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Document 61974CJ0033

Acórdão do Tribunal de 3 de Dezembro de 1974.
Johannes Henricus Maria van Binsbergen contra Bestuur van de Bedrijfsvereniging voor de Metaalnijverheid.
Pedido de decisão prejudicial: Centrale Raad van Beroep - Países Baixos.
Liberalização da prestação de serviços.
Processo 33-74.

Edição especial inglesa 1974 00543

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1974:131

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

3 de Dezembro de 1974 ( *1 )

No processo 33/74,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Centrale Raad van Beroep (tribunal de segunda instância neerlandês em matéria de segurança social), e que visa a obtenção, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

Johannes Henricus Maria van Binsbergen, residente em Beesel (Países Baixos),

e

Bestuur van de Bedrijfsvereniging voor de Metaalnijverheid (Direcção da Associação Profissional da Indústria Metalúrgica), com sede na Haia,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 59 o e 60.o do Tratado CEE, relativos à livre prestação de serviços no interior da Comunidade,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, C. O'Dálaigh e A. J. Mackenzie Stuart, presidentes de secçào, A. M. Donner, R. Monaco, J. Mertens de Wilmars, P. Pescatore, H. Kutscher e M. Sørensen, juízes,

advogado-geral: H. Mayras

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por decisão de 18 de Abril de 1974, entrada no Tribunal em 15 de Maio seguinte, o Centrale Raad van Beroep apresentou, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, questões relativas à interpretação dos artigos 59.o e 60.o do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, relativos à livre prestação de serviços no interior da Comunidade.

2

Tais questões foram suscitadas no âmbito de um litígio apresentado ao referido órgão jurisdicional, relativo ao reconhecimento da pessoa escolhida como mandatário pelo demandante no processo principal.

3

Resulta do processo que a parte em causa confiou a defesa dos seus interesses a um mandatário de nacionalidade neerlandesa, que assegurava a representação de particulares junto de órgãos jurisdicionais em relação aos quais não é obrigatória a constituição de advogado.

4

Tendo o referido advogado, durante a tramitação processual, transferido a sua residência dos Países Baixos para a Bélgica, viu contestada a sua capacidade para representar a parte perante o Centrale Raad van Beroep por força de uma disposição da legislação neerlandesa, nos termos da qual apenas as pessoas estabelecidas nos Países Baixos podem agir na qualidade de mandatários perante o referido tribunal.

5

Tendo o interessado invocado a seu favor as normas do Tratado relativas à livre prestação de serviços no interior da Comunidade, o Centrale Raad van Beroep submeteu ao Tribunal duas questões relativas à interpretação dos artigos 59.o e 60.o do Tratado.

Quanto ao alcance material dos artigos 59.o e 60.o

6

O Tribunal é solicitado a pronunciar-se sobre a interpretação dos artigos 59.o e 60.o em relação a uma norma da legislação nacional que reserva apenas aos residentes no território nacional a faculdade de agir na qualidade de representantes legais perante determinados tribunais.

7

O primeiro parágrafo do artigo 59 o — o único relevante para a questão em análise — estabelece que, «no âmbito das disposições seguintes, as restrições à livre prestação de serviços na Comunidade serão progressivamente suprimidas, durante o período de transição, em relação aos nacionais dos Estados-membros estabelecidos num Estado da Comunidade que não seja o do destinatário da prestação».

8

O artigo 60. o, depois de ter definido nos seus primeiro e segundo parágrafos a noção de serviços, estabelece no terceiro parágrafo que, «sem prejuízo do disposto no capítulo relativo ao direito de estabelecimento, o prestador de serviços pode, para a execução da prestação, exercer, a título temporário, a sua actividade no Estado onde a prestação é realizada, nas mesmas condições que esse Estado impõe aos seus próprios nacionais».

