a ponderação dos interesses em causa deve ser realizada visam um fundamento supérfluo do despacho recorrido.

31      Por conseguinte, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada parcialmente improcedente e parcialmente inoperante.

 Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa a erros na apreciação das consequências negativas da decisão impugnada

–       Argumentos

32      Na segunda parte do seu primeiro fundamento, a República Portuguesa considera que, nos n.os 31 a 33 e 36 do despacho recorrido, a fundamentação é insuficiente ou errada.

33      Alega, assim, que é formalista afirmar que a decisão impugnada produz em si mesma efeitos negativos e que os agentes económicos desconsideram esses efeitos quando decorrem da previsível execução desta decisão. A referida decisão já está a conduzir à deslocalização da atividade de sociedades registadas na ZFM, na medida em que as autoridades nacionais devem imediatamente revogar o regime de auxílios referido nessa decisão, o que não foi tomado em consideração pelo presidente do Tribunal Geral no despacho recorrido.

34      Em todo o caso, o presidente do Tribunal Geral cometeu um erro de direito adicional ao desconsiderar que a execução da decisão impugnada conduz a um aumento do dano em causa, que é pertinente para apreciar o requisito relativo à urgência.

35      Além disso, o presidente do Tribunal Geral considerou erradamente que este requisito só estaria preenchido se a própria existência do regime de auxílios da ZFM tivesse sido posta em causa pela decisão impugnada. A iminência de um prejuízo grave e irreparável deveria, pelo contrário, ter sido reconhecida mesmo que só uma parte dos beneficiários desse regime de auxílios fosse abrangida por esta decisão, uma vez que esta última cria uma incerteza que afeta a quase totalidade dos setores da economia da Região Autónoma da Madeira.

36      De resto, no seu pedido de medidas provisórias, a República Portuguesa não sustentou que existia o risco de todas as sociedades registadas na ZFM saírem dali, mas que o «esvaziamento substancial» do regime de auxílios em causa implicava a sua alteração devido à progressiva deslocalização da atividade de uma parte muito significativa destas sociedades em caso de execução da decisão impugnada.

37      A Comissão conclui pedindo que a segunda parte do primeiro fundamento seja julgada parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

–       Apreciação

38      Em primeiro lugar, uma vez que a segunda parte do primeiro fundamento deve ser entendida no sentido de que visa demonstrar que a fundamentação adotada nos n.os 31 a 33 e 36 do despacho recorrido é insuficiente, há que recordar que decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o dever de fundamentação que incumbe ao Tribunal Geral impõe que este revele de forma clara e inequívoca o raciocínio seguido, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da decisão tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional [Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 2020, Anglo Austrian AAB e Belegging‑Maatschappij «Far‑East»/BCE, C‑114/20 P(R), não publicado, EU:C:2020:1059, n.° 86 e jurisprudência referida].

39      No caso em apreço, nos n.os 31 a 33 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral, baseando‑se nos fundamentos expostos na decisão impugnada, considerou que esta não abrangia todo o universo dos beneficiários do regime de auxílios em causa, mas apenas os que tinham usufruído das vantagens fiscais nele previstas sem terem respeitado as condições estabelecidas nas Decisões de 2007 e 2013. Partindo desta constatação, concluiu pela rejeição do argumento da República Portuguesa de que a execução da decisão impugnada poria em causa a própria existência desse regime de auxílios.

40      No n.° 36 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral considerou, além disso, que as consequências nefastas, para o referido regime de auxílios, da incerteza do quadro legal aplicável decorriam da própria existência da decisão impugnada e não da sua execução, pelo que a adoção das medidas provisórias requeridas não parecia apta a evitar essas consequências.

41      Afigura‑se, assim, que a fundamentação exposta nos n.os 31 a 33 e 36 do despacho recorrido é suficiente para permitir à República Portuguesa compreender as razões por que os seus argumentos expostos nestes números foram rejeitados pelo presidente do Tribunal Geral e para permitir ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional.

42      Por conseguinte, a alegação relativa à falta de fundamentação desses números deve ser julgada improcedente.

43      Em segundo lugar, quanto ao argumento segundo o qual o presidente do Tribunal Geral considerou erradamente que os agentes económicos só têm em conta a existência de decisões da Comissão e não os efeitos negativos associados à sua execução, decorre dos próprios termos do n.° 36 do despacho recorrido que este número visa apenas responder às alegações da República Portuguesa relativas à incerteza gerada pela decisão impugnada, avaliando se a suspensão da execução requerida é suscetível de dissipar ou limitar essa incerteza.

44      Neste contexto, o presidente do Tribunal Geral entendeu que não era esse o caso, ao considerar, implícita mas necessariamente, que a existência de uma decisão que declara a concessão ilegal de auxílios incompatíveis com o mercado interno é suficiente para provocar uma incerteza quanto ao quadro legal aplicável aos operadores económicos em causa, mesmo no caso de a execução dessa decisão ficar suspensa até à prolação de uma decisão pelos Tribunais da União sobre a legalidade da referida decisão, posto que só uma decisão definitiva destes Tribunais permite determinar com certeza esse quadro legal.

