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Document 62013CJ0333

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 11 de novembro de 2014.
    Elisabeta Dano e Florin Dano contra Jobcenter Leipzig.
    Pedido de decisão prejudicial, apresentado pelo Sozialgericht Leipzig.
    Reenvio prejudicial – Livre circulação de pessoas – Cidadania da União – Igualdade de tratamento – Cidadãos de um Estado‑Membro sem atividade económica que residem no território de outro Estado‑Membro – Exclusão dessas pessoas das prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo por força do Regulamento (CE) n.° 883/2004 – Diretiva 2004/38/CE – Direito de residência por mais de três meses – Artigos 7.°, n.° 1, alínea b), e 24.° – Condição de recursos suficientes.
    Processo C‑333/13.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2358

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    11 de novembro de 2014 ( *1 )

    «Livre circulação de pessoas — Cidadania da União — Igualdade de tratamento — Cidadãos de um Estado‑Membro sem atividade económica que residem no território de outro Estado‑Membro — Exclusão dessas pessoas das prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo por força do Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Diretiva 2004/38/CE — Direito de residência por mais de três meses — Artigos 7.°, n.o 1, alínea b), e 24.° — Condição de recursos suficientes»

    No processo C‑333/13,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sozialgericht Leipzig (Alemanha), por decisão de 3 de junho de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de junho de 2013, no processo

    Elisabeta Dano,

    Florin Dano

    contra

    Jobcenter Leipzig,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano, L. Bay Larsen, T. von Danwitz, C. Vajda, S. Rodin, presidentes de secção, E. Juhász, A. Borg Barthet, J. Malenovský, E. Levits, M. Berger (relatora) e J. L. da Cruz Vilaça, juízes,

    advogado‑geral: M. Wathelet,

    secretário: A. Impellizzeri, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 18 de março de 2014,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de E. Dano, por E. Steffen, Rechtsanwältin,

    em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo dinamarquês, por C. Thorning, na qualidade de agente,

    em representação da Irlanda, por M. Heneghan, T. Joyce e E. Creedon, na qualidade de agentes, assistidos por C. Toland, BL,

    em representação do Governo francês, por D. Colas e C. Candat, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo austríaco, por G. Hesse, na qualidade de agente,

    em representação do Governo do Reino Unido, por S. Behzadi‑Spencer, na qualidade de agente, assistida por J. Coppel QC, barrister,

    em representação da Comissão Europeia, por F. Schatz, D. Martin, M. Kellerbauer e C. Tufvesson, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de maio de 2014,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 18.° TFUE, 20.°, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), e segundo parágrafo, TFUE, dos artigos 1.°, 20.° e 51.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), dos artigos 4.° e 70.° do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO L 166, p. 1, e retificação no JO 2004, L 200, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 1244/2010 da Comissão, de 9 de dezembro de 2010 (JO L 338, p. 35, a seguir «Regulamento n.o 883/2004»), e do artigo 24.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e de residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe E. Dano e o seu filho Florin ao Jobcenter Leipzig a respeito da recusa deste último de lhes conceder prestações do seguro de base («Grundsicherung»), concretamente, para E. Dano, a prestação de subsistência («existenzsichernde Regelleistung») e, para o seu filho, o subsídio social («Sozialgeld»), bem como a participação nas despesas de alojamento e de aquecimento, previstas na legislação alemã.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Regulamento (CEE) n.o 1247/92

    3

    Nos termos do primeiro a oitavo considerandos do Regulamento (CEE) n.o 1247/92 do Conselho, de 30 de abril de 1992, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1408/71, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros das suas famílias que se desloquem no interior da Comunidade (JO L 136, p. 1):

    «[…] é oportuno introduzir certas alterações no Regulamento (CEE) n.o 1408/71[...], tal como atualizado pelo Regulamento (CEE) n.o 2001/83[…], com a última redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n.o 2195/91[…];

    […] é necessário alargar a definição da expressão ‘membro da família’ constante do Regulamento (CEE) n.o 1408/71, por forma a adaptá‑la à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação desta expressão;

    […] é também necessário atender à jurisprudência do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual algumas prestações previstas pelas legislações nacionais podem estar simultaneamente abrangidas pela segurança social e pela assistência social, em virtude do seu âmbito de aplicação pessoal, dos seus objetivos e das suas modalidades de execução;

    […] o Tribunal de Justiça declarou que, por alguma das suas características, as legislações por força das quais tais prestações são concedidas se aparentam à assistência social, na medida em que a necessidade constitui um critério essencial de aplicação, e em que as condições de concessão abstraem de qualquer exigência relativa à acumulação de períodos de atividade profissional ou de contribuição, aproximando‑se, no entanto, por algumas das suas características, da segurança social, na medida em que há ausência de poder discricionário na forma como tais prestações, tal como estão previstas, são concedidas e na medida em que conferem aos beneficiários uma posição legalmente definida;

    […] o Regulamento (CEE) n.o 1408/71 exclui os regimes de assistência social do seu âmbito de aplicação, por forca do n.o 4 do seu artigo 4.o;

    […] as condições a que se faz referência e as suas modalidades de execução são tais que, para proteger os interesses dos trabalhadores migrantes, em conformidade com o disposto no artigo 51.o do Tratado, deverá ser introduzido no Regulamento (CEE) n.o 1408/71 um sistema de coordenação que seja diferente do atualmente previsto no mesmo regulamento e atenda às características específicas das prestações em causa;

    […] relativamente às pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 1408/71, tais prestações devem ser concedidas exclusivamente em conformidade com a legislação do país em cujo território a pessoa em causa ou os membros da sua família residem, totalizando, consoante seja necessário, os períodos de residência cumpridos no território de qualquer outro Estado‑Membro e sem qualquer discriminação com fundamento na nacionalidade;

    […] no entanto, é necessário garantir que o sistema de coordenação existente, previsto no Regulamento (CEE) n.o 1408/71[,] continue a aplicar‑se às prestações que não entrem na categoria específica das prestações a que se faz referência, ou não estejam expressamente incluídas num anexo desse regulamento; que para o efeito, se torna necessário introduzir um novo anexo […]»

    Regulamento n.o 883/2004

    4

    O Regulamento n.o 883/2004 substituiu, a partir de 1 de maio de 2010, o Regulamento n.o 1408/71.

    5

    Nos termos dos considerandos 1, 16 e 37 do Regulamento n.o 883/2004:

    «(1)

    As regras de coordenação dos sistemas nacionais de segurança social inscrevem‑se no âmbito da livre circulação de pessoas e devem contribuir para a melhoria do seu nível de vida e das suas condições de emprego.

    […]

    (16)

    No interior da Comunidade, não se justifica, em princípio, fazer depender os direitos em matéria de segurança social do lugar de residência dos interessados. Todavia, em casos específicos, nomeadamente no que respeita a prestações especiais que estão relacionadas com o contexto económico e social do interessado, o lugar de residência pode ser tido em conta.

