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Document 52006DC0177

Comunicação da Comissão - Realizar o programa comunitário de Lisboa - Os serviços sociais de interesse geral Na União Europeia {SEC(2006) 516}

/* COM/2006/0177 final */

52006DC0177

Comunicação da Comissão - Realizar o programa comunitário de Lisboa - Os serviços sociais de interesse geral Na União Europeia {SEC(2006) 516} /* COM/2006/0177 final */


[pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

Bruxelas, 26.4.2006

COM(2006) 177 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO

Realizar o programa comunitário de Lisboa Os serviços sociais de interesse geral na União Europeia

{SEC(2006) 516}

ÍNDICE

INTRODUÇÃO 3

I - SERVIÇOS SOCIAIS, OS PILARES DA SOCIEDADE E DA ECONOMIA EUROPEIAS 4

1.1. Os serviços sociais na União Europeia 4

1.2. Uma exigência geral de modernização e de qualidade 5

1.3. Um quadro comunitário aberto à tomada em consideração das especificidades e favorável à modernização 6

II - A APLICAÇÃO DAS REGRAS COMUNITÁRIAS AO DOMÍNIO DOS SERVIÇOS SOCIAIS: UMA LÓGICA CONSTANTE 6

2.1. A aplicação do princípio da subsidiariedade e a distinção entre serviços de interesse geral de carácter económico e não económico 6

2.2. Situações concretas encontradas hoje pelos serviços sociais 7

2.2.1. A escolha da delegação 7

- A escolha da delegação parcial ou completa de uma missão social 7

- A gestão de um serviço social no âmbito de uma parceria público-privada 8

2.2.2. Recurso a uma compensação financeira pública 8

2.2.3. Recurso à regulação do mercado 9

2.2.4. Compatibilidade com as regras de acesso ao mercado 9

III - ACOMPANHAR MAIS EFICAZMENTE OS SERVIÇOS SOCIAIS DE INTERESSE GERAL NA UNIÃO EUROPEIA 10

3.1. Uma consulta aprofundada sobre as características da especificidade 10

3.2. Acompanhamento da situação dos serviços sociais de interesse geral na União Europeia 10

CONCLUSÃO 11

INTRODUÇÃO

A modernização dos serviços sociais conta-se entre os grandes desafios europeus da actualidade: por um lado, estes serviços cumprem uma missão fundamental de coesão social e, por outro, a sua transformação e o seu potencial de emprego constituem parte integrante da estratégia de Lisboa. As conclusões do Conselho Europeu de Março de 2006 confirmaram-no ao salientarem que é necessário tornar plenamente operacional o mercado interno dos serviços e, ao mesmo tempo, preservar o modelo social europeu.

A presente comunicação dá seguimento ao Livro Branco sobre os serviços de interesse geral[1] que anunciava uma «abordagem sistemática para identificar e reconhecer as particularidades dos serviços sociais de interesse geral e clarificar o quadro em que funcionam e podem ser modernizados», anúncio que foi reiterado na Agenda Social[2] e no programa comunitário de Lisboa[3] Na sequência da votação do Parlamento Europeu, em primeira leitura, da proposta de directiva relativa aos serviços no mercado interno, a 16 de Fevereiro de 2006, a Comissão excluiu os serviços de cuidados de saúde do âmbito de aplicação da sua proposta alterada[4]. Comprometeu-se a apresentar uma iniciativa específica e encetou uma reflexão a esse respeito[5]. Consequentemente, a presente comunicação não trata desses serviços. Na proposta alterada de directiva sobre os serviços no mercado interno, a Comissão excluiu do âmbito de aplicação da directiva « os serviços sociais relativos à habitação social, à guarda de crianças e à ajuda às famílias e às pessoas necessitadas» . Cabe agora ao legislador europeu finalizar o processo legislativo.