45      Esta apreciação, que se baseia, em substância, no facto de o caráter temporário da suspensão da execução de uma decisão não permitir dissipar as incertezas que essa decisão pode gerar, não pode ser interpretada no sentido de que assenta na adoção, pelo presidente do Tribunal Geral, de uma posição de princípio segundo a qual os operadores económicos desconsideram os efeitos negativos da execução de uma decisão.

46      O argumento da República Portuguesa que critica esta posição deve, por conseguinte, ser julgado improcedente, porquanto decorre de uma leitura errada do despacho recorrido.

47      Em terceiro lugar, atento o objeto da apreciação que figura no n.° 36 do despacho recorrido, há que considerar que esta apreciação assenta não no caráter pretensamente limitado das obrigações da República Portuguesa resultante da decisão impugnada mas na persistência de uma forte incerteza quanto ao quadro legal pertinente em caso de suspensão da execução dessa decisão.

48      Daqui resulta, por um lado, que não se pode considerar que o presidente do Tribunal Geral, ao efetuar a referida apreciação, não teve em consideração as obrigações que incumbem à República Portuguesa em aplicação da referida decisão.

49      Por outro lado, não se pode considerar que o n.° 36 do despacho recorrido padece de um erro de direito que consiste em negar qualquer pertinência, para efeitos da apreciação do requisito relativo à urgência, ao agravamento de um dano já verificado, não tendo, aliás, a República Portuguesa alegado ou a fortiori demonstrado que o indeferimento da suspensão da execução requerida era suscetível de aumentar as incertezas dos operadores económicos quanto ao quadro legal aplicável à ZFM.

50      Em quarto lugar, não procede o argumento apresentado pela República Portuguesa segundo o qual o presidente do Tribunal Geral cometeu um erro de direito que consistiu em considerar que a urgência só podia ter sido admitida se a própria existência do regime de auxílios em questão tivesse sido posta em causa pela decisão impugnada.

51      É certo que, nos n.os 32 e 33 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral salientou que a decisão impugnada não punha de modo algum em causa a existência do regime de auxílios em questão e que essa decisão não abrangia todo o universo dos beneficiários deste regime de auxílios.

52      No entanto, resulta claramente do n.° 31 desse despacho que aqueles dois números visam apenas responder à alegação da República Portuguesa segundo a qual a urgência que esta invoca decorria do facto de a execução da decisão impugnada pôr em causa a própria existência do referido regime de auxílios.

53      Neste contexto, não se pode inferir das constatações efetuadas nos n.os 32 e 33 do referido despacho que o presidente do Tribunal Geral tenha considerado que uma decisão que abrange apenas uma parte dos beneficiários do mesmo regime de auxílios não seja, por natureza, suscetível de causar à República Portuguesa um prejuízo grave e irreparável.

54      De resto, nos n.os 34 a 36 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral examinou em que medida a eventual existência de um risco de deslocalização da atividade de sociedades registadas na ZFM permitia demonstrar que o requisito relativo à urgência estava preenchido no caso em apreço, indicando assim que as constatações efetuadas nos n.os 32 e 33 deste despacho quanto ao facto de apenas uma parte dos beneficiários do regime de auxílios em causa estar abrangida pela decisão impugnada não eram suficientes para excluir o preenchimento deste requisito.

55      Nestas condições, uma vez que a segunda parte do primeiro fundamento deve ser entendida no sentido de que contém uma crítica à leitura adotada pelo presidente do Tribunal Geral da alegação da República Portuguesa relativa ao facto de se pôr em causa a própria existência do regime de auxílios em questão, na medida em que esta alegação devia ter sido interpretada no sentido de que remetia para os efeitos de uma progressiva deslocalização da atividade das sociedades registadas na ZFM, há que concluir que, nos n.os 34 a 36 do despacho recorrido, o Tribunal Geral rejeitou um argumento relativo a essa deslocalização, baseando‑se em fundamentos que não são utilmente impugnados no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento.

56      Em face do exposto, a segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, relativa a um erro de direito que consiste em decidir com base em argumentos relativos ao fumus boni juris sem ter em conta os fundamentos apresentados a este respeito

–       Argumentos

57      Na terceira parte do seu primeiro fundamento, a República Portuguesa sustenta que o n.° 31 do despacho recorrido padece de um erro de direito, na medida em que o presidente do Tribunal Geral não podia validamente concluir que a Comissão não tinha dado garantias precisas, incondicionais e concordantes relativas à aplicação do regime de auxílios em causa sem ter previamente analisado os fundamentos apresentados por esse Estado‑Membro, relativos ao requisito do fumus boni juris, que visam impugnar diretamente esta apreciação.