    […]

    (37)

    Tal como repetidamente declarado pelo Tribunal de Justiça, as disposições que derrogam o princípio da exportação das prestações de segurança social devem ser interpretadas de forma estrita. Isso significa que tais disposições só podem ser aplicadas a prestações que preencham condições específicas. Nesses termos, o capítulo 9 do título III do presente regulamento só poderá aplicar‑se a prestações que sejam simultaneamente especiais e de caráter não contributivo e que estejam inscritas no Anexo X ao presente regulamento.»

    6

    O Regulamento n.o 883/2004 dispõe no seu artigo 1.o, com a epígrafe «Definições»:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    […]

    l)

    ‘Legislação’, em relação a cada Estado‑Membro, as leis, os regulamentos, as disposições legais e outras medidas de aplicação respeitantes aos ramos de segurança social referidos no n.o 1 do artigo 3.o

    […]»

    7

    O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, que rege o seu âmbito de aplicação pessoal, prevê:

    «O presente regulamento aplica‑se aos nacionais de um Estado‑Membro, aos apátridas e refugiados residentes num Estado‑Membro que estejam ou tenham estado sujeitos à legislação de um ou mais Estados‑Membros, bem como aos seus familiares e sobreviventes.»

    8

    O artigo 3.o deste regulamento, com a epígrafe «Âmbito de aplicação material», enuncia:

    «1.   O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

    […]

    b)

    Prestações por maternidade e por paternidade equiparadas;

    […]

    h)

    Prestações por desemprego;

    […]

    2.   Salvo disposição em contrário no Anexo XI, o presente regulamento aplica‑se aos regimes de segurança social, gerais e especiais, contributivos e não contributivos, assim como aos regimes relativos às obrigações do empregador ou do armador.

    3.   O presente regulamento aplica‑se igualmente às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo abrangidas pelo artigo 70.o

    […]

    5.   O presente regulamento não se aplica:

    a)

    À assistência social e médica; […]

    […]»

    9

    O artigo 4.o do referido regulamento, com a epígrafe «Igualdade de tratamento», dispõe:

    «Salvo disposição em contrário do presente regulamento, as pessoas a quem o presente regulamento se aplica beneficiam dos direitos e ficam sujeitas às obrigações da legislação de qualquer Estado‑Membro nas mesmas condições que os nacionais desse Estado‑Membro.»

    10

    O capítulo 9 do título III do Regulamento n.o 883/2004, relativo às «Prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo», inclui o artigo 70.o, com a epígrafe «Disposições gerais», que prevê:

    «1.   O presente artigo aplica‑se às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo concedidas nos termos de uma legislação que, devido ao seu âmbito de aplicação pessoal, aos seus objetivos e/ou condições de aquisição de direito, tenha características tanto de legislação de segurança social referida no n.o 1 do artigo 3.o, como de legislação de assistência social.

    2.   Para efeitos do presente capítulo, a expressão ‘prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo’ designa as prestações:

    a)

    Que se destinem a:

    i)

    abranger a título complementar, supletivo ou acessório os riscos correspondentes aos ramos de segurança social referidos no n.o 1 do artigo 3.o, e que garantam aos interessados um rendimento mínimo de subsistência tendo em conta a situação económica e social no Estado‑Membro em causa,

    ii)

    apenas a garantir proteção específica dos deficientes, estando essas prestações em estreita relação com a situação social dessas pessoas no Estado‑Membro em causa;

    e

    b)

    Cujo financiamento derive exclusivamente de uma tributação obrigatória destinada a cobrir a despesa pública geral, e cujas condições de concessão e de cálculo não dependam de qualquer contribuição por parte do beneficiário. No entanto, as prestações concedidas como complemento de uma prestação de caráter contributivo não são consideradas prestações de caráter contributivo só por esse motivo;

    e

    c)

    Que sejam inscritas no Anexo X.

    3.   O artigo 7.o e os outros capítulos do título III não se aplicam às prestações referidas no n.o 2 do presente artigo.

    4.   As prestações referidas no n.o 2 são concedidas exclusivamente no Estado‑Membro da residência do interessado e de acordo com a respetiva legislação. Essas prestações são concedidas pela instituição do lugar de residência e a seu cargo.»

    11

    O Anexo X do Regulamento n.o 883/2004, intitulado «Prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo», prevê, no que respeita à República Federal da Alemanha, as seguintes prestações:

    «[…]

    b)

    As prestações destinadas a garantir meios de subsistência que sejam abrangidas pelo seguro de base para candidatos a emprego, salvo se, no que diz respeito a estas prestações, estiverem cumpridos os critérios de elegibilidade para um complemento temporário na sequência do pagamento de prestações de desemprego (n.o 1 do artigo 24.o do Livro II do Código da Segurança Social).»

    Diretiva 2004/38

    12

    Nos termos dos considerandos 10, 16 e 21 da Diretiva 2004/38:

    «(10)

    As pessoas que exercerem o seu direito de residência não deverão, contudo, tornar‑se uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período inicial de residência. Em consequência, o direito de residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias por períodos superiores a três meses deverá estar sujeito a condições.

    […]

    (16)

    Os titulares do direito de residência não podem ser afastados enquanto não se tornarem um encargo excessivo para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento. Por conseguinte, a medida de afastamento não poderá ser a consequência automática do recurso ao regime de segurança social. O Estado‑Membro de acolhimento deverá examinar se se está perante um caso de dificuldades temporárias e ter em conta a duração da residência, a situação pessoal e o montante de ajuda concedida para poder considerar se o titular se tornou uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento e proceder ao seu afastamento. Os trabalhadores assalariados, os trabalhadores não assalariados ou as pessoas à procura de emprego, conforme definidas pelo Tribunal de Justiça, não poderão em circunstância alguma ser objeto de medida de afastamento, salvo por razões de ordem pública ou de segurança pública.

    […]

    (21)

    Contudo, caberá ao Estado‑Membro de acolhimento determinar se tenciona conceder prestações a título de assistência social durante os primeiros três meses de residência ou por um período mais longo no caso das pessoas à procura de emprego, a pessoas que não sejam trabalhadores assalariados ou não assalariados nem conservem esse estatuto, ou não sejam membros das famílias dos mesmos, ou bolsas de subsistência para estudos, incluindo a formação profissional, antes da aquisição do direito de residência permanente.»

    13

    O artigo 6.o da referida diretiva, com a epígrafe «Direito de residência até três meses», enuncia, no seu n.o 1:

    «Os cidadãos da União têm o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período até três meses sem outras condições e formalidades além de ser titular de um bilhete de identidade ou passaporte válido.»