Esta comunicação insere-se no contexto da responsabilidade partilhada da Comunidade e dos Estados-Membros relativamente aos serviços de interesse económico geral, consagrada no artigo 16º do Tratado CE. É fruto de uma consulta[6] com os Estados-Membros e as organizações da sociedade civil, que permitiu à Comissão proceder a um primeiro levantamento dos desafios e das questões em jogo. A Comissão faz questão de prosseguir com este processo aberto de consulta e de reflexão ao longo das etapas que se seguem e que a presente comunicação anuncia.

É oportuno recordar que o quadro comunitário existente respeita o princípio da subsidiariedade. Os Estados-Membros podem definir livremente o que entendem por serviços de interesse económico geral e, em particular, por serviços sociais de interesse geral. Dentro dos Estados-Membros são os poderes públicos, ao nível apropriado, que definem as obrigações e as missões de interesse geral desses serviços, bem como os respectivos princípios de organização. Em contrapartida, o quadro comunitário exige que os Estados-Membros tenham em conta certas regras sempre que determinem as modalidades de execução dos objectivos e dos princípios que eles próprios fixaram. A presente comunicação constitui um passo suplementar no processo de tomada em consideração das especificidades dos serviços sociais a nível europeu e uma clarificação da medida em que estão abrangidas pelas regras comunitárias aplicáveis a esses serviços.

I - SERVIÇOS SOCIAIS, OS PILARES DA SOCIEDADE E DA ECONOMIA EUROPEIAS

1.1. Os serviços sociais na União Europeia

O que se entende por serviços sociais na União Europeia? Para além dos serviços de saúde propriamente ditos, que não estão tratados na presente comunicação, esses serviços sociais podem ser classificados nos dois grandes grupos seguintes:

- os regimes legais e os regimes complementares de protecção social, nas diversas formas de organização (mutualistas ou profissionais), que cobrem os riscos fundamentais da vida, tais como os relacionados com saúde, velhice, acidentes de trabalho, desemprego, reforma, deficiência;

- os outros serviços essenciais prestados directamente às pessoas. Estes serviços desempenham um papel de prevenção e de coesão social, porquanto proporcionam uma ajuda personalizada com vista a facilitar a inclusão das pessoas na sociedade e a garantir o cumprimento dos seus direitos fundamentais. Englobam em primeiro lugar a ajuda às pessoas na gestão dos desafios imediatos da vida ou das crises (como o endividamento, o desemprego, a toxicodependência, a ruptura familiar). Em segundo lugar, contemplam actividades que visam assegurar que as pessoas beneficiárias tenham as competências necessárias à sua inserção completa na sociedade (reabilitação, formação linguística para os imigrantes) e em particular no mercado de trabalho (formação, reinserção profissional). Estes serviços completam e apoiam o papel das famílias nos cuidados prestados, nomeadamente aos mais jovens e aos mais idosos. Em terceiro lugar, fazem parte destes serviços as actividades que se destinam a assegurar a inclusão das pessoas que necessitam de cuidados prolongados em virtude de uma deficiência ou de um problema de saúde. Em quarto lugar, inclui-se igualmente a habitação social, que proporciona uma habitação às pessoas desfavorecidas ou aos grupos sociais mais desprotegidos. Certos serviços podem evidentemente englobar cada uma destas quatro dimensões[7].

Muito embora os serviços sociais, nos termos do direito comunitário aplicável na matéria, não constituam uma categoria jurídica distinta no contexto dos serviços de interesse geral, esta enumeração prova à saciedade que eles ocupam um lugar específico como pilares da sociedade e da economia europeias, primordialmente pela sua contribuição para os vários objectivos e valores essenciais da Comunidade, tais como um elevado nível de emprego e de protecção social, um nível elevado de protecção da saúde humana, a igualdade entre homens e mulheres, e a coesão social e territorial. Porém, esta especificidade decorre também do carácter vital das necessidades que a eles são chamados a atender, garantindo assim a aplicação de direitos fundamentais, como a dignidade e a integridade do ser humano. Da consulta com os Estados-Membros e as organizações da sociedade civil ressaltou que, em razão desta especificidade, no cumprimento da sua missão de interesse geral, os serviços sociais frequentemente apresentam de facto uma ou várias das seguintes características organizacionais[8]:

- um funcionamento norteado pelo princípio da solidariedade, que implica nomeadamente a não-selecção dos riscos ou a ausência de equivalência a título individual entre contribuições e prestações;

- um carácter polivalente e personalizado que integra as respostas às diversas necessidades indispensáveis para garantir os direitos humanos fundamentais e proteger as pessoas mais vulneráveis;

- a ausência de fins lucrativos[9], para abordar as situações mais difíceis e cuja explicação assenta frequentemente em razões históricas;

- a participação de voluntários e de benévolos, expressão de uma capacidade cívica;

- uma implantação bem arreigada numa tradição cultural (local), que encontra expressão na proximidade entre o prestador do serviço e o beneficiário e que permite ter em conta as necessidades específicas deste último;

- dado que uma relação assimétrica entre prestador e beneficiários não pode ser equiparada a uma relação «normal» de tipo fornecedor-consumidor, é exigida a participação de um «terceiro pagador».

1.2. Uma exigência geral de modernização e de qualidade

Os serviços sociais formam um sector em plena expansão, tanto em matéria de crescimento económico como de criação de empregos. São também objecto de uma intensa procura de qualidade e de eficácia[10] Todos os Estados-Membros encetaram processos de modernização dos serviços sociais a fim de melhor gerir as tensões entre a universalidade, a qualidade e a sustentabilidade financeira. Ainda que a organização dos serviços sociais continue a variar muito de um Estado-Membro para outro, esta modernização apresenta certos aspectos que são generalizados:

- a introdução de métodos de "benchmarking", de controlos de qualidade, do envolvimento dos utentes na gestão;

- a descentralização da organização dos serviços para o nível local ou regional;

- a externalização das tarefas do sector público para o sector privado, processo em que as autoridades públicas se transformam em agentes reguladores, zeladores de uma «concorrência regulada» e de uma boa organização a nível nacional, local ou regional;

- o desenvolvimento de parcerias público-privadas e o sector privado e o recurso a outras formas de financiamento complementares do financiamento público.

Este ambiente mais concorrencial e a tomada em consideração das necessidades particulares de cada pessoa, incluindo os não-solváveis, proporcionam assim um clima propício a uma «economia social», caracterizada pela forte intervenção prestadores sem fins lucrativos, mas confrontada com a exigência de eficácia e de transparência.

1.3 . Um quadro comunitário aberto à tomada em consideração das especificidades e favorável à modernização

O desenvolvimento e a modernização dos serviços sociais estão já a ser apoiados por numerosas iniciativas e acções comunitárias, políticas e financeiras, mormente pelo diálogo social. De um ponto de vista financeiro, o Fundo Social Europeu apoia numerosos projectos que concorrem para a qualidade dos serviços vocacionados para a inclusão social e a integração pelo emprego. Do mesmo modo, o FEDER consagrou quase 7 mil milhões de euros à infra-estrutura dos serviços sociais e de saúde na UE25 ao longo do período de 2000-2006. Entre as iniciativas de natureza política, o método aberto de coordenação permitiu fazer surgir boas práticas europeias para a qualidade e a integração dos serviços destinados à luta contra a pobreza; este método aplica-se directamente desde 2005 aos serviços de cuidados continuados. Por último, o programa de acção para a inclusão social incentiva o intercâmbio de boas práticas e as cooperações transnacionais exemplares. Outros domínios de actividade da União, nomeadamente em matéria de finanças públicas, proporcionam também um apoio e um enquadramento para a modernização dos serviços sociais.

