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Document 62015CJ0447

Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 7 de julho de 2016.
Ivo Muladi contra Krajský úřad Moravskoslezského kraj.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Krajský soud v Ostravě.
Reenvio prejudicial — Transporte — Diretiva 2003/59/CE — Obrigação de qualificação inicial — Artigo 4.° — Direitos adquiridos — Titulares de cartas de condução emitidas antes das datas previstas no artigo 4.° — Isenção da obrigação de qualificação inicial — Regime nacional que fixa uma exigência suplementar de formação contínua prévia com uma duração de 35 horas para beneficiar da referida isenção.
Processo C-447/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:533

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

7 de julho de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Transporte — Diretiva 2003/59/CE — Obrigação de qualificação inicial — Artigo 4.o — Direitos adquiridos — Titulares de cartas de condução emitidas antes das datas previstas no artigo 4.o — Isenção da obrigação de qualificação inicial — Regime nacional que fixa uma exigência suplementar de formação contínua prévia com uma duração de 35 horas para beneficiar da referida isenção»

No processo C‑447/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Krajský soud v Ostravě (Tribunal Regional de Ostrava, República Checa), por decisão de 16 de julho de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de agosto de 2015, no processo

Ivo Muladi

contra

Krajský úřad Moravskoslezského kraje,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: D. Šváby (relator), presidente de secção, M. Safjan e M. Vilaras, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por J. Hottiaux e Z. Malůšková, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o da Diretiva 2003/59/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2003, relativa à qualificação inicial e à formação contínua dos motoristas de determinados veículos rodoviários afetos ao transporte de mercadorias e de passageiros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 3820/85 do Conselho e a Diretiva 91/439/CEE do Conselho e que revoga a Diretiva 76/914/CEE do Conselho (JO 2003, L 226, p. 4).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre Ivo Muladi e a Krajský úřad Moravskoslezského kraje (Autoridade regional da Região de Morávia‑Silésia, República Checa, a seguir «autoridade regional») a respeito da emissão de uma carta de aptidão profissional de motorista.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 76/914/CEE

3

O artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 76/914/CEE do Conselho, de 16 de dezembro de 1976, relativa ao nível mínimo de formação de determinados condutores de veículos de transporte rodoviário (JO 1976, L 357, p. 36), dispõe:

«1.   O nível mínimo de formação referido no n.o 1, alínea b), segundo travessão, do artigo 5.o do Regulamento (CEE) n.o 543/69 para o condutor de veículos de transporte rodoviário de mercadorias e no n.o 2, alínea c), do referido artigo para o condutor de veículos de transporte rodoviário de passageiros será reconhecido a qualquer pessoa titular de uma carta de condução nacional adequada que tenha adquirido uma formação profissional que incida, pelo menos, sobre as matérias referidas no anexo da presente diretiva.

[...]

3.   Os Estados‑Membros poderão exigir aos condutores que efetuem no seu território transportes nacionais, bem como aos condutores que efetuem transportes internacionais a bordo de veículos por eles matriculados, a aquisição de uma formação mais ampla do que a prevista no anexo. Pode tratar‑se quer de uma formação já organizada num Estado‑Membro, quer de uma formação que um Estado‑Membro decida introduzir no futuro.»

4

Nos termos do artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2003/59, a Diretiva 76/914 foi revogada com efeitos a partir de 10 de setembro de 2009.

Diretiva 2003/59

5

Os considerandos 2, 4, 5, 7, 10, 11 e 14 da Diretiva 2003/59 enunciam:

«(2)

Dado que as referidas disposições do Regulamento (CEE) n.o 3820/85 se aplicam a uma percentagem muito pequena de condutores e que atualmente apenas alguns Estados‑Membros preveem a formação profissional obrigatória, a maioria dos motoristas que atualmente conduz no território da Comunidade exerce a sua profissão unicamente com base na carta de condução.

[...]