    14

    O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 dispõe:

    «Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

    a)

    Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

    b)

    Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; […]»

    15

    O artigo 8.o da Diretiva 2004/38, com a epígrafe «Formalidades administrativas para os cidadãos da União», prevê no seu n.o 4:

    «Os Estados‑Membros não podem fixar um montante fixo para os recursos que consideram ‘suficientes’, devendo ter em conta a situação pessoal da pessoa em questão. Em todo o caso, este montante não deve ser superior ao nível de recursos abaixo do qual os nacionais do Estado‑Membro de acolhimento passam a poder beneficiar de assistência social, ou, quando este critério não for aplicável, superior à pensão mínima de segurança social paga pelo Estado‑Membro de acolhimento.»

    16

    O artigo 14.o da Diretiva 2004/38, com a epígrafe «Conservação do direito de residência», dispõe:

    «1.   Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se refere o artigo 6.o, desde que não se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento.

    2.   Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se referem os artigos 7.°, 12.° e 13.° enquanto preencherem as condições neles estabelecidas.

    Em casos específicos em que haja dúvidas razoáveis quanto a saber se um cidadão da União ou os membros da sua família preenchem as condições a que se referem os artigos 7.°, 12.° e 13.°, os Estados‑Membros podem verificar se tais condições são preenchidas. Esta verificação não é feita sistematicamente.

    3.   O recurso ao regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento por parte de um cidadão da União ou dos membros da sua família não deve ter como consequência automática uma medida de afastamento.

    4.   Em derrogação dos n.os 1 e 2 e sem prejuízo do disposto no capítulo VI, em caso algum pode ser tomada uma medida de afastamento contra cidadãos da União ou membros das suas famílias se:

    a)

    Os cidadãos da União forem trabalhadores assalariados ou não assalariados; ou

    b)

    Os cidadãos da União entraram no território do Estado‑Membro de acolhimento para procurar emprego. Neste caso, os cidadãos da União e os membros das suas famílias não podem ser afastados enquanto os cidadãos da União comprovarem que continuam a procurar emprego e que têm hipóteses genuínas de serem contratados.»

    17

    O artigo 24.o da Diretiva 2004/38, com a epígrafe «Igualdade de tratamento», dispõe:

    «1.   Sob reserva das disposições específicas previstas expressamente no Tratado e no direito secundário, todos os cidadãos da União que, nos termos da presente diretiva, residam no território do Estado‑Membro de acolhimento beneficiam de igualdade de tratamento em relação aos nacionais desse Estado‑Membro, no âmbito de aplicação do Tratado. O benefício desse direito é extensível aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e tenham direito de residência ou direito de residência permanente.

    2.   Em derrogação do n.o 1, o Estado‑Membro de acolhimento pode não conceder o direito a prestações de assistência social durante os primeiros três meses de residência ou, quando pertinente, o período mais prolongado previsto na alínea b) do n.o 4 do artigo 14.o, assim como, antes de adquirido o direito de residência permanente, pode não conceder ajuda de subsistência, incluindo a formação profissional, constituída por bolsas de estudo ou empréstimos estudantis, a pessoas que não sejam trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados, que não conservem este estatuto ou que não sejam membros das famílias dos mesmos.»

    Direito alemão

    Código da Segurança Social

    18

    O § 19a, n.o 1, constante do livro I do Código da Segurança Social (Sozialgesetzbuch Erstes Buch, a seguir «SGB I»), prevê os dois principais tipos de prestações do seguro de base para as pessoas candidatas a emprego:

    «As pessoas candidatas a emprego podem reivindicar, ao abrigo do direito ao seguro de base:

    1.   prestações destinadas a favorecer a inserção no trabalho,

    2.   prestações destinadas a assegurar a subsistência.»

    19

    No livro II do Código da Segurança Social (Sozialgesetzbuch Zweites Buch, a seguir «SGB II»), o seu § 1, com a epígrafe «Função e objetivo do seguro de base para as pessoas candidatas a emprego», dispõe, nos seus n.os 1 e 3:

    «(1)   O seguro de base para as pessoas candidatas a emprego destina‑se a permitir aos seus beneficiários ter uma vida compatível com a dignidade humana.

    [...]

    (3)   O seguro de base para as pessoas candidatas a emprego inclui prestações

    1.

    destinadas a pôr termo ou reduzir o estado de necessidade, especialmente, mediante a inserção no trabalho e

    2.

    destinadas a assegurar a subsistência.»

    20

    O § 7 do SGB II, com a epígrafe «Beneficiários», prevê:

    «(1)   As prestações previstas no presente livro destinam‑se às pessoas que

    1.

    tenham completado 15 anos de idade, mas não atingiram ainda o limite de idade previsto no § 7a,

    2.

    estejam aptas para trabalhar,

    3.

    sejam carenciadas e

    4.

    residam habitualmente na República Federal da Alemanha (beneficiários aptos para trabalhar). Excluem‑se

    1.

    os estrangeiros de ambos os sexos que não sejam trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados na República Federal da Alemanha e que não gozem do direito de livre circulação, ao abrigo do § 2, n.o 3, da Lei relativa à livre circulação dos cidadãos da União [Freizügigkeitsgesetz/EU, a seguir ‘FreizügG/EU’], e os membros da sua família, durante os três primeiros meses da sua residência,

    2.

    os estrangeiros de ambos os sexos, cujo direito de residência só seja justificado pela procura de um emprego, e os membros da sua família,

    [...]

    O segundo período, ponto 1, não é aplicável aos estrangeiros de ambos os sexos que residam na República Federal da Alemanha, em conformidade com um título de residência, concedido ao abrigo do capítulo 2, secção 5, da Lei relativa ao direito de residência. As disposições em matéria de direito de residência permanecem inalteradas.

    [...]»

    21

    O § 8, n.o 1, do SGB II, com a epígrafe «Aptidão para trabalhar», enuncia:

    «Está apta para trabalhar qualquer pessoa que, num futuro previsível, não esteja incapacitada, em consequência de uma doença ou de uma deficiência, para exercer uma atividade profissional, no mínimo três horas por dia, nas condições habituais do mercado de trabalho.»

    22

    O § 9 do SGB II dispõe no seu n.o 1:

    «É carenciada qualquer pessoa que não possa assegurar a sua subsistência, ou assegurá‑la suficientemente, com base no rendimento ou no património a ter em consideração e não receba a assistência necessária de outras pessoas, em especial de membros da sua família ou de outros organismos de prestações sociais.»

    23

    O § 20 do SGB II enuncia as disposições complementares relativas às necessidades básicas de subsistência. O § 21 do SGB II prevê as regras relativas às necessidades suplementares e o § 22 do SGB II as relativas às necessidades de alojamento e de aquecimento. Por último, os §§ 28 a 30 do SGB II respeitam a subsídios de formação e de participação.

