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Document 61988CC0109

Conclusões do advogado-geral Lenz apresentadas em 31 de Maio de 1989.
Handels- og Kontorfunktionærernes Forbund I Danmark contra Dansk Arbejdsgiverforening, agindo por conta de Danfoss.
Pedido de decisão prejudicial: Faglige Voldgiftsret - Dinamarca.
Igualdade de tratamento entre trabalhadores masculinos e femininos em matéria de remuneração.
Processo 109/88.

Colectânea de Jurisprudência 1989 -03199

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1989:228

61988C0109

Conclusões do advogado-geral Lenz apresentadas em 31 de Maio de 1989. - HANDELS- OG KONTORFUNKTIONAERERNES FORBUND I DANMARK CONTRA DANSK ARBEJDSGIVERFORENING FOR DANFOSS. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: FAGLIGE VOLDGIFTSRET - DINAMARCA. - POLITIQUE SOCIALE - IGUALIDADE DE TRATAMENTO ENTRE TRABALHADORES MASCULINOS E TRABALHADORES FEMININOS EM MATERIA DE REMUNERACAO. - PROCESSO 109/88

Colectânea da Jurisprudência 1989 página 03199
Edição especial sueca página 00187
Edição especial finlandesa página 00201


Conclusões do Advogado-Geral


++++

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

A - Matéria de facto

1. O pedido prejudicial apresentado por um tribunal arbitral dinamarquês competente em matéria de convenções colectivas diz respeito à interpretação e à aplicação do princípio de igualdade de remunerações entre trabalhadores masculinos e femininos, tal como se encontra consagrado no artigo 119.° do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia e na Directiva

75/117/CEE (1).

2. As questões submetidas ao Tribunal são pertinentes no quadro do litígio que opõe a "Handels- og Kontorfunktionaerernes Forbund i Danmark" (Federação dos Empregados do Comércio e de Escritório da Dinamarca, adiante designada "demandante") à "Dansk Arbejdsgiverforening" (Confederação Dinamarquesa do Patronato), actuando em representação de Danfoss A/S (adiante designada "demandada"), e que tem por objecto uma prática salarial não discriminatória.

3. A prática salarial em questão baseia-se numa convenção colectiva nacional de 9 de Março de 1983, concluída entre a confederação patronal dinamarquesa e a demandada. Esta convenção estabelece uma mesma remuneração mínima válida para todos os trabalhadores sem distinção de sexo. Nos termos do artigo 9.° da convenção colectiva, podem ser concedidas majorações em função da capacidade do trabalhador, da sua autonomia e grau de responsabilidade. Para esse efeito, a fixação da remuneração em cada caso concreto resulta de acordo individual.

4. O presente litígio foi já precedido por um processo arbitral. A demandante tinha reclamado a igualdade de remuneração para duas mulheres pertencentes a categorias diversas no sistema de classificação dos lugares de trabalho. Nestas categorias, o salário médio dos trabalhadores masculinos era superior ao dos trabalhadores femininos. A demandante não obteve ganho de causa, por o Tribunal ter entendido apenas poder presumir-se a existência de uma discriminação ilegal em razão do sexo no caso de as demandantes terem provado que a fixação concreta dos salários se traduz num desiquilíbrio desfavorável às mulheres e que tal efeito não constitui o resultado fortuito da fixação individual dos salários com base em critérios objectivos e lícitos.

5. O tribunal arbitral profissional submeteu ao Tribunal as seguintes questões:

6. "1 a) Quando, por hipótese, um trabalhador masculino e um trabalhador feminino efectuam o mesmo trabalho ou trabalho de igual valor, a quem cabe demonstrar que a diferença de remunerações entre dois assalariados é ou não devida a considerações ligadas ao sexo?

7. 1 b) É contrário à directiva sobre a igualdade de remunerações pagar um salário mais elevado a assalariados masculinos que efectuam o mesmo trabalho, ou um trabalho do mesmo valor, que aos assalariados femininos, baseando-se a este respeito unicamente em critérios subjectivos, tais como a maior flexibilidade de um colaborador (masculino)?