58      A Comissão conclui pedindo que a terceira parte do primeiro fundamento seja julgada improcedente.

–       Apreciação

59      No n.° 31 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral expôs diferentes aspetos da fundamentação da decisão impugnada. Em particular, constatou que a Comissão tinha concluído, no âmbito dessa fundamentação, que o facto de ter aprovado o Regime III da ZFM através das suas Decisões de 2007 e 2013 não permitia concluir que ela tivesse dado garantias precisas, incondicionais e concordantes de que esse regime seria considerado um regime de auxílios compatível com o mercado interno em situações em que não fossem respeitadas as condições da aprovação.

60      No n.° 32 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral deduziu da exposição da fundamentação da decisão impugnada que figura no n.° 31 desse despacho que esta decisão não punha de modo algum em causa a existência do regime de auxílios em questão e que ordenava a recuperação dos auxílios concedidos ao abrigo desse regime de auxílios apenas na medida em que este tinha sido aplicado de uma forma que, segundo a Comissão, era contrária às Decisões de 2007 e 2013.

61      Daqui resulta que as constatações efetuadas no n.° 31 do despacho recorrido quanto à fundamentação da decisão impugnada visavam apenas precisar o alcance dos efeitos desta decisão.

62      Assim, ao referir‑se, para esse efeito, aos fundamentos invocados pela Comissão sobre o respeito do princípio da proteção da confiança legítima, o presidente do Tribunal Geral não pretendeu analisar a validade das apreciações feitas a este respeito por esta instituição.

63      Além disso, contrariamente ao que sustenta a República Portuguesa, o presidente do Tribunal Geral podia basear‑se nesses fundamentos para precisar os efeitos da decisão impugnada, sem, no entanto, ter de partir da premissa de que os referidos fundamentos não padeciam dos erros denunciados por esse Estado‑Membro, na medida em que esses erros, admitindo‑os provados, eram eventualmente suscetíveis de justificar a anulação dessa decisão e não de implicar que os efeitos da execução da referida decisão fossem mais amplos do que os descritos no n.° 32 do despacho recorrido.

64      Por conseguinte, o argumento segundo o qual o presidente do Tribunal Geral não devia ter efetuado as constatações que figuram no n.° 31 desse despacho sem ter previamente examinado os fundamentos da República Portuguesa relativos ao fumus boni juris deve ser rejeitado, na medida em que assenta numa leitura errada do referido despacho.

65      Daqui decorre que a terceira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à quarta parte do primeiro fundamento, relativa a erros na apreciação do risco de deslocalização da atividade de sociedades registadas na ZFM

–       Argumentos

66      Na quarta parte do seu primeiro fundamento, a República Portuguesa considera que o presidente do Tribunal Geral adotou uma fundamentação insuficiente ou errada, ao considerar, nos n.os 34 e 35 do despacho recorrido, que a alegação deste Estado‑Membro segundo a qual existe o risco de numerosas sociedades registadas na ZFM deslocalizarem a sua atividade na sequência da adoção da decisão impugnada não é sustentada por nenhuma prova concreta.

67      A este respeito, o referido Estado‑Membro alega que o despacho recorrido é contrário à jurisprudência dos Tribunais da União, dado que parece exigir que a iminência do prejuízo seja demonstrada com uma certeza absoluta, quando apenas é necessário que a sua realização seja previsível com um grau de probabilidade suficiente.

68      A República Portuguesa refere‑se, além disso, a três comunicações e a um relatório da Comissão, a um parecer do Comité Económico e Social Europeu (CESE), bem como a um relatório elaborado por uma empresa de auditoria, dos quais resulta que a ZFM reveste uma importância concreta para o desenvolvimento da Região Autónoma da Madeira e que uma decisão negativa da Comissão sobre o regime de auxílios em causa teria consequências nefastas para esta região. Estes elementos resultam igualmente de observações de 103 partes interessadas, que foram apresentadas em primeira instância. As informações prestadas pela empresa gestora da ZFM indicam, além disso, que 57 e 33 licenças para operar na ZFM foram canceladas, respetivamente, em dezembro de 2020 e em janeiro de 2021, informações que poderiam ter sido corroboradas por testemunhas se o Tribunal Geral tivesse deferido o pedido de notificação de testemunhas apresentado pela República Portuguesa.

69      Este Estado‑Membro acrescenta que o despacho recorrido é omisso quanto à prova apresentada em primeira instância que demonstra que 291 sociedades que beneficiavam do Regime III da ZFM decidiram não solicitar a aplicação do novo regime de auxílios destinado a substituir este Regime III, o que só pode ser explicado pela antecipação dos efeitos da decisão impugnada.

70      O prejuízo assim causado à economia da Região Autónoma da Madeira é irreversível, dado que não é expectável que as sociedades que deslocalizaram a sua atividade voltem posteriormente a estabelecer‑se na ZFM em caso de anulação da decisão impugnada. As deslocalizações são favorecidas pela concorrência com os regimes fiscais de outros Estados‑Membros, a que se refere, nomeadamente, um relatório elaborado por uma empresa de auditoria e que demonstra a deslocalização da atividade de numerosas sociedades por ocasião de anteriores alterações ao regime da ZFM.