    24

    No livro XII do Código da Segurança Social (Sozialgesetzbuch Zwölftes Buch, a seguir «SGB XII»), o seu § 1, que respeita ao apoio social, dispõe:

    «O objetivo do apoio social é permitir aos seus beneficiários ter uma vida compatível com a dignidade humana. […]»

    25

    O § 21 do SGB XII prevê:

    «Não são pagas prestações de subsistência às pessoas que sejam beneficiárias de prestações concedidas ao abrigo do livro II, na medida em que estejam aptas para trabalhar ou devido à sua relação familiar. [...]»

    26

    O § 23 do SGB XII, com a epígrafe «Assistência social para estrangeiros», tem a seguinte redação:

    «(1)   Deve ser assegurado aos estrangeiros que residam efetivamente no território nacional o apoio de subsistência, a assistência na doença, na gravidez e na maternidade, bem como o acesso aos cuidados de saúde, nos termos do presente livro. As disposições do capítulo IV não são afetadas. Quanto ao remanescente, pode ser concedido apoio social, quando tal se justifique em função das circunstâncias individuais. As restrições do primeiro período não são aplicáveis aos estrangeiros que possuam um título de residência de duração ilimitada [‘Niederlassungserlaubnis’] ou uma licença de residência de duração limitada [‘befristeter Aufenthaltstitel’] e que decidam residir a título permanente no território federal. Não são afetadas as disposições nos termos das quais as prestações de apoio social, que não as referidas no primeiro período, devem ou deveriam ser pagas.

    [...]

    (3)   Os estrangeiros que tenham entrado em território nacional para obter apoio social ou cujo direito de residência decorra apenas do objetivo de procurar um emprego não têm direito ao apoio social, assim como os membros da sua família. Se tiverem entrado em território nacional para tratar ou curar uma doença, a assistência às pessoas doentes só pode ser concedida para remediar uma situação crítica que ponha a vida em perigo ou para fazer o tratamento de uma doença grave ou contagiosa que se revele ao mesmo tempo indispensável e urgente.

    (4)   Os estrangeiros que beneficiem do apoio social devem ser informados dos programas de repatriamento e de reinstalação que lhes são aplicáveis; quando adequado, deve‑se agir de forma a que os estrangeiros em causa beneficiem desses programas.»

    Lei relativa à livre circulação dos cidadãos da União

    27

    O âmbito de aplicação da FreizügG/EU é descrito no § 1 desta lei:

    «A presente lei regula a entrada e a residência dos cidadãos de outros Estados‑Membros da União Europeia (cidadãos de União) e dos membros da sua família.»

    28

    O § 2 da FreizügG/EU prevê, no que se refere ao direito de entrada e de residência:

    «(1)   Os cidadãos da União que beneficiam da liberdade de circulação e os membros da sua família têm o direito de entrar e de permanecer no território federal, em conformidade com as disposições da presente lei.

    (2)   Beneficiam da liberdade de circulação, ao abrigo do direito comunitário:

    1.

    Os cidadãos da União que pretendam permanecer, como trabalhadores, para procurar um emprego ou para fazer uma formação profissional.

    [...]

    5.

    Os cidadãos da União sem atividade profissional, nas condições definidas no § 4,

    6.

    Os membros da família, em conformidade com as condições dos §§ 3 e 4,

    [...]

    (4)   Os cidadãos da União não necessitam de visto para entrar no território federal nem de título de residência para aí permanecer. [...]

    (5)   Basta que os cidadãos da União estejam na posse de um bilhete de identidade ou de um passaporte válidos para poderem permanecer durante um período até três meses. Os membros da família que não possuam cidadania da União dispõem do mesmo direito se estiverem na posse de um passaporte (ou de um documento que substitua o passaporte) certificado ou devidamente autorizado e quando acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União.

    [...]

    (7)   A inexistência do direito referido no n.o 1 pode ser declarada quando se demonstre que a pessoa em causa tentou fazer crer que preenchia as condições exigidas, utilizando documentos falsificados ou alterados ou induzindo em erro. A inexistência do direito referido no n.o 1 pode ainda ser declarada relativamente ao membro da família que não possui a cidadania da União quando se demonstre que não acompanha nem se vai reunir ao cidadão da União para estabelecer ou preservar a comunidade da vida familiar. Nesse caso, pode ser recusada ao membro da família que não possui a cidadania da União a emissão do título de residência ou do visto ou ser‑lhe retirado o título de residência. As decisões tomadas nos termos do primeiro a terceiro períodos carecem da forma escrita.»

    29

    O § 3 da FreizügG/EU, relativo aos membros da família, dispõe:

    «(1)   Os membros da família dos cidadãos da União referidos no § 2, n.o 2, pontos 1 a 5, beneficiam do direito previsto no § 2, n.o 1, quando acompanhem o referido cidadão da União ou quando se lhe reúnam. O mesmo se aplica aos membros da família dos cidadãos da União referidos no § 2, n.o 2, ponto 5, em conformidade com as condições do § 4.

    (2)   São membros da família

    1.

    o cônjuge ou companheiro(a) em união de facto e os parentes em linha descendente das pessoas referidas no § 2, n.o 2, pontos 1 a 5 e 7, ou dos seus cônjuges ou companheiro(a)s em união de facto, que ainda não tenham completado 21 anos de idade.

    2.

    os parentes em linha ascendente ou descendente das pessoas referidas no § 2, n.o 2, pontos 1 a 5 e 7, ou dos seus cônjuges ou companheiro(a)s em união de facto, cuja subsistência é assegurada por essas pessoas ou seus cônjuges ou companheiro(a)s em união de facto.

    […]»

    30

    O § 4 da FreizügG/EU dispõe, em relação às pessoas que beneficiam da liberdade de circulação e que não exercem uma atividade profissional:

    «Os cidadãos da União sem atividade profissional e os membros da sua família que os acompanhem ou que se lhes reúnam beneficiam do direito previsto no § 2, n.o 1, se dispuserem de um seguro de saúde suficiente e de meios de subsistência bastantes. Se um cidadão da União reside no território federal ao abrigo do estatuto de estudante, apenas beneficiam deste direito o seu cônjuge ou companheiro(a) em união de facto e os seus filhos, cuja subsistência esteja assegurada.»

    31

    O § 5 da FreizügG/EU, com a epígrafe «Títulos de residência e declaração relativa ao direito de residência permanente», prevê:

    «[…]

    (2)   O serviço de estrangeiros competente pode exigir que as condições do direito previstas no § 2, n.o 1, sejam demonstradas de forma credível nos três meses seguintes às entrada no território federal. As informações e elementos de prova necessários à justificação podem ser recebidos, quando do registo administrativo, pela autoridade de registo competente, que os transmite ao serviço de estrangeiros competente. A autoridade de registo não procede a nenhuma outra utilização ou exploração desses dados.