8. 2 a) A directiva comunitária acima referida opõe-se a que sejam concedidos a trabalhadores de sexo diferente, que efectuam o mesmo trabalho ou um trabalho de valor igual, aumentos específicos em razão da antiguidade, de uma formação especial, etc., que acrescem ao salário de base da categoria?

9. 2 b) Se a resposta à questão 2 a) for afirmativa, como pode uma empresa, sem infringir a directiva, efectuar uma diferenciação de remuneração entre os seus diversos trabalhadores?

10. 2 c) A directiva comunitária opõe-se a que trabalhadores de sexo diferente, que efectuem o mesmo trabalho ou um trabalho de valor igual, sejam remunerados diferentemente em função de uma diferença de formação profissional?

11. 3 a) Desde que demonstrem que uma empresa que emprega um número relativamente importante de trabalhadores (por exemplo, no mínimo 100), que efectuam trabalho semelhante ou de igual valor, paga em média uma remuneração mais baixa às mulheres, relativamente aos homens, um trabalhador ou uma organização de trabalhadores podem, deste modo, demonstrar que, por esse facto, há infracção da directiva?

12. 3 b) Em caso de resposta afirmativa à questão 3 a), resulta daí que os dois grupos de assalariados (homens e mulheres) devem receber em média o mesmo salário?

13. 4 a) Na medida em que se verifique que uma diferença de remuneração de um mesmo trabalho está ligada ao facto de os dois assalariados estarem abrangidos por convenções colectivas diferentes, tal implica, a este respeito, a não aplicação da directiva?

14. 4 b) É relevante para efeitos da apreciação da questão anterior que os âmbitos de aplicação das duas convenções colectivas abranjam maioritariamente, ou mesmo na totalidade, trabalhadores, quer masculinos, quer femininos?"

15. No que respeita aos antecedentes do litígio, aos factos concretos e às observações das partes, remete-se para o relatório para audiência.

B - Parecer

I - Legalidade do recurso para o Tribunal

16. Podem-se levantar dúvidas quanto à legalidade do recurso para o Tribunal na medida em que a natureza jurisdicional do tribunal arbitral, autor do reenvio, na acepção do artigo 177.° do Tratado CEE, pode ser questionada.

17. O Tribunal estabeleceu, na sua jurisprudência, alguns critérios a satisfazer pelos tribunais de reenvio. Daí resulta que a noção comunitária do Tribunal implica uma instância independente competente para o conhecimento de litígios. O tribunal deve ser concebido legalmente como um organismo permanente e constituir uma jurisdição obrigatória chamada a decidir, mediante a aplicação de regras de direito, no quadro de um processo contencioso (2).

18. Foram estabelecidos critérios no sentido de que um tribunal deve exercer as suas funções com a aprovação da autoridade pública (3). O Tribunal considerou como tribunal uma comissão de recurso cujas decisões, proferidas no final de um processo contencioso, são efectivamente reconhecidas como definitivas, por não existir uma via de recurso efectiva para os tribunais comuns, num domínio relacionado com a aplicação do direito comunitário (4).

19. O tribunal arbitral, autor do reenvio, constitui uma instância independente competente para conhecer de litígios relativos à interpretação de convenções colectivas. Intervem normalmente em última instância, nos termos das regras processuais que foram objecto de negociação para as diversas categorias profissionais. Nos termos do artigo 22.° da lei dinamarquesa de 13 de Junho de 1973, relativa aos tribunais de trabalho, na falta de acordo sobre o processo a aplicar à resolução de um conflito sobre a interpretação, são aplicáveis as regras do "processo tipo", as quais, por sua vez, resultam de um acordo entre a confederação do patronato e a confederação dos trabalhadores. O processo de conciliação deve, em todo o caso, satisfazer determinadas condições mínimas às quais as partes não têm o direito de renunciar.