71      Por outro lado, a República Portuguesa cita as conclusões de um estudo de uma Universidade portuguesa, referido em substância no n.° 34 do despacho recorrido. Este estudo tinha como finalidade a mera quantificação dos efeitos negativos de uma deslocalização da atividade da totalidade ou da maioria das empresas registadas na ZFM. O risco de uma deslocalização era, por sua vez, demonstrado com precisão pelas observações de 103 partes interessadas, pelas deslocalizações já verificadas, bem como pelos efeitos atuais e previsíveis da decisão impugnada. O presidente do Tribunal Geral desvirtuou, por conseguinte, os elementos de prova apresentados ao considerar que estes eram insuficientes para demonstrar esse risco.

72      A Comissão conclui pedindo que a quarta parte do primeiro fundamento seja julgada improcedente.

–       Apreciação

73      Em primeiro lugar, uma vez que a quarta parte do primeiro fundamento deve ser entendida no sentido de que visa demonstrar que a fundamentação adotada nos n.os 34 e 35 do despacho recorrido é insuficiente, há que salientar que, no n.° 34 deste despacho, o presidente do Tribunal Geral considerou que as alegações da República Portuguesa relativas à existência de um risco de deslocalização da atividade de numerosas sociedades registadas na ZFM não eram sustentadas por nenhuma prova concreta. A este respeito, salientou que as conclusões do estudo de uma Universidade portuguesa invocadas por este Estado‑Membro assentam no pressuposto de que a recuperação dos auxílios em causa levaria à cessação da atividade de todas ou da maioria das sociedades registadas na ZFM, mas que esse estudo não especifica os elementos concretos e precisos que sustentam essa suposição.

74      Além disso, o presidente do Tribunal Geral considerou, no n.° 35 do despacho recorrido, que o referido Estado‑Membro também não fundamentava validamente a sua alegação de que tinham sido canceladas 57 e 33 licenças para operar na ZFM, não adiantava explicações sobre a correlação entre esses cancelamentos e a decisão impugnada e não demonstrava as repercussões resultantes desses cancelamentos para o tecido económico e social da Região Autónoma da Madeira.

75      Esta fundamentação, que expõe claramente as razões por que o presidente do Tribunal Geral considera que as alegações da República Portuguesa expostas no n.° 34 do despacho recorrido não estavam suficientemente fundamentadas, é suscetível de permitir a este Estado‑Membro conhecer as justificações da decisão tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional, conforme exige a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.° 38 do presente despacho.

76      Além disso, há que recordar que não se pode acusar utilmente o Tribunal Geral de não ter tomado posição sobre cada um dos argumentos apresentados a este respeito, em primeira instância, pela República Portuguesa, na medida em que não se pode exigir ao juiz das medidas provisórias que responda expressamente a todas as questões de facto e de direito que foram discutidas no decurso do processo de medidas provisórias [Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 8 de abril de 2003, Gómez‑Reino/Comissão, C‑471/02 P(R), EU:C:2003:210, n.° 29 e jurisprudência referida].

77      Por conseguinte, a alegação relativa à falta de fundamentação nos n.os 34 e 35 do despacho recorrido deve ser julgada improcedente.

78      Em segundo lugar, no que respeita ao nível de prova considerado pelo presidente do Tribunal Geral, embora seja verdade que, para provar a existência do prejuízo grave e irreparável que seria causado à parte que requer a proteção provisória no caso de esta lhe ser recusada, não seja necessário exigir que se demonstre a ocorrência e a iminência desse prejuízo com uma certeza absoluta e baste que esse prejuízo seja previsível com um grau de probabilidade suficiente, também é verdade que a parte que requer uma medida provisória está obrigada a provar os factos que supostamente fundamentam a perspetiva desse prejuízo [v., neste sentido, Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 16 de julho de 2021, Symrise/ECHA, C‑282/21 P(R), não publicado, EU:C:2021:631, n.° 40 e jurisprudência referida].

79      Consequentemente, uma vez que a República Portuguesa sustenta que o prejuízo que a economia da Região Autónoma da Madeira é suscetível de sofrer decorre da deslocalização previsível da atividade de numerosas sociedades registadas na ZFM, não se pode utilmente criticar o presidente do Tribunal Geral por ter considerado, no n.° 34 do despacho recorrido, que um estudo apresentado por esse Estado‑Membro só podia contribuir para demonstrar o caráter provável da concretização desse prejuízo se especificasse os elementos precisos e concretos que permitiam supor que a recuperação dos auxílios em causa levaria a essa deslocalização.

80      Do mesmo modo, na medida em que o referido Estado‑Membro pretendia demonstrar o caráter provável da concretização do referido prejuízo com base nos cancelamentos de um certo número de licenças que ocorreram em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, o presidente do Tribunal Geral podia considerar, como fez no n.° 35 do despacho recorrido, que incumbia a esse Estado‑Membro apresentar provas que demonstrassem a veracidade desses cancelamentos e a sua correlação com a decisão impugnada, sem que esta constatação implique que o requisito relativo à urgência só estaria preenchido se a iminência da deslocalização da atividade de numerosas sociedades registadas na ZFM fosse absolutamente certa.

