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Document 62022TJ0323

Acórdão do Tribunal Geral (Quarta Secção) de 10 de julho de 2024 (Extratos).
PH e o. contra Banco Central Europeu.
Política económica e monetária — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Oposição do BCE à aquisição de participações qualificadas numa instituição de crédito — Recurso de anulação — Interesse em agir — Afetação direta — Inadmissibilidade parcial — Idoneidade e competência profissional do proposto adquirente — Solidez financeira — Cumprimento dos requisitos prudenciais — Luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo — Proporcionalidade.
Processo T-323/22.

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2024:460

Processo T‑323/22

(publicação por excertos)

PH e o.

contra

Banco Central Europeu

Acórdão do Tribunal Geral (Quarta Secção) de 10 de julho de 2024

«Política económica e monetária — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Oposição do BCE à aquisição de participações qualificadas numa instituição de crédito — Recurso de anulação — Interesse em agir — Afetação direta — Inadmissibilidade parcial — Idoneidade e competência profissional do proposto adquirente — Solidez financeira — Cumprimento dos requisitos prudenciais — Luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo — Proporcionalidade»

  1. Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Afetação direta — Decisão do Banco Central Europeu (BCE) que indefere a aquisição de participações qualificadas numa instituição de crédito por um proposto adquirente — Recurso de anulação interposto pela sociedade vendedora das quotas da instituição em causa — Inexistência — Inadmissibilidade

    (Artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE)

    (cf. n.os 60‑63, 67, 68, 70‑72, 75, 76)

  2. Política económica e monetária — Política económica — Supervisão do setor financeiro da União — Mecanismo único de supervisão — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Atribuições específicas conferidas ao Banco Central Europeu (BCE) — Procedimento de avaliação das aquisições de participações qualificadas — Critério de idoneidade do proposto adquirente das referidas participações — Conceito — Avaliação da competência profissional do proposto adquirente — Inclusão

    [Diretiva 2013/36 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 23.°, n.o 1, alíneas a) e b), e 91.°, n.o 1]

    (cf. n.os 362‑368)

Resumo

Chamado a conhecer de um recurso de anulação, a que nega provimento, de uma decisão do Banco Central Europeu (BCE) que se opõe à aquisição de uma participação qualificada numa instituição de crédito, o Tribunal Geral pronuncia‑se sobre a questão inédita da legitimidade de uma sociedade, vendedora dessa participação, para interpor um recurso de anulação de uma decisão que indefere a aquisição da referida participação pelo proposto adquirente. Além disso, o Tribunal Geral pronuncia‑se sobre a questão de saber se, no âmbito da avaliação da idoneidade do proposto adquirente, o BCE pode apreciar a competência profissional do mesmo.

O HKB Bank GmbH (a seguir «banco alvo») é uma instituição de crédito qualificada como «menos significativa» ( 1 ), colocado sob a supervisão prudencial direta da Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (BaFin, Autoridade Federal de Supervisão dos Serviços Financeiros, Alemanha). Em 9 de abril de 2020 e em 9 de julho de 2020, PH, PI e PJ (a seguir «propostos adquirentes») comunicaram à BaFin a sua intenção de adquirir uma participação qualificada e de ultrapassar 50 % do capital e dos direitos de voto no banco alvo (a seguir «projeto de aquisição»), graças à aquisição de todas as quotas detidas pela Socrates Capital no banco alvo. Através da decisão recorrida, comunicada aos propostos adquirentes em 22 de março de 2022, o BCE opôs‑se ao projeto de aquisição, uma vez que os propostos adquirentes não preenchiam os critérios de idoneidade, de solidez financeira, de cumprimento dos requisitos prudenciais e de luta contra o risco de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto à admissibilidade do recurso interposto no Tribunal Geral pela Socrates Capital e pelos propostos adquirentes, o Tribunal Geral recorda que, como se trata de um único e mesmo recurso, uma vez que PH, PI e PJ dispõem de legitimidade, não há que analisar a legitimidade da Socrates Capital. No entanto, considera oportuno, por razões de boa administração da justiça e devido à especial importância da questão da admissibilidade suscitada pela exceção de inadmissibilidade arguida pelo BCE, pronunciar‑se sobre esta exceção.

Neste âmbito, após ter recordado as regras que condicionam o reconhecimento da legitimidade de uma pessoa singular ou coletiva que interpõe recurso de um ato do qual não é destinatária, o Tribunal Geral constata que, no caso em apreço, a decisão recorrida não foi comunicada à Socrates Capital. Aliás, nenhuma disposição exigia tal comunicação a essa recorrente na qualidade de cedente da participação qualificada em causa. Não sendo a decisão recorrida um ato regulamentar, o Tribunal Geral aprecia então se o recurso, na medida em que é interposto pela Socrates Capital, preenche o requisito da afetação direta.

A este respeito, antes de mais, o Tribunal Geral salienta que o dispositivo de controlo das participações qualificadas visa avaliar, previamente à aquisição dessas participações, a qualidade dos propostos adquirentes que pretendem aceder ao setor bancário enquanto proprietários. Por conseguinte, deve considerar‑se que a oposição à aquisição de uma participação qualificada numa instituição de crédito não altera a situação jurídica da sociedade vendedora dessa participação. Com efeito, embora essa oposição ponha em causa a possibilidade de os propostos adquirentes celebrarem um contrato com o vendedor de uma participação qualificada, não põe, em contrapartida, em causa o direito do vendedor de proceder a uma operação de cessão, que este pode nomeadamente celebrar com outro proposto adquirente. Esta oposição corresponde apenas a uma recusa de autorização de os propostos adquirentes acederem ao setor bancário enquanto proprietários.