9

A questão apresentada visa determinar se a norma segundo a qual o mandatário judicial deve residir no Estado onde a prestação deve ser realizada pode ser conciliada com a proibição, prevista nos artigos 59 o e 60.o, de impor quaisquer restrições à livre prestação de serviços no interior da Comunidade.

10

Entre as restrições cuja supressão está prevista nos artigos 59o e 60. estão compreendidas todas as condições impostas ao prestador nomeadamente em razão da sua nacionalidade ou da circunstância de não residir habitualmente no Estado onde a prestação é realizada, quando as mesmas não são aplicáveis às pessoas estabelecidas no território nacional ou quando possam proibir ou prejudicar de outra forma as actividades do prestador.

11

Em especial, a condição da residência no Estado onde a prestação é realizada pode, segundo as circunstâncias, ter como consequência afastar qualquer efeito útil ao artigo 59 o, cujo objectivo é, precisamente, o de suprimir as restrições à livre prestação de serviços por parte de pessoas não residentes no Estado onde a prestação é realizada.

12

Tendo em consideração a natureza especial das prestações de serviços, não se podem todavia considerar incompatíveis com o Tratado as condições específicas, impostas ao prestador, motivadas pela aplicação de regras profissionais justificadas pelo interesse geral — nomeadamente as regras relativas à organização, qualificação, deontologia, controlo e responsabilidade — que devem ser cumpridas por qualquer pessoa estabelecida no Estado onde a prestação é realizada, na medida em que o prestador escapasse à aplicação de tais regras devido ao facto de residir num outro Estado-membro.

13

Não se pode igualmente negar a um Estado-membro o direito de estabelecer disposições visando impedir que a liberdade garantida pelo artigo 59.o seja utilizada por um prestador cuja actividade fosse parcial ou globalmente dirigida ao seu território, com o objectivo de se subtrair às normas profissionais que lhe seriam normalmente aplicáveis se residisse no território desse Estado; tal situação deve efectivamente ser regulada pelas normas relativas ao direito de estabelecimento e não pelas normas relativas à prestação de serviços.

14

Em conformidade com os princípios enunciados, não se pode considerar incompatível com os artigos 59o e 60.o a norma que impõe, relativamente aos auxiliares de justiça, uma residência profissional estável nas circunscrições de determinados órgãos jurisdicionais, quando tal norma seja objectivamente necessária para assegurar a observância de regras profissionais relacionadas, nomeadamente, com o funcionamento da justiça e com o respeito da deontologia.

15

Diversa é todavia a situação quando, num Estado-membro, a prestação de determinados serviços não está sujeita a qualquer tipo de qualificação ou de disciplina profissional e quando a condição de residência permanente é determinada por referência ao próprio território do Estado.

16

Se no interior de um Estado-membro vigorar um regime de total liberdade relativamente ao exercício de determinada actividade profissional, a condição de residência nesse Estado constitui uma restrição incompatível com os artigos 59 o e 60.o do Tratado, quando o bom funcionamento da justiça pode ser realizado através de medidas menos proibitivas, tais como a escolha de um domicílio onde possa ser recebida a correspondência judicial.

17

Os artigos 59 o, primeiro parágrafo, e 60.o, terceiro parágrafo, do Tratado devem ser interpretados no sentido de que a legislação de um Estado-membro não pode impedir, através da condição de residência com carácter permanente no território, a prestação de serviços por pessoas residentes num outro Estado-membro, quando a sua prestação de serviços não esteja submetida a qualquer condição particular pela legislação nacional aplicável.

Quanto à questão da aplicabilidade directa dos artigos 59.o e 60.o

18

É ainda questionado se os artigos 59o, primeiro parágrafo, e 60.o, terceiro parágrafo, do Tratado CEE são directamente aplicáveis e se originam para os destinatários direitos subjectivos que os órgãos jurisdicionais nacionais devem salvaguardar.