(4)

A criação de regulamentação comunitária nova visa assegurar a qualidade da qualificação do motorista, tanto para o acesso à atividade de condução como para o seu exercício.

(5)

Em especial, a obrigatoriedade da qualificação inicial e da formação contínua visa melhorar a segurança rodoviária e a segurança do motorista, incluindo nas operações por ele efetuadas com o veículo imobilizado. Além disso, a modernidade do emprego de motorista deveria suscitar nos jovens o interesse por esta profissão, contribuindo assim para o recrutamento de novos motoristas numa época de escassez.

[...]

(7)

A fim de poder comprovar a regularidade do motorista perante as suas obrigações, os Estados‑Membros devem emitir‑lhe um certificado de aptidão profissional, a seguir denominado ‘CAP’, que comprove a sua qualificação inicial ou a sua formação contínua.

[...]

(10)

Para efeitos da qualificação inicial e da formação contínua, são exigências mínimas a respeitar as normas de segurança durante a condução e com o veículo imobilizado. A promoção de uma condução defensiva — antecipação dos perigos, consciência da condução dos demais utentes da estrada —, juntamente com a resultante racionalização do consumo de combustível, terão efeitos positivos tanto para a sociedade como para o próprio setor dos transportes rodoviários.

(11)

A presente diretiva não deverá pôr em causa os direitos adquiridos pelos motoristas que tenham obtido a carta de condução necessária para o exercício da sua atividade em data anterior à data a partir da qual está previsto que seja necessário obter um CAP que comprove a qualificação inicial ou a formação contínua correspondentes.

[...]

(14)

Convém que os Estados‑Membros imponham a realização da primeira formação contínua, e que emitam ao motorista o CAP correspondente, num prazo de cinco anos quer após a data de emissão do CAP que comprova a qualificação inicial, quer após a data‑limite fixada para que certos motoristas vejam reconhecidos os direitos adquiridos. Deverá igualmente ser permitida a antecipação ou prorrogação desses prazos. Na sequência da primeira formação contínua, o motorista deverá seguir uma formação contínua de cinco em cinco anos.»

6

Sob a epígrafe «Âmbito», o artigo 1.o da Diretiva 2003/59 enuncia:

«A presente diretiva aplica‑se à atividade de condução exercida por:

a)

Nacionais de um Estado‑Membro;

b)

Nacionais de um país terceiro empregados ou contratados por uma empresa estabelecida num Estado‑Membro;

a seguir denominados ‘motoristas’, que efetuem transportes rodoviários no interior da Comunidade, em estradas abertas ao público, por meio de:

veículos para os quais seja exigida uma carta de condução de uma das categorias C1, C1 + E, C ou C + E, tal como definidas pela Diretiva 91/439/CEE, ou uma carta reconhecida como equivalente,

veículos para os quais seja exigida uma carta de condução de uma das categorias D1, D1 + E, D ou D + E, tal como definidas pela Diretiva 91/439/CEE, ou uma carta reconhecida como equivalente.»

7

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2003/59 prevê que «[a] atividade de condução, definida no artigo 1.o, está subordinada às obrigações de qualificação inicial e de formação contínua».

8

Sob a epígrafe «Direitos adquiridos», o artigo 4.o da referida diretiva dispõe:

«Estão isentos da obrigação de qualificação inicial os motoristas que:

a)

Sejam titulares de uma carta de condução de uma das categorias D1, D1 + E, D ou D + E ou de uma carta reconhecida como equivalente, emitida até dois anos após a data‑limite de transposição da presente diretiva;

b)

Sejam titulares de uma carta de condução de uma das categorias C1, C1 + E, C ou C + E ou de uma carta reconhecida como equivalente, emitida no prazo de três anos após a data‑limite de transposição da presente diretiva.»

9

Os artigos 5.° e 6.° da referida diretiva dizem respeito às regras aplicáveis à qualificação inicial dos motoristas, bem como ao CAP que a comprova.