81      Daqui decorre que os n.os 34 e 35 do despacho recorrido não padecem de um erro de direito quanto ao nível de prova aplicável.

82      Em terceiro lugar, embora a República Portuguesa sustente que a audição de testemunhas cuja organização requereu deveria ter sido ordenada pelo presidente do Tribunal Geral, há que recordar que, tendo em conta a celeridade que, pela sua natureza, caracteriza o processo de medidas provisórias, pode razoavelmente ser exigido à parte que solicita as medidas provisórias que apresente, assim que entregue o seu pedido, salvo em casos excecionais, todos os elementos de prova disponíveis em apoio deste, para que o juiz das medidas provisórias possa apreciar, com base nesses elementos, o mérito do referido pedido [Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 2020, Anglo Austrian AAB e Belegging‑Maatschappij «Far‑East»/BCE, C‑207/20 P(R), não publicado, EU:C:2020:1057, n.° 41 e jurisprudência referida].

83      Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o presidente do Tribunal Geral tem competência exclusiva para apreciar as medidas de organização do processo que julgue apropriadas para se pronunciar sobre o pedido de medidas provisórias e deve gozar de uma ampla margem de apreciação a este respeito [v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de julho de 2012, Akhras/Conselho, C‑110/12 P(R), não publicado, EU:C:2012:507, n.os 57 e 59].

84      Ora, dado que a República Portuguesa não apresenta nenhum argumento para demonstrar que o presidente do Tribunal Geral excedeu os limites do seu poder discricionário ao indeferir, no n.° 45 do despacho recorrido, o pedido de notificação de testemunhas apresentado por este Estado‑Membro, há que considerar que este não demonstrou que o presidente do Tribunal Geral estava obrigado a aceder a este pedido.

85      Em quarto lugar, quanto aos argumentos da República Portuguesa relativos à apreciação das provas efetuada pelo presidente do Tribunal Geral no despacho recorrido, resulta do artigo 256.°, n.° 1, segundo parágrafo, TFUE e do artigo 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o recurso de uma decisão do Tribunal Geral é limitado às questões de direito. Por conseguinte, o Tribunal Geral tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos pertinentes bem como os elementos de prova que lhe são submetidos. A apreciação destes factos e destes elementos de prova não constitui, assim, exceto em caso de desvirtuação dos mesmos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral [Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 2020, Anglo Austrian AAB e Belegging‑Maatschappij «Far‑East»/BCE, C‑207/20 P(R), não publicado, EU:C:2020:1057, n.° 84 e jurisprudência referida].

86      Tal desvirtuação existe quando, sem recurso a novos elementos de prova, a apreciação dos elementos de prova existentes se afigure manifestamente errada. Essa desvirtuação deve todavia resultar manifestamente dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas. Por outro lado, quando um recorrente alega uma desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal Geral, deve indicar com precisão os elementos que foram desvirtuados e demonstrar os erros de análise que, do seu ponto de vista, levaram o Tribunal Geral a essa desvirtuação (Acórdão de 3 de setembro de 2020, República Checa/Comissão, C‑742/18 P, EU:C:2020:628, n.° 107 e jurisprudência referida).

87      No caso em apreço, há que salientar, em primeiro lugar, que as passagens, citadas no recurso, das três comunicações e do relatório da Comissão, do parecer do CESE, bem como do relatório elaborado por uma empresa de auditoria, a que a República Portuguesa se refere, versam sobre a importância da ZFM para a economia da Região Autónoma da Madeira e a existência de um contexto geral de concorrência entre as regiões de vários Estados‑Membros.

88      Ora, nos n.os 34 e 35 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral constatou, sem questionar as afirmações da República Portuguesa relativas a essa importância ou a esse contexto, a insuficiência das provas apresentadas por este Estado‑Membro para demonstrar o caráter provável da deslocalização da atividade de numerosas sociedades registadas na ZFM em caso de execução da decisão impugnada.

89      Como tal, não se pode considerar que, ao decidir neste sentido, o presidente do Tribunal Geral desvirtuou as passagens dos documentos mencionados no n.° 87 do presente despacho, citados no recurso.

90      Em segundo lugar, afigura‑se que a apreciação, constante do n.° 34 do despacho recorrido, segundo a qual o estudo de uma Universidade portuguesa apresentado pela República Portuguesa não permite demonstrar o caráter provável da deslocalização da atividade de numerosas sociedades registadas na ZFM não é verdadeiramente contestada por este Estado‑Membro, uma vez que este sustenta que esse estudo não tem como objetivo demonstrar a existência de um risco de concretização dessa deslocalização.