O empenhamento europeu em relação aos serviços sociais assenta igualmente na aplicação do direito comunitário. Esse facto resulta dos processos de abertura ou de diversificação lançados pelos próprios Estados-Membros, que têm como consequência que uma parte crescente dos serviços sociais na União Europeia, até então geridos directamente pelas autoridades públicas, passou a estar sujeita às regras comunitárias que regem o mercado interno e à concorrência. Este empenhamento europeu concorre também para a modernização dos serviços sociais, graças a uma maior transparência e uma melhor eficácia na organização e no financiamento. que faz pressão no sentido de um melhor uso dos recursos financeiros, por princípio limitados, consagrados às políticas sociais. Contribui igualmente para um aumento da variedade e da qualidade dos serviços.

Ao mesmo tempo, esta situação nova para os agentes em causa acentuou a necessidade de clarificação das condições de aplicação de certas regras comunitárias[11].

II - A APLICAÇÃO DAS REGRAS COMUNITÁRIAS AO DOMÍNIO DOS SERVIÇOS SOCIAIS: UMA LÓGICA CONSTANTE

2.1. A aplicação do princípio da subsidiariedade e a distinção entre serviços de interesse geral de carácter económico e não económico

De uma maneira geral, a jurisprudência do Tribunal de Justiça (o Tribunal) precisa que o Tratado CE reconhece aos Estados-Membros a liberdade de definir missões de interesse geral e estabelecer os princípios de organização que daí decorrem para os serviços que são chamados a realizá-las.

No entanto, esta liberdade deve ser exercida na transparência e sem se abusar da noção de interesse geral. No exercício deste direito, os Estados-Membros devem ter em conta o direito comunitário ao determinarem as modalidades de aplicação dos objectivos e dos princípios que se fixaram. Assim, por exemplo, são obrigados a respeitar o princípio da não-discriminação e o direito comunitário em matéria de contratos públicos e de concessões quando organizarem um serviço público.

Para além disso, sempre que se trate de serviços de natureza económica, deve igualmente ser assegurada a compatibilidade dos seus modelos de organização com outros domínios do direito comunitário (designadamente a livre prestação de serviços, a liberdade de estabelecimento e o direito em matéria de concorrência).

No âmbito do direito da concorrência, o Tribunal determinou que deve ser considerada como actividade económica «qualquer actividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado por uma empresa, independentemente do estatuto desta última e do seu modo de financiamento»[12].

No que diz respeito à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento, o Tribunal determinou que devem ser consideradas como actividades económicas na acepção do Tratado as prestações fornecidas normalmente contra remuneração. O Tratado não exige, no entanto, que o serviço seja pago directamente por aqueles que dele beneficiam[13]. Daí resulta que a quase totalidade dos serviços prestados no domínio social deve ser considerada como «actividade económica» na acepção dos artigos 43.º e 49.º do Tratado CE.

As autoridades públicas e os operadores no domínio dos serviços sociais de interesse geral vêem na evolução constante da jurisprudência do Tribunal, mormente no que toca ao conceito de «actividade económica», uma fonte de incerteza. Ainda que a jurisprudência e a legislação comunitárias[14] se tenham esforçado por reduzir esta incerteza ou clarificar o respectivo impacto, não o podem abolir.

2.2. Situações concretas encontradas hoje pelos serviços sociais

Para compreender bem as condições concretas da aplicação do quadro comunitário à situação dos serviços sociais, a presente comunicação debruça-se sobre as situações mais frequentes.

2.2.1. A escolha da delegação

- A escolha da delegação parcial ou completa de uma missão social

Se os poderes públicos decidirem confiar a missão a um parceiro externo ou cooperar com o sector privado, pode entrar em jogo o direito comunitário em matéria de contratos públicos e de concessões.

Nesses casos, o organismo público que atribui a uma organização externa uma missão social de interesse geral deve, no mínimo, respeitar os princípios da transparência, da igualdade de tratamento e da proporcionalidade. Além disso, em certos casos, as directivas «contratos públicos» impõem obrigações mais concretas. Por exemplo, a Directiva 2004/18/CE, que trata dos contratos públicos de prestação de serviços, exige que as entidades adjudicantes estabeleçam especificações técnicas para os documentos do concurso, como sejam os anúncios de concurso, o caderno de encargos ou os documentos complementares. Certos Estados-Membros e prestadores de serviços assinalaram a esse respeito a dificuldade em estabelecer de antemão uma descrição precisa do caderno de encargos para serviços sociais que têm de se adaptar caso a caso às necessidades das pessoas.