20. Mesmo que a instituição do tribunal e o processo aplicável não sejam regulados detalhadamente pela lei, o artigo 22.° da lei dinamarquesa relativa aos tribunais de trabalho não deixa de constituir uma norma imperativa. Ao proceder desta forma, o legislador dinamarquês incluiu definitivamente os tribunais arbitrais e a respectiva actividade no seu sistema legislativo.

21. Os tribunais arbitrais são normalmente constituídos ad hoc, de modo que a sua qualificação como instância permanente levanta algumas dúvidas. A este respeito, não deve atender-se à sua instituição concreta para um determinado litígio, considerando-se antes que estes tribunais arbitrais têm em matéria de direito do trabalho uma competência genérica para conhecer um determinado tipo de litígios. A competência legalmente reconhecida, nos termos da qual a instituição e a intervenção dos tribunais arbitrais se encontram previstas, institucionaliza esse tipo de tribunais arbitrais no âmbito do direito do trabalho. Estes tribunais arbitrais satisfazem, assim, igualmente os requisitos de um órgão permanente.

22. Devem ainda considerar-se instâncias obrigatórias dado que são chamados a conhecer exclusivamente litígios relativos à interpretação de convenções colectivas. Como a Comissão referiu a esse respeito sem ser desmentida, um tribunal de trabalho ao qual se tinham recorrido com violação desta repartição de competências pode declarar-se incompetente, invocando a competência do tribunal arbitral.

23. Por último, o Tribunal deve julgar em conformidade com regras jurídicas, e não apenas com base em considerações de equidade. As normas a interpretar e a aplicar no quadro de um processo pendente no tribunal arbitral em matéria de direito do trabalho são as da convenção colectiva. As normas jurídicas aplicáveis não têm que ser necessariamente disposições legislativas; as convenções colectivas podem igualmente criar normas jurídicas imperativas. Isto vale, bem entendido, antes de mais para as partes na convenção e respectivos aderentes. As convenções colectivas podem, por outro lado, em conformidade com a organização do direito de trabalho do Estado-membro em questão, gerar direitos e obrigações relativamente a terceiros, por exemplo, após terem sido objecto de uma medida geral de extensão.

24. Ressalta, por exemplo, do artigo 4.° da Directiva 75/117/CEE e dos artigos 3.°, 4.° e 5.° da Directiva 76/206/CEE (5) que o legislador comunitário partiu igualmente da ideia de que o princípio da igualdade de remunerações pode ser concretizado de modo eficaz e juridicamente vinculante através de convenções colectivas. Nos acórdãos proferidos nos processos 143/83 e 165/82, o Tribunal considerou igualmente que as convenções colectivas podem concretizar de forma juridicamente vinculante, em matéria de remunerações, o princípio da igualdade de tratamento. Dado que, em matéria de direito do trabalho, decidem em conformidade com regras jurídicas, os tribunais arbitrais satisfazem o conjunto de requisitos de um "tribunal", na acepção do artigo 177.° do Tratado CEE. Por último saliente-se ainda que as decisões arbitrais constituem decisões definitivas, já que são normalmente insusceptíveis de recurso.

II - Quanto às respostas às questões prejudiciais

25. Antes de responder à questão relativa ao ónus da prova no litígio respeitante a uma remuneração discriminatória devida a considerações ligadas ao sexo, há que esclarecer previamente determinados factos.

26. Deve, em princípio, estabelecer-se uma distinção entre discriminação indirecta e directa. As condições exigidas para provar a existência dos respectivos pressupostos diferem. Existe discriminação directa no caso de remuneração desigual, devido a considerações ligadas ao sexo, para um mesmo trabalho ou para um trabalho de igual valor. Este princípio da igualdade de remunerações resulta já, aliás, do disposto no artigo 119.° do Tratado CEE, que é directamente aplicável (6), para a concretização do qual foi adoptada a Directiva 75/117/CEE, neste ponto também directamente aplicável.