    (3)   Se justificado por alguma circunstância especial, pode ser realizado um controlo destinado a verificar se estão ou continuam a estar reunidas as condições do direito previstas no § 2, n.o 1.

    [...]»

    32

    O § 5a da FreizügG/EU dispõe:

    «(1)   A autoridade competente pode pedir a um cidadão da União que lhe apresente, nas circunstâncias previstas no § 5, n.o 2, um bilhete de identidade ou um passaporte válidos, e nas circunstâncias previstas no

    [...]

    3.   § 2, n.o 2, ponto 5, a prova de um seguro de saúde suficiente e de meios de subsistência bastantes.»

    33

    O § 6 da FreizügG/EU, relativo à perda do direito de entrada e residência, enuncia:

    «(1)   Sem prejuízo do disposto no § 2, n.o 7, e no § 5, n.o 4, só pode ser declarada a perda do direito previsto no § 2, n.o 1, retirado o certificado relativo ao direito de residência permanente e revogado o título de residência ou de residência permanente por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (artigos 45.°, n.o 3, e 52.°, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia). A entrada no território também pode ser recusada pelos motivos referidos no primeiro período.

    (2)   Uma condenação penal não basta, por si só, para justificar as decisões ou medidas a que se refere o n.o 1. Só podem ser tidas em consideração as condenações penais ainda não apagadas do registo central, e unicamente na medida que as circunstâncias subjacentes a estas condenações evidenciem um comportamento pessoal que represente uma ameaça real para a ordem pública. Deve tratar‑se de uma ameaça efetiva e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade.

    (3)   Para efeitos da tomada de uma decisão nos termos do n.o 1, deve ter‑se particularmente em conta a duração da residência do interessado na Alemanha, a sua idade, o seu estado de saúde, a sua situação familiar e económica, a sua integração social e cultural na Alemanha e a intensidade dos laços com o seu país de origem.

    [...]

    (6)   As decisões ou medidas relativas à perda do direito de residência ou do direito de residência permanente não podem ser adotadas para fins económicos.

    [...]»

    34

    No que respeita à obrigação de deixar o território, o § 7 da FreizügG/EU dispõe:

    «(1)   Os cidadãos da União e os membros das suas famílias são obrigados a deixar o território quando o serviço de estrangeiros tiver declarado que não beneficiam do direito de entrada e de residência. A decisão deve informar sobre a possibilidade de condução à fronteira e fixar um prazo para a partida. Salvo casos urgentes, o prazo deve ser de pelo menos um mês. […]

    (2)   Os cidadãos da União e os membros das suas famílias que perderam o direito de livre circulação nos termos do § 6, n.o 1, ficam proibidos de entrar e residir novamente no território federal. Mediante pedido, a proibição prevista no período anterior pode ser limitada no tempo. O prazo começa a contar a partir da saída do território. Qualquer pedido de anulação apresentado no termo de um prazo razoável ou de um prazo de três anos deve ser decidido no prazo de seis meses.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    35

    E. Dano, nascida em 1989, e o seu filho Florin, nascido em 2 de julho de 2009, em Saarbrücken (Alemanha), têm ambos nacionalidade romena. Segundo as conclusões do órgão jurisdicional de reenvio, E. Dano entrou na Alemanha, pela última vez, em 10 de novembro de 2010.

    36

    Em 19 de julho de 2011, a cidade de Leipzig atribuiu a E. Dano uma declaração de residência de duração ilimitada («Unbefristete Freizügigkeitsbescheinigung») destinada aos cidadãos da União, que fixou o dia 27 de junho de 2011 como data de entrada no território alemão. Além disso, em 28 de janeiro de 2013, aquela cidade emitiu um duplicado da referida declaração.

    37

    E. Dano e o filho vivem, desde a sua chegada a Leipzig, no apartamento de uma irmã de E. Dano, a qual providencia à sua alimentação.

    38

    E. Dano recebe, pelo seu filho Florin, prestações por filho a cargo («Kindergeld»), pagas pela Caixa de Prestações Familiares de Leipzig por conta da Agência Federal para o Emprego, no valor de 184 euros mensais. Além disso, o Serviço de assistência social para a juventude e infância de Leipzig paga um adiantamento sobre a pensão de alimentos no valor de 133 euros por mês, para o filho, cujo pai é desconhecido.

    39

    E. Dano frequentou a escola durante três anos na Roménia, mas não possui nenhum certificado de conclusão de ciclo de ensino. Compreende a língua alemã oral e é capaz de se exprimir de forma simples nesta língua. Em contrapartida, não é capaz de escrever nesta língua e só de forma limitada consegue ler textos redigidos em alemão. Não tem qualificações profissionais e, até à data, não exerceu nenhuma profissão na Alemanha nem na Roménia. Apesar de a sua capacidade para trabalhar nunca ter sido contestada, nada indicia que tenha procurado um emprego.

    40

    E. Dano e o filho apresentaram um primeiro pedido de atribuição de prestações do seguro de base ao abrigo do SGB II, o qual foi indeferido pelo Jobcenter Leipzig, por decisão de 28 de setembro de 2011, com base no § 7, n.o 1, segundo período, ponto 2, do SGB II. Esta decisão não foi contestada, pelo que se tornou definitiva.

    41

    Em 25 de janeiro de 2012, foi apresentado um novo pedido para as mesmas prestações, o qual também foi indeferido pelo Jobcenter Leipzig, por decisão de 23 de fevereiro de 2012. E. Dano e o filho interpuseram recurso administrativo desta decisão de indeferimento, com fundamento nos artigos 18.° TFUE e 45.° TFUE e no acórdão Vatsouras e Koupatantze (C‑22/08 e C‑23/08, EU:C:2009:344). Por decisão de 1 de junho de 2012, foi negado provimento a este recurso.

    42

    Em 1 de julho de 2012, E. Dano e o filho interpuseram recurso desta decisão no Sozialgericht Leipzig, no qual pediram novamente a atribuição das prestações do seguro de base para candidatos a emprego, ao abrigo do SGB II, para o período que se iniciou em 25 de janeiro de 2012.

    43

    Esse órgão jurisdicional considera que, por força do disposto no § 7, n.o 1, segundo período, ponto 2, do SGB II e do § 23, n.o 3, do SGB XII, E. Dano e o filho não têm direito às prestações do seguro de base. Todavia, interroga‑se quanto à questão de saber se as disposições do direito da União, designadamente o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004, o princípio geral da não discriminação que resulta do artigo 18.o TFUE e o direito geral de permanência resultante do artigo 20.o TFUE se opõem às referidas disposições do direito alemão.

    44

    Segundo as conclusões do órgão jurisdicional de reenvio, o processo principal diz respeito a pessoas que não podem reclamar um direito de residência no Estado de acolhimento nos termos da Diretiva 2004/38.