91      Por conseguinte, mesmo admitindo que o referido estudo permita, como sustenta o referido Estado‑Membro, demonstrar que essa deslocalização prejudicaria fortemente a economia da região em causa, esta circunstância não é, em todo o caso, suscetível de comprovar que o presidente do Tribunal Geral desvirtuou esse estudo, no n.° 34 do despacho recorrido.

92      Em terceiro lugar, o argumento da República Portuguesa segundo o qual o presidente do Tribunal Geral desvirtuou as observações de 103 partes em causa apresentadas por este Estado‑Membro deve ser afastado, dado que não explica de forma precisa em que medida as constatações do Tribunal Geral são manifestamente contrariadas por essas observações.

93      Em quarto lugar, os argumentos deste Estado‑Membro relativos ao erro cometido pelo presidente do Tribunal Geral ao rejeitar as alegações segundo as quais a execução da decisão impugnada acarretaria necessariamente a deslocalização da atividade de uma grande parte das sociedades registadas na ZFM devem, quanto ao restante, ser julgados improcedentes por não identificarem nenhum elemento de prova preciso que tenha sido desvirtuado no despacho recorrido e não respeitarem, portanto, as exigências recordadas no n.° 86 do presente despacho.

94      Em particular, embora a República Portuguesa sustente que o presidente do Tribunal Geral não teve em conta a prova, apresentada em primeira instância, de que 291 sociedades que beneficiavam do Regime III da ZFM decidiram não solicitar a aplicação do novo regime de auxílios destinado a substituir este Regime III, há que constatar que o recurso não fornece nenhuma explicação quanto a esta alegada prova.

95      Por conseguinte, a quarta parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à quinta parte do primeiro fundamento, relativa a erros de direito quanto ao nexo de causalidade entre a decisão impugnada e o prejuízo alegado, bem como à apreciação do requisito do receio de iminência de uma lesão ou dano

–       Argumentos

96      Na quinta parte do seu primeiro fundamento, a República Portuguesa considera que o presidente do Tribunal Geral adotou uma fundamentação insuficiente ou desvirtuou elementos de prova, ao afastar, no n.° 35 do despacho recorrido, a pertinência dos cancelamentos de licenças ocorridos em dezembro de 2020 e janeiro de 2021 invocados por este Estado‑Membro.

97      Com efeito, só a adoção da decisão impugnada poderia explicar estes cancelamentos de licenças, tal como as testemunhas que o referido Estado‑Membro pretendia notificar para comparecerem no Tribunal Geral poderiam tê‑lo confirmado. A rejeição deste argumento pelo despacho recorrido é consequência da exigência, por parte do presidente do Tribunal Geral, de uma certeza absoluta da ocorrência e da iminência do prejuízo invocado.

98      A deslocalização da atividade de sociedades registadas na ZFM teve início antes mesmo da publicação da decisão impugnada, devido às informações reveladas num comunicado de imprensa da Comissão e amplamente difundidas pela imprensa. Por conseguinte, foi apresentada ao Tribunal Geral uma imagem verdadeira, rigorosa e completa da situação, sustentada por provas sólidas.

99      A Comissão conclui pedindo que a quinta parte do primeiro fundamento seja julgada improcedente.

–       Apreciação

100    Na medida em que a quinta parte do primeiro fundamento denuncia uma fundamentação insuficiente no n.° 35 do despacho recorrido, um erro quanto ao nível de prova considerado neste número e uma recusa infundada de organizar uma audição de testemunhas, esta parte deve ser julgada improcedente pelos fundamentos expostos nos n.os 73 a 84 do presente despacho.

101    Quanto ao argumento da República Portuguesa segundo o qual o presidente do Tribunal Geral desvirtuou elementos de prova ao considerar que os cancelamentos de licenças mencionados por este Estado‑Membro não eram suficientes para demonstrar o caráter provável da deslocalização da atividade de numerosas sociedades registadas na ZFM em caso de execução da decisão impugnada, deve ser rejeitado na medida em que o recurso não demonstra que o presidente do Tribunal Geral tenha apreciado de forma manifestamente errada qualquer elemento de prova.

102    Em particular, embora o recurso se refira a um comunicado de imprensa da Comissão e a diversos artigos de imprensa que divulgam o conteúdo da decisão impugnada, não resulta de modo algum do n.° 35 do despacho recorrido que o presidente do Tribunal Geral tenha baseado a sua apreciação no facto de as empresas em causa ignorarem o conteúdo dessa decisão quando solicitaram o cancelamento da sua licença.

103    Por conseguinte, a quinta parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto ao segundo e terceiro fundamentos

 Argumentos

104    No seu segundo fundamento, a República Portuguesa invoca uma série de argumentos para demonstrar que o requisito relativo ao fumus boni juris está preenchido no caso em apreço.

105    No seu terceiro fundamento, este Estado‑Membro sustenta que a ponderação dos interesses em presença se inclina manifestamente a seu favor e que o pedido de medidas provisórias que apresentou ao Tribunal Geral deve, por conseguinte, ser totalmente deferido.