27. Neste contexto, cabe à parte que alega ser objecto de tratamento discriminatório provar a existência de um mesmo trabalho ou de trabalho de valor igual, relativamente ao qual trabalhadores masculinos e femininos recebem salários diferentes na mesma empresa. Nos casos de discriminação directa há que comparar em concreto a remuneração dos trabalhadores de sexo diferente. A prova, ainda que num caso isolado, de uma diferença de remuneração em razão do sexo é já suficiente para provar judicialmente uma discriminação ilegal em matéria de remuneração.

28. Já não se passa o mesmo nos casos de discriminação indirecta. Esta existe quando o tratamento desigual se baseia em critérios ou práticas neutros que são sistematicamente satisfeitos por trabalhadores de um mesmo sexo, representando assim uma desvantagem para a categoria de pessoas em questão. A efectiva verificação de uma discriminação indirecta pressupõe, no entanto, que a desvantagem não seja objectivamente justificada por razões ou condições necessárias não ligadas ao sexo da pessoa em

questão (7).

29. O facto de conceder, relativamente ao trabalho a tempo parcial, uma remuneração por hora de trabalho inferior à atribuída ao trabalho a tempo inteiro pode, por exemplo, implicar uma discriminação indirecta sempre que a categoria de trabalhadores a tempo parcial seja composta, exclusiva ou predominantemente, por mulheres, e que esta desigualdade de remuneraçãp não se explique por qualquer razão económica objectivamente justificada, como uma medida de encorajamento do trabalho a tempo inteiro (8).

30. Nos casos de discriminação indirecta, a parte que invoca um tratamento discriminatório encontra-se numa situação nitidamente mais difícil no que respeita à produção de prova, já que deve demonstrar que o critério neutro, aplicado indistintamente a homens e mulheres, é de facto preenchido na maior parte dos casos por trabalhadores femininos e que é utilizado para estabelecer uma discriminação baseada no sexo. O empregador acusado pode defender-se da acusação de discriminação invocando e provando a existência de razões económicas, não baseadas no sexo, que justifiquem a diferenciação.

31. A resposta à questão de saber se neste caso se trata de uma discriminação directa ou indirecta não é fácil. Dadas as modalidades da prática salarial, a comparação concreta da remuneração de um trabalhador masculino e um trabalhador feminino relativamente a um mesmo trabalhador ou a um trabalho de valor idêntico, bem como o confronto das remunerações dos trabalhadores dos dois sexos torna-se mais difícil, se não mesmo impossível.

32. O salário que deve ser efectivamente pago a cada trabalhador é calculado mediante o salário base fixado de forma não discriminatória na convenção colectiva, ao qual acrescem majorações individuais aplicadas segundo critérios abstractos enunciados no artigo 9.° da convenção colectiva. Não é, no entanto, possível conhecer o momento exacto da majoração concedida em função de cada um dos critérios subjectivos. Nem mesmo ao trabalhador interessado é comunicada qualquer indicação sobre a composição do salário.

33. O problema da qualificação de uma eventual discriminação reside no facto de a concessão de uma majoração diferenciada em razão do sexo constituir um caso de discriminação directa. Se, por exemplo, um trabalhador masculino beneficiava automaticamente, relativamente ao trabalhador feminino, de uma majoração superior com base na flexibilidade, há que considerar tratar-se de uma discriminação directa com as consequências daí decorrentes no plano do ónus da prova. Em tal caso, a comparação concreta de dois trabalhadores de sexo diferente é já suficiente para fundamentar a acusação de discriminação, não estando a demandante precisamente obrigada, no âmbito do ónus da prova que lhe incumbe, a provar a inexistência de um resultado fortuito da fixação individual do salário com base em critérios objectivos e legais. A possibilidade de um "resultado fortuito" em desfavor do trabalhador feminino revela precisamente uma discriminação em razão do sexo. Cabe ao empregador visado fornecer uma justificação objectiva, não baseada no sexo, para a diferença salarial, caso pretenda furtar-se à acusação de discriminação.