10

Os artigos 7.° e 8.° da Diretiva 2003/59 dizem respeito às regras aplicáveis à formação contínua dos motoristas, bem como ao CAP que a comprova.

11

Sob a epígrafe «CAP comprovativo da formação contínua», o artigo 8.o da referida diretiva prevê, nos seus n.os 1 a 4:

«1.   No final da formação contínua referida no artigo 7.o, as autoridades competentes do Estado‑Membro ou o centro de formação reconhecido emite ao motorista um CAP comprovativo da formação contínua.

2.   Deve ser seguida uma primeira formação contínua:

a)

Pelos titulares de um CAP referido no artigo 6.o, nos cinco anos seguintes à data de emissão do CAP;

b)

Pelos motoristas referidos nas alíneas a) e b) do artigo 4.o, nos cinco anos seguintes, respetivamente, às datas a que se refere o n.o 2 do artigo 14.o, segundo um calendário fixado pelos Estados‑Membros.

Os Estados‑Membros podem reduzir ou prorrogar os prazos referidos nas alíneas a) e b), nomeadamente a fim de os fazerem coincidir com o fim do prazo de validade da carta de condução ou para permitir a instauração gradual da formação contínua. No entanto, esse prazo não pode ser inferior a três anos nem superior a sete anos.

3.   Os motoristas que tiverem completado a primeira formação contínua referida no n.o 2 devem seguir uma formação contínua de cinco em cinco anos antes do fim do período de validade do CAP comprovativo da formação contínua.

4.   Os titulares de um CAP referido no artigo 6.o ou do CAP referido no n.o 1 do artigo 8.o, bem como os motoristas referidos no artigo 4.o que tenham deixado de exercer a profissão e que não respondam às exigências dos n.os 1, 2 e 3, devem seguir uma formação contínua antes de retomar o exercício da profissão.»

12

O artigo 14.o da mesma diretiva está redigido nestes termos:

«1.   Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva antes de 10 de setembro de 2006 e informar imediatamente a Comissão desse facto.

[...]

2.   Os Estados‑Membros devem aplicar estas disposições:

no que se refere à qualificação inicial para a condução dos veículos das categorias de carta de condução D1, D1 + E, D e D + E, a partir de 10 de setembro de 2008,

no que se refere à qualificação inicial para a condução de veículos das categorias de carta de condução C1, C1 + E, C e C + E, a partir de 10 de setembro de 2009.

[...]»

13

O anexo I da Diretiva 2003/59, sob a epígrafe «Exigências mínimas para a qualificação e formação», enuncia, no primeiro parágrafo da sua secção 1, sob a epígrafe «Lista das matérias», que «[o]s conhecimentos a ter em consideração para a comprovação da qualificação inicial e da formação contínua do motorista pelos Estados‑Membros devem versar pelo menos sobre as matérias referidas na presente lista. Os candidatos a motoristas devem atingir o nível de conhecimentos e de aptidões práticas necessário para conduzir com toda a segurança veículos da categoria em causa da carta de condução».

14

Sob a epígrafe «Formação contínua obrigatória prevista na alínea b) do n.o 1 do artigo 3.o», a secção 4 deste anexo prevê que a duração de cursos de formação contínua obrigatória é de 35 horas de cinco em cinco anos, lecionados por períodos de pelo menos sete horas.

Direito checo

15

A zákon č. 247/2000 Sb., o získávání a zdokonalování odborné způsobilosti k řízení motorových vozidel a změně některých zákonů (Lei n.o 247/2000 Sb., relativa à aquisição e ao aperfeiçoamento de aptidão profissional para conduzir veículos a motor e que modifica determinadas leis), de 30 de junho de 2000 (a seguir «ZZOZ»), que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2001, impõe a obrigação de aperfeiçoamento da aptidão profissional dos motoristas através de um treino de 16 horas por ano e o seu subsequente exame.