106    A Comissão conclui pela improcedência do segundo fundamento, uma vez que a República Portuguesa não demonstrou a probabilidade séria da existência de um direito, bem como pela improcedência do terceiro fundamento, na medida em que a ponderação dos interesses em presença deveria conduzir à negação de provimento ao recurso e, por conseguinte, ao indeferimento do pedido de medidas provisórias.

 Apreciação

107    Há que recordar que o artigo 156.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral dispõe que os pedidos de medidas provisórias devem especificar o objeto do litígio, as circunstâncias que determinam a urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificam a concessão da medida provisória requerida. Assim, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a suspensão da execução e as restantes medidas provisórias podem ser concedidas pelo juiz das medidas provisórias se se concluir que, à primeira vista, a sua concessão é justificada de facto e de direito (fumus boni juris) e que são urgentes, no sentido de que é necessário que sejam ordenadas e produzam efeitos antes da decisão no processo principal a fim de evitar um prejuízo grave e irreparável aos interesses da parte que as requer. Estes requisitos são cumulativos, pelo que os pedidos de medidas provisórias devem ser indeferidos se um deles não estiver preenchido. O juiz das medidas provisórias procede igualmente, sendo caso disso, à ponderação dos interesses em causa [Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 16 de julho de 2021, Symrise/ECHA, C‑282/21 P(R), não publicado, EU:C:2021:631, n.° 26].

108    No caso em apreço, resulta do n.° 38 do despacho recorrido que o presidente do Tribunal Geral declarou que o pedido de suspensão da execução da decisão impugnada devia ser indeferido, uma vez que a República Portuguesa não demonstrou a urgência, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre o fumus boni juris ou proceder à ponderação dos interesses.

109    Por conseguinte, dado que o segundo e terceiro fundamentos não são suscetíveis de demonstrar que o Tribunal Geral considerou erradamente que a República Portuguesa não tinha provado que o requisito relativo à urgência estava preenchido, devem ser afastados por serem inoperantes.

 Quanto ao quarto fundamento

 Argumentos

110    No seu quarto fundamento, a República Portuguesa sustenta que o presidente do Tribunal Geral violou formalidades essenciais.

111    Com efeito, resulta de uma carta do secretário do Tribunal Geral anexada à cópia do despacho recorrido dirigida à República Portuguesa que, tendo em conta as circunstâncias excecionais associadas à crise sanitária, não tinha sido possível recolher as assinaturas manuscritas do presidente e do secretário desse Tribunal, mas que o acordo do presidente do Tribunal Geral tinha sido obtido por procedimento escrito.

112    Ora, decorre do artigo 120.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral que o original de cada despacho é assinado pelo presidente e pelo secretário deste Tribunal. Este Regulamento de Processo não prevê nenhuma possibilidade de derrogação desta regra imperativa e essa possibilidade não pode ser instituída por uma decisão do presidente do referido Tribunal.

113    Em todo o caso, o procedimento escrito a que se refere a carta do secretário do Tribunal Geral não foi regularmente notificado à República Portuguesa.

114    A Comissão conclui pedindo que o quarto fundamento seja julgado improcedente.

 Apreciação

115    Nos termos do artigo 120.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o original de cada despacho, assinado pelo presidente e pelo secretário do Tribunal, é selado e arquivado na Secretaria. Além disso, é notificada uma cópia a cada uma das partes e, sendo caso disso, ao Tribunal de Justiça.

116    A este respeito, importa, em primeiro lugar, salientar que não resulta desta disposição que a cópia do despacho notificada a cada uma das partes deva conter a assinatura do presidente e do secretário do Tribunal Geral.

117    Em segundo lugar, uma vez que a República Portuguesa invoca a carta do secretário do Tribunal Geral que acompanha a cópia do despacho recorrido que lhe foi notificada, para demonstrar que o original desse despacho não foi assinado pelo presidente nem pelo secretário do Tribunal, há que sublinhar que, embora resulte, é certo, desta carta que foram instituídas medidas de organização específicas no âmbito do referido Tribunal, no que respeita às modalidades de aprovação dos despachos, com vista a assegurar a continuidade do seu funcionamento apesar da crise sanitária, não decorre da referida carta que não sejam apostas assinaturas manuscritas no original daquele despacho, após a notificação da cópia do mesmo, em conformidade com o artigo 120.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

118    Em terceiro lugar, no que respeita à alegada irregularidade do procedimento implementado no âmbito do Tribunal Geral descrito na carta do seu secretário apresentada pelo Tribunal Geral, importa recordar que, em todo o caso, em princípio, uma irregularidade processual só implica a anulação total ou parcial de uma decisão se se provar que essa irregularidade pode ter tido influência no resultado do processo que conduziu à adoção dessa decisão (v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo, C‑56/18 P, EU:C:2020:192, n.° 80).