Para superar esta dificuldade, as especificações técnicas podem ser estabelecidas com base em desempenho e em exigências funcionais. Tal significa que as entidades adjudicantes ou adjudicatárias podem limitar-se a definir os objectivos a atingir pelo prestador do serviço. Este modo de definir as «especificações técnicas» deveria garantir a flexibilidade necessária e ao mesmo tempo uma precisão suficiente para determinar o objecto do contrato ou do concurso.

- A gestão de um serviço social no âmbito de uma parceria público-privada

As parcerias público-privadas (PPP) são cada vez mais utilizadas para a prestação de serviços sociais de interesse geral.

Parece necessário neste contexto clarificar o conceito de «concessões» e as regras relativas à sua atribuição, bem como a aplicação das disposições dos contratos públicos relativas à criação de entidades de capitais mistos cujos fins são prestar um serviço de interesse público (PPP institucionalizadas). No que se refere às PPP institucionalizadas, a consulta mostrou que se torna necessária uma clarificação.

Relativamente à distinção entre entidades «internas» e «terceiras», o acórdão Stadt Halle[15], proferido pelo Tribunal, trouxe importantes clarificações. Este acórdão estipula que os procedimentos de celebração de contratos públicos são aplicáveis sempre que uma autoridade pública tenha a intenção de celebrar um contrato a título oneroso com uma empresa juridicamente distinta, em cujo capital detém uma participação com uma ou várias empresas privadas.

2.2.2. Recurso a uma compensação financeira pública

Uma autoridade pública pode decidir compensar as despesas ligadas ao cumprimento de uma missão social de interesse geral por um organismo externo. Esta compensação financeira destina-se a equilibrar as despesas resultantes do cumprimento da missão às quais não estaria sujeita uma empresa que estivesse a operar apenas segundo os critérios do mercado. Na sequência de um acórdão do Tribunal[16], a Comissão[17] tomou uma decisão em matéria de concorrência que já simplificou consideravelmente as exigências relativas às compensações financeiras recebidas pelos prestadores de serviços sociais e fornece a segurança jurídica necessária. Com efeito, esta decisão estabelece limiares e critérios tais, que as compensações recebidas por uma grande maioria de serviços sociais passam a ser automaticamente consideradas como compatíveis com as regras da concorrência e por isso ficam isentas da obrigação de notificação prévia. Para o reduzido número de serviços sociais que não respeitam estes limiares e estes critérios, continuará a ser necessário comunicar à Comissão uma notificação da compensação financeira[18].

Contudo, estes benefícios e estas simplificações podem ser aplicáveis apenas se for atribuída aos serviços em questão, a priori mediante um «acto legal», uma missão que ateste o seu carácter de interesse geral. A decisão da Comissão incita, por conseguinte, os Estados-Membros a explicitar as missões que confiam aos serviços sociais, contribuindo assim para uma transparência que é útil a todos, quer aos serviços interessados quer aos seus utentes.

2.2.3. Recurso à regulação do mercado

No caso em que os operadores privados prestarem um serviço social, o Estado pode decidir enquadrar o funcionamento do mercado a fim de assegurar a realização de objectivos de interesse geral. Contudo, no exercício desta competência, os Estados-Membros devem respeitar o direito comunitário e mais particularmente as regras e os princípios gerais do Tratado relativos à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento. É oportuno recordar neste contexto que os serviços excluídos do âmbito de aplicação da directiva relativa aos serviços no mercado interno, continuarão a estar sujeitos a essas regras e princípios.