16

O artigo 52.oc, n.os 1 e 2, da referida lei prevê um procedimento ordinário de emissão da carta de aptidão profissional de motorista, a qual está subordinada à prova da aprovação no exame de aptidão profissional dos motoristas dentro dos seis meses anteriores à apresentação do pedido.

17

Para efeitos da transposição da Diretiva 2003/59, a ZZOZ foi alterada pela Lei n.o 374/2007 Sb.

18

O artigo II da Lei n.o 374/2007 Sb. dispõe:

«1.   Os motoristas titulares de um [CAP] de motorista válido à data de entrada em vigor da presente lei devem, no período de seis meses após a entrada em vigor da presente lei, mas, em qualquer caso, nunca depois do termo da validade do [CAP] de motorista, requerer por escrito a emissão de um certificado de aptidão profissional de motorista junto da autoridade municipal com jurisdição alargada. A autoridade municipal com jurisdição alargada deverá, com base nesse requerimento, emitir um certificado de aptidão profissional de motorista a favor do mesmo, nos termos da [ZZOZ], na sua versão aplicável a partir da entrada em vigor da presente lei.

2.   A validade dos [CAP] de motorista existentes terminará após o decurso [de um período] de 12 meses contado a partir da data de entrada em vigor da presente lei, mas nunca depois da data do termo da sua validade.

3.   Relativamente aos motoristas que obtiveram aprovação no exame, nos termos do regime vigente e antes da entrada em vigor da presente lei, e a favor dos quais, no momento da referida entrada em vigor, a autoridade municipal com jurisdição alargada não tenha emitido um [CAP] de motorista, esta autoridade emitirá um certificado de aptidão profissional de motorista nos termos da [ZZOZ], na sua versão aplicável a partir da data de entrada em vigor da presente lei.

4.   Relativamente aos motoristas que obtenham a carta de condução para o subgrupo C1 até 10 de setembro de 2009, a autoridade municipal com jurisdição alargada emitirá, mediante requerimento escrito, um certificado de aptidão profissional de motorista nos termos da [ZZOZ], na sua versão aplicável a partir da data de entrada em vigor desta lei.

5.   Relativamente aos motoristas que obtiveram a carta de condução dos grupos e subgrupos D1, D1 + E, D ou D + E entre a data de entrada em vigor da presente lei e 10 de setembro de 2008, e dos grupos e subgrupos C1 + E, C ou C + E entre a data de entrada em vigor desta lei e 10 de setembro de 2009, a autoridade municipal com jurisdição alargada emitirá, mediante requerimento escrito, um certificado de aptidão profissional de motorista nos termos da [ZZOZ], na sua versão aplicável a partir da data de entrada em vigor da presente lei. Esta disposição aplica‑se também aos motoristas que obtenham a carta de condução dos grupos e subgrupos referidos na primeira frase até seis meses antes da data de entrada em vigor da presente lei e que não sejam titulares de um certificado de aptidão profissional de motorista válido à data da entrada em vigor da presente lei.

[...]

7.   Os motoristas relativamente aos quais deva ser emitido um certificado de aptidão profissional de motorista nos termos dos n.os 1, 3, 4 e 5 devem seguir uma formação contínua, nos termos da [ZZOZ], na versão vigente a partir da entrada em vigor da presente lei. A obrigação de frequentar a formação inicial, nos termos da presente lei, não lhes será aplicável.»

19

O artigo 48.o, n.os 4 e 5, da ZZOZ, conforme alterado em 1 de agosto de 2011 pela Lei n.o 133/2011 Sb., que visa, designadamente, assegurar a transposição completa da Diretiva 2003/59, dispõe:

«4.   Um motorista que, tendo deixado de exercer a sua profissão a volte a exercer sem ter completado a formação contínua prevista no artigo 48.o deve, caso pretenda conduzir novamente um veículo a cujo motorista se aplique a obrigação de aperfeiçoamento da aptidão profissional, participar num curso de formação contínua com a duração de 35 horas [...]