119    Ora, a República Portuguesa não põe de modo algum em causa os elementos referidos nessa carta, dos quais resulta que o secretário do Tribunal Geral se certificou efetivamente, em condições especiais impostas pela necessidade de assegurar a continuidade do seu funcionamento apesar da crise sanitária, de que essa cópia correspondia à decisão proferida pelo presidente deste Tribunal.

120    Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento

 Argumentos

121    No seu quinto fundamento, a República Portuguesa critica a decisão do presidente do Tribunal Geral, exposta no n.° 44 do despacho recorrido, de indeferir o pedido de medidas provisórias sob a forma de injunção destinada a impedir a publicação da decisão impugnada no Jornal Oficial da União Europeia.

122    Desde logo, a transparência e a publicidade do procedimento levado a cabo pela Comissão já são suficientemente asseguradas pela publicação de um comunicado de imprensa e pela publicação da decisão de abertura de uma investigação aprofundada.

123    Em seguida, a publicação da decisão impugnada representa uma ameaça para a reputação da ZFM enquanto zona dotada de um enquadramento fiscal fiável e estabilizado.

124    Por último, a publicação detalhada da decisão impugnada, com todos os erros de direito e de facto que comporta, leva ao conhecimento do público informações aptas a causar um prejuízo grave e irreparável à República Portuguesa. Pelas razões já expostas no âmbito de outros fundamentos, a adoção de uma injunção que impeça essa publicação é necessária para evitar a deslocalização da atividade de sociedades registadas na ZFM e as consequências nefastas para a Região Autónoma da Madeira que decorreriam dessa deslocalização.

125    A Comissão conclui pedindo que o quinto fundamento seja julgado inadmissível ou, em todo o caso, improcedente.

 Apreciação

126    No despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral justificou o indeferimento do pedido de medidas provisórias sob a forma de injunção destinada a impedir a publicação da decisão impugnada no Jornal Oficial da União Europeia, referindo‑se a três fundamentos distintos.

127    Em primeiro lugar, considerou, no n.° 41 desse despacho, que, na medida em que a decisão impugnada não põe em causa a própria existência do regime de auxílios em questão, a publicação dessa decisão não pode afetar a estabilidade ou a fiabilidade deste regime.

128    Em segundo lugar, considerou, no n.° 42 do referido despacho, que a República Portuguesa dispunha da faculdade de pedir a apresentação de uma versão pública da referida decisão, expurgada dos dados confidenciais.

129    Em terceiro lugar, declarou, no n.° 43 desse mesmo despacho, que os efeitos prejudiciais invocados pela República Portuguesa já se tinham, em todo o caso, produzido, uma vez que as dúvidas manifestadas pela Comissão tinham sido levadas ao conhecimento dos operadores da ZFM mediante comunicados de imprensa publicados por essa instituição.

130    A este respeito, importa recordar que resulta do artigo 256.° TFUE, do artigo 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão ou do despacho cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos que sustentam especificamente esse pedido, sob pena de inadmissibilidade do recurso ou do fundamento em causa [Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 2020, Anglo Austrian AAB e Belegging‑Maatschappij «Far‑East»/BCE, C‑207/20 P(R), não publicado, EU:C:2020:1057, n.° 56 e jurisprudência referida].

131    Ora, em primeiro lugar, embora a República Portuguesa conteste, em substância, o n.° 41 do despacho recorrido ao alegar que a decisão impugnada constitui uma ameaça para a reputação da ZFM, não presta esclarecimentos quanto à razão por que o fundamento apresentado nesse número pelo presidente do Tribunal Geral está errado.

132    Em segundo lugar, a República Portuguesa não explicou por que razão se devia afastar o fundamento referido no n.° 42 do despacho recorrido, segundo o qual o prejuízo invocado pela República Portuguesa poderia ter sido evitado mediante um pedido de apresentação de uma versão pública da decisão impugnada, expurgada de dados confidenciais.

133     Em terceiro lugar, a entender‑se o argumento da República Portuguesa segundo o qual a publicação da decisão impugnada levaria ao conhecimento do público informações suscetíveis de causar um prejuízo grave e irreparável a este Estado‑Membro no sentido de que visa pôr em causa o fundamento enunciado no n.° 43 do despacho recorrido, importa sublinhar que o referido Estado‑Membro não identifica as informações que figuram nessa decisão que ainda não foram expostas pelos comunicados de imprensa mencionados pelo presidente do Tribunal Geral e não explica, a fortiori, de que modo essas informações seriam suscetíveis de lhe causar um prejuízo concreto.

134    Por conseguinte, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

135    Uma vez que a totalidade dos fundamentos apresentados pela República Portuguesa foram julgados improcedentes, há que negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

136    Nos termos do artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas.

137    Em conformidade com o artigo 138.°, n.° 1, deste regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

138    Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condenar este Estado‑Membro a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos, o vice‑presidente do Tribunal de Justiça decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.

Feito no Luxemburgo, em 13 de dezembro de 2021.

O Secretário

 

O Vice‑Presidente

A. Calot Escobar

 

L. Bay Larsen


*      Língua do processo: português.

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