34. Segundo os critérios de majoração são objectivamente aplicáveis da mesma forma aos trabalhadores masculinos e femininos, mas que um ou vários desses critérios se aplicam a um número muito mais elevado de mulheres coloca-se a questão da discriminação indirecta. O mesmo pode igualmente dizer-se do sistema de classificação profissional, que é determinante para a fixação dos salários. A classificação profissional em função de características especiais não levanta problemas, desde que a circunstância de se basear numa determinada característica não conduza a que seja abrangido um número consideravelmente mais elevado de pessoas de um mesmo sexo. Mas, neste domínio, tal efeito não constitui ainda, por si só, uma discriminação (9), mas apenas uma diferenciação em razão do sexo, determinando, deste modo, uma remuneração não justificada por razões económicas objectivas. A alegação de uma discriminação indirecta pressupõe necessariamente, no que respeita à produção da prova, estudos comparativos dos efeitos da prática salarial em questão sobre os dois sexos.

35. A falta de transparência da prática salarial em questão não pode, neste caso, ser suportada pelos trabalhadores femininos afectados por uma discriminação potencial. A impossibilidade de estabelecer uma comparação precisa da remuneração deve ser suficiente para alegar e provar uma menor remuneração, em termos absolutos, dos trabalhadores femininos em relação aos masculinos. As exigências de prova não podem exceder o objectivamente possível, dado que, de outro modo, o princípio da igualdade de tratamento ficaria destituído de sentido no domínio processual.

36. Nos termos do artigo 6.° da Directiva 75/117/CEE, compete expressamente aos Estados-membros garantir a aplicação do princípio da igualdade de remuneração nos respectivos sistemas jurídicos. A preocupação de garantir a aplicação do princípio da igualdade de tratamento encontra-se igualmente expressa na jurisprudência do Tribunal relativa ao efeito directo do artigo 119.° do Tratado ou do artigo 1.° da Directiva 75/117/CEE. Nesta via se inscreve igualmente o acórdão proferido no processo 14/83, que, contrariamente ao caso em apreço, dizia respeito à interpretação da Directiva 76/207/CEE. Para efeitos da concretização do princípio da igualdade de tratamento, o Tribunal decidiu que "cabe ao tribunal nacional dar à lei adoptada para aplicação da directiva, utilizando ao máximo os poderes de apreciação conferidos pelo direito nacional, interpretação e aplicação conformes às exigências do direito comunitário" (10).

37. Para que seja provada de forma concludente uma discriminação salarial, deve bastar, neste caso, atendendo às circunstâncias, que o nível salarial dos trabalhadores masculinos e femininos relativamente a um mesmo trabalho ou a um trabalho de valor igual seja substancialmente diferente. A qualificação de um trabalho como igual ou de igual valor pode efectuar-se com base num sistema efectivamente aplicado de classificação profissional.

Caso se trate de discriminação directa, tal não implica qualquer derrogação relativamente à repartição tradicional do ónus da prova, tanto mais que não cabe ao demandante demonstrar que não existem outros critérios de distinção além dos baseados no sexo. Não deve, no entanto, ignorar-se o facto de a comparação concreta constituir sempre o ponto de partida para a verificação de uma discriminação directa.

38. Partindo do princípio que os critérios de majoração são aplicados de modo igual aos trabalhadores masculinos e femininos, coloca-se a questão de saber se se está perante uma discriminação indirecta. Para efeitos de apreciação da produção de prova neste caso, deve partir-se da hipótese de que não existe discriminação directa. Neste caso, os demandantes devem demonstrar, em conformidade com o critério geral de repartição do ónus da prova, que um ou vários critérios de majoração afectam, com demasiada frequência, pessoas do um mesmo sexo, resultando daí uma desvantagem em razão do sexo. É assim indispensável proceder a uma análise comparativa das categorias de pessoas representativas. A dificuldade do caso em apreço está relacionada com o facto de que, mesmo numa situação de discriminação indirecta efectiva, os demandantes não terem, dada a falta de transparência no sistema de remuneração, qualquer possibilidade de fornecer a prova necessária.