5.   O disposto no n.o 4 aplica‑se por analogia aos motoristas que não tenham, até ao momento, sido titulares de um certificado de aptidão profissional de motorista ou de um documento que ateste a aptidão profissional emitido por outro Estado‑Membro da União Europeia em conformidade com o direito da União [...], ainda que a carta de condução do grupo ou subgrupo C1, C1 + E, C e E lhes tenha sido atribuída antes de 10 de setembro de 2009 e, no caso da carta de condução do grupo ou subgrupo D1, D1 + E, D ou D + E, antes de 10 de setembro de 2008.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

20

I. Muladi é titular de uma carta de condução da categoria C desde 1984 e de uma carta de condução da categoria D desde 1989.

21

Até 30 de março de 2008, I. Muladi era um examinador acreditado, com o direito de formar e examinar em conformidade com a ZZOZ.

22

Em 14 de março de 2010, I. Muladi pediu ao Magistrát (Autoridade municipal) da cidade de Ostrava (República Checa) uma carta de aptidão profissional de motorista alegando que, em 9 e 28 de março de 2008, se submeteu, ele próprio, a um exame para as categorias de carta de condução A, C e D, nos termos do regime aplicável, entendendo, além disso, ter completado uma formação de dezasseis horas, que tinha administrado a ele próprio.

23

Em 3 de junho de 2010, o seu pedido foi indeferido com o fundamento de que não tinha feito prova de ter realizado com sucesso o exame previsto pelo regime anterior à Lei n.o 374/2007 Sb. no período de seis meses anteriores à apresentação desse pedido.

24

I. Muladi interpôs recurso desta decisão, tendo a autoridade regional negado provimento ao mesmo em 13 de agosto de 2010.

25

Por decisão de 23 de fevereiro de 2012, o Krajský soud v Ostravě (Tribunal Regional de Ostrava, República Checa) anulou a decisão da autoridade regional de 13 de agosto de 2010. Em seguida, a autoridade regional anulou a decisão da autoridade municipal da cidade de Ostrava de 3 de junho de 2010 e convidou‑a a adotar uma nova decisão, indicando‑lhe que devia examinar se se verificavam os requisitos das outras alternativas de emissão de uma carta de aptidão profissional de motorista.

26

Em 27 de setembro de 2012, a autoridade municipal da cidade de Ostrava indeferiu de novo o pedido de I. Muladi.

27

Esta decisão foi confirmada por uma decisão da autoridade regional de 15 de janeiro de 2013, contra a qual se dirige o recurso a apreciar pelo órgão jurisdicional de reenvio.

28

Neste contexto, este último entende que a emissão do CAP solicitado por I. Muladi não se pode efetuar com fundamento em nenhuma das três bases jurídicas previstas pelo direito nacional, a saber, o artigo II, n.o 3, da Lei n.o 374/2007 Sb., o artigo 52.oc da ZZOZ e o artigo 48.o, n.os 4 e 5, da ZZOZ, conforme alterado pela Lei n.o 133/2011 Sb.

29

Com efeito, quanto à primeira base jurídica, esse órgão jurisdicional considera que ela não é aplicável, pois mesmo formadores como I. Muladi deviam ser submetidos a um exame e não se podiam, por isso, autoexaminar. No que toca à segunda base jurídica, entende que I. Muladi não demonstrou ter sido aprovado no exame de aptidão profissional durante os seis meses anteriores à apresentação do seu pedido. Por último, quanto à terceira base jurídica, constata que I. Muladi não provou a sua participação numa formação com a duração de 35 horas.