    45

    Nestas circunstâncias, o Sozialgericht Leipzig decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Devem considerar‑se abrangidas pelo âmbito de aplicação pessoal do artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 as pessoas que pretendem beneficiar não de prestações de segurança social nem de assistência familiar, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, [deste] regulamento, mas de uma prestação especial de caráter não contributivo na aceção dos artigos 3.°, n.o 3, e 70.° do [referido] regulamento?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: os Estados‑Membros estão impedidos [nos termos do artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004] de excluir, total ou parcialmente, cidadãos da União carenciados, do benefício de prestações sociais de caráter não contributivo que asseguram a subsistência, na aceção do artigo 70.o do [Regulamento n.o 883/2004], que são concedidas aos próprios nacionais na mesma situação, para evitar o recurso desproporcionado a essas prestações?

    3)

    Em caso de resposta negativa à primeira [ou] segunda questões: os Estados‑Membros estão impedidos de excluir, total ou parcialmente, nos termos a) do artigo 18.o TFUE e/ou b) do artigo 20.o, n.o 2, [primeiro parágrafo], alínea a), TFUE, em conjugação com o artigo 20.o, n.o 2, [segundo parágrafo], TFUE, e o artigo 24.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, cidadãos da União carenciados, do benefício de prestações sociais de caráter não contributivo que asseguram a subsistência, na aceção do artigo 70.o do Regulamento n.o 883/2004, que são concedidas aos próprios nacionais na mesma situação, para evitar o recurso desproporcionado a essas prestações?

    4)

    Se as respostas às questões que antecedem levarem à conclusão de que a exclusão parcial de prestações que asseguram a subsistência é conforme [com o] direito da União: pode ser limitada a concessão de prestações, de caráter não contributivo, que asseguram a subsistência a cidadãos da União, [com] exceção dos casos de extrema urgência, à disponibilização dos meios necessários para o regresso ao país de origem, ou impõem os artigos 1.°, 20.° e 51.° da Carta […] prestações mais abrangentes, que possibilitem uma [residência] permanente?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    46

    Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que o seu âmbito de aplicação abrange as «prestações especiais de caráter não contributivo» na aceção dos artigos 3.°, n.o 3, e 70.° do referido regulamento.

    47

    A título preliminar, importa declarar que o órgão jurisdicional de reenvio qualificou as prestações em causa no processo principal de «prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo» na aceção do artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004.

    48

    A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que o artigo 3.o do Regulamento n.o 883/2004 define o âmbito de aplicação material deste regulamento enunciando expressamente, no seu n.o 3, que o referido regulamento «[se aplica] igualmente às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo abrangidas pelo artigo 70.o [do mesmo regulamento]».

    49

    Por conseguinte, resulta claramente da redação do artigo 3.o do Regulamento n.o 883/2004 que este regulamento se aplica às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo.

    50

    Em segundo lugar, importa precisar que o artigo 70.o do Regulamento n.o 883/2004 prevê, no seu n.o 3, que o artigo 7.o deste regulamento, que rege a «derrogação das regras de residência», e os outros capítulos do título III do mesmo regulamento, consagrado às diferentes categorias de prestações, não se aplicam às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo.

    51

    Portanto, embora seja verdade que o artigo 70.o, n.o 3, do Regulamento n.o 883/2004 torna, excecionalmente, certas disposições deste regulamento inaplicáveis às referidas prestações, o seu artigo 4.o não figura entre essas disposições.

    52

    Por último, a interpretação segundo a qual o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 é aplicável às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo corresponde à intenção do legislador da União, como resulta do considerando 3 do Regulamento n.o 1247/92, que alterou o Regulamento n.o 1408/71 para lhe aditar disposições relativas às prestações deste tipo a fim de atender à jurisprudência nesta matéria.

    53

    Nos termos do considerando 7, tais prestações devem ser concedidas exclusivamente em conformidade com a legislação do país em cujo território a pessoa em causa ou os membros da sua família residem, totalizando, consoante seja necessário, os períodos de residência cumpridos no território de qualquer outro Estado‑Membro e sem qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

    54

    A disposição especial que o legislador da União introduziu, deste modo, no Regulamento n.o 1408/71 através do Regulamento n.o 1247/92 caracteriza‑se, portanto, pela não exportabilidade das prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo em contrapartida de uma igualdade de tratamento no Estado de residência.

    55

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que as «prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo» na aceção dos artigos 3.°, n.o 3, e 70.° deste regulamento são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 4.o do referido regulamento.

    Quanto à segunda e terceira questões

    56

    Com a segunda e terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 18.° TFUE, 20.°, n.o 2, TFUE, 24.°, n.o 2, da Diretiva 2004/38 e 4.° do Regulamento n.o 883/2004 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual os cidadãos de outros Estados‑Membros, economicamente não ativos, são, total ou parcialmente, excluídos do benefício de determinadas «prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo» na aceção do Regulamento n.o 883/2004, quando essas prestações são garantidas aos cidadãos do Estado‑Membro em causa que se encontrem na mesma situação.

    57

    A título preliminar, há que referir que o artigo 20.o, n.o 1, TFUE atribui a qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro o estatuto de cidadão da União (acórdão N., C‑46/12, EU:C:2013:9725, n.o 25).

    58

    Como o Tribunal de Justiça já declarou reiteradamente, o estatuto de cidadão da União tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros que permite aos que se encontrem na mesma situação obter, no domínio de aplicação ratione materiae do Tratado FUE, independentemente da sua nacionalidade e sem prejuízo das exceções expressamente previstas a este respeito, o mesmo tratamento jurídico (acórdãos Grzelczyk, C‑184/99, EU:C:2001:458, n.o 31; D’Hoop, C‑224/98, EU:C:2002:432, n.o 28, e N., EU:C:2013:9725, n.o 27).

    59

    Qualquer cidadão da União pode por conseguinte invocar a proibição de discriminação em razão da nacionalidade que figura no artigo 18.o TFUE em todas as situações abrangidas pelo domínio de aplicação ratione materiae do direito da União. Estas situações incluem as decorrentes do exercício da liberdade de circular e de permanecer no território dos Estados‑Membros conferida pelos artigos 20.°, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), TFUE e 21.° TFUE (v. acórdão N., EU:C:2013:97, n.o 28 e jurisprudência aí referida).

    60

    A este respeito, importa declarar que o artigo 18.o, n.o 1, TFUE proíbe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade «[n]o âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais». O artigo 20.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE precisa, expressamente, que os direitos que este artigo confere aos cidadãos da União «são exercidos nas condições e nos limites definidos pelos Tratados e pelas medidas adotadas para a sua aplicação». Além disso, o artigo 21.o, n.o 1, TFUE subordina, ele também, o direito de os cidadãos da União circularem e permanecerem livremente no território dos Estados‑Membros ao respeito «das limitações e das condições previstas no Tratado e nas disposições adotadas em sua aplicação» (v. acórdão Brey, C‑140/12, EU:C:2013:565, n.o 46 e jurisprudência aí referida).