39. É apenas neste contexto que importa saber se pode provar-se uma violação da directiva pelo facto de, relativamente a um trabalho igual ou do mesmo valor, os trabalhadores femininos receberem, em média, remuneração inferior à dos trabalhadores masculinos (questão 3 a)). Atendendo à impossibilidade material de as demandantes reunirem os elementos de prova indispensáveis, convém, no caso em apreço, admitir, com vista a assegurar a eficácia do princípio da igualdade de remunerações, um regime de prova tal que seja possível estabelecer uma presunção de discriminação através da prova da existência de uma remuneração média inferior para uma categoria de trabalhadores delimitada em função de critérios funcionais. Este procedimento não implica uma inversão do ónus da prova, constituindo apenas uma exigência relativamente às modalidades de prova em função de dados de facto. O empregador é, neste caso, obrigado a refutar a apreciação nos termos da qual a remuneração inferior constitui uma discriminação, fornecendo dados sobre os salários pagos à categoria considerada e fornecendo, relativamente a cada diferença salarial, razões objectivas não baseadas no sexo.

40. A selecção dos trabalhadores cujos salários servem de base no cálculo das remunerações médias a comparar deve efectuar-se em função dos dados próprios de cada empresa ou estabelecimento. É indispensável que se trate de grupos representativos, cujas condições de trabalho sejam tanto quanto possível semelhantes. Não é possível aqui fixar um número absoluto relativamente ao mínimo de pessoas que deve comportar um grupo de referência. O ponto de partida é, obviamente, um mesmo trabalho ou um trabalho de valor igual, de modo que os trabalhadores pertencentes a um serviço ou a uma fase produtiva possam, eventualmente, por exemplo, constituir grupos de referência. Desde que uma empresa disponha de um sistema de classificação profissional, como acontece no processo principal, é possível comparar as remunerações médias dos trabalhadores femininos e masculinos de uma categoria. No caso em apreço, cabe ao tribunal nacional verificar se os grupos de referência são ou não representativos.

41. O regime de prova descrito não se antecipa igualmente à proposta de directiva do Conselho relativa ao ónus da prova no domínio da igualdade de remunerações e de tratamento entre mulheres e homens (11), dado que não se estabelece uma inversão do ónus da prova, nem sequer uma presunção geral de discriminação. Pelo contrário, a repartição tradicional do ónus da prova mantém-se em princípio, sendo no entanto atribuído ao empregador o ónus da prova dos factos cujo conhecimento dele exclusivamente depende.

42. O empregador tem geralmente a faculdade (e isso está igualmente previsto de forma expressa no artigo 9.° da convenção colectiva de 9 de Março de 1983) de conceder majorações em função de determinadas características individuais do trabalhador. A concessão de majorações deve, no entanto, basear-se em critérios objectivos e legais. Uma referência genérica à existência de critérios subjectivos de majoração não é suficiente, no caso em apreço, para justificar uma diferença de remuneração (questão 1 b)), dado que não é possível, neste caso, justificar objectivamente o sistema de fixação de salários, nem compreender a sua lógica intrínseca.

43. Em geral, a flexibilidade como a antiguidade e a formação profissional constituem critérios de majoração legais, desde que aplicados de forma neutra relativamente ao sexo dos interessados e objectivamente relacionados com a actividade a exercer. A sua justificação objectiva decorre do valor económico de cada característica individual para a prestação de trabalho a fornecer (questões 2 a), b) e c)).

44. Dado que, no processo principal, apenas a convenção colectiva de 9 de Março de 1983 é aplicável aos trabalhadores, tanto femininos, como masculinos, as questões 4 a) e b) não carecem de resposta, já que não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de direito abstractas irrelevantes para a decisão do processo principal. No entanto, dado que o tribunal de reenvio dispõe de um amplo poder de apreciação da pertinência das questões prejudiciais para efeitos da solução do litígio, e que não ressalta claramente do pedido prejudicial que a resposta às questões 4 a) e b) seja irrelevante para a decisão do processo principal, acrescentaremos, a título subsidiário, as seguintes observações referidas no ponto 4.