30

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio duvida que esta última base jurídica esteja em conformidade com o direito da União. A este respeito, considera que, embora nem a Diretiva 2003/59 nem o artigo 91.o TFUE autorizem os Estados‑Membros a adotar um regime mais rigoroso, esta faculdade resulta do objetivo desta diretiva, que visa fixar exigências mínimas a cumprir no quadro da qualificação inicial e da formação contínua dos motoristas. A este respeito, refere que, mesmo antes da transposição da Diretiva 2003/59, na República Checa não era suficiente ter uma simples carta de condução para conduzir os veículos abrangidos por esta diretiva e que os motoristas estavam obrigados a aperfeiçoar a sua aptidão profissional segundo os critérios enunciados no n.o 15 do presente acórdão. Todavia, assinala que tal regime poderia afetar os interesses legítimos dos motoristas, bem como a sua liberdade profissional, consagrada no artigo 15.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), mas igualmente constituir um obstáculo potencial à livre circulação de pessoas e serviços na União Europeia.

31

Tendo em conta o exposto, o Krajský soud v Ostravě (Tribunal Regional de Ostrava) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O disposto no artigo 4.o da Diretiva 2003/59 opõe‑se a uma legislação nacional que impõe requisitos adicionais para isentar motoristas de determinados veículos rodoviários destinados ao transporte de bens e passageiros da obrigação de qualificação inicial?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à admissibilidade

32

O Governo checo sustenta que a questão submetida pelo Krajský soud v Ostravě (Tribunal Regional de Ostrava) é inadmissível, porque o órgão jurisdicional de reenvio não precisa as disposições concretas de direito checo que violariam a Diretiva 2003/59, e fornece apenas uma descrição fragmentária dos factos, sem descrever mais concretamente o quadro jurídico no qual é chamado a decidir, bem como as circunstâncias de facto que são essenciais a este respeito, e a questão submetida não tem manifestamente qualquer nexo com a solução do litígio no processo principal, uma vez que aquela se refere à obrigação de qualificação inicial no sentido dos artigos 5.° e 6.° da Diretiva 2003/59, ao passo que o litígio no processo principal diz respeito à obrigação de seguir uma formação contínua na aceção dos artigos 7.° e 8.° desta diretiva.

33

A este respeito, cumpre recordar que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando a questão colocada pelo juiz nacional respeita à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir. A recusa de resposta a uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando é manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema é hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto ou de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (acórdão de 17 de março de 2016, Aspiro, C‑40/15, EU:C:2016:172, n.o 17 e jurisprudência referida).

34

No caso em apreço, o pedido de decisão prejudicial mostra claramente o nexo entre a interpretação solicitada do artigo 4.o da Diretiva 2003/59 e a solução do litígio submetido à apreciação do órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, este último indica que se interroga sobre a questão de saber se, quando foi adotada a Lei n.o 374/2007 Sb., que procedeu à transposição da Diretiva 2003/59, o legislador checo podia prever condições suplementares para a manutenção dos direitos adquiridos dos motoristas, direitos visados por esse artigo e cujo benefício é reivindicado pelo recorrente no processo principal.

35

Do mesmo modo, como resulta dos n.os 15 a 23 do presente acórdão, a decisão de reenvio fornece uma descrição suficientemente detalhada tanto do quadro factual como do quadro jurídico no processo principal.

36

Deste modo, a questão prejudicial é admissível.

Quanto ao mérito

37

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 4.o da Diretiva 2003/59 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime nacional, como o que está em causa no processo principal, que exige uma formação contínua prévia com a duração de 35 horas aos beneficiários da isenção da obrigação de qualificação inicial dos motoristas de determinados veículos rodoviários afetos ao transporte de mercadorias e de passageiros, prevista neste artigo, para exercer a atividade de condução em causa.

38

Note‑se, a este respeito, que, nos termos do artigo 8.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2003/59, lido à luz do considerando 14 do mesmo diploma, os motoristas que beneficiam da isenção de qualificação inicial prevista no artigo 4.o desta diretiva estão autorizados, com este fundamento, a exercer a atividade de condução durante um período que decorre até à realização da sua primeira formação contínua. Este período é determinado pelos Estados‑Membros, nos termos do artigo 8.o, n.o 2, segundo parágrafo, da referida diretiva, mas não pode ser inferior a três anos nem superior a sete anos decorridos após as datas referidas no artigo 14.o, n.o 2, desta diretiva, a saber, quer 10 de setembro de 2008 para os titulares de uma carta de condução das categorias D1, D1 + E, ou D, D + E ou de uma carta reconhecida como equivalente, quer 10 de setembro de 2009 para os titulares de uma carta de condução das categorias C1, C1 + E ou C, C + E ou de uma carta reconhecida como equivalente.