Em seguida, o Tribunal Geral constata que esta conclusão é corroborada pelo contexto jurídico em que se insere a decisão recorrida. A Diretiva 2013/36 ( 2 ) não menciona nem a publicação da comunicação da aquisição de uma participação qualificada numa instituição de crédito, nem a possibilidade de terceiros serem associados ao procedimento administrativo, nem ainda a publicação sistemática da decisão da autoridade competente. Em caso de incumprimento da oposição à aquisição de uma participação qualificada, prevê apenas sanções relativas ao exercício dos direitos de voto correspondentes à participação adquirida pelos propostos adquirentes. Assim, no caso em apreço, a decisão recorrida aprecia a qualidade dos propostos adquirentes e não a legalidade do contrato de compra e venda.

Além disso, o Tribunal Geral observa que a cláusula do contrato de compra e venda segundo a qual este contrato não entrará em vigor na falta de autorização do BCE foi voluntariamente inserida pelas partes no contrato. É certo que uma cláusula contratual pode ser o reflexo da regulamentação. Todavia, no caso em apreço, a referida cláusula é o reflexo de uma regulamentação que sujeita individualmente o proposto adquirente a uma autorização administrativa destinada a apreciar se dispõe da qualidade para aceder ao setor bancário enquanto proprietário. Assim, o BCE não se pronuncia sobre a conformidade do contrato eventualmente celebrado entre os propostos adquirentes e o vendedor de uma participação numa instituição de crédito quando avalia a comunicação da referida aquisição.

Por último, embora a decisão recorrida constitua uma ingerência no direito de propriedade e na liberdade de empresa dos propostos adquirentes, não pode ser considerada uma ingerência nos mesmos direitos no que respeita à Socrates Capital. Com efeito, a decisão recorrida não lesa de forma direta o direito da Socrates Capital de vender as suas quotas no banco alvo.

Logo, o Tribunal Geral conclui que a decisão recorrida não equivale a uma proibição geral de a Socrates Capital vender as suas quotas no banco alvo e que, assim sendo, a decisão recorrida não diz diretamente respeito à Socrates Capital. Por conseguinte, nega provimento ao recurso por inadmissível no que respeita à Socrates Capital.

Quanto à possibilidade de o BCE, no âmbito da avaliação da idoneidade dos propostos adquirentes, apreciar a sua competência profissional, o Tribunal Geral constata que, de facto, o artigo 23.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36 apenas menciona, na alínea a), a idoneidade do proposto adquirente ( 3 ), ao passo que esse mesmo artigo menciona, na alínea b), a idoneidade, conhecimentos ( 4 ), competências e experiência ( 5 ), de qualquer membro do órgão de administração que dirigirá a atividade da instituição de crédito em resultado da aquisição proposta.

Todavia, salienta que, segundo a sua aceção usual, o termo «idóneo» significa «que é digno de estima» ou «cuja respeitabilidade é notória». Tal definição, que remete, nomeadamente, para a opinião do público, não exclui que a idoneidade de uma pessoa dependa da sua competência profissional. Além disso, segundo o considerando 8 da Diretiva 2007/44 ( 6 ), cujas disposições foram reproduzidas na Diretiva 2013/36, o critério da idoneidade do adquirente potencial implica determinar se existem e se têm fundamento dúvidas quanto à integridade «e à competência profissional» do adquirente potencial.

O Tribunal Geral considera também que a tomada em consideração, na apreciação da idoneidade do proposto adquirente, da sua competência profissional é coerente com a avaliação da «idoneidade» desse proposto adquirente, bem como com o objetivo do controlo da aquisição das participações qualificadas, que é garantir uma gestão sã e prudente da instituição de crédito. Dado que o detentor de uma participação qualificada está em condições de exercer influência sobre a instituição de crédito em causa, a sua competência profissional contribui para essa gestão sã e prudente dessa instituição. As Orientações Conjuntas ( 7 ) corroboram esta interpretação, uma vez que indicam que a idoneidade do proposto adquirente deve abranger a sua integridade e a sua competência profissional. Por outro lado, os termos usados pelo direito alemão nesta matéria não permitem excluir tal interpretação, uma vez que a exposição de motivos da lei alemã que transpõe a Diretiva 2007/44 menciona que o critério de fiabilidade consiste em verificar a existência de dúvidas quanto à integridade «e à capacidade profissional» do proposto adquirente e o fundamento dessas dúvidas.

O Tribunal Geral conclui daí que o critério da idoneidade mencionado na Diretiva 2013/36 deve ser interpretado no sentido de que inclui a avaliação da competência profissional do proposto adquirente.


( 1 ) Na aceção do artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63).

( 2 ) Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338).

( 3 ) Artigo 23.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2013/36.

( 4 ) Artigo 23.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2013/36.

( 5 ) Artigo 91.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36.

( 6 ) Diretiva 2007/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que altera a Diretiva 92/49/CEE do Conselho e as Diretivas 2002/83/CE, 2004/39/CE, 2005/68/CE e 2006/48/CE no que se refere a normas processuais e critérios para a avaliação prudencial das aquisições e dos aumentos de participações em entidades do setor financeiro (JO 2007, L 247, p. 1).

( 7 ) Orientações Conjuntas relativas a' avaliação prudencial das aquisições e dos aumentos de participações qualificadas em entidades do setor financeiro, adotadas pela Autoridade Bancária Europeia (EBA), pela Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (EIOPA) e pela Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA), publicadas em 20 de dezembro de 2016.

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