19

A questão apresentada deve ser resolvida no âmbito do conjunto do capítulo relativo aos serviços, e tendo ainda em consideração as disposições relativas ao direito de estabelecimento, para as quais remete o artigo 66.o

20

Tendo em vista a eliminação progressiva durante o período de transição das restrições visadas no artigo 59.o, o artigo 63. o estabeleceu a elaboração de um «programa geral» — fixado por decisão do Conselho de 18 de Dezembro de 1961 (JO 1962, p. 32) — cuja implementação deve ser assegurada por meio de directivas.

21

No âmbito do capítulo relativo às prestações de serviços, tais directivas visam diversos objectivos: o primeiro consiste em eliminar, durante o período transitório, as restrições à livre prestação de serviços; o segundo consiste em introduzir, na legislação dos Estados-membros, um conjunto de normas destinadas a facilitar o exercício efectivo da referida liberdade, nomeadamente pelo reconhecimento mútuo de qualificações profissionais e a coordenação de legislações relativas ao exercício das actividades não assalariadas.

22

Incumbe ainda às referidas directivas resolver os problemas específicos derivados do facto de, não existindo residência permanente, o prestador poder em parte subtrair-se à aplicação das regras profissionais vigentes no Estado onde a prestação é realizada.

23

No que diz respeito à progressiva implementação do capítulo relativo aos serviços, a conjugação do n.o 7 do artigo 8.o do Tratado com o artigo 59.o traduz a vontade de eliminar as restrições à livre prestação de serviços no termo do período de transição, considerado como último prazo para a entrada em vigor do conjunto de normas previstas no Tratado.

24

As disposições do artigo 59.o, cuja aplicação devia ser preparada pela adopção de directivas durante o período transitório, tornaram-se incondicionais no fim do referido período.

25

O artigo 59.o implica a eliminação de quaisquer discriminações contra o prestador em razão da sua nacionalidade ou da sua residência num Estado-membro diferente daquele onde a prestação seja fornecida.

26

Em relação à condição específica da nacionalidade ou de residência, os artigos 59.o e 60.o estabelecem uma obrigação de resultado preciso cuja execução pelos Estados-membros não pode ser retardada ou comprometida pela inexistência de disposições que deveriam ser adoptadas no âmbito dos poderes instituídos por força dos artigos 63.o e 66.o

27

Consequentemente, deve responder-se que os artigos 59.o, primeiro parágrafo, e 60.o, terceiro parágrafo, do Tratado têm efeito directo e podem ser invocados perante os órgãos jurisdicionais nacionais, pelo menos na medida em que visam a eliminação de quaisquer discriminações dirigidas contra o prestador em razão da sua nacionalidade ou da residência num Estado-membro diferente daquele onde a prestação é realizada.

Quanto às despesas

28

As despesas efectuadas pelo Governo da Irlanda, pelo Governo do Reino Unido e da Irlanda do Norte, pelo Governo da República Federal da Alemanha e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o Centrale Raad van Beroep, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Centrale Raad van Beroep, por decisão de 18 de Abril de 1974, declara:

 

1)

Os artigos 59.o, primeiro parágrafo, e 60.o, terceiro parágrafo, do Tratado CEE devem ser interpretados no sentido que um Estado não pode impossibilitar, exigindo a residência permanente no seu próprio território, a prestação de serviços de pessoas residentes num outro Estado-membro, quando a prestação de determinados serviços não esteja sujeita a qualquer condição particular pela legislação nacional aplicável.

 

2)

O primeiro parágrafo do artigo 59.o e o terceiro parágrafo do 60.o têm efeito directo e podem ser invocados perante os órgãos jurisdicionais nacionais, pelo menos na medida em que visam a eliminação de quaisquer discriminações dirigidas contra o prestador em razão da sua nacionalidade ou da residência num Estado-membro diferente daquele onde a prestação é realizada.

 

Lecourt

0'Dálaigh

Mackenzie Stuart

Donner

Monaco

Mertens de Wilmars

Pescatore

Kutscher

Sørensen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 3 de Dezembro de 1974.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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