39

Resulta igualmente do anexo I da Diretiva 2003/59, com a epígrafe «Exigências mínimas para a qualificação e formação», lido à luz do considerando 10 desta diretiva, que esta procede a uma harmonização mínima das disposições nacionais relativas à qualificação inicial, bem como à formação contínua dos motoristas de determinados veículos rodoviários afetos ao transporte de mercadorias ou de passageiros.

40

Logo, os Estados‑Membros não são privados da faculdade de impor aos motoristas visados no artigo 4.o da Diretiva 2003/59 condições suplementares para exercer a atividade de condução de determinados veículos rodoviários afetos ao transporte de mercadorias ou de passageiros.

41

No que toca, mais particularmente, ao artigo 4.o desta diretiva, lido em conjugação com o artigo 14.o, n.o 2, deste diploma, em virtude do qual, para garantir os direitos adquiridos, os detentores de certas categorias de carta de condução beneficiam, a titulo transitório, de uma isenção da obrigação de qualificação inicial, deve considerar‑se que se limita a proceder a uma harmonização mínima das disposições nacionais.

42

Além disso, seria contrário à sistemática da Diretiva 2003/59 que os Estados‑Membros, embora possam impor exigências suplementares quanto à obrigação de qualificação inicial, não pudessem fixar condições suplementares quanto à isenção desta obrigação.

43

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma harmonização mínima não impede os Estados‑Membros de manterem ou adotarem medidas mais estritas, sempre que não sejam suscetíveis de comprometer seriamente o resultado visado pela diretiva em causa (v., neste sentido, acórdão de 23 de novembro de 2006, Lidl Italia, C‑315/05, EU:C:2006:736, n.o 48) e estejam em conformidade com o Tratado FUE (v., neste sentido, acórdãos de 23 de abril de 2009, Scarpelli, C‑509/07, EU:C:2009:255, n.o 24; de 10 de setembro de 2009, Comissão/Bélgica, C‑100/08, não publicado, EU:C:2009:537, n.o 70; de 1 de março de 2012, Akyüz, C‑467/10, EU:C:2012:112, n.o 53; e de 25 de abril de 2013, Jyske Bank Gibraltar, C‑212/11, EU:C:2013:270, n.o 60).

44

A este respeito, essas medidas podem ser justificadas, apesar do seu efeito restritivo, se corresponderem a uma razão imperiosa de interesse geral, forem adequadas para garantir a realização do objetivo que prosseguem e não ultrapassarem aquilo que é necessário para o alcançar (v., neste sentido, acórdão de 25 de abril de 2013, Jyske Bank Gibraltar, C‑212/11, EU:C:2013:270, n.o 60).

45

Deste modo, há que apreciar se está justificada uma condição, como a exigida pelo regime em causa no processo principal, que impõe, para fins de emissão do CAP de motorista, além da posse, prevista pela Diretiva 2003/59, de uma carta da categoria D1, D1 + E ou D, D + E ou equivalente, emitida antes de 10 de setembro de 2008, ou de uma carta C1, C1 + E ou C, C + E ou equivalente, emitida antes de 10 de setembro de 2009, a participação num curso de formação contínua prévia com uma duração de 35 horas.

46

É pacífico que a referida condição contribui para garantir a aptidão dos motoristas e para reforçar a segurança rodoviária e a dos motoristas, objetivos enunciados nos considerandos 4 e 5 da Diretiva 2003/59.

47

Além disso, não se pode considerar que tal exigência adicional vai além do que é necessário para atingir esses objetivos.