A liberdade de estabelecimento (artigo 43.º do Tratado) permite a um operador exercer uma actividade económica através de uma instalação estável num outro Estado-Membro por uma duração indeterminada. Esse caso é frequente no âmbito dos serviços sociais, para os quais o recurso a infra-estruturas é necessário na prática (habitação social, residências para pessoas idosas).

A livre prestação de serviços (artigo 49.º do Tratado) permite a um agente económico prestar serviços de forma temporária noutro Estado-Membro sem nele estar estabelecido. Permite igualmente a um utente recorrer aos serviços entregues por um prestador estabelecido noutro Estado-Membro. Os artigos 43.º e 49.º do Tratado CE opõem-se não só às regras nacionais discriminatórias, mas igualmente a qualquer regra nacional aplicável indistintamente aos operadores nacionais e estrangeiros que obstrua ou torne menos atractivo o exercício destas liberdades fundamentais. No entanto, segundo a jurisprudência do Tribunal, os objectivos em matéria de política social constituem «razões imperiosas de interesse geral», que podem justificar a aplicação de medidas destinadas a regular o mercado, como sejam a obrigação de dispor de uma autorização para prestar um serviço social. O Tribunal entendeu que tais medidas devem ser baseadas em critérios objectivos, não discriminatórios e conhecidos de antemão, por forma a enquadrar o exercício do poder de apreciação das autoridades nacionais. Para serem compatíveis com o direito comunitário, estas medidas devem também ser proporcionadas. Além disso, deve ser garantida a possibilidade de recorrer para uma instância objectiva e imparcial[19].

2.2.4. Compatibilidade com as regras de acesso ao mercado

A análise destes diferentes exemplos ilustra a flexibilidade da aplicação do Tratado quando se trata de reconhecer, mormente na acepção do n.º 2 do artigo 86.º, as especificidades inerentes às missões de interesse geral próprias a esses serviços. Estas especificidades devem, pois, ser tidas em conta na verificação da compatibilidade das modalidades de cumprimento de uma missão de interesse geral com as regras de acesso ao mercado. As regras comunitárias incitam os poderes públicos a precisar, para além da definição das missões de interesse geral que confiam a um organismo social, a correspondência entre os ónus ou as obrigações inerentes a esta missão e as limitações ao acesso ao mercado que consideram necessárias para permitir a estes organismos fazer face a esses ónus ou a essas obrigações.

III - ACOMPANHAR MAIS EFICAZMENTE OS SERVIÇOS SOCIAIS DE INTERESSE GERAL NA UNIÃO EUROPEIA

3.1. Uma consulta aprofundada sobre as características da especificidade

A presente comunicação apresenta uma lista aberta das características que reflectem as especificidades inerentes aos serviços sociais enquanto serviços de interesse geral (ver secção 1.1.). Para além dos critérios clássicos do interesse geral (universalidade, transparência, continuidade, acessibilidade, etc.) reconhecidas às missões dos serviços sociais, estas características referem-se às condições e modalidades de organização que lhes são peculiares. Estas características constituirão o ponto de partida para uma consulta que a Comissão promoverá junto dos agentes pertinentes, designadamente, Estados-Membros, prestadores de serviços e utilizadores. A consulta incidirá sobre:

- os elementos que constituem essas características, assim como a respectiva pertinência para apreender a especificidade dos serviços sociais de interesse geral;

- a formo como esses critérios poderão ser tomados em consideração pelos Estados-Membros aquando da definição das missões de interesse geral dos serviços sociais e das suas modalidades de organização, em proveito de uma boa articulação «a priori» com o quadro comunitário;

- a experiência com a aplicação do direito comunitário no domínio dos serviços sociais de interesse geral e eventuais problemas encontrados neste contexto;

- o modo como estas características (ou outras) poderão ser consideradas pela Comissão caso tenha de verificar «a posteriori» e individualmente a compatibilidade das modalidades de organização dos serviços sociais com o respeito dos princípios comunitários da transparência e da proporcionalidade.