45. Deve, de uma forma geral, partir-se da ideia de que o princípio da igualdade de remunerações (artigo 119.° do Tratado CEE, Directiva 75/117/CEE) e o da igualdade de tratamento (Directiva 76/207/CEE) vinculam igualmente as partes das convenções colectivas. Os Estados-membros têm obrigação de o garantir no quadro da respectiva legislação. É o que resulta já da letra das próprias directivas (ver artigo 4.° da Directiva 75/117/CEE e artigos 3.°, 4.° e 5.° da Directiva 76/207/CEE), e que os acórdãos do Tribunal proferidos nos processos 165/82, 143/83 e 312/86 vêm confirmar. As partes de uma convenção colectiva carecem assim de uma autonomia para se afastarem das exigências decorrentes do princípio da igualdade de remunerações. Isto vale não apenas no âmbito de uma mesma convenção colectiva, mas também no caso de diversas convenções colectivas serem aplicáveis a uma mesma empresa.

46. Deve, no entanto, salientar-se que as convenções colectivas são frequentemente negociadas e concluídas por sectores de actividade. Neste caso, o critério de distinção objectivo, numa situação de desigualdade salarial, será a pertença de cada interessado a um ramo profissional. O que pode ser legal quando, no âmbito de cada convenção colectiva, não exista qualquer desigualdade de tratamento em razão do sexo dos trabalhadores. O que supõe uma formulação não discriminatória da convenção colectiva concreta, e isto tanto do ponto de vista das discriminações directas como indirectas. A condição de se estar perante o mesmo trabalho ou um trabalho de valor igual pode, aliás, não se encontrar satisfeita quando os trabalhadores pertencem a diferentes ramos profissionais.

47. O simples facto de uma convenção colectiva dizer predominantemente respeito a trabalhadores femininos ou a trabalhadores masculinos não permite, por si só, concluir pela existência de uma discriminação. Neste plano geral, não pode, no entanto, responder-se ultimamente à questão relativa à legalidade das convenções colectivas correspondentes a grupos de trabalhadores. Essa questão deve, no entanto, ser apreciada, antes de mais à luz do direito do trabalho nacional. O direito comunitário, por seu lado, exige que o princípio da igualdade de remunerações seja igualmente respeitado ao nível da organização concreta da vida profissional pelas convenções colectivas.

Quanto às despesas

48. O processo reveste, relativamente às partes no processo principal, a natureza de incidente suscitado perante o tribunal nacional. Cabe, assim, a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelos Governos dinamarquês, do Reino Unido, português e italiano, bem como pela Comissão, não são susceptíveis de reembolso.

C - Conclusão

49. Com base no que fica dito, proponho que o Tribunal responda às questões prejudiciais do seguinte modo:

50. "1 a) Quando é concedida uma remuneração desigual por considerações relacionadas com o sexo relativamente a um mesmo trabalho ou a um trabalho de igual valor (discriminação directa), compete ao trabalhador demonstrar a existência de um mesmo trabalho, ou de um trabalho de valor igual, e de uma remuneração desigual para trabalhadores femininos e masculinos no mesmo estabelecimento ou empresa. O empregador pode refutar a acusação de discriminação em razão do sexo, provando que a diferença salarial é justificada por critérios neutros, alheios ao sexo.

51. Quando um tratamento desigual assentam em critérios neutros que são normalmente satisfeitos por pessoas do mesmo sexo, que sofrem assim uma desvantagem (discriminação indirecta), compete ao trabalhador provar que a desigualdade salarial baseada em critérios neutros atinge e, em consequência, coloca em desvantagem, predominante ou exclusivamente, trabalhadores de um sexo. O empregador pode refutar a acusação de discriminação em razão do sexo provando que, pelo contrário, a desigualdade se baseia em considerações objectivas, economicamente justificadas, alheias ao sexo dos trabalhadores.