    61

    Assim, o princípio da não discriminação, consagrado de forma genérica no artigo 18.o TFUE, é concretizado no artigo 24.o da Diretiva 2004/38 a respeito dos cidadãos da União que, à semelhança dos recorrentes no processo principal, exercem a sua liberdade de circular e residir no território dos Estados‑Membros. Este princípio encontra‑se também concretizado no artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 a respeito dos cidadãos da União que, como os recorrentes no processo principal, solicitam, no Estado‑Membro de acolhimento, prestações previstas no artigo 70.o, n.o 2, do referido regulamento.

    62

    Nestas condições, há que proceder à interpretação dos artigos 24.° da Diretiva 2004/38 e 4.° do Regulamento n.o 883/2004.

    63

    A título preliminar, importa declarar que as «prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo» previstas no artigo 70.o, n.o 2, deste regulamento se enquadram no conceito de «prestações de assistência social» na aceção do artigo 24.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38. Com efeito, este conceito refere‑se a todos os regimes de ajuda instituídos por autoridades públicas, a nível nacional, regional ou local, aos quais recorre um indivíduo que não dispõe de recursos suficientes para fazer face às suas necessidades elementares nem às da sua família, e que, em virtude deste facto, corre o risco de se tornar, durante a sua permanência, numa sobrecarga para as finanças públicas do Estado‑Membro de acolhimento, suscetível de ter consequências no nível global da ajuda que pode ser concedida por esse Estado (acórdão Brey, EU:C:2013:565, n.o 61).

    64

    Esclarecido isto, cumpre salientar que, enquanto o artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 e o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 reiteram a proibição de discriminação em razão da nacionalidade, o artigo 24.o, n.o 2, da referida diretiva contém uma derrogação ao princípio da não discriminação.

    65

    Por força desta última disposição, o Estado‑Membro de acolhimento pode não conceder o direito a prestações de assistência social durante os primeiros três meses de residência ou, quando pertinente, durante o período de procura de emprego, previsto no artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38, que ultrapasse esse primeiro período, assim como, antes de adquirido o direito de residência permanente, pode não conceder ajuda de subsistência para apoio aos estudos a pessoas que não sejam trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados, que não conservem este estatuto ou que não sejam membros da família desses trabalhadores.

    66

    A este propósito, resulta dos autos que E. Dano reside na Alemanha há mais de três meses, que não está à procura de emprego e que não entrou no território desse Estado‑Membro para aí trabalhar, pelo que não se enquadra no âmbito de aplicação pessoal do artigo 24.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38.

    67

    Nestas condições, há que verificar se o artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 e o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 se opõem à recusa de concessão de prestações sociais numa situação como a que está em causa no processo principal.

    68

    Importa sublinhar que, em conformidade com o artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, todos os cidadãos da União que, nos termos desta diretiva, residam no território do Estado‑Membro de acolhimento beneficiam de igualdade de tratamento em relação aos nacionais desse Estado‑Membro, no âmbito de aplicação do Tratado.

    69

    Daqui decorre que um cidadão da União, no que respeita ao acesso a prestações sociais, como as que estão em causa no processo principal, só pode reclamar uma igualdade de tratamento com os nacionais do Estado‑Membro de acolhimento se a sua residência no território do Estado‑Membro de acolhimento respeitar as condições da Diretiva 2004/38.

    70

    Assim, em primeiro lugar, relativamente aos períodos de residência até três meses, o artigo 6.o da Diretiva 2004/38 limita as condições ou as formalidades do direito de residência à exigência de ser titular de um bilhete de identidade ou de um passaporte válidos e o artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva mantém este direito enquanto o cidadão da União e os membros da sua família não se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento (acórdão Ziolkowski e Szeja, C‑424/10 e C‑425/10, EU:C:2011:866, n.o 39). Por força do artigo 24.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, o Estado‑Membro de acolhimento não está assim obrigado a conceder o direito a uma prestação social a um cidadão de outro Estado‑Membro ou aos membros da sua família durante esse período.

    71

    Em segundo lugar, relativamente a uma residência com uma duração superior a três meses, o benefício do direito de residência está subordinado aos requisitos enunciados no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 e, nos termos do seu artigo 14.o, n.o 2, este direito só se mantém se o cidadão da União e os membros da sua família preencherem esses requisitos. Resulta, em especial, do considerando 10 desta diretiva que estes requisitos têm como finalidade, nomeadamente, evitar que essas pessoas se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento (acórdão Ziolkowski e Szeja, EU:C:2011:866, n.o 40).

    72

    Em terceiro lugar, resulta do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 que os cidadãos da União adquirem o direito de residência permanente depois de terem residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento e que este direito não está sujeito aos requisitos mencionados no número anterior. Como salientado no considerando 18 desta diretiva, o direito de residência permanente, uma vez adquirido, não deve estar sujeito a outros requisitos, para que possa constituir um verdadeiro instrumento de integração na sociedade desse Estado (acórdão Ziolkowski e Szeja, EU:C:2011:866, n.o 41).

    73

    Por conseguinte, para apreciar se os cidadãos da União, economicamente não ativos, na situação dos recorrentes no processo principal, cuja duração de residência no Estado‑Membro de acolhimento é superior a três meses, mas inferior a cinco anos, podem almejar uma igualdade de tratamento com os cidadãos desse Estado‑Membro no que respeita ao direito a prestações sociais, há que examinar se a residência desses cidadãos respeita as condições do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38. Entre essas condições figura a obrigação de o cidadão da União economicamente não ativo dispor de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família.

    74

    Admitir que pessoas que não beneficiam de um direito de residência nos termos da Diretiva 2004/38 possam reclamar um direito a prestações sociais nas mesmas condições aplicáveis aos cidadãos nacionais iria contra o objetivo da referida diretiva, enunciado no seu considerando 10, que visa evitar que os cidadãos da União nacionais de outros Estados‑Membros se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento.

    75

    A este respeito, importa acrescentar que, relativamente à condição de dispor de recursos suficientes, a Diretiva 2004/38 distingue entre, por um lado, as pessoas que exercem uma atividade profissional e, por outro, as que não a exercem. Segundo o artigo 7.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/38, o primeiro grupo de cidadãos que se encontra no Estado‑Membro de acolhimento dispõe do direito de residência sem ter de preencher mais nenhuma condição. Pelo contrário, quanto às pessoas que são economicamente inativas, o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva exige que as mesmas satisfaçam a condição de dispor de recursos próprios suficientes.

    76

    Por conseguinte, importa declarar que o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 se destina a impedir que os cidadãos da União economicamente inativos utilizem o sistema de proteção social do Estado‑Membro de acolhimento para financiar a sua subsistência.