3.2. Acompanhamento da situação dos serviços sociais de interesse geral na União Europeia

A fim de melhorar o conhecimento recíproco dos operadores e da Comissão Europeia sobre as questões relativas à aplicação das regras comunitárias ao desenvolvimento dos serviços sociais e aprofundar a informação mútua e o intercâmbio entre operadores e instituições europeias, será instaurado um processo de acompanhamento e de diálogo sob forma de relatórios bienais.

Os relatórios inscrever-se-ão no âmbito das demais iniciativas comunitárias que concorrem para a modernização dos serviços sociais, nomeadamente o método aberto de coordenação em matéria de protecção social e inclusão social.

A Comissão lançou no início de 2006 um estudo destinado a recolher as informações necessárias para elaborar o primeiro relatório bienal. Estas informações vão incidir sobre o funcionamento do sector, a sua importância socio-económica e as implicações da aplicação do direito comunitário. Os resultados do estudo deverão estar disponíveis em meados de 2007.

CONCLUSÃO

A presente comunicação constitui um passo suplementar na tomada em consideração das especificidades dos serviços sociais a nível europeu. É sobre esta base que a Comissão prosseguirá as consultas com os Estados-Membros, os prestadores de serviços e os utentes.

Com base neste processo aberto de consultas, a que a Comissão atribui grande importância, e apoiando-se nos resultados do estudo em curso sobre os serviços sociais e nos dos trabalhos do Comité da Protecção Social, a Comissão elaborará um primeiro relatório bienal e reexaminará a situação dos serviços sociais de interesse geral ou de determinados sectores de entre eles, à luz da aplicação do direito comunitário. Pretende-se atender com maior rigor à diversidade dos serviços sociais, tal como definidos no parágrafo 1.1., e examinar como é que os critérios de especificidade destes serviços poderão ser utilizados tanto pela Comissão como pelos Estados-Membros a fim de reduzir a insegurança jurídica inerente às situações em que se impõem uma abordagem casuística. À luz desta experiência, a Comissão decidirá do seguimento a dar a este processo e estudará a melhor abordagem a seguir, inclusive, pela consideração da necessidade e da oportunidade de apresentação de uma proposta legislativa.

[1] COM(2004) 374 de 12.5.2004.

[2] COM(2005) 33 de 9.2.2005.

[3] SEC(2005) 981 de 20.7.2005.

[4] COM(2006) 160 de 4.4.2006.

[5] Ver Estratégia Política Anual 2007, COM(2006) 122 de 14.3.2006, p. 11.

[6] Os resultados deste recenseamento podem ser consultados em: http://europa.eu.int/comm/employment_social/social_protection/questionnaire_fr.htm.

[7] O ensino e a formação, ainda que sejam serviços de interesse geral com uma clara função social, não estão abrangidos pela presente comunicação.

[8] Estes critérios são o resultado do recenseamento/levantamento mencionado supra (cf. 6 supra).

[9] No acórdão Sodemare, o Tribunal considera que uma condição de inexistência de fins lucrativos pode ser compatível com o princípio da liberdade de estabelecimento.

[10] Ver anexo 1, incluído no documento de trabalho dos serviços da Comissão SEC(2006) 516.

[11] Esta necessidade de clarificação aparece como um resultado marcante das consultas efectuadas.

[12] Ver por exemplo os processos C-180/98 à C-184/98, Pavlov, e.a.

[13] Processo C-352/85, Bond van Adverteerders.

[14] Ver anexo 2, incluído no documento de trabalho dos serviços da Comissão SEC(2006) 516.

[15] Processo C-26/03, acórdão de 11.1.2005.

[16] Processo C-280/00, acórdão de 24.7.2003, Altmark Trans.

[17] JO L 312 de 29.11.2005, pp. 67-73.

[18] Ver anexo 2, incluído no documento de trabalho dos serviços da Comissão SEC(2006) 516.

[19] Ver por exemplo o acórdão de 20.2.2001, Processo C-205/99, Analir.

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