52. Caso os elementos de facto necessários à prova da discriminação indirecta não sejam acessíveis ao trabalhador, é aplicável um regime de prova nos termos do qual se presume a existência de discriminação quando se demonstre ser praticada uma remuneração média inferior para os trabalhadores femininos no âmbito de um grupo de trabalhadores representativo.

53. 1 b), 2 a), b) e c) É contrário ao princípio da igualdade de remuneração, tal como este resulta do artigo 119.° do Tratado CEE e da Directiva 75/117/CEE, pagar um salário mais elevado a um trabalhador masculino que efectue o mesmo trabalho ou trabalho de valor igual que a um trabalhador feminino, exclusivamente com base em critérios subjectivos. Não é incompatível com o referido princípio conceder majorações em virtude de características individuais como a antiguidade, a formação profissional ou a flexibilidade, contanto que os critérios sejam objectivamente justificados relativamente ao trabalho a realizar e excluam qualquer discriminação.

54. 3 a) e b) Pode estabelecer-se a presunção de discriminação através da prova da existência de uma remuneração média inferior para as mulheres do âmbito de um grupo de trabalhadores representativo. A questão de saber qual a composição de um grupo representativo varia em função de elementos de facto na empresa ou estabelecimento e deve ser apreciada pelo tribunal nacional. Não resulta daí, contudo, que as remunerações médias para homens e mulheres devam ser sempre iguais, dado que as diferenças podem resultar de critérios alheios a quaisquer considerações baseadas no sexo.

55. 4 a) O princípio da igualdade da remuneração aplica-se igualmente às partes de uma convenção colectiva. Estas não têm igualmente o direito de excluir a aplicação deste princípio através da convenção colectiva.

56. 4 b) O facto de uma convenção colectiva se aplicar predominantemente a trabalhadores masculinos ou femininos não viola, por si só, a proibição de discriminação. Com vista a uma apreciação definitiva são, no entanto, determinantes os termos concretos em que a convenção colectiva está redigida".

(*) Língua original: alemão.

(1) Directiva do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade da remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (JO 1975, L 45 p. 19; EE 05 F2 p. 52).

(2) Acórdão de 30 de Junho de 1966, proceso 61/65, Vaassen-Goebbels/Direction du Beambtenfonds voor het Mijnedrijf, Recueil, p. 378.

(3) Ver acórdão de 6 de Outubro de 1981 no processo 246/80, Broekmeulen/Huisarts Registratie Commissie, Recueil, p. 2311, e acórdão de 23 de Março de 1982 no processo 102/81, "Nordsee" Deutsche Hochseefischerei GmbH/Reederei nond Hochseefischerei Nordstern AG e Co. KG et Reederei F. Busse Hochseefischerei Nordsten AG e Co. KG, Recueil, p. 1095.

(4) Ver acórdão 246/80, supracitado.

(5) Directiva do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições do trabalho (JO 1976, L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70).

(6) Ver acórdão de 31 de Março de 1981 no processo 96/80, Jenkins/Kingsgate, Recueil, p. 911, e acórdão de 27 de Março de 1980 no processo 129/79, Macarthy' s Ltd/Wendy Smith, Recueil, p. 1275

(7) Sobre a noção de discriminação indirecta, ver o artigo 5.° da proposta da directiva do Conselho relativa ao ónus da prova do domínio da igualdade de remunerações e de tratamento entre homens e mulheres (JO 1980, C 176, p. 5).

(8) Ver processo 96/80, supracitado, e acórdão de 13 de Maio de 1986 no processo 170/84, Bilka Kaufhaus GmbH/Karin Weber von Harz, Colect., p. 1607.

(9) Ver acórdão de 1 de Julho de 1986 no processo 237/85, Gisela Rummler/Dato-Druck, Colect., p. 2101.

(10) Acórdão de 10 de Abril de 1984 no processo 14/83, Sabine von Colson e Elisabeth Kamann/Land Nordrhein-Westfalen, Recueil, p. 1891.

(11) JO 1988, C 176, p. 5.

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