48

A este respeito, importa assinalar, em primeiro lugar, que ela se aplica unicamente às pessoas que não eram titulares de uma carta de aptidão profissional ou de um certificado equivalente e que, portanto, não exerciam ou já não exerciam a profissão de motoristas e não estavam, por conseguinte, sujeitos à obrigação de aperfeiçoamento anual prevista pela ZZOZ.

49

Em seguida, quanto ao seu objeto, uma disposição como a que está em causa no processo principal impõe uma exigência semelhante à que consta do artigo 8.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2003/59, lido em conjugação com a secção 4 do anexo I desta diretiva, por força do qual os motoristas que tenham obtido o seu CAP nos termos do artigo 4.o da Diretiva 2003/59 devem seguir uma primeira formação de 35 horas, em princípio, nos cinco anos que se seguem a 10 de setembro de 2008 no caso dos titulares de uma carta D1, D1 + E ou D, D + E ou equivalente, e a 10 de setembro de 2009 no caso dos titulares de uma carta C1, C1 + E ou C, C + E ou equivalente.

50

Acresce que isto não pode ser considerado lesivo dos direitos adquiridos dos motoristas, dado que, por um lado, a Diretiva 76/914, revogada e substituída pela Diretiva 2003/59, previa, no seu artigo 1.o, n.o 3, a possibilidade de os Estados‑Membros exigirem uma formação mais ampla que a prevista no anexo desta Primeira Diretiva para obter o CAP e que, por outro lado, como assinala o órgão jurisdicional de reenvio, o regime checo, já antes da transposição da Diretiva 2003/59 pela Lei n.o 374/2007 Sb., previa, na ZZOZ, que a posse de uma carta de condução adequada não era suficiente para conduzir os veículos abrangidos pela diretiva em causa e que, como resulta do n.o 15 do presente acórdão, os motoristas desses veículos estavam obrigados a aperfeiçoar a sua aptidão para conduzir através de formações anuais.

51

Por último, uma exigência suplementar, como a imposta pelo regime em causa no processo principal, não viola o artigo 15.o da Carta. Com efeito, nos termos do artigo 52.o, n.o 2, da Carta, só podem ser aplicadas restrições aos direitos garantidos por este artigo na condição de essas restrições corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela União e não constituírem, relativamente ao fim prosseguido, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos (v., neste sentido, acórdãos de 30 de junho de 2005, Alessandrini e o./Comissão, C‑295/03 P, EU:C:2005:413, n.o 86 e jurisprudência referida, e de 4 de julho de 2013, Gardella, C‑233/12, EU:C:2013:449, n.o 39). Ora, como foi constatado no n.o 47 do presente acórdão, um regime como o que está em causa no processo principal responde a essas exigências.

52

Nestas condições, há que responder à questão submetida que o artigo 4.o da Diretiva 2003/59 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um regime nacional, como o que está em causa no processo principal, que exige uma formação contínua prévia com a duração de 35 horas dos beneficiários da isenção da obrigação de qualificação inicial dos motoristas de determinados veículos rodoviários afetos ao transporte de mercadorias e de passageiros, prevista neste artigo, para exercer a atividade de condução em causa.

Quanto às despesas

53

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

O artigo 4.o da Diretiva 2003/59/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2003, relativa à qualificação inicial e à formação contínua dos motoristas de determinados veículos rodoviários afetos ao transporte de mercadorias e de passageiros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 3820/85 do Conselho e a Diretiva 91/439/CEE do Conselho e que revoga a Diretiva 76/914/CEE do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um regime nacional, como o que está em causa no processo principal, que exige uma formação contínua prévia com a duração de 35 horas dos beneficiários da isenção da obrigação de qualificação inicial dos motoristas de determinados veículos rodoviários afetos ao transporte de mercadorias e de passageiros, prevista neste artigo, para exercer a atividade de condução em causa.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: checo.

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