    77

    Como salientou o advogado‑geral nos n.os 93 e 96 das suas conclusões, a eventual existência de uma desigualdade de tratamento entre os cidadãos da União que tenham feito uso do seu direito de livre circulação e de residência e os cidadãos do Estado‑Membro de acolhimento a respeito da atribuição de prestações sociais é uma consequência inevitável da Diretiva 2004/38. Com efeito, essa potencial desigualdade assenta na relação que o legislador da União estabeleceu no artigo 7.o da referida diretiva entre, por um lado, a exigência de recursos suficientes como condição de residência e, por outro, a preocupação de não criar um encargo para o regime de segurança social dos Estados‑Membros.

    78

    Por conseguinte, os Estados‑Membros devem ter a possibilidade, em aplicação do referido artigo 7.o, de recusar a concessão de prestações sociais a cidadãos da União economicamente inativos que exerçam a sua liberdade de circulação com o único objetivo de obter o benefício do apoio social de outro Estado‑Membro, apesar de não disporem de recursos suficientes para acederem ao benefício de um direito de residência.

    79

    Privar o Estado‑Membro em causa desta possibilidade teria como consequência, como concluiu o advogado‑geral no n.o 106 das suas conclusões, que uma pessoa que, aquando da sua chegada ao território de outro Estado‑Membro, não dispusesse de recursos suficientes para suprir às suas necessidades obtê‑los‑ia automaticamente pela concessão de uma prestação pecuniária especial de caráter não contributivo, cujo objetivo é assegurar a subsistência do beneficiário.

    80

    Consequentemente, há que efetuar um exame concreto da situação económica de cada interessado, sem atender às prestações sociais pedidas, a fim de apreciar se o mesmo satisfaz a condição de dispor de recursos suficientes para poder beneficiar de um direito de residência ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38.

    81

    No processo principal, segundo as verificações efetuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, os recorrentes não dispõem de recursos suficientes e, por conseguinte, não podem reclamar um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento ao abrigo da Diretiva 2004/38. Consequentemente, como salientado no n.o 69 do presente acórdão, não podem invocar o princípio da não discriminação do artigo 24.o, n.o 1, da referida diretiva.

    82

    Nestas circunstâncias, o artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, conjugado com o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da mesma, não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, na medida em que esta exclui do benefício de certas «prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo» na aceção do artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 os cidadãos de outros Estados‑Membros que não beneficiam de um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento nos termos da Diretiva 2004/38.

    83

    A mesma conclusão impõe‑se no que respeita à interpretação do artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004. Com efeito, as prestações em causa no processo principal, que constituem «prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo» na aceção do artigo 70.o, n.o 2, do referido regulamento, são, por força do n.o 4 desse mesmo artigo, concedidas exclusivamente no Estado‑Membro de residência do interessado e de acordo com a respetiva legislação. Daqui resulta que nada se opõe a que a atribuição de tais prestações a cidadãos da União economicamente não ativos seja subordinada à exigência de que estes preencham as condições para dispor de um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento, nos termos da Diretiva 2004/38 (v., neste sentido, acórdão Brey, EU:C:2013:965, n.o 44).

    84

    À luz do exposto, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, conjugado com o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da mesma, e o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual os cidadãos de outros Estados‑Membros são excluídos do benefício de determinadas «prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo» na aceção do artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, quando essas prestações são garantidas aos cidadãos do Estado‑Membro do acolhimento que se encontrem na mesma situação, na medida em que esses cidadãos de outros Estados‑Membros não beneficiam de um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento nos termos da Diretiva 2004/38.

    Quanto à quarta questão

    85

    Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 1.°, 20.° e 51.° da Carta devem ser interpretados no sentido de que impõem que os Estados‑Membros concedam aos cidadãos da União prestações pecuniárias de seguro de base de caráter não contributivo suscetíveis de permitir uma residência permanente ou de que esses Estados podem limitar essa concessão à disponibilização dos meios necessários para o regresso ao Estado de origem.

    86

    Importa recordar que, no âmbito de um reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça apenas pode interpretar o direito da União nos limites das competências que lhe são atribuídas (v., designadamente, acórdão Betriu Montull, C‑5/12, EU:C:2013:571, n.o 68 e jurisprudência aí referida).

    87

    A este respeito, o artigo 51.o, n.o 1, da Carta estipula que as suas disposições têm por destinatários «os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União».

    88

    Segundo o artigo 6.o, n.o 1, TUE, de forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competências da União, tal como definidas nos Tratados. Da mesma forma, por força do artigo 51.o, n.o 2, da Carta, esta não torna o âmbito de aplicação do direito da União extensivo a competências que não sejam as da União, não cria quaisquer novas atribuições ou competências para a União, nem modifica as atribuições e competências definidas pelos Tratados (v. acórdão Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.os 17 e 23, e despacho Nagy, C‑488/12 a C‑491/12 e C‑526/12, EU:C:2013:703, n.o 15).

    89

    A este propósito, importa declarar que, no n.o 41 do acórdão Brey (EU:C:2013:565), o Tribunal de Justiça confirmou que o artigo 70.o do Regulamento n.o 883/2004, que define o conceito de «prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo», não tem por objetivo determinar as condições de fundo da existência do direito às referidas prestações. Cabe ao legislador de cada Estado‑Membro determinar essas condições.

    90

    Por conseguinte, na medida em que as referidas condições não resultam do Regulamento n.o 883/2004 nem da Diretiva 2004/38 ou de outros atos de direito derivado da União, sendo os Estados‑Membros competentes para estabelecer as condições de concessão de tais prestações, também o são, como salientou o advogado‑geral no n.o 146 das suas conclusões, para definir o alcance da cobertura social assegurada por esse tipo de prestações.

    91

    Consequentemente, quando definem as condições e o alcance da concessão das prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo, os Estados‑Membros não aplicam o direito da União.

    92

    Daqui se conclui que o Tribunal de Justiça não é competente para responder à quarta questão.

    Quanto às despesas

    93

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

     

    1)

    O Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 1244/2010 da Comissão, de 9 de dezembro de 2010, deve ser interpretado no sentido de que as «prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo» na aceção dos artigos 3.°, n.o 3, e 70.° deste regulamento são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 4.o do referido regulamento.

     

    2)

    O artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e de residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, conjugado com o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da mesma, e o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.o 1244/2010, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual os cidadãos de outros Estados‑Membros são excluídos do benefício de determinadas «prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo» na aceção do artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, quando essas prestações são garantidas aos cidadãos do Estado‑Membro do acolhimento que se encontrem na mesma situação, na medida em que esses cidadãos de outros Estados‑Membros não beneficiam de um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento nos termos da Diretiva 2004/38.

     

    3)

    O Tribunal de Justiça da União Europeia não é competente para responder à quarta questão.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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